Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:960/11.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:REVERSÃO
NOTIFICAÇÃO PARA O DIREITO DE AUDIÇÃO
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO
Sumário:I – A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo.
II - Se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicilio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias podem impedir o acesso à carta.
III - Perante a devolução da carta registada e da falta de garantia da certeza jurídica da sua cognoscibilidade por parte do Recorrido, há que concluir, com a sentença e na linha da jurisprudência citada, que não foi efectuada validamente a notificação para o exercício do direito de audição prévia à reversão, o que determina a preterição dessa formalidade legal, gerando um vício procedimental com potencialidade para invalidar o acto final.
IV - A preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de actividade administrativa vinculada.
V - No caso em apreço, em que o acto sindicado corresponde ao despacho de reversão operante da responsabilidade subsidiária de um gerente, não restam dúvidas que não estamos perante uma situação legal evidente ou perante uma actividade vinculada, não se podendo afirmar a insusceptibilidade de a participação do interessado/gerente nominal influenciar a decisão final, quanto ao seu sentido e fundamentos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, que julgou procedente a oposição deduzida por E..., contra o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3..., instaurado para cobrança coerciva da quantia total de € 31.152,96, proveniente de IVA e IRC, referentes aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005.

Nas suas alegações, a Recorrente, Fazenda Pública, formulou as conclusões seguintes:

I - O Oponente deduziu a presente oposição na qualidade de responsável subsidiário, ao abrigo do disposto no artigo 204º do CPPT.

II – A reversão corre para cobrança coerciva de dívidas de IVA e de IRC dos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005, no montante global de € 31.152,96.

III - Alegou, em síntese como causa de pedir, entre outros fundamentos, a falta de notificação para o exercício de audição prévia, antes de ser ordenado o ato de reversão. Finaliza peticionando a procedência da Oposição e que seja “declarada a ilegalidade da reversão operada com a sua consequente anulação: a) por vício de forma; b) por ilegitimidade do executado”.

IV - No que respeita à sua ilegitimidade, a douta decisão recorrida deu como não provada a ilegitimidade do oponente como supra melhor se encontra explicado.

V – Ou seja: a executada originária obriga-se com “a assinatura de um gerente” (cfr. certidão permanente junta com a contestação); O Oponente foi nomeado gerente único em 14.01.1998 (cfr. certidão permanente junta com a contestação); Consta do cadastro da executada originária, que o Oponente é o TOC da sociedade (cfr. informação de fls. 42 a 44 dos autos – processo físico);

VI - O ofício para exercício do direito de audição foi remetido ao Oponente por carta registada, expedida em 18.03.2011 (cfr. registo CTT a fls. 15. do PEF).

VII - A lei presume que a comunicação postal registada demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil (cfr. nº 1 do art. 39º do CPPT e nº 6 do art. 45º da LGT). O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. (…)

VIII - Ora, resulta dos autos que o Oponente é o único gerente de direito da devedora originária – cfr. alínea D) do probatório e é sócio maioritário.

Em qualquer caso, há que atentar às circunstâncias concretas do caso sub judice.

De facto, considerando que: o Oponente é sócio maioritário da devedora originária [cfr. alínea B) do probatório]; O Oponente é gerente único daquela sociedade [cfr. alínea D) do probatório]; A referida sociedade vincula-se com a assinatura de um gerente [cfr. alínea C) do probatório]; O Oponente consta como TOC da devedora originária [cfr. alínea E) do probatório].

Logo, encontra-se provada a sua legitimidade.

IX - O princípio ou direito de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhe dizem respeito encontra comando constitucional no nº 5 do artigo 267º CRP, e materializa-se no direito de audição prévia, previsto, genericamente, nos artigos 60º da LGT e 45º do CPPT, e, em especial, quanto à matéria dos autos, no artigo 23º, nº 4 da LGT.

X - No caso dos autos em que a liquidação foi elaborada com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, sobre a qual o interessado tem pleno conhecimento e consciência já que era TOC, o imperativo constitucional que consagra esse direito de audição não se encontra prejudicado, já que as liquidações que se encontram a ser revertidas respeitam ao período em que o oponente foi gerente.

Ou seja, tem aqui plena aplicação o princípio do aproveitamento do ato - utile per inutile non vitiatur.

XI - Ademais qualquer dúvida que restasse quanto à fundamentação do acto praticado em sede de reversão, poderia o oponente ter lançado mão do art.º 37.º do CPPT e solicitado certidão que contivesse a fundamentação do acto que lhe foi notificado, como defende Jorge Lopes de Sousa.

