Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08443/12
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/12/2012
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO
SEGREDO INDUSTRIAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA – ARTIGO 169º Nº 1 DO CPTA.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
Sumário:I – A fundamentação avançada pelo INFARMED para consubstanciar a existência de um segredo industrial ( o documento contém elementos sobre “ um importante investimento em investigação por parte do titular de AIM que não foi divulgado”) não é susceptível de, em abstracto, ser subsumível no conceito normativo particularmente restrito de segredo industrial que a doutrina da CADA e a jurisprudência dos Tribunais Superiores vêm produzindo, a partir do disposto no artigo 318º do Código da Propriedade Industrial, pelo que violou o dever de fundamentação contido nos artigos 65º e 125º do CPA.

II – As sanções pecuniárias compulsórias são impostas intuitu personae . As decisões que impuserem sanções pecuniárias compulsórias não podem deixar de especificar qual o órgão (ou órgãos) que devem actuar e o conteúdo da actuação a que estão concretamente obrigados.
Por conseguinte, face ao disposto nos artigos 108º nº 2 e 169º nº 1 do CPTA, tais sanções só são devidas a partir da sua notificação aos titulares desses órgãos do conteúdo da actuação a que estão concretamente obrigados.

III – O artigo 456º do Código de Processo Civil diz respeito a ofensas cometidas no exercício da actividade processual, a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo. Trata-se de uma ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência ou lesão de qualquer ilícito de direito substantivo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

O INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento I.P., com sinais nos autos, inconformado com o despacho proferido pelo TAC de Lisboa, em 26 de Agosto de 2011, que considerou que “ encontram-se reunidos os pressupostos para condenar os titulares do órgão incumbido da execução ( o Conselho Directivo do requerido), a saber, o Professor Doutor ..., o Professor Doutor, ..., o Dr. ..., a Professora Doutora ...e o Dr. ..., no pagamento da quantia pecuniária compulsória correspondente a 5% do salário mínimo nacional mais elevado por cada dia de atraso que se venha a verificar na execução da sentença”, dele recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões :

“ 1. O INFARMED foi condenado por sentença, transitada em julgado, a facultar à Recorrida as informações por esta solicitadas e ainda não prestadas, após o eventual expurgo dos elementos relativos a segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas que eventualmente existam, devendo o expurgo ser devidamente fundamentado;

2. Perante tal sentença, o INFARMED executou a referida Sentença, notificando a ora Recorrido de todos os documentos constantes dos processos de comparticipação dos medicamentos em causa, excepto os documentos que haviam sido submetidos como confidenciais pelo titular de AIM;

3. Uma vez que o expurgo daqueles documentos se fundamentou numa obrigação legal de não disponibilizar documentos previamente classificados como confidenciais, e não por ter sido considerado pelo INFARMED que os documentos eram susceptíveis de violação de segredo comercial, industrial ou sobre a vida interna das empresas, a fundamentação do respectivo expurgo não poderia referir qual o tipo de elemento e em que medida eles violariam segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas.

4. Razão pela qual, no local onde deveriam constar os referidos documentos, o INFARMED inseriu uma folha nos termos da qual se refere “Dados retirados do processo por terem sido submetidos como documentos por parte do titular de AIM”, resultando clara a razão pela qual o referido expurgo havia sido feito.

5. Isto porque, no âmbito da informação extra – procedimental, o expurgo da informação a facultar não se limita apenas a elementos relativos a segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas, mas também aos documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso, e ainda a situações em que a prestação de informação possa significar a violação intolerável de direitos ou interesses legítimos de terceiros.

6. De facto, enquanto nos termos do artigo 6.º/6 da Lei 46/2007, um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização ou demonstre ter um interesse directo, pessoal e legitimo, já o artigo 6.º /7 da mesma Lei prevê que os documentos sujeitos a restrição de acesso são objecto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.

7. Ora, o documento expurgado da certidão constitui exactamente um documento sujeito a uma restrição de acesso, atento o regime previsto no artigo 15.º/2 r) do Decreto – Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, por ter sido submetido como “elemento em relação ao qual deve ser garantida a confidencialidade”.

8. E tanto assim é que, o Supremo Tribunal Administrativo, em processos de intimação de consulta de documentos limitou essa mesma consulta apenas a documentos não confidenciais.

9. Mais, o mesmo Venerando Tribunal considerou que também é legitima a recusa do acesso a documentos quando a informação for confidencial ou reservada, ou quando a prestação possa significar a violação intolerável de direitos ou interesses legítimos de terceiros.

10. Por outro lado, o INFARMED, enquanto instituto público, está sujeito aos princípios gerais previstos nos artigos 3.º, 6.º e 6.º - A do CPA, ou seja, aos princípios da legalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, não podendo por isso facultar documentos cujo teor havia sido classificado como confidencial pelo seu titular.


