Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1313/18.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA;
EXCESSO DE PRONÚNCIA.
Sumário:I. Prevista no nº 1 do artigo 125º. do CPPT e na alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC (in fin) , a nulidade por excesso de pronuncia relaciona-se com a segunda parte do nº 2 do artigo 608.º e com o nº 1 do artigo 609.º do CPC, em que se estabelece que o juiz nem pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, nem pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

II. O excesso de pronúncia ocorre, assim, quando o tribunal decide uma questão que não havia sido chamado a resolver e que não é de conhecimento oficioso.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO


A FAZENDA PÚBLICA veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida, pela sociedade denominada «C................, SA.» contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa do acto de liquidação oficiosa de IVA de 2014 e de juros compensatórios, onde requereu a final a anulação parcial do acto tributário controvertido e dos juros compensatórios apurados.

A recorrente alegou tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
«I - Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo em 08- 07-2019, a qual julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por C................, S.A., com o NIPC ................, contra parte do acto de liquidação de IVA do exercício de 2014, no valor de € 696.162,18, bem como contra o correspondente acto de liquidação de juros compensatórios, os quais já tinham sido objecto de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º .................
II - Nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT que “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
III - Pois que não compete ao Juiz ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, sendo que a apreciação, pelo Juiz, de questões de que não deveria ter tomado conhecimento é que justifica plenamente a nulidade da sentença, pois que o excesso de pronúncia se traduz numa violação do princípio do dispositivo que contende com a liberdade e a autonomia das partes.
IV - A Sentença deve, em respeito pelo acima transcrito, conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes, seja como fundamento do pedido formulado pelo autor, seja como fundamento das excepções deduzidas, e bem assim das controvérsias que as partes sobre elas suscitem, ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
V - Nesta perspectiva e compulsados os autos, verificamos que toda a argumentação aduzida pelo Impugnante na sua p.i. vai precisamente no sentido de contestar a liquidação de IVA promovida pela AT, designadamente por aplicação da presunção de transmissão de bens ínsita na al. f) do n.º3 do art.º 3º do CIVA, nunca trazendo à tona no seu petitório qualquer insatisfação com o IVA que os serviços inspectivos consideraram deduzido relativamente aos bens objetos da presunção de transmissão, ou seja, nunca contrariando diretamente os valores tidos por deduzidos ou revelando uma eventual discordância relativamente ao IVA que os SIT consideraram deduzido no RIT.
VI - Dito de outra forma, o que o Impugnante pretende demonstrar, perscrutado o seu petitório, é que a administração tributária não podia presumir, atento a ocorrência de determinadas circunstâncias factuais ali mencionadas (reversão do direito de superfície, penhoras e destruição acidental de bens), a transmissão dos mesmos, pretendendo assim afastar a presunção de transmissão que se retira da dinâmica do CIVA.
VII - Do teor da sentença, e muito menos da p.i. do Impugnante, não se retira que a questão das movimentações das contas de IVA do Impugnante tenha sido suscitada em juízo por este último, tendo este centrado toda a sua argumentação em aspectos jurídicos eventualmente desconsiderados no RIT, mas nunca questionando os aspectos contabilísticos ali analisados. Em suma, no caso em apreço, a questão da movimentação das contas de IVA ou da efectividade da dedução do IVA não foi alegada na petição inicial, não constituía causa de pedir e estava completamente ausente do processo, não sendo de ponderar, sequer, a possibilidade do seu conhecimento oficioso.
VIII - Desta forma, com o devido respeito, que é muito, nem sequer devia o Douto Tribunal a quo ter emitido pronúncia sobre o assunto; tendo-o feito, foi muito além do conhecimento das questões que lhe foram suscitadas pelas partes. Assim, verifica-se que a Sentença ora recorrida, se encontra ferida de nulidade, por violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 125.º, ambos do CPPT.


Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente, ser revogada a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