XII – Refere o supra citado acórdão do TC o facto de a Lei n.º 16-A/2002 ter introduzido o atual n.º 3 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, atribuindo-lhe natureza interpretativa. Em consonância esta norma passou então a prever a dispensa da audição antes da liquidação caso o interessado já tenha sido ouvido no procedimento e, não sejam invocados factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado.

XIII - Ou seja, a preterição de uma determinada formalidade poderá considerar-se preterição de formalidade não essencial se se demonstrar (apreciação dependente das circunstâncias concretas de cada caso, numa ponderação que está subjacente ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos) e que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.

Tal tem plena aplicação no caso em apreço, já que como se encontra provado nos autos o oponente nada poderia trazer de novo que levasse a que a decisão do procedimento fosse outra que não aquela que se encontra a ser apreciada in casu.

XIV - À AT apenas é exigível a prova do envio da notificação para efeitos da presunção do art. 39.º, n.º 1, do CPPT, uma vez que o art.º 60º da LGT estabelece que a notificação para o exercício de audição prévia é efetuada por carta registada.

Portanto, quando a notificação é efetuada através de registo individual, para se dar por presumida a sua efetivação, basta a junção aos autos de cópia desse registo individual.

XV - Ou seja, o responsável subsidiário, citado da reversão, entendendo carecer de mais elementos para a sua defesa, deveria ter requerido ao Serviço de Finanças respetivo a passagem de certidão contendo os elementos por ele solicitados.

A partir da emissão da certidão que fosse passada, o responsável subsidiário contaria o prazo para deduzir oposição (30 dias) a partir dessa notificação da certidão, ignorando a data em que foi citado da reversão.

XVI - No presente caso o revertido foi chamado à execução com fundamento no disposto no art.º 24.º, n.º 1, b) da Lei Geral Tributária e não logrou ilidir a presunção da sua culpa. A decisão não poderia ter sido outra.

Termos em que a decisão recorrida não se pode manter na ordem jurídica, por padecer de erro de facto e de direito, devendo como tal ser revogada por outra que reponha a justiça.

Porém, com melhor entendimento V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


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O Recorrido não apresentou contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção de Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A) A sociedade devedora originária "T... – I…, Lda" dedica-se à importação e comercialização de cofres (cfr. certidão permanente junta com a contestação);

B) São sócios da executada originária o aqui Oponente, E... (sócio maioritário), e S... (cfr. certidão permanente junta com a contestação);

C) A executada originária obriga-se com “a assinatura de um gerente” (cfr. certidão permanente junta com a contestação);

D) O Oponente foi nomeado gerente único em 14.01.1998 (cfr. certidão permanente junta com a contestação);

E) Consta do cadastro da executada originária, que o Oponente é o TOC da sociedade (cfr. informação de fls. 42 a 44 dos autos – processo físico);

F) Em 15.19.2005, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Loures-4, o PEF nº 3..., contra a devedora originária, para cobrança coerciva de dívidas de IRC e IVA do exercício de 2003, à qual foram apensadas execuções para cobrança de dívidas de IVA do exercício de 2004 e IRC dos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005 (cfr. fls. 1, 2, 4 e 5 do PEF apenso – “Processo Principal”);

G) No âmbito execução fiscal identificada na alínea precedente, foi elaborado, em 21.01.2010, um mandado de penhora contra a executada originária, pelo montante de € 58.002,12, tendo sido elaborado, em 28.01.2010, um auto de diligências, na qual se declara não terem sido localizados bens susceptíveis de penhora (cfr. fls. 3 e 6 do PEF);

H) Em 24.02.2011, a Chefe de Finanças proferiu despacho ordenando a preparação do processo com vista à reversão contra os gerentes (cfr. fls. 10 do PEF);

I) Na sequência do despacho antecedente, foi elaborado, em 18.03.2011, o ofício “Despacho para Audição (Reversão)” contra o Oponente no qual se lê, além do objecto da reversão e do valor em cobrança coerciva, o seguinte:

“Face ao disposto nos normativos do nº 4 do art. 23º e do art. 60º da Lei Geral Tributária, proceda-se à notificação do(s) interessado(s), para efeitos do exercício do direito de audição prévia, fixando-se o prazo de 10 dias a contar da notificação, podendo aquela ser exercida por escrito/oralmente.” (cfr. fls. 13 e 13-A do PEF);