11. Nestes termos, esteve mal o douto Tribunal a quo ao considerar que a sentença só poderia ser considerada como executada se o INFARMED tivesse fundamentado o seu expurgo informando “o tipo de elementos em causa e a medida em que esses elementos são susceptíveis de revelar segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas requerentes da comparticipação”, porquanto tal interpretação é ilegal atenta a violação do regime previsto no artigo 6.º/7 da LADA, em conjugação com o artigo 15.º/2 r) do Decreto – Lei n.º 176/2006.

12. Tendo o INFARMED expurgado o documento em causa, atenta a respectiva obrigação legal para tal, e disso tendo informado a Recorrida, mais tendo facultado todos os restantes documentos do processo de comparticipação de todos os medicamentos, o INFARMED executou correctamente a sentença.

13. E tendo executado correctamente a sentença, não está preenchido o requisito previsto no artigo 108.º/2 do CPTA para a aplicação da sanção pecuniária compulsória em causa.

14. Ainda que se pudesse considerar que, por não ter fundamento com base no critério da violação de segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna, o que não se concede, tal seria suficiente para se considerar que a intimação não tinha sido cumprida, a aplicação da sanção pecuniária compulsória sempre seria ilegal por claramente desproporcional.”

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A ora Recorrida Associação Nacional das Farmácias contra –alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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Por sua vez, a Associação Nacional das Farmácias, com sinais nos autos, inconformada com a decisão proferida pelo TAC de Lisboa, no âmbito do mesmo processo, em 17 de Outubro de 2011, que julgou cumprida a sentença do mesmo Tribunal, de 30 de Março de 2011, “ intimando a entidade requerida [ Infarmed] a facultar à requerente, em 10 dias, as informações por esta solicitadas e ainda não solicitadas, após eventual expurgo dos elementos relativos a segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas que eventualmente existam, devendo o expurgo ser devidamente fundamentado ( com menção do tipo de elementos em causa e da medida em que esses elementos são susceptíveis de revelar segredos comerciais , industriais ou sobre a vida interna das empresas requerentes da comparticipação)” , dela recorreu e, em sede de alegações formulou as seguintes conclusões (sintetizadas):

“ A. O presente recurso vem interposto da douta decisão de fls. 774-780 dos autos, na parte em que considerou cumprida a douta sentença de fls. 90 e seguintes dos autos, com a apresentação em Tribunal da peça processual do INFARMED de fls. 472 e seguintes dos autos, na parte em que definiu como termo inicial da sanção pecuniária compulsória aplicada aos titulares do órgão de direcção INFARMED através da douta decisão de fls. 453 e seguintes dos autos, a data da notificação da mesma ao INFARMED, e na parte em que não condenou o INFARMED como litigante de má-fé.

B. O alegado pelo INFARMED na peça processual de fls. 472 e seguintes dos autos para consubstanciar a existência de um segredo industrial (o documento contém elementos sobre um importante investimento em investigação por parte do titular de AIM que não foi divulgado”) não é, sequer, susceptível de, em abstracto, ser

subsumível no conceito normativo particularmente restrito de segredo industrial que a Doutrina da CADA e a Jurisprudência dos Tribunais Superiores vêm produzindo, a partir do disposto no artigo 318.º, do CPI;

C. A fundamentação avançada pelo INFARMED na peça processual de fls. 472 e seguintes dos autos (o documento contém elementos sobre um importante investimento em investigação por parte do titular de AIM que não foi divulgado”) é claramente insuficiente para o expurgo completo das 34 páginas que integravam o documento que simplesmente se intitulava “vantagens terapêuticas”;

D. A douta decisão recorrida, na parte em que considerou cumprida a douta sentença de fls. 90 e seguintes dos autos, com a apresentação em Tribunal da peça processual do INFARMED de fls. 472 e seguintes dos autos, na qual o INFARMED se limita a referir que o documento contém elementos sobre um importante investimento em investigação por parte do titular de AIM que não foi divulgado “, violou, assim, o disposto nos artigos 65.º e 125.º do CPA;

E. O termo inicial da sanção pecuniária compulsória aplicada aos órgãos de direcção INFARMED através da douta decisão de fls. 453 e seguintes dos autos deverá ser fixado a partir do décimo dia útil após o transito em julgado da douta sentença de fls. 90 e seguintes dos autos, isto é, desde o dia 30 de Abril de 2011, que foi o prazo limite estabelecido na mesma para a sua execução pelo INFARMED, tal como resulta da letra do artigo 169.º do CPTA;

F. A douta decisão recorrida, na parte em que definiu como termo inicial da sanção pecuniária compulsória aplicada aos titulares do órgão de direcção INFARMED através da douta decisão de fls. 453 e seguintes dos autos, a data da


notificação da mesma ao INFARMED, fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 169.º do CPTA, ex vi artigo 108.º, n.º 2 do CPTA;

G. Nos presentes autos, o INFARMED utilizou meios claramente dilatórios, apresentando múltiplos requerimentos, sempre com novas justificações e teorias, faltou à verdade e omitiu factos relevantes, pelo que, a douta decisão recorrida, na parte em que não condenou o INFARMED como litigante de má-fé, fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 456.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA. “

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Não foram apresentadas contra – alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao segundo recurso interposto (pela Associação Nacional das Farmácias) - cfr. fls. 999 e 1000.

