Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:255/18.4BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:COIMA – REDUÇÃO
Sumário:- O pagamento da prestação tributária devida, ainda que parcial, efectuado para além do prazo de pagamento mas antes do levantamento de auto de notícia, equivale ao pedido de redução de coima, ainda que não expressamente formulado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na secção de contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. Relatório
1.1. As partes
A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença proferida pelo TAF de Almada no recurso de contra-ordenação interposto por R……, Ld.ª, que concedeu provimento ao recurso, veio da mesma interpor recurso jurisdicional.
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1.2. O Objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formula as seguintes conclusões:
1.ª Atento o disposto no artigo 61.°, n.° 1, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi artigo 3.°, alínea b), do RGIT, é competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infração;
2.ª In casu, a infração foi consumada no Município de Sines, local da sede da recorrente, sendo competente para conhecer do presente recurso o TAF Beja;
3.ª Impõe-se declarar a incompetência territorial do TAF Almada, para apreciar e decidir o presente recurso de contra-ordenação, com todas as necessárias e legais consequências;
4.ª Mesmo que assim não se decida, deve reconhecer-se que o artigo 30.°, n.° 4, do RGIT, não tem aplicação na situação em apreço, pois ali não se prevê que a entrega parcial da prestação tributária em falta possa valer como pedido de redução de coima;
5.ª Nos termos do disposto no artigo 30.°, n.° 4, do RGIT, nos casos que se enquadrem na alínea a), do n.° 1, do artigo 29.°, do RGIT, só a regularização da situação tributária do agente, ou seja, a entrega da totalidade da prestação tributaria em falta, vale como pedido de redução de coima;
6.ª Não prevendo o n.° 4, do artigo 30.°, do RGIT, que a entrega parcial da prestação tributaria vale como pedido de redução de coima, decidiu mal a Meritíssima Juíza do Tribunal "a quo" quando concluiu que a recorrente apresentou pedido de redução de coima em 24/03/2016, ou seja, na data em que pagou a importância de € 10 000,00;
7.ª Não prevendo o n.° 4, do artigo 30.°, do RGIT, que a entrega parcial da prestação tributaria vale como pedido de redução de coima, decidiu mal a Meritíssima Juíza do Tribunal "a quo" ao determinar que in casu seria de aplicar o disposto na alínea a), do n.° 1, do artigo 29.°, do RGIT, o que configura uma situação de erro de julgamento de direito;
8.ª A coima fixada pelo Exmo. Senhor Chefe da Divisão de Justiça Tributaria da Direção de Finanças de Setúbal, ao fixar a coima de acordo com o estabelecido no artigo 114.°, n.° 2 e n.° 5, alínea a), e no artigo 26.°, n.° 4, ambos do RGIT, com respeito pelos limites do artigo 26.°, daquele mesmo diploma, no valor de € 8 544,08, respeitou o disposto na alínea a), do n.° 1, do artigo 29.°, do RGIT;
9.ª Sendo um dos requisitos do direito a redução de coima previstos no n.° 4, do artigo 30.°, do RGIT, a regularização da situação tributária do agente, deve considerar-se que, in casu, essa regularização só ocorreu com o pagamento efetuado em 19-06-2015, ocorrido portanto, para alem dos 30 dias posteriores ao da prática da infração;
10.ª Perante os erros de julgamento de facto e de direito de que padece não pode a Sentença ora sob recurso manter-se na ordem jurídica já que violou o disposto nos artigos 29.°, n.° 1, alínea a), 30.°, n.° 4, 114.°, n.° 2, e 26.°, n.° 4, do RGIT.
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1.2.2. Contra-alegações
A recorrida contra-alegou, concluindo deste modo:
1.ª Em 24.03.2016 a Recorrente/Recorrido procedeu ao pagamento do valor de €10.000,00, relativo ao IVA (exercício - Janeiro/2016) e,
2.ª Em 04.05.2016 a Recorrente/Recorrida procedeu ao pagamento do valor de €18.990,49, ou seja, o remanescente do montante em divida;
3.ª Em 25.03.2016, o Serviço de Finanças de Sines/Direcção de Finanças de Setúbal levantou, contra o ora recorrente/Recorrido, o auto de notícia n.º 20160061…;
4.ª Na mesma data e na sequência do auto de notícia supra referido, aquele Serviço autuou o processo de contra ordenação n.º 2259201606000000…;
5.ª Em 13.10.2017, o Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Setúbal, no âmbito do processo de contraordenação em referência fixou a coima no montante de €8.44,08.