J) O ofício precedente foi remetido ao Oponente por carta registada, expedida em 18.03.2011 (cfr. registo CTT a fls. 15. do PEF);

K) A carta contendo o ofício para audição prévia foi devolvida com a indicação “Não Atendeu” / “Avisado na estação de Correios do Marquês” (cfr. carta a fls. 17 do PEF);

L) Em 01.04.2011, foi proferido pela Chefe de Finanças o despacho de reversão contra Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, com o seguinte teor:

"Face às diligências de folhas 6, e estando concretizada a audição do(s) responsável(eis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra E..., (…) na qualidade de responsável subsidiário pela dívida discriminada.

Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art. 160º do CPPT para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (nº 5 do art. 23º da LGT)

(…)

FUNDAMENTOS DA REVERSÃO

Inexistência ou insuficiência dos bens penhorados do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23º/nº 2 da Lei Geral Tributária).

Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º, nº 1/b), da LGT]. (…)” (cfr. fls. 17 e 18 do PEF);

M) Em 04.04.2011, o Oponente foi citado no PEF nº 3... e aps., na qualidade de responsável subsidiário (cfr. fls. 19 a 22 do PEF);

N) Em 04.05.2011, foi apresentada Oposição junto do Serviço de Finanças de Loures-4 (cfr. carimbo aposto a fls. 8 dos autos – processo físico).

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

MOTIVAÇÃO:

A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos e do PEF apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra.



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- De Direito

Após apreciar diversos outros fundamentos invocados, a sentença veio a julgar procedente a oposição por considerar que o revertido não foi validamente notificado para o exercício do direito de audição prévia à reversão e, bem assim, por entender que não tinha aplicação no caso o princípio do aproveitamento do acto.

Como decorre da leitura da alegação recursória, não vem posta em causa a matéria de facto assente em 1ª instância, pelo que a mesma mostra-se estabilizada.

Como se sabe, são as conclusões da alegação do recurso que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, cabe-nos apreciar a questão atinente à violação do direito de audição prévia à reversão e, caso se justifique, analisar o alcance, in casu, do princípio do aproveitamento do acto.

Lê-se na sentença, além do mais, o seguinte:

“O princípio ou direito de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhe dizem respeito encontra comando constitucional no nº 5 do artigo 267º CRP, e materializa-se no direito de audição prévia, previsto, genericamente, nos artigos 60º da LGT e 45º do CPPT, e, em especial, quanto à matéria dos autos, no artigo 23º, nº 4 da LGT.

Resulta, desde logo, da factualidade provada que foi elaborado ofício pela AT, concedendo ao Oponente 10 dias para se pronunciar sobre o projecto de reversão, o qual foi remetido por correio registado em 18.03.2011 [cfr. alíneas H), I) e J) do probatório].

Mais resulta comprovado que tal carta/ofício foi devolvido à AT, com a menção “não atendeu” *cfr. alínea K) do probatório], pelo que cumpre averiguar quais as consequências desta devolução.

(…)”

Ora, revertendo tal doutrina ao caso sub judice – no qual ficou provada a devolução da carta registada sem que tenha sido remetida uma segunda carta, conforme nº 5 do artigo 39º do CPPT –, forçoso é concluir que não foi validamente efectuada a notificação do Oponente para o exercício do direito de audição prévia, o que determina a preterição dessa formalidade, gerando vício de procedimento que invalida o acto final impugnado (i.e., o despacho de reversão), o qual deverá ser, em princípio, anulado.

Diz-se em princípio porque, tratando-se de um vício de forma (que permite a renovação do acto), impõe-se averiguar se terá aqui aplicação o princípio do aproveitamento do acto que, além de reiteradamente defendido pelos tribunais superiores, tem, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 4/2015, de 07.01, assento legal no artigo 163º, nº 5 do CPA, aplicável ex vi da alínea d) do artigo 2º do CPPT.

(…)

O mesmo é dizer que verificada alguma das referidas situações a formalidade (preterida) degrada-se em formalidade não essencial.

Ora, quanto aos autos, a decisão sobre a reversão não constitui um acto vinculado, porquanto depende sempre da apreciação e do preenchimento dos pressupostos em cada caso concreto, relativamente a cada potencial responsável subsidiário.