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Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.

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I – DO RECURSO INTERPOSTO PELO INFARMED DO DESPACHO PROFERIDO EM 26 DE AGOSTO DE 2011

Veio o presente recurso jurisdicional interposto do despacho proferido pelo TAC de Lisboa, que julgou encontrarem-se “ reunidos os pressupostos para condenar os titulares do órgão incumbido da execução ( o Conselho Directivo do requerido), a saber, o Professor Doutor ..., o Professor Doutor, ..., o Dr. ..., a Professora Doutora ...e o Dr. ..., no pagamento da quantia pecuniária compulsória correspondente a 5% do salário mínimo nacional mais elevado por cada dia de atraso que se venha a verificar na execução da sentença”.

No despacho em crise a Mma. Juiz a quo, depois de mencionar que pela sentença de 30 de Março de 2011, transitada em julgado, o ora Recorrente foi intimado a facultar à Requerente, em 10 dias, as informações por esta solicitadas e ainda não solicitadas, após eventual expurgo dos elementos relativos a segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas que eventualmente existam, devendo o expurgo ser devidamente fundamentado, refere que este não entregou ainda à Requerente, ora Recorrida, todos os documentos constantes dos processos de comparticipação, ou seja, não fundamentou devidamente esse expurgo, já que não mencionou o tipo de elementos em causa e em que medida esses elementos são susceptíveis de revelar segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas requerentes da comparticipação.
Mais salienta que o facto de se tratar de documentos reportados de confidenciais pelo titular de AIM nos termos do artigo 15º nº 2 al. r) do


Estatuto do Medicamento não constitui, por si só, fundamento do expurgo, nem justificação para o não cumprimento da mesma.
Conclui pelo exposto afirmando que apesar da execução da sentença de 30 de Março de 2011 se ter tornado obrigatória, nos termos do nº 1 do artigo 122º do CPTA, com a respectiva notificação, tal sentença não foi cumprida.

Vejamos a questão.
Estabelece o artigo 108º do CPTA o seguinte:
“ 1 – Se der provimento ao processo, o juiz determina o prazo em que a intimação deve ser cumprida, e que não pode ultrapassar os 10 dias.
2 – Se houver incumprimento da intimação sem justificação aceitável, deve o juiz determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169º , sem prejuízo do apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar, segundo o disposto no artigo 159º.”
Resulta deste modo do nº 2 do citado artigo 108º que o incumprimento da intimação sem justificação aceitável é um dos requisitos para aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169º do CPTA.
Sustenta o Recorrente que não houve qualquer incumprimento da intimação, como a verificar-se ter havido um atraso na execução, o mesmo se deveu a uma situação de impossibilidade legal e temporária de dar cumprimento à determinação judicial, o que em seu entender constitui uma justificação aceitável .

Da leitura das alegações de recurso resulta essencialmente que o ora Recorrente pretende que o Tribunal lhe reconheça uma outra causa de expurgo de elementos, nesta fase executiva.

Ou seja, o que o INFARMED pretende é que para além da possibilidade de expurgo de documentos, mediante a identificação dos elementos em causa e da sua susceptibilidade de revelarem segredos comerciais ou industriais, lhe também seja reconhecida a possibilidade de expurgar documentos que tenham sido entregues como confidenciais, independentemente de revelarem segredos comerciais ou industriais.
Sucede porém que não foi interposto recurso da sentença de 30 de Março de 2011, pelo que não pode a mesma ser posta em causa nos seus limites condenatórios.
Aliás, é o próprio INFARMED que confessa que no expurgo efectuado não refere o tipo de elementos em causa e em que medida são susceptíveis de revelar segredos industriais ou comerciais. Donde, havendo uma sentença transitada em julgado, tudo o que o INFARMED tem a fazer é executar a sentença em causa nos termos em que foi proferida e não insurgir—se contra a intimação em que foi condenado.
Por outro lado, convém esclarecer que a invocada norma do artigo 15º nº 2 al. r) do Estatuto do Medicamento, pelo INFARMED, refere-se única e exclusivamente a documentos entregues com vista à obtenção de AIM e não para instruir um pedido de comparticipação no preço, cuja matéria é regulada por outro diploma legal, no caso o Decreto – Lei nº 48-A/2010, de 13 de Maio (anteriormente o Decreto – Lei nº 118/92, de 25 de Junho).
E a própria CADA havia já referido no parecer relativo a este processo que não antecipava, como seria abstractamente possível, que num procedimento com vista a obtenção de comparticipação de medicamentos houvesse documentos confidenciais ( ao contrário do que sucede no procedimento para obtenção de AIM) .


