Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2757/12.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/11/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:EXTINÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL.
RECLAMAÇÃO GRACIOSA.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO MEDIANTE PRESTAÇÃO DE GARANTIA IDÓNEA.
Sumário:Nos casos em que foi instaurada execução fiscal, a aferição da regularidade da situação fiscal da contribuinte, para efeitos de eventual extinção de benefício fiscal de que usufrui, depende da suspensão da execução, concomitante com a dedução de impugnação da dívida e com a prestação de garantia idónea. Esta pode ser prestada até ao último dia do prazo da impugnação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO
I- Relatório
R......... ………………, S.A. veio intentar contra o Ministério das Finanças acção administrativa pedindo a anulação da decisão, notificada pelo serviço de finanças de Lisboa -10, a coberto do oficio nº26367 que, fundada no disposto no artigo 14°, nºs 5, 6 e 7, do Estatuto dos Beneficias Fiscal (EBF), determinou a cessação dos benefícios fiscais que usufruiu, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), no exercício económico de 2010.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 127 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 22/01/2021, julgou improcedente a acção administrativa e absolveu a Entidade Demandada do pedido.
Inconformada com a decisão, a Autora recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul, encerrando as suas alegações de fls. 152 e ss (numeração em formato digital – sitaf), com o seguinte quadro conclusivo:«
1.º A douta sentença recorrida julgou improcedente a ação administrativa especial deduzida pela ora Recorrente contra a decisão de cessação dos benefícios fiscais refentes ao IRC do exercício de 2010, nos termos do artigo 14.º, n.os 5, 6 e 7 do EBF, notificada através do ofício n.º ………..
2.º Entende o Tribunal a quo, em suma, que a referida decisão não é ilegal, porque a Autora, ora Recorrente, não demonstrava à data de 31.12.2010 os requisitos exigidos pelo artigo 14, n.os 5, 6 e 7 do EBF, designadamente por não ter a situação tributária regularizada, no seguimento da instauração do processo de execução fiscal nº…………………., referente à cobrança coerciva da liquidação de juros compensatórios no valor de €2.759,37.
3.ºSalvo o devido respeito, a Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, porquanto assenta numa errada interpretação do disposto no artigo 14.º do EBF.
4.º A alínea b) do n.º 5 do artigo 14.º do EBF determina a cessação de benefícios fiscais quando “A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea (…)”.
5.º Na interpretação do disposto no citado preceito legal deve o intérprete socorrer-se do
elemento sistemático da interpretação (cf. artigo 11º da LGT e artigo 9º do CC), relevando a unidade do sistema jurídico, uma vez que este preceito legal faz apelo a meios contenciosos, a dívidas tributárias e garantias, cuja disciplina jurídica se encontra vertida no CPPT.
6.º Por outro lado, deve o intérprete relevar o elemento racional ou teleológico (cf. artigo 11.º da LGT e artigo 9.º do CC), pois tendo sido intuito do legislador garantir que o sujeito passivo tem a sua situação tributária regularizada, será necessário atender à disciplina constante, desde logo, do CPPT.
7.º Pelo que, o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação do disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 14.º do EBF, visto que a interpretação deste preceito legal deverá ser conjugada com os normativos do CPPT.
8.º No que se refere à suspensão do processo de execução fiscal, dispunha o artigo 169.º, n.º 1, do CPPT, na redação em vigor à data dos factos, que a execução se suspende em caso de reclamação graciosa desde que constituída garantia, impondo, por seu turno, o n.º 6 que a administração tributária notificasse o executado para este efeito.
9.º Sucede que, no caso vertente, a administração tributária não deu cumprimento ao referido preceito legal, não tendo notificado a Recorrente, pelo que a não suspensão do processo de execução fiscal é imputável à administração tributária.
10.º Não obstante aquela omissão, verifica-se in casu uma condição suspensiva do processo de execução fiscal, qual seja, a apresentação de reclamação graciosa.
11.º Na redação em vigor à data dos factos, a mera dedução do meio contencioso determinava, por si só, a suspensão do processo de execução fiscal (cf. neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6.ª edição, 2011, p. 217 e acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 03.05.2012, proferido no processo n.º ……….5BEAVR).