Independentemente da prova efectuada pelo Oponente (ou da falta dela) na presente Oposição, a verdade é que a audição prévia lhe daria a possibilidade de contrariar, desde logo, o exercício da gerência de facto perante a AT (juntando documentos e apresentando testemunhas), que poderia ter obstado ao despacho de reversão impugnado, pelo que a omissão dessa formalidade prejudicou o objectivo para que foi criada.

Suscitam-se dúvidas quanto ao sentido da decisão a que teria chegado a AT, mesmo sem o vício.

Com efeito, não podendo dar-se por inteiramente seguro que o correcto exercício do direito de audição não pudesse ter a mínima relevância ou influência na decisão de reversão, mantém-se o efeito anulatório do despacho de reversão, não sendo possível o aproveitamento do acto.

Conclui-se, portanto, que em consequência da verificação do vício de forma, a AT fica com o dever de proceder à necessária substituição do acto anulado, reinstruindo o procedimento de reversão, com a audição do Oponente.”

A apreciação levada a efeito pelo TT de Lisboa quanto à perfeição da notificação para o exercício do direito de audição prévia à reversão estribou-se, no essencial, conforme transcrito na sentença, em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em especial no acórdão de 31/01/12, proferido no processo nº 017/12.

A Fazenda Pública, ora Recorrente, não se alongando nas razões da sua discordância quanto ao decidido sobre a notificação do E... para o exercício do direito de audição prévia, defende que “À AT apenas é exigível a prova do envio da notificação para efeitos da presunção do art. 39.º, n.º 1, do CPPT, uma vez que o art.º 60º da LGT estabelece que a notificação para o exercício de audição prévia é efetuada por carta registada. Portanto, quando a notificação é efetuada através de registo individual, para se dar por presumida a sua efetivação, basta a junção aos autos de cópia desse registo individual”.

Tal como a sentença bem evidenciou, o entendimento assumido no citado acórdão do STA, de 31/01/12, é para aqui inteiramente transponível, como resulta do seu teor que se transcreve seguidamente e que aqui se passa a adoptar.

Em tal aresto escreveu-se o seguinte:

“(…)

O procedimento de notificação, regulado nos artigos 35º a 39º do CPPT, compreende a emissão de uma carta, que incorpora o projecto da decisão, a fundamentação e o prazo de audição, o registo nos serviços postais e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário. Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação para o exercício do direito de audição ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.

Mas porque a comunicação é efectuada através dos serviços postais, que podem levar algum tempo a colocar a carta em condições do destinatário ter possibilidade de conhecer a sua existência, através de uma regra de experiência (id quod plerumque accidit), a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil (cfr. nº 1 do art. 39º do CPPT e nº 6 do art. 45º da LGT). O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.

A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite porém inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo. Como tal forma de notificação não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário, o nº 2 do artigo 39º permite que o notificado possa ilidir tal presunção «quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida», solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção». Esta norma põe em luz o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributário do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente.

Mas se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicilio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias, como a ausência temporária do domicílio (vg. trabalho, férias, doença, etc.), podem impedir o acesso à carta. Daí que a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando. A consequência lógica que a lei deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida. Certamente por isso, o nº 2 do art. 39º apenas prevê a possibilidade da prova em contrário na situação em que a notificação ocorre em data posterior à presumida, sem aludir à situação em que não há notificação.

Desde há muito, e pelo menos no que se refere aos particulares, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a defender que «a presunção do nº 2 do artigo 39º do CPPT, não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida», quer na situação de carta registada (cfr. acs. de 18/2/87, rec nº 004015, de 2/6/99, rec. 022529, e mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 0270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 21/5/2008, rec nº 01031/07 e de 8/7/2009, rec nº 0460/09).

É claro que o artigo 39º não resolve directamente o problema dos efeitos da devolução da carta registada.

Os nºs 5 e 6 desse artigo referem-se exclusivamente à devolução da carta registada com aviso de recepção e não à devolução da carta registada sem aviso de recepção. Naquela forma de notificação, se o aviso de recepção for devolvido pelo facto do destinatário se ter recusado a recebê-lo ou por não o ter levantado nos serviços postais, a norma obriga a que a administração tributária proceda à remessa de nova carta registada com aviso de recepção nos 15 dias seguintes à devolução; e se essa a carta for novamente recusada ou não levantada, preceitua-se que a notificação se presume feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil «sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência».