Em face do que ficou exposto, no procedimento de comparticipação no preço (ao contrário do procedimento de obtenção de AIM) não se prevê a possibilidade do requerente classificar qualquer documento como confidencial, pelo que necessariamente não existe qualquer obrigação legal do INFARMED de manutenção da confidencialidade dos documentos em causa.
Por conseguinte, não merece qualquer censura o despacho recorrido na medida em que o fundamento do incumprimento suscitado pela ora Recorrente carece de justificação válida.

Temos em que, improcedendo as conclusões da alegação do Recorrente INFARMED, é de negar provimento ao recurso jurisdicional interposto do despacho de 26 de Agosto de 2011 e confirmá-lo na integra.


II – DO RECURSO INTERPOSTO DA DECISÃO PROFERIDA PELO MESMO TRIBUNAL EM 17 DE OUTUBRO DE 2011

A Associação Nacional das Farmácias, veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo TAC de Lisboa que julgou cumprida a sentença do mesmo Tribunal, de 30 de Março de 2011.

No essencial a decisão em crise entendeu que o INFARMED ao referir que “ Dados retirados do processo por terem sido submetidos como documentos confidenciais por parte do titular de AIM, que se intitula “vantagem terapêutica” e é constituído por 34 páginas “, tais elementos são susceptíveis de revelar

segredos industriais pelo que, com a apresentação em Tribunal da peça processual do INFARMED de fls. 472 e segs., considerou cumprida a sentença de fls. 90 e segs. ou seja, de 30 de Março de 2011.
Nesta mesma decisão a Mma. Juiz a quo pronunciou-se ainda sobre a data do inicio da contabilização da sanção pecuniária compulsória fixada na decisão de 26 de Agosto de 2011 ( cfr. ponto 1. do segmento decisório), definindo que tal prazo se deveria iniciar “a partir da data da sua notificação” .
Por ultimo, quanto ao pedido formulado pela ora Recorrente de condenação do INFARMED em litigância de má-fé, a Mma. Juiz a quo indeferiu “ por o teor da peça processual de fls. 472 e segs., corresponder ao exercício regular dos direitos processuais do INFARMED”.

Analisemos as três questões apreciadas pelo Tribunal a quo, em separado.

1 - Com a presente intimação pretende a Recorrente que o INFARMED seja intimado a emitir certidão do pedido de comparticipação do Serviço Nacional de Saúde no preço de determinados fármacos.
No essencial a Recorrente sustenta que a decisão recorrida, na parte em que considerou cumprida a sentença de 30 de Março de 2011, com a apresentação em Tribunal da peça processual do INFARMED de fls. 472 e segs. dos autos, na qual o INFARMED se limita a referir que o documento contém elementos sobre um importante investimento em investigação do titular de AIM que não foi divulgado, violou o disposto nos artigos 65º e 125º do CPA – cfr. conclusão D) da alegação do Recorrente.

A questão está pois em saber, no contexto do pedido de comparticipação do Serviço Nacional de Saúde no preço dos referidos fármacos, que elementos a transmitir poderão constituir segredo industrial .
Ora, partindo do disposto no artigo 318º do Código da Propriedade Industrial, sob a epígrafe “ Protecção de informações não divulgadas” e da doutrina produzida pela CADA, serão segredos comerciais ou industriais aqueles que têm valor comercial e sejam objecto de medidas para se conservarem de acesso reservado, como sejam, nomeadamente, as informações e estratégias comerciais e de captação de clientes, formulas ou receitas para a preparação de determinado produto, segredos ou processos de fabrico, ficheiros de clientes e distribuidores.
No tocante à obtenção de documentação relativa ao processo de comparticipação em causa, a CADA veio a entender que, “ tendo em conta os elementos a que se referem o artigo 4º nº 2 e 3 do Decreto – Lei nº 118/92 e as “instruções para submissão de pedidos de comparticipação de medicamentos para uso humano”, parece que os documentos requeridos, ao contrário do que acontece com os respeitantes à introdução no mercado de um medicamento, não são susceptíveis de revelar segredos comerciais, industriais, ou sobre a vida interna de uma empresa”.(cfr. pareceres que constam deste próprio procedimento, e ainda os Pareceres 336/2009, 381/2010 e 382/2010).
Para além de que “ o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos – de que a LADA é um desenvolvimento normativo – está consagrado no artigo 268º nº 2 da CRP. É reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina como um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, sendo-lhe aplicável o regime próprio destes (cfr. artigos 17º e 18º da CRP). Assim, uma vez que o segredo configura uma limitação ao exercício do direito de acesso, apenas nas situações em que esse segredo seja acolhido pela CRP, sob a forma de direitos ou interesses por esta