6.ª Assim, atento o disposto no art. 30.º/4 RGIT, por referência ao art. 29.º al. a) e b) RGIT, será de reduzir a coima, sempre que (...) a regularização da situação tributária do agente tido dependa de tributo a liquidar pelos serviços, vale como pedido de redução a entrega da prestação tributaria.
7.ª O IVA, representa um imposto autoliquidado pelo sujeito passivo (art. 41.º CIVA) sendo que, o pagamento em duas prestações configura um atraso no pagamento do imposto devido, com consequente emissão de juros compensatórios, os quais, não se caraterizam como um tributo a liquidar pelos serviços, antes sim, constituem-se como uma obrigação acessória de imposto. Tudo, conforme melhor se alcança do disposto no art. 30.º e no art. 44º ambos da LGT.
8.ª O Recorrente/Recorrido procedeu ao pagamento parcial do IVA (€10.000,00) em24.03.2016 e o remanescente, ou seja, €18.990,49, em 04.05.2016 (IVA devido ao período de Janeiro/2016).
9.ª E, porque assim foi, poderá extrair-se a conclusão de que a Recorrente/Recorrida apresentou o pedido de redução de coima em 24.03.2016, i.e., nos 30 dias posteriores a pratica infração, ou seja, em 10.03.2016, sendo que, não havia sido ainda levantado o auto de notícia (25.03.2016), motivo pelo qual, se mostram preenchidos os requisitos exigidos previstos no art. 29.º/1, al. a) RGIT, o qual manda observar a aplicação da redução da coima para 12,5% do montante mínimo legal.
10.ª A Recorrida/Recorrente — Autoridade Tributaria e Aduaneira/Direção de Finanças de Setúbal, após instruir devidamente o processo em referência, dirigindo-o ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, vem agora, em sede de Recurso, suscitar a sua incompetência territorial o que, e para o efeito do princípio do aproveitamento dos atos processuais e da celeridade processual devera tal pretensão ser liminarmente indeferida.
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1.3. Parecer do Ministério Público
A Exm.ª Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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1.4. Questão a decidir
Saber se a sentença padece de erro de julgamento
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2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.2. Factos provados (na sentença)
a. Em 24.03.2016 a Recorrente procedeu ao pagamento ao Estado do montante de €10.000,00, relativo a IVA, referente ao mês de Janeiro do exercício de 2016, cfr. facto não impugnado que se extrai do artigo 2.º da petição inicial e fls. 16 e 36 dos autos.
b. Em 25.03.2016, no Serviço de Finanças de Sines, foi levantado contra a Recorrente auto de notícia n.º 20160061…/2016, do qual constam os seguintes elementos:
(…) ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRAÇÃO (…)
Montante de imposto exigível: 28.480,29
Valor da prestação tributária entregue: 0,00
Valor da prestação tributária em falta: 28.480,29
Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2016-03-10
Período a que respeita a infração: 2016/01
Normas Infringidas: Artº 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 a) CIVA – Falta de pagamento do imposto (M)
Normas Punitivas - Artº 114.º n.º 2 e 5 f) e 26.º n.º 4 do RGIT – Falta de entrega de prest. tributária dentro do prazo (M) (…)”, cfr. fls. 24 dos autos.
c. Na mesma data, na sequência do auto de notícia referido na alínea precedente, foi autuado o processo de contra-ordenação n.º 2259201606000000…., cfr. fls. 23 dos autos.
d. A Recorrente dirigiu ao Serviço de Finanças de Sines requerimento, com data de entrada de 01.04.2016, do qual consta, por extrato:
“(…) A 10/03/2016 a empresa procedeu á submissão da declaração periódica de IVA, referente ao período de 01/2016, na qual foi apurado imposto a favor do Estado no montante de Euros: 28.480,29
Por dificuldades de tesouraria de curto prazo, a 24/03/2016, foi liquidado o montante de Euros: 10.000,00, antes da instauração do processo executivo.