Este procedimento de notificação harmoniza satisfatoriamente o interesse da administração tributária em cumprir o dever de notificar, colocando a informação ao alcance do interessado e garantindo que a mesma foi efectivamente recebida, e o interesse do contribuinte em conhecer os actos que tocam na sua esfera jurídica, cumprir as determinações que a Administração lhe dirige, ou reagir contra o que lhe for desfavorável. Em caso de devolução da carta, o interesse público em notificar satisfaz-se com a exigência de uma segunda carta registada com aviso de recepção e com a presunção da notificação em caso de recusa de recebimento ou não levantamento; e o interesse do contribuinte protege-se com a possibilidade de invocar o “justo impedimento”, a ocorrência de evento não imputável, que obstaculizou a recepção da carta.

A composição destes interesses, através da imposição de uma segunda carta registada e do ónus do justo impedimento, também deve ser conseguida quando a notificação se efectue por carta registada simples.

Na verdade, a única diferença que existe entre as duas formas de notificação tem a ver com a prova do seu efectivo recebimento. O aviso de recepção funciona apenas como formalidade “ad probationem” de entrega do documento ao destinatário, ficando a Administração em condições de provar que o contribuinte recebeu efectivamente a notificação. Mas essa formalidade, cuja finalidade protege mais o remetente da carta do que o seu destinatário, não garante a certeza que a notificação se fará, uma vez que a carta pode ser devolvida. Não é o facto do registo ser simples ou com aviso de recepção que se garante que a carta chegará ao seu destino, pois essa garantia só pode ser dada pelos serviços postais. Se o aviso for devolvido com a menção de “não reclamado” ou “não levantado”, vale a mesma presunção tantum iuris que o nº 2 do artigo 39º atribui à devolução da carta registada simples. Em ambos as formas de notificação, sendo a carta devolvida, é o registo que serve de base da presunção de que a entrega da carta foi efectuada em três dias.

Não contendo o artigo 39º uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, numa interpretação da norma em conformidade com a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268º nº 3 da CRP), defende-se que se deve aplicar o regime que está previsto para a forma de notificação com aviso de recepção, de que resulta a imposição de uma segunda carta registada e a faculdade da invocação do justo impedimento. Se em ambas as formas de notificação o conflito de interesses é semelhante, divergindo apenas quanto ao meio de provar a recepção efectiva, então semelhante tratamento devem ter quando a carta registada é devolvida.

No caso dos autos, ficou provado que a carta registada foi devolvida com a indicação de que a destinatária “não atendeu”. Esta menção tem um sentido diferente de “não reclamada” ou “não levantada”, pois tem ínsita a deslocação do distribuidor do serviço postal ao domicilio da destinatária e que a mesma não foi encontrada. Todavia, ainda que tenha sido deixado aviso no domicílio, a devolução da carta registada não garante a certeza jurídica da sua cognoscibilidade por parte da recorrida, pois a alegada situação de ausência do domicilio não é um risco que deva ser suportado exclusivamente pelo destinatário, sob pena de se restringir excessivamente a garantia constitucional da notificação. O risco decorrente da insegurança quanto à recepção da notificação só deve ser suportado pelo contribuinte após uma segunda carta registada, ficando este com o ónus de demonstrar o justo impedimento na recepção da carta”.

Ora, na situação sub judice, ficou provado que a carta registada, de 18/03/11, remetida para efeitos do cumprimento do artigo 23º, nº4 da LGT, foi devolvida com a indicação de que o destinatário “não atendeu”, sendo certo que nenhuma outra carta foi remetida, como a sentença bem assinalou.

E, assim sendo, perante a devolução da carta registada e da falta de garantia da certeza jurídica da sua cognoscibilidade por parte do Recorrido, há que concluir, com a sentença e na linha da jurisprudência citada, que não foi efectuada validamente a notificação para o exercício do direito de audição, o que determina a preterição dessa formalidade legal, gerando um vício procedimental com potencialidade para invalidar o acto final (leia-se, o despacho de reversão).

Aqui chegados e tal como referimos, coloca-se a questão que a preterição deste vício formal sempre suscita, a saber: o eventual aproveitamento do acto, princípio este que, à data do despacho de reversão em causa, era reconhecido e aplicado pela jurisprudência, mas que não se mostrava legalmente consagrado, ao contrário daquilo que actualmente sucede – vide o n.º 5 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro.

A este propósito, vimos já a resposta dada pelo TT a tal questão.

