Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:295/10.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO;
REVERSÃO;
PRESCRIÇÃO;
ARTIGO 100º CIRE;
GERÊNCIA EFECTIVA;
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M..., tendo sido citada na qualidade responsável subsidiária da sociedade "F... - TRANSPORTES E DISTRIBUIÇÃO, LDA deduziu oposição no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3433199901... e apensos, para cobrança da quantia exequenda no montante total de €75.565,02, e acrescido, referente a dívidas de IVA, IRC e coimas, do exercício de 2000 a 2003.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 24 de Outubro de 2017, julgou a oposição procedente.

Não concordando com a sentença, a FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:

«I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 24-10-2017, a qual julgou totalmente procedente a Oposição à Execução Fiscal n.° 3433199901... e apensos, deduzida por M..., com o NIF 1..., revertida no citado processo de execução fiscal, que corre termos no Serviço de Finanças de Cascais 2 e havia sido originariamente instaurado contra a sociedade "F... TRANSPORTES E DISTRIBUIÇÕES, LDA.”, com o NIF 5..., para a cobrança de dívidas fiscais referentes a IRC, IVA e Coimas dos anos de 2000 a 2003, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 75.565,02 (setenta e cinco mil, quinhentos e sessenta e cinco euros e dois cêntimos) e acrescido.

II - Na Sentença ora recorrida julgou-se procedente a Oposição acima identificada com o fundamento de que as dívidas tributárias do ano de 2000 se encontram prescritas, fundando- se no entendimento de que a suspensão da contagem do prazo de prescrição decorrente do postulado no artigo 100.° do CIRE não se aplica à Oponente, enquanto responsável tributário subsidiário.

III - Pese embora o Douto Tribunal a quo tenha procedido a uma correcta e identificação dos processos de execução fiscal, a verdade é que descurou a respectiva tramitação processual, a qual é susceptível de carrear para os autos matéria factual susceptível de influenciar a boa decisão da causa, designadamente as diferentes datas de citação da sociedade devedora originária, as quais merecem, em nosso modesto entendimento, a dignidade de serem elencadas na factualidade dada como provada na Sentença recorrida.

IV - Conforme melhor resulta da respectiva tramitação processual, já devidamente junta aos autos, a executada originária foi citada no âmbito dos diferentes processos de execução fiscal nas datas de 10-08-2000, 05-10-2000, 17-12-2000, 03-01-2001, 26-02-2001, 03-03-2001, 3006-2001,29-06-2001, 04-08-2001, 05-09-2001, 20-03-2003 e 02-04-2004.

V - Aquando das respectivas datas de citação da sociedade devedora originária, ainda não se encontrava em vigor a redacção legal do artigo 49.° da LGT tal como expressamente prescrita na Sentença recorrida, designadamente o seu n.° 3, o qual apenas foi trazido pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro e, por isso, carece de aplicação na situação em apreço

VI - Com efeito, à data das respectivas citações, prescrevia o n.° 1 do artigo 49.° da LGT que a citação interrompe a prescrição, sendo que a lei aplicável aos factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição será a vigente no momento em que os mesmos ocorreram, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 12.° do Código Civil, cfr. ac.S.T.A.- 2a.Secção, 2/2/2011, rec.807/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/10/2011, proc. 5009/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/1/2014, proc.7016/13; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2ª. edição, 2010, pág.92).

VII - Assim, com a citação da sociedade devedora originária para os diferentes processos de execução fiscal, nas datas de 10-08-2000, 05-10-2000, 17-12-2000, 03-01-2001, 26-02-2001, 03-03-2001, 30-06-2001, 29-06-2001, 04-08-2001, 05-09-2001, 20-03-2003 e 02-04-2004, verificou-se a interrupção do prazo de prescrição, quanto ao executado originário e também quanto a eventuais responsáveis subsidiários, nos termos do n.° 1 do artigo 49.° da LGT, na redacção aplicável.

VIII - Sendo que, como vem sendo sublinhado por jurisprudência uniforme e reiterada do STA, também aqui se deve aplicar a disposição legal constante do n.° 1 do artigo 327.° do Código Civil, segundo a qual "Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo"., cfr., entre vários outros, o acórdão do STA de 27-01 -2016, proc. n.° 01698/15.