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A C................, SA. apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«Face ao que ficou anteriormente exposto em IV.), entende a Impugnante, ora Recorrida, que, ao contrário do que sustenta o RFP, ao longo do Processo de Impugnação invocou o facto de a Administração Tributária não ter considerado, para efeitos da realização das regularizações do IVA em virtude da presunção de transmissão dos bens do seu ativo fixo corpóreo, o valor do IVA efetivamente deduzido pela Impugnante relativamente a cada um dos bens em causa e, bem assim, a data em que cada um desses bens entrou em funcionamento.
Deste modo, considera a Impugnante, ora Recorrida, que não houve, por parte do juiz do Tribunal a quo, qualquer excesso de pronúncia ao trazer à colação (uma vez mais) o facto de a Administração Tributária não ter demonstrado/provado que houve efetiva dedução do IVA relativamente a esses bens que, por força da cessação de atividade da Impugnante a partir de 31 de dezembro de 2014, se presumiram transmitidos e, bem assim, qual a data em que esses mesmos bens começaram a ser utilizados, dados factuais estes de que depende a regularização de IVA prevista nos artigos 24º a 26º do Código do IVA, regularização esta que terá estado subjacente à liquidação adicional de IVA de que a Impugnante foi objeto.
Por fim, e em conformidade com o acima exposto, há que concluir que a Sentença ora recorrida não é nula, mantendo-se todos os seus efeitos, designadamente, a total procedência da Impugnação, com a consequente anulação parcial da liquidação de IVA e da liquidação dos correspondentes juros compensatórios, liquidações estas que são, assim, reduzidas de Euro 696.162,18 para Euro 81.120,22 e de Euro 66.948,15 para Euro 7.805,32, respetivamente.
Termos em que, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, por consequência, ser mantida a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, com as demais consequências legais, acima referidas.»

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a única questão a decidir é a de saber se a sentença é nula por excesso de pronúncia.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1 - A sociedade “ C..............., S.A.” exercia a actividade de escola de condução e pilotagem, enquadrado em IVA no regime normal trimestral, exercendo operações que conferem o direito á dedução do imposto suportado e operações que não conferem esse direito, os quais foram objecto de verificação pela I.T., relativo ao ano de 2014, de que resultou a correcção oficiosa do imposto liquidado, em consequência das regularizações efectuadas ás deduções de imposto dos bens do activo imobilizado da empresa, assim como dos bens constantes do inventário das existências, por se haver entendido que a sociedade cessara, desde 2012, o exercício de actividade tributável, por haver deixado de praticar actos relativos á sua actividade reportado a essa data, presumindo-se a sua transmissão nos termos do disposto na alínea f), do nº3, do artº 3º, do CIVA, sendo de proceder á dita regularização do imposto dedutível á data da transmissão, face aos mapas contabilísticos dos activos fixos tangíveis na parte ainda não amortizados, assim como dos inventários recebidos do s.p., de acordo com as Declarações “IES” por si enviados á Adm. Fiscal, tendo-se apurado o valor liquido de tais bens ao qual foi aplicado a taxa normal de IVA e liquidado o imposto em falta. – cfr Relatório da I.T. , de fls 41 e segs dos autos e “Prints Informáticos”, de fls 119 a 121, do P.A. apenso.
2 - Tendo o Impte sido notificada para exercer o direito de audição antes da conclusão do relatório da I.T., o qual foi exercido, tendo invocado a inexistência da transmissão dos edifícios e outras construções por efeito da reversão do direito de superfície de um terreno, assim como os bens imóveis considerados pela I.T. como sujeitos a regularização de imposto, em beneficio do correspondente município, e sem que se apurasse a sujeição a imposto das aquisições de bens por si efectuadas e da dedução total de imposto sobre tais bens, considerando ainda que houve penhora judicial relativo ao equipamento básico por si detido, pelo que não se observou a sua transmissão, o qual foi apreciado na decisão do procedimento de inspecção, tendo-se entendido que os bens haviam usufruído de dedução de imposto suportado com a sua aquisição ou construção, e face a constatação da falta de regularização do imposto á data que se presumiu a sua transmissão e considerado pelo período ainda não decorrido, impunha-se tal liquidação de imposto. – cfr ponto IX, do Relatório da I.T. de fls 43 v. a 48 v., dos autos.
3 - As correcções referidas supra deram origem á liquidação adicional de imposto do período do 4º trimestre de 2014, no valor de € 696.162,18 e de € 66.984,15, de juros compensatórios, respectivamente . - cfr “Documento de Cobrança”, de fls 125 a 133 , do P.A. apenso.
4 - Da liquidação de imposto referido supra foi deduzida reclamação graciosa, em 12.01.2018 pelo impte, no sentido de serem consideradas os bens que não integravam o activo da sociedade, assim como da sua não transmissão e da data da sua utilização efectiva para efeitos de regularização das respectivas deduções de imposto , a qual mereceu despacho de indeferimento proferido em 05.09.2018, pelo Director de Finanças Adjunto, da Divisão da J. A. da D.F.Lisboa,. – cfr “Despacho” aposto sobre “Parecer” e “Informação dos Serviços”, de fls 17 v. a 20 v. dos autos e requerimento apresentado constante de fls 2 e segs, , do Proc. Recl. apenso aos autos.
X
Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, designadamente, que deduções de imposto foram efectuadas pelo Impte relativamente aos bens do seu activo fixo tangível desde a data da sua aquisição e/ou utilização até á data que se presumiu a sua transmissão, assim como dos bens constantes das existências (activo permutável).