reconhecidos, pode ter como consequência uma tal limitação ( cfr. artigo 18º nº 2 da CRP)” idem
E a CADA adianta ainda no seu Parecer nº 284/2008, disponível em www.cada.pt, que “ nem toda a informação comercial, industrial ou sobre a vida interna das empresas é secreta. Qualquer interpretação diversa desta seria contrária à lei, e colocaria em causa o principio da administração aberta e a sua aplicação a entidades empresariais publicas, a entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos e ainda a outras criadas para satisfazer, de modo especifico, necessidades de interesse geral. De referir que os segredos deixam de o ser ( não estando daí em diante protegidos) quando são conhecidos fora da empresa a que se referem e de outros (com a Administração) que os conhecendo devam manter segredo em relação aos mesmos, ou quando perdem o seu valor económico”.
Mais refere o citado Parecer que “as entidades que se relacionam com a Administração, exercendo actividades materialmente administrativas, são, em algumas situações, forçadas ( por lei ou imposição da Administração) a revelar informação reservada. É em relação a esta informação, para além da detida por empresas publicas, como é o caso presente, que pode ser reivindicada a aplicação da restrição de acesso ora em apreciação. A revelação voluntária dessa informação a uma entidade sujeita ao principio da administração aberta implica que a mesma não deve ser tida como secreta, uma vez que não se verifica a vontade de a manter secreta.”
Por conseguinte, apenas um especifico direito constitucionalmente tutelado é susceptível de restringir um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, como é o caso do direito de acesso aos documentos administrativos arquivados – cfr. artigo 268º nº 2 da CRP.
Ora, quanto à especifica matéria em causa (comparticipação no preço dos fármacos pelo Serviço Nacional de Saúde), a regra é igualmente a de que os elementos entregues à Administração não contêm, pela sua natureza, qualquer informação confidencial.

Assim, a mera referência à existência de “ um importante investimento em investigação” não é susceptível de, em abstracto, ser subsumível no conceito de segredo industrial, sobretudo quando inserida na dinâmica própria da industria farmacêutica, onde o investimento em investigação se materializa, nomeadamente, em patentes que, pela própria natureza, são publicas.
Por outro lado, sempre se imporia sobre o INFARMED um especial dever de fundamentação quanto aos concretos segredos industriais constantes das 34 páginas que expurgou, o que, manifestamente, não aconteceu.
Desde logo, não explicitou o INFARMED por que razão expurgou todas as 34 páginas do documento intitulado “vantagem terapêutica”.
Note-se que a CADA tem vindo a sustentar, mesmo quando admite um expurgo de determinados elementos, terá sempre que assegurar, “o acesso aos documentos constantes do processo, respeitante à obtenção da comparticipação, deve permitir o escrutínio do cumprimento dos critérios, vertidos, nomeadamente, no artigo 6º do Decreto – Lei nº 118/92 e a que essa comparticipação obedece” – cfr. Parecer nº 336/2009 in www.cada.pt.
Por conseguinte, intitulando-se o documento expurgado “vantagem terapêutica” é fundado o receio da Recorrente de que se consubstanciem no mesmo documento os elementos a que se faz alusão no artigo 6º nº 1 do Decreto – Lei nº 118/92, de 25 de Junho (a que actualmente corresponde, com alterações, o artigo 4º do Decreto – Lei nº 48-A/2010, de 13 de Maio).
Com efeito, de acordo com o citado normativo – aplicável in casu – a avaliação dos medicamentos “ para efeitos de inclusão na lista de medicamentos comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde (…) assentam em critério de natureza técnico-cientifica, que evidenciem a sua eficácia e efectividade para as indicações terapêuticas reclamadas”.
Assim, o expurgo completo de um documento denominado “vantagem terapêutica implicará que a Requerente, ora Recorrente, não consiga sindicar a decisão de comparticipação daqueles fármacos, pelo que não existe fundamentação suficiente.
Ou seja, tal como se estabeleceu no Acórdão deste TCAS, de 12 de Março de 2009, in Proc. nº 04819/09 “ (…) quando a Administração entenda recusar o acesso a documentos por considerar que a respectiva divulgação é susceptível de pôr “em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”, o deverá fazer sempre de um modo fundamentado, isto é, não poderá simplesmente referir que o conhecimento dessa documentação por parte de um requerente bole com determinado tipo de valores. Haverá, pois, que indicar o “porquê” dessa decisão, que o mesmo é dizer que haverá que apontar os motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afectaria esses valores.
Mais: essa fundamentação há-de ser de molde a permitir ao requerente conhecer não só os pressupostos em que assentou o (hipotético) acto de denegação do acesso, bem como aquilatar o acto de denegação do acesso, bem como aquilatar se foram (ou não) cumpridas as normas do procedimento administrativo [ou outro que ao caso se aplique], se a decisão reflecte (ou não) a exactidão material dos factos, se houve (ou não) erro manifesto de apreciação e se existiu (ou não) desvio de poder. Em suma, a fundamentação deverá revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da entidade requerida e autora do acto e, a montante, os pressupostos em que radicou, por forma a permitir ao requerente conhecer as razões da medida adoptada”.
Ora, cotejando as obrigações que quer a jurisprudência quer a CADA exigem para que o direito à informação possa ser restringido, com a mera indicação de um alegado “ importante investimento em investigação”, facilmente se conclui pela insuficiência da fundamentação.