IX - Portanto, atento o efeito duradouro da interrupção do prazo de prescrição desencadeado pela citação da sociedade devedora originária, podemos atestar, salvo o devido e muito respeito, que ainda não se verificou o decurso do prazo prescricional das dívidas ora em cobrança, devendo ser corrigida a Sentença recorrida que assim postulou.

X - Mas, ainda que assim não se cuide, a Fazenda Pública não se conforma com o entendimento subjacente à decisão de procedência da Oposição, antes entendendo que, in casum, o efeito da suspensão da contagem do prazo de prescrição da dívida tributária decorrente do disposto no artigo 100.° do CIRE é extensível à Oponente enquanto responsável tributário subsidiário.

XI - O artigo 100.° do CIRE estabelece uma causa de suspensão da contagem dos prazos de prescrição desde a prolação da sentença que decrete a insolvência até ao termo do respectivo processo, sendo o mesmo aplicável às dívidas tributárias.

XII - Tal causa de suspensão é oponível não apenas à devedora originária do tributo, mas também aos demais responsáveis tributários, como decorre do disposto no n.° 2 do artigo 48.° da LGT.

XIII - A jurisprudência consolidada e reiterada dos Tribunais Superiores tem sido vertida no sentido de o artigo 100.° do CIRE não contender com o regime de suspensão da prescrição das dívidas tributárias consagrado nos artigos 48.° e 49° da LGT, não enfermando, o mesmo, de inconstitucionalidade orgânica, cfr. acórdãos do STA de 05-12-2012, de 14-05-2014 e de 18-06-2014, procs. n.° 01225/12, 0115/14 e 0119/14, respectivamente

XIV - A declaração de inconstitucionalidade prolatada pelo Acórdão do TC n.° 362/2015, de 9 de Julho de 2015, apenas produz efeitos inter partes, fazendo caso julgado formal no processo quanto à questão de inconstitucionalidade, mas não eliminando da ordem jurídica a norma em apreço, a qual pode vir a ser aplicada e apreciada noutro processo.

XV - Por seu turno, não descuida esta Fazenda Pública, tal como muito doutamente postulou o Tribunal a quo, que o ónus da prova da gerência de facto, cabe à Administração Fiscal, pois que, ao abrigo de qualquer um dos regimes estabelecidos no n.° 1 do artigo 24.° da LGT ”é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução" (cfr., entre vários outros, o Acórdão TCA SUL de 31/10/201 3, Processo n.° 06732/13).

XVI - Efectivamente, o facto de não existir não existe qualquer disposição legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito, não significa que não seja possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da gerência por parte da Oponente possa ter acontecido.

XVII - Tal como se postulou no acórdão de 10 de Dezembro de 2008 da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.° 861/08, diga-se que "eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte («certeza jurídica») de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ele tenha acontecido"

XVIII - Assim, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que quem figura como gerente de direito, se presume como tendo exercido, de facto, tais funções, sempre é possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, da matéria factual e dos elementos probatórios carreados para os autos, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da gerência por parte da Oponente possa ter acontecido.

XIX - De facto, atentas as provas produzidas, bem como a demais matéria factual do caso concreto, designadamente:

i) o facto de não se ter verificado qualquer renúncia à gerência por parte da ora Oponente, cfr. respectiva Certidão do Registo Comercial;

ii) o facto de a mesma se afigurar sempre como gerente da sociedade devedora originária;

iii) o facto de a Oponente, juntamente com F... e H..., ter tido um papel preponderante na constituição da sociedade devedora originária, tendo sido nomeada gerente;

iii) o facto de a Oponente partilhar o domicílio fiscal com a sociedade devedora originária, o que não pode deixar de consubstanciar uma forte probabilidade do exercício de facto da respectiva gerência; e

iv) o facto de a sociedade devedora originária se obrigar mediante a assinatura da Oponente, o que perfaz com que a intervenção da mesma se mostrasse sempre necessária para a sociedade se encontrar apta a prosseguir o seu giro comercial;

Não existe outra conclusão que não seja, com o devido respeito, a de que a Oponente sempre se manteve como gerente de facto da sociedade devedora originária durante o prazo legal de pagamento das dívidas ora em cobrança, contrariamente ao que foi postulado pelo Douto Tribunal a quo.

XX - Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, menosprezou o entendimento consolidado e reiterado da jurisprudência vertida pelos Tribunais Superiores, estribando o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,

ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA

JUSTIÇA!»