X
Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo certo que relativamente aos edifícios, outras construções, parte do equipamento básico e outros activos imobilizados, assim como, dos bens do inventário ora controvertidos, nada consta dos autos quanto á efectiva e quantificada dedução do imposto suportado no ano da sua aquisição e/ou, desde o início da sua utilização e durante o período de vida útil de tais bens, por banda da Impte, nem inclusive, se tais bens se encontravam sujeitos e não isentos de imposto pela sua aquisição, não bastando para o efeito a mera alusão, constante do Relatório da I.T., de que a regularização do imposto se sustenta na possibilidade legal de usufruírem do direito á dedução do imposto suportado, e tendo em consideração que tal não resulta dos elementos obtidos pela I.T. em sede inspectiva em razão das “IES” e aos “Mapas dos Activos Fixos Tangiveis” e de “Inventários” dela constante.»

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B.DE DIREITO
Alega a recorrente que a sentença sob recurso padece da nulidade consagrada na parte final da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, porquanto: « (…) não se retira que a questão das movimentações das contas de IVA do Impugnante tenha sido suscitada em juízo por este último, tendo este centrado toda a sua argumentação em aspectos jurídicos eventualmente desconsiderados no RIT, mas nunca questionando os aspectos contabilísticos ali analisados. Em suma, no caso em apreço, a questão da movimentação das contas de IVA ou da efectividade da dedução do IVA não foi alegada na petição inicial, não constituía causa de pedir e estava completamente ausente do processo, não sendo de ponderar, sequer, a possibilidade do seu conhecimento oficioso.».

Apreciando a nulidade invocada cumpre referir que, se encontra prevista no nº 1 do artigo 125º. do CPPT e na alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC (in fin), a nulidade por excesso de pronúncia relaciona-se com a segunda parte do nº 2 do artigo 608.º e com o nº 1 do artigo 609.º do CPC, em que se estabelece que o juiz nem pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, nem pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia ocorre, assim, quando o tribunal decide uma questão que não havia sido chamado a resolver e que não é de conhecimento oficioso

E, como também é sabido, o conceito de questões cuja apreciação ou não apreciação determinam aquelas nulidades, é um conceito que se relaciona com «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes (cfr. A. Varela, RLJ, 122º, 112) e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, 143).

No caso vertente, como bem se colhe dos autos, a Impugnante (doravante Recorrida) deduziu impugnação judicial contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ................, que teve por base a liquidação adicional de IVA e correspondentes juros compensatórios (exercício de 2014), respectivamente nos valores de €696.162,18 e € 66,984,15.

Em fundamento da sua pretensão anulatória, alegou, além do mais, que a Administração Tributária « (…) Partindo apenas dos valores constantes dos mapas de Ativos Fixos Tangíveis e de Inventários disponibilizados pela Impugnante à AT no decurso da ação inspetiva, a que foi feita referência em 1.º supra, a AT limitou-se a aplicar a tais valores a taxa de 23% (taxa genérica do IVA que já se encontrava em vigor a 31 de dezembro de 2014). (…) não cuidou de saber se tais bens integravam, efetivamente, o património da Impugnante àquela data e, a ser esse o caso, qual a data em que os referidos bens entraram em funcionamento, sendo que o valor da liquidação oficiosa de IVA efetuada à Impugnante se resume nos moldes seguintes: (…)» (cfr. artigo 9.º da petição inicial de impugnação).

Na sentença recorrida analisando a questão suscitada pela recorrida concluiu-se, do seguinte modo: «Resulta evidente que, nos casos das regularizações a que se refere os artºs 24º a 26º, do CIVA, aliás como das transmissões das existências dos bens da sociedade em casos de auto- consumo externo, pressupõem que o imposto suportado na sua aquisição seja efectivamente deduzido, como resulta do disposto na referida alínea f), do nº 3, do artº 3º, “in fine” ,e expressamente se refere o disposto no nº1 e nº 5, do artº 24º e nº1 e 3, do artº 26º, todos do CIVA. –cfr nesse sentido Sérgio Vasques, in “O Imposto Sobre o Valor Acrescentado” Ed. Almedina, Setembro de 2015, pags 212 e segs.