Ou seja, não é possível aferir “da medida em que esses elementos são susceptíveis de revelar segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas” , desde logo porque não são identificados quaisquer elementos , mas apenas a ideia genérica de um investimento em investigação.
Por outro lado, para além de não conter os pressupostos da sua decisão, também não existe qualquer explicação de molde a “ revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da entidade requerida” , desde logo porque a mera referencia a um mero investimento em investigação carece de qualquer densidade, por mínima que seja (v.g. em meios materiais, meios humanos, ampliação de instalações ? …).
Concluímos do exposto, que não é possível sindicar a bondade ou não da decisão do INFARMED, pelo que a mesma enferma do vicio de falta de fundamentação.
Nestes termos, em concordância com a argumentação expendida pela Recorrente, procedem na integra as conclusões B) a D) da sua alegação no que respeita à invocada falta de fundamentação da decisão do INFARMED, pelo que é de conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional e revogar a decisão recorrida, devendo consequentemente ser intimado o INFARMED a emitir nova certidão com fundamentos diversos dos resultantes da peça de fls. 472 e segs., em concretização dos fins requeridos no pedido formulado na petição inicial, no prazo de 10 dias.
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2 – Por requerimento constante de fls. 129 e segs. [datado de 4 de Maio de 2011] a ora Recorrente solicitou a condenação dos titulares do órgão da Direcção do INFARMED em sanção pecuniária compulsória

por cada dia de atraso no cumprimento da sentença, proferida em 30 de Março de 2011.
Por decisão proferida em 26 de Agosto de 2011, a Mma. Juiz a quo não estabeleceu qual o termo inicial para a determinação da sanção pecuniária compulsória aplicada, referindo apenas que “ encontram-se reunidos os pressupostos para condenar os titulares do órgão incumbido da execução ( o Conselho Directivo do requerido), a saber, o Professor Doutor ..., o Professor Doutor, ..., o Dr. ..., a Professora Doutora ...e o Dr. ..., no pagamento da quantia pecuniária compulsória correspondente a 5% do salário mínimo nacional mais elevado por cada dia de atraso que se venha a verificar na execução da sentença”.
Por requerimento de fls. 481 e segs. [datado de 13 de Setembro de 2011] a ora Recorrente solicitou ao Tribunal a quo que , não obstante entender que decorre da lei (artigo 160º do CPTA) que a referida sanção pecuniária compulsória diária deverá ser aplicada desde o 10º dia (útil) após o transito em julgado da sentença, se dignasse aclarar a sua decisão, determinando expressamente a data de inicio da sua contabilização, uma vez que a mesma não fora fixada na referida decisão de 26 de Agosto de 2011.
Na decisão em crise – de 17 de Outubro de 2011 – a Mma. Juiz a quo , pese embora tenha referido que “ a decisão de fls. 453 é perfeitamente clara “, definiu que tal prazo se deveria iniciar “ a partir da data da sua notificação”, ou seja da data da notificação da mesma aos titulares do órgão de direcção do INFARMED.
Insurge-se contra este entendimento a ora Recorrente ao alegar que “o termo inicial da sanção pecuniária compulsória aplicada aos titulares do órgão de direcção do INFARMED através da decisão de fls. 453 e ss. , deverá ser fixado a partir do 10º dia útil após o transito em julgado da douta sentença de fls. 90 e ss. dos

autos isto é desde o dia 30 de Abril de 2011, que foi o prazo limite estabelecido na mesma para a sua execução pelo INFARMED, tal como resulta da letra do artigo 169º do CPTA” – cfr. conclusão E) da alegação da Recorrente.

Analisemos a questão.