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A 01.03.1993 foi registado na Conservatória do Registo Comercial de Cascais o contrato de sociedade "F... - TRANSPORTES E DISTRIBUIÇÃO, LDA.", nipc 5..., com os sócios H..., F... e M..., com as seguintes quotas 300.000$00, 9.650.000$00 e 50.000$00, respectivamente, ficando a gerência da sociedade a cargo de todos os sócios, vinculando-se pela assinatura do sócio F... ou da sócia M... [cf. fls. 60 do PEF em apenso].

B) Em nome da sociedade "F... - TRANSPORTES E DISTRIBUIÇÃO, LDA.", foi apresentada declaração início de actividade para efeitos de IRC e IVA, com efeitos a 18.02.1994 [cf. fls. 113 do PEF em apenso].

C) A 09.04.1999 foi registado na Conservatória do Registo Comercial de Cascais a alteração parcial do contrato com aumento de capital da sociedade "F... - TRANSPORTES E DISTRIBUIÇÃO, LDA.", passando a mesma a ser detida pelos sócios F... e M..., com as seguintes quotas 40.000.000$00 e 10.000.000$00, respectivamente [cf. fls. 60 e 61 do PEF em apenso].

D) A 24.09.1999, contra a sociedade "F... TRANSPORTES DISTRIBUIÇÕES, LDA.", nipc 5..., foi instaurado o processo de execução fiscal n.° 3433199901..., no Serviço de Finanças de Cascais 2, para cobrança da quantia exequenda no montante total de €4613,04, e acrescido, referente a dívidas de IVA, do período de 1999/03T [cf. fls. 1 e 2 do PEF em apenso].

E) Ao PEF identificado no ponto anterior foram apensos os seguintes PEFs:


«Imagem no original»


F) A 12.03.2008 foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade "F... TRANSPORTES DISTRIBUIÇÕES, LDA.", nos autos de insolvência n.° 1045/07.5YLSB-A, a correr termos no Tribunal do Comércio de Lisboa - 4.° Juízo, [cf. fls. 42 dos autos].

G) A 03.06.2008 foi proferida sentença de encerramento por insuficiência de massa insolvente proferida nos autos de insolvência n.° 1045/07.5YLSB-A, a correr termos no Tribunal do Comércio de Lisboa - 4.° Juízo, referente à sociedade "F... TRANSPORTES DISTRIBUIÇÕES, LDA." [cf. fls. 43 dos autos].

H) Por despacho de 06.10.2009, pelo Chefe de Finanças de Cascais 2, foi determinado o início do procedimento de reversão do processo de execução fiscal n.° 3433199901... e apensos, contra os responsáveis subsidiários da sociedade "F... - TRANSPORTES E DISTRIBUIÇÃO, LDA." [cf. fls. 123 a 127 do PEF em apenso].

I) A 27.10.2009 foi a Oponente notificada do teor do projecto de reversão contra si do processo de execução fiscal n.° 3433199901... e apensos." [cf. fls. 130 a 134 do PEF em apenso].

J) Por despacho de 12.11.2009, pelo Chefe de Finanças de Cascais 2, foi determinada a reversão do processo de execução fiscal n.° 3433199901... e apensos, contra a oponente [cf. fls. 151 do PEF em apenso].

K) A 23.11.2009 foi a oponente citada em sede do processo de execução fiscal n.° 3433199901... e apensos, para pagamento da quantia exequenda de €75.565,02, e acrescido [cf. fls. 148 a 153 do PEF em apenso].

L) A 28.12.2009 foi apresentada a petição que deu origem aos presentes autos [cf. fls. 2 dos autos].


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Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.



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Por documentalmente provados, ao abrigo do preceituado no artigo 662º do CPC, adita-se ao probatório a seguinte factualidade:


M) Em 05/10/2000 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2000/01... – Cfr. PEF, apenso;


N) Em 17/12/2000 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2000/0105... – Cfr. PEF, apenso;


O) Em 03/01/2001 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2000/0106… – Cfr. PEF, apenso;


P) Em 26/02/2001 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2001/0105…– Cfr. PEF, apenso;


Q) Em 26/02/2001 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2001/0100…– Cfr. PEF, apenso;


R) Em 03/03/2001 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2001/0101…– Cfr. PEF, apenso;