12.º No caso vertente, a Recorrente apresentou reclamação graciosa em 12.11.2010 (cf. ponto 3. do probatório da sentença recorrida), pelo que a administração tributária deveria ter procedido ao averbamento da suspensão do processo de execução fiscal nº………………...
13.º Deste modo, resulta evidente que a circunstância de o processo de execução fiscal se encontrar ativo, resulta de erro da administração tributária, por não ter notificado a Recorrente para prestar garantia e, por outro lado, por não ter determinado a suspensão do processo de execução fiscal com a apresentação da reclamação graciosa.
14.º Pelo que a decisão de cessação de benefícios fiscais sub judice é ilegal, por assentar em erro da administração tributária.
15.º Sem prejuízo do acima exposto, verifica-se ainda in casu violação dos princípios da boa-fé, da justiça e da proporcionalidade (cf. artigo 55º da LGT e artigo 266º da CRP), princípios que devem nortear a atividade da Administração Pública.
16.º Face ao disposto no artigo 169.º do CPPT, na redação em vigor à data, a Recorrente
aguardou pela notificação para efeitos de apresentação de garantia.
17.º Contudo, a administração tributária incumpriu tal obrigação e, descurando que a não apresentação da garantia resultava de uma omissão sua, determinou a cessação dos benefícios fiscais, por o processo de execução fiscal não se encontrar suspenso.
18.º Por outro lado, perante uma causa suspensiva, a administração tributária não procedeu ao averbamento da suspensão da execução, determinando a cessação dos benefícios fiscais, ou seja, alheando-se das consequências da sua omissão.
19.º A omissão da notificação prevista no artigo 169.º, n.º 6, do CPPT, também tem que ser entendida como erro imputável aos serviços, para efeitos da suspensão do processo de execução fiscal, conforme decorre da jurisprudência no que respeita à omissão da informação prevista na citação do processo de execução fiscal (cf. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.09.2019, proferido no âmbito do processo n.º156/19.9BESNT e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.11.2019, proferido no âmbito do processo n.º 155/19.0BESNT).
20.º Deste modo, apenas se pode concluir que o processo de execução fiscal em apreço não se encontrava suspenso à data de 31.12.2010, por erro imputável aos serviços da administração tributária, na sequência da omissão de uma obrigação que se lhes impunha a lei em vigor à redação dos factos (cf. RUI DUARTE MORAIS, in Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, p. 123).
21.º Adicionalmente, contrariamente ao defendido na sentença recorrida e sem prejuízo do disposto no artigo 11.º, atual artigo 12.º do EBF, só quando esgotados os prazos previstos no artigo 14.º, n.º 5, do EBF, se pode considerar a dívida exequenda como insuscetível de controvérsia, sob pena de violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da CRP.
22.ºConsequentemente, só decorridos os referidos prazos, se poderia admitir a circunstância da Autora, ora Recorrente, deixar de reunir os pressupostos necessários para usufruir dos benefícios fiscais a 31.12.2010 (cf. RUI DUARTE MORAIS, in Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, p. 124).
23.º No caso vertente, em 31.12.2010, ainda estava em curso o prazo de 120 dias, nos termos do disposto no artigo 70.º do CPPT, para a Recorrente proceder à apresentação de reclamação graciosa contra a liquidação de juros compensatórios, que subjaz à instauração do processo de execução fiscal, o qual apenas terminaria em 28.01.2011.
24.º Em face do exposto, deve a presente sentença ser revogada, determinando-se a anulação da decisão de cessação dos benefícios fiscais sub judice.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, ser determinada a anulação da decisão de cessação dos benefícios fiscais sub judice nos termos peticionados, assim se cumprindo
com o DIREITO e a JUSTIÇA!»
X
Nas contra-alegações de fls. 182 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), a Entidade Recorrida expende, conclusivamente, o seguinte:«
A) A douta sentença recorrida deve manter-se, porquanto fez correcta interpretação e aplicação do art.º14º do Estatuto dos Benefícios Fiscais(EBF) aos factos dados como provados, ao ponderar que para a Autora “poder usufruir do beneficio fiscal para o IRC/2010, em 31/12/2010, nos termos do art. 14º do EBF, era exigível à Autora que a sua situação fiscal estivesse regularizada, o que não obstava que, havendo processo de execução fiscal em curso, nessa mesma data, e tendo deduzido reclamação graciosa ou outro meio impugnatório da divida exequenda, necessariamente, deveria ter diligenciado no sentido de assegurar o cumprimento daquela dívida, prestando garantia idónea, o que não fez”.