Lembremos, em resumo, que a Fazenda Pública se insurge contra a análise efectuada na medida em que “a liquidação foi elaborada com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, sobre a qual o interessado tem pleno conhecimento e consciência já que era TOC, o imperativo constitucional que consagra esse direito de audição não se encontra prejudicado, já que as liquidações que se encontram a ser revertidas respeitam ao período em que o oponente foi gerente”. Adicionalmente, diz o Recorrente, “a preterição de uma determinada formalidade poderá considerar-se preterição de formalidade não essencial se se demonstrar (apreciação dependente das circunstâncias concretas de cada caso, numa ponderação que está subjacente ao princípio do aproveitamento dos atos administrativos) e que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente. Tal tem plena aplicação no caso em apreço, já que como se encontra provado nos autos o oponente nada poderia trazer de novo que levasse a que a decisão do procedimento fosse outra que não aquela que se encontra a ser apreciada in casu.”

Como bem se evidencia no acórdão do STA, de 24/10/12, no processo nº 548/12, “a preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente (Cfr. Acórdão do STA de 15/2/2007, proc nº 1071/06.) ou se trate de actividade administrativa vinculada. E, mesmo aqui, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que “(…) pode ainda ser possível, em certos casos de actividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela. Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur - já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental.” (cfr. o Acórdão de 14/5/2003, recurso nº 317/03)”.

Nesta linha de entendimento, evidencia a doutrina que “este princípio apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão” (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição).

No caso em apreço, em que o acto sindicado corresponde ao despacho de reversão operante da responsabilidade subsidiária de um gerente, não restam dúvidas que não estamos perante uma situação legal evidente ou perante uma actividade vinculada, não se podendo afirmar a insusceptibilidade de a participação do interessado/gerente nominal influenciar a decisão final, quanto ao seu sentido e fundamentos.

Analisando a p.i vemos que aí vem questionado o exercício efectivo da gerência de facto do gerente nomeado, sendo claro que aí se defende que não foram, pelo E..., praticados actos que vinculassem a sociedade relativamente a fornecedores, clientes ou entidades financeiras; que o mesmo não dava ordens aos empregados da empresa; que não dispôs de bens da devedora originária; que jamais ordenou ou efectuou pagamentos, não tendo assinado cheques ou outros títulos; que nunca foi às instalações da empresa; que não tinha acesso à correspondência da sociedade devedora, entre outro circunstancialismo com o qual pretende questionar o exercício da gerência por sua parte.

Nesta medida, parece-nos claro que a participação do potencial revertido na fase anterior à reversão era susceptível de contribuir para a alteração do projeto de decisão, na fase do procedimento de reversão, através da junção de elementos de prova e/ou requerendo a produção de outros.

É verdade, e o Tribunal não desconsidera, que a Recorrente evidencia que o referido E... era, a partir de certa altura, gerente único, pelo que “encontra-se provada a sua legitimidade”. Como se percebe, com esta afirmação pretende a Fazenda Pública mostrar que o exercício do direito de audição era, afinal, uma actividade inútil, já que insuscetível de levar a outro desfecho que não a reversão operada ao abrigo do artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT, como ocorreu. Com efeito, refere a Recorrente que “como se encontra provado nos autos o oponente nada poderia trazer de novo que levasse a que a decisão do procedimento fosse outra que não aquela que se encontra a ser apreciada in casu”.

Mas não é assim, nem tal juízo de prognose póstuma, com tal alcance, se pode fazer no caso concreto. Aliás, basta lembrar que, como a jurisprudência tem dito, casos há em que, dependendo do concreto circunstancialismo de facto, se conclui que, não obstante a gerência única, o gerente de direito não pode ser responsabilizado por não ter exercido a gerência de facto – neste sentido, entre outros, os acórdãos do TCA Norte, de 12/06/14, no processo nº 00013/12.0BEBRG e do TCA Sul, de 06/12/18, processo nº 550/11.3 BESNT.

Irrelevantes são para o caso, também, as conclusões X) e XII), pois não está em causa o direito de audição prévia à liquidação mas sim, diferentemente, o direito de audição prévia à reversão.

Em suma, conclui-se que não pode afirmar-se com segurança que o despacho final de reversão teria de ter necessariamente o conteúdo que veio a ter (e não outro), ainda que tivesse sido exercido o direito de audição prévia à reversão.

Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser mantida, pois que, com acerto, julgou procedente a oposição à execução fiscal.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 17/09/20


Catarina Almeida e Sousa

Hélia Gameiro

Cristina Carvalho