Dispõe o artigo 169º do CPTA, sob a epígrafe “Sanção pecuniária compulsória”, no seu nº 1 o seguinte:
A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução que para o efeito devam ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença”. (negrito nosso)
Em anotação ao referido preceito MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO CADILHA in COMENTÁRIO AO CPTA, 2005, pag. 839 e ss., referem o seguinte com pertinência para a questão:
A primeira nota a assinalar é a de que a sanção pecuniária compulsória não é imposta à pessoa colectiva ou ao ministério, mas à pessoa concreta do titular (ou titulares) do órgão ( ou órgãos) que, dentro da pessoa colectiva ou do ministério, têm a seu cargo a adopção dos actos jurídicos e/ou operações materiais necessários ao cumprimento da concreta obrigação em causa.
O Código tem o cuidado de dizer que os referidos titulares devem ser, para o efeito, “individualmente identificados”. A referencia é muito importante.
Com efeito, como, de acordo com as novas regras do CPTA, a legitimidade passiva no contencioso administrativo pertence às pessoas colectivas ou aos ministérios, é contra estas entidades que as sentenças de condenação são proferidas e é também contra elas que os processos executivos são propostos.(…)


Por conseguinte, as sentenças não identificam o órgão ou órgãos) que, dentro da pessoa colectiva ou do ministério , devem adoptar as medidas necessárias ao cumprimento da obrigação a cargo da pessoa colectiva ou do ministério.
As decisões que impuserem sanções pecuniárias compulsórias não podem deixar, no entanto, de especificar qual o órgão (ou órgãos) que devem actuar e o conteúdo da actuação a que estão concretamente obrigados. Na verdade, só assim podem, no mesmo passo, estabelecer que os titulares desses órgãos ficam constituídos no dever de pagar a sanção pecuniária sem não cumprirem dentro do prazo, identificando individualmente cada uma das pessoas abrangidas por essa cominação (cfr. artigo 169º nº 1).
Na medida em que, em todos os preceitos que, no Código, prevêem a imposição de sanções pecuniárias compulsórias, existe remição para este artigo 169º, pode dizer-se que o prazo para além do qual se constitui o dever de pagar a quantia pecuniária por cada dia de atraso é o “prazo limite estabelecido”, a que se refere o nº 1, ou seja, o prazo que o tribunal estabelecer para o cumprimento da obrigação, sob cominação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, se ele não for observado”.

Em face do ensinamento doutrinal expendido, parece-nos que a solução preconizada pela ora Recorrente, no sentido de que o termo inicial da sanção pecuniária em que os titulares do órgão de direcção do INFARMED foram condenados deverá ser fixado desde o décimo dia após o transito em julgado da sentença proferida ( desde o dia 30 de Abril de 2011), não pode ser acolhida.
Desde logo, porque operar tais sanções antes da notificação da decisão que as aplique seria admitir a aplicação de sanções com efeitos retroactivos, o que manifestamente não parece ser o sentido desejado pelo legislador, tanto mais que as decisões que impuserem tais sanções só se tornam efectivas com a especificação do órgão (ou órgãos) que devem actuar e o conteúdo da actuação a que estão concretamente obrigados – cfr. artigo 169º nº 1 do CPTA.
Por conseguinte, face ao disposto no artigo 108º nº 2 e 169º nº 1 do CPTA, não merece qualquer censura a decisão recorrida, de 17 de Outubro de 2011, na parte em que julgou que a sanção pecuniária compulsória seria apenas devida após a sua notificação (com a decisão de 26 de Agosto de 2011).

Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, improcedem as conclusões E) e F) da alegação da Recorrente sendo de negar provimento ao recurso e confirmar, nesta parte, a decisão recorrida.

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3 – Finalmente, na conclusão G) da sua alegação, a Recorrente sustenta que o INFARMED utilizou meios claramente dilatórios, apresentando múltiplos requerimentos, sempre com novas justificações e teorias, faltou à verdade e omitiu factos relevantes, pelo que, a douta decisão recorrida, na parte em que não condenou o INFARMED como litigante de má-fé, fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 456.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.

Analisemos a questão.
Antes de passarmos à apreciação dos erros de julgamento assacados pela recorrente à decisão em crise, importa destacar, ainda que sucintamente, alguns aspectos do instituto da litigância de má-fé.