Atento a que a I.T. foi directamente questionada no âmbito do direito de audição, sobre a concreta situação tributária dos bens adquiridos quanto á respectiva dedução do imposto que onerou a construção e aquisição de tais bens do activo, impunha-se á Adm. Fiscal que indicasse previamente, tanto no projecto de relatório, como na elaboração final do mesmo, que o s.p. havia deduzido e em que termos, o imposto suportado com a respectiva aquisição dos bens, não se podendo bastar com a consideração das depreciações efectuadas sobre tais bens e liquidando o imposto sobre os montantes deduzidos das amortizações acumuladas, sem curar de saber as respectivas movimentações das contas de IVA relativo a tais bens. “Mutatis mutandii” relativamente á transmissão dos bens do activo permutável (existências), que igualmente pressupunha a verificação e quantificação do imposto deduzido na sua aquisição.

Nada tendo apurado nessa sede, não basta á Adm. Fiscal se ancorar na lei sem a invocação de uma concreta verificação que lhe cabia efectuar dos respectivos pressupostos de tributação daquelas transmissões de bens em resultado da equiparação das ditas operações a auto- consumo externo dos bens da empresa.- cfr nº1, do artº 74º da LGT.».

Segundo a recorrente, « (…) a questão da movimentação das contas de IVA ou da efectividade da dedução do IVA não foi alegada na petição inicial, não constituía causa de pedir e estava completamente ausente do processo, não sendo de ponderar, sequer, a possibilidade do seu conhecimento oficioso.».

Como sabemos, no domínio do direito tributário, ao juiz incumbe apenas pronunciar-se sobre os vícios que surgem imputados pela Impugnante ao acto tributário sufragado, em face dos fundamentos deste último.

Ora, na situação dos autos foi isso que sucedeu, uma vez que a recorrida suscitou a questão, relativa à regularização contestada (nos termos previstos nos artigos 24º a 26.º do CIVA), invocando que, apenas poderia ser efectuada quanto aos bens que entraram em funcionamento em 2010 e nos anos subsequentes, não aos que entraram em funcionamento em anos anteriores e que competia à Administração Tributária demonstrar que os bens em causa integravam o património da Recorrente, e qual a data em que os mesmos entraram em funcionamento.

E foi neste quadro, que a questão foi colocada ao Tribunal de 1.ª Instância, e consequentemente apreciada nos termos consignados na sentença recorrida.

É patente, por conseguinte, e independentemente do mérito de tal solução, que contrariamente ao afirmado pela recorrente, não se verifica qualquer excesso de pronúncia, por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, pois a sentença moveu-se dentro dos limites daquilo que lhe era possível conhecer, apreciando e decidindo um vício suscitado por quem, no processo, o poderia suscitar.

Deve, pois, ser julgada improcedente a nulidade imputada à sentença recorrida.

Face a todo o exposto, e uma vez que a recorrente não põe em causa o mérito do julgamento realizado pela 1.ª Instância, nada mais há a apreciar.

DA DISPENSA DO PAGAMENTO DE REMANESCENTE DE TAXA DE JUSTIÇA

Conforme entendimento expresso no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo T de 07.05.2014, proferido no processo n.º 01953/13, a que aderimos sem reservas, «A norma constante do nº 7 do artigo 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000 (uma vez que está e causa o valor da acção de 674.220 €) consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes),iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No caso vertente, temos de reconhecer que, quanto ao comportamento das partes, nada há a censurar à actuação processual da Recorrente, que se limitou a apresentar contestação com vista à defesa dos seus interesses. No que respeita à matéria em discussão ( nulidade da sentença por excesso de pronuncia) não se vê que a mesma se tenha revestido de grande complexidade substancial.

Daí que, ponderando todos estes factores e a utilidade económica dos interesses das partes envolvidos, se entenda, à luz da interpretação dada à norma do nº 7 do artigo 6.º do RCP, nada obsta que a Recorrente seja dispensada, do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

IV.CONCLUSÕES.

I. Prevista no nº 1 do artigo 125º. do CPPT e na alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC (in fin) , a nulidade por excesso de pronuncia relaciona-se com a segunda parte do nº 2 do artigo 608.º e com o nº 1 do artigo 609.º do CPC, em que se estabelece que o juiz nem pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, nem pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

II. O excesso de pronúncia ocorre, assim, quando o tribunal decide uma questão que não havia sido chamado a resolver e que não é de conhecimento oficioso.

V.DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes que integram da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que se reporta o nº 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, para ambas partes.


Lisboa, 25 de Junho de 2020

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]