A 27/03/2016 foi instaurado o processo 225920160100…, pelo valor total do imposto, Euros: 28.480,29, quando corretamente o valor seria de Euros: 18.480,29.
Desta forma e face ao exposto, solicita-se o seguinte:
Dedução no processo executivo 225920160100…, do montante de Euros: 10.000,00
A Aplicação da coima em conformidade com as liquidações efetuadas. (…)”, facto não impugnado que se extrai do artigo 3.º da petição inicial e fls. 18 dos autos.
e. Em 04.05.2016 a Recorrente procedeu ao pagamento ao Estado do montante de €18.990,49, relativo a IVA, do período de tributação de 01.01.2016 a 31.01.2016, cfr. facto não impugnado que se extrai do artigo 3.º da petição inicial e fls. 18 dos autos.
f. Em 13.10.2017, o Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Setúbal proferiu despacho, no âmbito de processo de contraordenação n.º 2259201606000000…, com fixação de coima no montante de €8.544,08, de onde se extrai designadamente o seguinte:
“(...)
“Texto Integral com Imagem”


g. Em 15.01.2018, o Chefe do Serviço de Finanças de Sines remeteu à Recorrente, através de correio registado, no âmbito do processo referido na alínea precedente, comunicação sob o assunto “NOTIFICAÇÃO ARTº 79 Nº 2 RGIT”, cfr. fls. 25.
h. O presente recurso de contraordenação foi apresentado presencialmente no Serviço de Finanças de Sines, em 05.02.2018, cfr. fls. 22 dos autos.
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2.1.2. Factos a aditar (artigo 662.º, n.º 1, do CPC):
i. O recurso referido supra em h) foi dirigido ao TAF de Beja (fls. 6 do PF).
j. Em 12-03-2018 a Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal remeteu os autos de C.O. ao Exm.º Procurador da República junto do TAF de Almada, onde foram recepcionados a 15-03-2018 (fls. 3 do PF).
k. Em 28-05-2018 foi proferido o seguinte despacho:
a. Admito o presente recurso da decisão de aplicação de coima, nos termos do disposto nos artigos 80.° e 81.° do RGIT.
b. Notifique.
I. Atento o disposto nos artigos 81.°, n.° 2, do RGIT, e 70.°, n.°5 1 e 2, do RGCOC, notifique o Representante da Fazenda Publica para, no prazo de 10 dias, querendo, oferecer qualquer prova complementar, ou indicar os elementos ao dispor da Administração Tributária que repute conveniente obter.
II. Atentos os fundamentos invocados no recurso e o teor dos elementos documentais juntos aos autos, julgo dispensável a realização de audiência de discussão e julgamento no âmbito dos presentes autos.
Notifique a Arguida/Recorrente e o Ministério Publico para, no prazo de 10 dias, declararem, querendo, a sua oposição, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 64.°, n.° 2, do RGCOC, aplicável ex vi do artigo 3.°, al. b), do RGIT.
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2.2. De Direito
2.2.1. Da incompetência do TAF de Almada
A recorrente insurge-se contra a sentença com base em dois argumentos: por um lado o tribunal era territorialmente incompetente, por competente ser o TAF de Beja; por outro, não era aplicável o regime legal de redução da coima, pelo que a decisão recorrida padece de violação dos artigos 29.°, n.° 1, alínea a), 30.°, n.° 4, 114.°, n.° 2, e 26.°, n.° 4, do RGIT.
Quanto à questão da incompetência territorial, deve dizer-se que de facto o TAF de Almada não era territorialmente competente. Com efeito, a infracção consumou-se no Município de Sines, local que se situa na área de jurisdição do TAF de Beja, pelo que competente para conhecer do recurso deveria ter sido este último.
Sucede, porém, que é a própria recorrente que está na origem da referida incompetência relativa, ao enviar o recurso para o tribunal recorrido.
Para além disso a recorrente foi notificada do despacho que admitiu o recurso e dispensou a audiência de discussão e julgamento, através do qual, implicitamente, o TAF de Almada se arrogou competência material e territorial. Ora, este despacho foi notificado às partes, que nada disseram.
Transitou por isso em julgado, visto que já não é possível a sua alteração ou revogação, por não ter sido atempadamente impugnado. É que, não regulando o CPP o caso julgado e sendo omisso a esse respeito o RGCO, são aplicáveis as normas de processo civil, ex vi, do artigo 41.º do RGCO e artigo 4.º do CPP, com as necessárias adaptações.