Por efeito do disposto no art. 1º do CPTA, todos os princípios que regem o desenvolvimento da instância, enunciados nos artigos 264º e seguintes do Código de Processo Civil, são também aplicáveis ao processo nos Tribunais Administrativos.
Com a reforma do Código de Processo Civil (DL 329-A/95, de 12/12), o artigo 266º nº 1 do Código de Processo Civil (na redacção dada pelo DL 180/96) consagra em termos gerais (expressamente reafirmado no artigo 8º nº 1 do CPTA), o principio da cooperação, com natureza puramente processual, que abrange não apenas as partes, mas também os magistrados e mandatários judiciais, vinculando todos, “Na condução e intervenção no processo” , a “cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litigio”.
No que se refere às partes, o dever de cooperação no desenvolvimento da lide processual assenta no dever das mesmas de litigarem de boa-fé – cfr. artigo 266º -A do Código de Processo Civil. Em sentido idêntico o nº 2 do artigo 8º do CPTA especifica que “ Qualquer das partes deve abster-se de requerer a realização de diligências inúteis e de adoptar expedientes dilatórios”.
Por sua vez, o artigo 456º nº 2 do Código de Processo Civil concretiza os comportamentos processuais susceptíveis de infringir a boa fé processual, incorrendo em litigância de má fé, quem, com dolo ou negligencia grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar [al. a)], tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa [al. b)], tiver praticado omissão grave do dever de cooperação [al. c)] ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso, manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o transito em julgado da decisão [al. d)].
O artigo 456º e seg. do ultimo diploma citado, como sublinha PAULO ALBUQUERQUE , “apenas dizem respeito a ofensas cometidas no exercício da actividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo. Trata-se de uma ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência ou lesão de qualquer ilícito de direito substantivo” (“RESPONSABILIDADE PROCESSUAL POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ, ABUSO DE DIREITO E RESPONSABILIDADE CIVIL EM VIRTUDE DE ACTOS PRATICADOS NO PROCESSO”, ed. Almedina, pag. 52).
Como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, a infracção do dever de cooperação (do dever do honeste procedere) “pode resultar de uma má fé subjectiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objectiva, se resultante da violação dos padrões de comportamento exigíveis”. Qualquer dessas modalidades de má fé processual pode ser substancial ou material directa [respeitante à relação substancial deduzida em juízo, cfr. al. a) do citado nº 2 do artigo 456º] e indirecta [violação do dever de verdade, cfr. al. b)] ou instrumental [als c) e d)] ( in “ESTUDOS SOBRE O NOCO PROCESSO CIVIL”, fls. 62/63).
Se a parte tiver litigado de má fé, será condenada em multa e numa indemnização a favor da parte contrária, se esta a pedir, em conformidade com o disposto no nº 1 do citado artigo 456º e nos termos estabelecidos no artigo 457º também do Código de Processo Civil . Porém, face ao principio do contraditório consignado no nº 3 do artigo 3º do mesmo diploma, a condenação por responsabilidade por litigância de má fé depende sempre de audição prévia do interessado – cfr. CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA in DICIONÁRIO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO, Almedina, pag. 516 in fine.

Enquadremos agora a temática do instituto da litigância de má fé processual no conteúdo da decisão em crise e no contexto em que foi proferida.
É o seguinte o teor da decisão recorrida : “ Indeferido por o teor da peça processual de fls. 472 e seguintes corresponder ao exercício regular dos direitos processuais do INFARMED “.
Como ficou amplamente explanado supra, o comportamento do INFARMED teve como trave mestra a justificação da protecção de um segredo industrial de um titular de AIM, em seu entender confidencial, em desconformidade com o entendimento doutrinal manifestado pela CADA e pela jurisprudência dos Tribunais Superiores na situação em apreço.
Por conseguinte, a justificação pelo INFARMED do expurgo de determinados documentos baseou-se sempre no sentido de defesa e protecção de informação confidencial relativa a segredo industrial (ainda que indevidamente), o que, por si só, não integra um uso manifestamente reprovável do processo e enquadra-se necessariamente no exercício dos seus direitos processuais .
Por outro lado, quanto a uma alegada alteração da verdade dos factos afigura-se-nos pertinente a observação feita pela Mma. Juiz a quo no seu despacho de fls. 458 e ss., que passamos a citar: “ Verifica-se que a alegação da requerente se reporta à resposta do Presidente do Conselho Directivo do requerido, de fls. 165 a 167. Ora, não tendo esta peça processual sido emitida pelo requerido, mas pelo seu Presidente, em resposta a uma notificação do Tribunal que, expressamente, lhe foi dirigida no sentido de se pronunciar quanto à eventual aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, não podem as afirmações dela constantes fundar a condenação do Requerido em litigância de má fé.”
Acompanhamos na integra o entendimento vertido no despacho ora em referência, sendo certo que a Recorrente não adianta mais factos concretos ou outros argumentos válidos na sua alegação que justifiquem a existência de uma alteração da verdade dos factos por parte do ora Recorrido INFARMED, para além daqueles que havia referido no seu requerimento de fls. 129 e ss (requerimento datado de 4 de Maio de 2011).

Em face do que ficou exposto, improcede a conclusão G) da alegação do Recorrente, pelo que é de negar provimento ao recurso e confirmar, nesta parte, a decisão recorrida.

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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em:

A - Negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo INFARMED do despacho de 26 de Agosto de 2011 e confirmar na integra esse mesmo despacho.

B – Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Associação Nacional das Farmácias, da decisão proferida em 17 de Outubro de 2011, e revogar essa mesma decisão nos termos e para os efeitos sobreditos.

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Custas pela Associação Nacional das Farmácias e pelo INFARMED na proporção de ¼ e ¾ respectivamente.


Lisboa, 12 de Julho de 2012

António Vasconcelos
Paulo Carvalho
Ana Celeste Carvalho