S) Em 30/06/2001 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2001/01018…– Cfr. PEF, apenso;


T) Em 29/06/2001 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2001/0101… – Cfr. PEF, apenso;


W) Em 04/08/2001 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2001/0102… – Cfr. PEF, apenso;


U) Em 05/09/2001 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2001/0102…– Cfr. PEF, apenso;


V) Em 20/03/2003 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2002/0106… – Cfr. PEF, apenso;


Y) Em 02/04/2004 foi a devedora originária citada no âmbito do PEF nº 3433.2004/01017…– Cfr. PEF, apenso;



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso, verifica-se que as questões a apreciar e decidir são as de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela prescrição de parte das dívidas exequendas e pela ilegitimidade da Oponente, ora Recorrida, por ter entendido que a AT não logrou provar, como lhe competia, que a Oponente, para além da qualidade de gerente de direito, exerceu efectivamente tais funções no período de tempo que releva nos autos.

A sentença recorrida, proferida pelo TAF de Sintra, julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida pela ora Recorrida, revertida na qualidade de devedora subsidiária, por ter entendido que parte das dívidas exequendas estavam prescritas e que a AT não logrou demonstrar e provar que a Recorrida, para além de ser gerente de direito, exerceu, de facto, aquela função.

Comecemos por apreciar a questão da prescrição.

A Recorrente entende que a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, concretamente por não ter levado em consideração as causas de interrupção da contagem do prazo de prescrição decorrentes da citação da devedora originária.

Vejamos, então.

A sentença recorrida para julgar prescritas as dívidas de tributos referentes ao exercício de 2000 considerou que por decisão do Tribunal Constitucional, vertida no acórdão n.° 362/2015, de 9 de Julho de 2015, foi julgada inconstitucional, por violação do artigo 165.°, n.° 1, alínea e) da Constituição, a norma do artigo 100.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário. (…)

Consequentemente, não operando a suspensão do prazo de prescrição prevista no artigo 100.° do CIRE, e tendo a oponente sido citada após o 5.° ano posterior ao da liquidação, não aproveitando os factos interruptivos do prazo de prescrição aplicáveis à devedora originária, e resultando provado nos autos que o primeiro facto interruptivo referente à oponente apenas ocorreu em 23.11.2009 - com a citação -, ou seja para além do oitavo ano após o inicio da contagem do prazo de prescrição - 01.01.2001, devem as dívidas exequendas referentes ao exercício de 2000 que se encontram a ser exigidas à oponente ser declaradas prescritas.

A Recorrente, manifestando o seu desacordo com o decidido, refere que aquando das datas de citação da devedora originária, ainda não se encontrava em vigor a redacção do nº3 artigo 49º da LGT, o qual foi introduzido pela Lei nº53-A/2006, de 29 de Dezembro, carecendo, por essa razão, de aplicação na situação em apreço.

Entende que a citação da devedora originária implica a interrupção do prazo de prescrição, quanto ao devedor originário e também quanto a eventuais responsáveis subsidiários, nos termos do nº1 do artigo 49º da LGT.

E que, não é aplicável no presente processo o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Constitucional no âmbito do processo nº 362/2015, de 9 de Julho de 2015, que declarou inconstitucional a norma do artigo 100.° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.

Dissente, pois, da sentença, por ter acolhido o entendimento expresso no supra mencionado Acórdão do TC.

Não tem razão.

Está em causa, nos presentes autos, uma oposição à execução fiscal deduzida por M..., na qualidade de responsável subsidiária, por reversão das dívidas.

Ora, relativamente à questão suscitada em sede de recurso, atentemos à doutrina acolhida no Acórdão do STA de 26/06/2019, proferido no âmbito do processo nº 167/17, onde se escreveu:

“(…) Defende, por isso, a FP que o prazo de prescrição encontra-se suspenso por força do disposto no artigo 100.º do CIRE, pelo que ainda não se encontra prescrita a dívida exequenda.
Entendimento diverso adotou a sentença recorrida aderindo à jurisprudência do Tribunal Constitucional, acórdão n.º 362/2015, de 9 de Julho de 2015, que julgou inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea e) da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência, ai prevista, suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias, imputáveis ao responsável subsidiário, no âmbito do processo tributário.

O Tribunal Constitucional veio a reafirmar este entendimento (acórdão 270/17).