E como em matéria de competência territorial a lei civil é clara em estabelecer que em matéria de incompetência relativa “a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada” (n.º 2 do artigo 105.º do CPC), improcede, por conseguinte, esta questão.
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2.2.2. Quanto ao mérito do recurso:
A tese da recorrente é de que o tribunal recorrido decidiu mal porque o regime de redução da coima era inaplicável à situação sub judice.
Nos termos do artigo 29.º, n.º 1, 30.º e 31.º do RGIT, as coimas são passíveis de redução se for apresentado um pedido nesse sentido, sendo equivalente a esse pedido a entrega da prestação em falta.
No caso em apreço a recorrida tinha até dia 10 de Março de 2016 para cumprir a sua obrigação tributária relativamente ao IVA de Janeiro desse ano.
Ora, como se colhe dos factos provados, em 24.03.2016 a recorrida procedeu ao pagamento ao Estado do montante de €10.000,00, relativo a IVA, referente ao mês de Janeiro do exercício de 2016, [cfr. 2.1.2, al. a), supra], ou seja, efectuou o pagamento parcial da prestação em falta.
E em 01-04-2016 a recorrida requereu “a aplicação da coima em conformidade com as liquidações efetuadas”, pedido esse que deve ser interpretado como um pedido de redução [cfr. 2.1.2, al. b), supra] e em 04-05-2016, entregou o remanescente em falta da prestação tributária.
À data em que entregou a primeira tranche da prestação tributária ainda não tinha sido levantado auto de notícia.
Da interpretação conjugada do n.º 1, als. a ) e b), e n.º 4, do artigo 29º, n.º 1, alínea a), do RGIT, resulta que o infractor tem direito à redução das coimas sempre que o requeira antes do levantamento do auto de notícia e sempre que não exista tributo a liquidar pelos serviços, como é o caso do IVA em que tributo é autoliquidado pelo sujeito passivo, valendo como pedido de redução – ainda que não expressamente formulado – a entrega da entrega da prestação tributária, ainda que parcial.
E, como se decidiu no acórdão deste tribunal de 14-03-2019 (proc. n.º 2495/15.9BEALM), numa situação semelhante, “o apuramento do valor da coima a pagar é efectuado com referência ao momento temporal em que cada [pagamento] ocorre”.
E considerando que a primeira prestação entregue é superior a 20% da prestação tributária devida e que a recorrida é uma pessoa colectiva, a coima é reduzida para 12,5% (art.º 29.º, n.º 1 al. a), do RGIT) do montante mínimo legal (20%, cfr. art.º 31.º, n.º 1), nessa parte. O que equivale ao montante de € 250 = (10.000 x 0,20 x 0,125).
Mas como a regularização completa da situação só ocorreu a 04-05-2016, ou seja, depois de decorridos 30 dias sobre o termo do prazo para pagamento voluntário da prestação, que se verificou a 10-03-2016, a redução não pode ser de 12,5%, mas sim de 25% [art.º 29.º, n.º 1 al. b) do RGIT] sobre o montante remanescente. O que equivale ao valor de € 949,52 = (18.990,49 x 0.20 x 0,25).
Sendo assim a coima é igual a € 250,00 + € 949,52, e não € 712,0 como tinha apurado a sentença recorrida, que não considerou a regularização para além do prazo de 30 dias acima referido.
Em resumo e para concluir, o recurso é parcialmente procedente, razão pela qual se impõe revogar a sentença recorrida quanto à fixação do montante da coima em € 712,00, fixando-a em € 1199,52.
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2.2.3. Sumário
- O pagamento da prestação tributária devida, ainda que parcial, efectuado para além do prazo de pagamento mas antes do levantamento de auto de notícia, equivale ao pedido de redução de coima, ainda que não expressamente formulado.
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3. Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento parcial ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte relativa à fixação da coima, fixando esta em €1.199,52, e confirmando-a quanto ao mais.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.
D.n.
Lisboa, 2019-10-17
_____________________________(Benjamim Barbosa)
_____________________________(Ana Pinhol)
_____________________________(Isabel Fernandes)