O STA, de modo uniforme acompanhou este entendimento (acórdão de 10-01-2018, proc. 0124/17, de 7 de Outubro de 2015, processo n.º 115/14, de 13 de Janeiro de 2016, processo n.º 1402/14, e de 6 de Dezembro de 2017, processo n.º 1115/16), após um primeiro momento em que defendeu a doutrina agora sustentada pela FP (acórdãos de 5 de Dezembro de 2012, processo n.º 1225/12, de 14 de Maio de 2014, processo n.º 115/14 e de 18 de Junho de 2014, processo n.º 119/14).

Em 23-10-2018 o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 557/2018, decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

Havia referido o mesmo acórdão o seguinte:

“…Em conclusão, a Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, nomeadamente o seu artigo 1.º, n.º 3, alínea a), não habilita o Governo a determinar a suspensão da prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário por força da declaração de insolvência do devedor principal. Assim, a norma extraída do artigo 100.º do CIRE, segundo a qual a declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário no âmbito do processo tributário, enferma de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que, sendo imputável ao Governo, e respeitando a matéria de reserva relativa da Assembleia da República nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a sua edição não foi autorizada por esta mesma Assembleia.”.
Resulta do artigo 282º 1 da CRP que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional o que implica que se confirme a sentença recorrida que se havia pronunciado no sentido da inconstitucionalidade da referida norma.

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A norma constante do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, não suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, uma vez que a mesma foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral.(…)”

Acolhemos, na íntegra, o entendimento expresso no Acórdão transcrito, pelo que é de manter o julgado no que diz respeito à prescrição, no sentido de que a declaração de insolvência prevista no artigo 100º não suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário no âmbito do processo tributário, assim se confirmando a sentença recorrida na parte relativa à prescrição.

Resta apreciar a questão da ilegitimidade da Recorrida, quanto aos tributos relativos ao ano de 2001, por não ter sido provado que exerceu, de facto, a gerência da sociedade devedora originária.

A Recorrente não concorda com a sentença recorrida no segmento em que considerou não ter a FP, em momento algum, logrado provar o exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária por parte da Recorrida, pelo que foi considerada parte ilegítima.

Para tanto afirma que foram produzidas provas que permitem a conclusão de que a Recorrida sempre se manteve como gerente de facto da sociedade devedora originária durante o prazo legal de pagamento das dívidas em cobrança coerciva.

Adiante-se que não tem razão a Recorrente.

Os argumentos avançados pela ora Recorrente não têm a virtualidade de abalar o decidido relativamente ao (não) exercício da gerência pela Recorrida.

Efectivamente, pretende a Recorrente que está provada a gerência efectiva pelas seguintes circunstâncias:

i) o facto de não se ter verificado qualquer renúncia à gerência por parte da ora Oponente, cfr. respectiva Certidão do Registo Comercial;

ii) o facto de a mesma se figurar sempre como gerente da sociedade devedora originária;

iii) o facto de a Oponente, juntamente com F... e H..., ter tido um papel preponderante na constituição da sociedade devedora originária, tendo sido nomeada gerente;

iii) o facto de a Oponente partilhar o domicílio fiscal com a sociedade devedora originária, o que não pode deixar de consubstanciar uma forte probabilidade do exercício de facto da respectiva gerência; e

iv) o facto de a sociedade devedora originária se obrigar mediante a assinatura da Oponente, o que perfaz com que a intervenção da mesma se mostrasse sempre necessária para a sociedade se encontrar apta a prosseguir o seu giro comercial;

Nenhum dos argumentos procede, já que nenhum deles tem sucesso na prova do exercício efectivo da gerência pela Recorrida, sendo de salientar que não corresponde à verdade a alegada necessidade da assinatura da Recorrida para o giro comercial, já que, como resulta do probatório (alínea a)) a forma de vinculação da sociedade radicava na assinatura da Recorrida ou do sócio F..., ou seja, a assinatura da Recorrida não era sempre necessária, contrariamente ao alegado.

Assim, entendemos que é de manter o decidido na sentença recorrida, no sentido de que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve ser contra si valorada a falta de falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência do revertido, pelo que o despacho de reversão deve ser anulado.

Atento o exposto, será de negar provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida, que bem decidiu.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Maio de 2021

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Jorge Cortês e Lurdes Toscano.


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)