B) Bem como ao ter concluído que, “não demonstrando a Autora o cumprimento de todos os requisitos exigidos pela norma que consagra a isenção pretendida, a ação tem de ser julgada improcedente, na medida em que o ato de cessação dos benefícios fiscais, com a reposição do regime regra de tributação não padece de qualquer erro, antes mostra-se conforme à lei”.
C) Para assim decidir, o douto Tribunal considerou com relevância os factos indicados no Ponto II do corpo das presentes alegações.
D) Face à factualidade trazida aos autos, a douta sentença recorrida concluiria, e bem, que em 31 de Dezembro de 2010, (data relevante para aferir da regularidade da situação tributária) encontrava-se preenchida a previsão a que respeita o nº 7 do citado artigo 14º, i.e., que a situação tributária da Autora, ora Recorrente, apresentava-se irregular para efeito do disposto nos citados nºs 5 e 7 do art. 14º do EBF.
E) A douta sentença distinguiu, e bem, o “âmbito dos pressupostos e vicissitudes dos benefícios fiscais, sendo que o regime de cessação dos benefícios fiscais, em causa nos autos, impõe ao sujeito passivo a situação tributária regularizada para poder usufruir dos benefícios fiscais, atento o disposto no art. 14º, nºs 5, 6 e 7 do EBF”, do âmbito, completamente diferente, do regime estabelecido no art. 169º do CPPT por entender que este dispositivo legal, inserido na “Secção VII”, “Da suspensão, interrupção e extinção do processo” do CPPT, reporta-se à tramitação do processo de execução fiscal, que regula as situações respeitantes à marcha do processo de execução fiscal”. “Nesse âmbito, o prosseguimento da execução, nomeadamente, para penhora estava dependente, à data dos factos, mormente face ao disposto no nº 6, que o Órgão de Execução Fiscal ordenasse a notificação da executada para prestar garantia.”
F) Com efeito, independentemente de se entender que no contexto específico do processo de execução fiscal, ser contraproducente o órgão de execução fiscal tramitar o processo, designadamente, avançar para a penhora de bens do devedor ou qualquer actuação coerciva, conhecendo, ou devendo conhecer a possibilidade legal de suspensão da execução, por força da interposição de qualquer meio impugnatório contra o acto de liquidação que originou a dívida em cobrança coerciva, sem respeitar o nº 6 do art.169º do CPPT, a verdade é que, no caso, tal não se verificou.
G) Por essa razão, as referências jurisprudenciais convocadas pela Recorrente, salvo melhor opinião, não são susceptíveis de transposição para o caso dos autos,
H) Na verdade, a suspensão provisória da execução, enquanto existe possibilidade de prestar garantia ou ser decidida a isenção da sua prestação, não implica, nem pode implicar, a consideração de que a executada tem a sua situação tributária regularizada.
I) Como se sabe, a cobrança da prestação tributária, nos termos do art. 52º da Lei Geral Tributária, suspende o processo de execução fiscal, em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenha por objecto a ilegalidade ou a inexigibilidade da dívida exequenda.
J) No entanto, a suspensão da execução depende da prestação de garantia idónea, nos termos do nº 2 do art. 52º da LGT, e em consonância com o artº169º, nº 11 do CPPT que dispõe que “considera-se que têm a situação tributária regularizada os contribuintes que obtenham a suspensão do processo de execução fiscal nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto quanto à dispensa de garantia”.
L) Ora, é essa situação tributária regularizada que releva para efeitos do disposto nos números 5, 6 e 7 do art. 14º do EBF, normas que, como é sabido, incentivam o pagamento voluntário atempado dos tributos.
M) A própria Recorrente admitiu que apenas em 11 de Janeiro de 2011, procedeu ao pagamento do montante em dívida, acrescido dos juros de mora e custas, por necessitar de obter uma certidão de inexistência de dívidas fiscais, como resulta do Ponto 8 do direito de audição no âmbito do procedimento que culminou com a prolação do acto ora em crise, e como também decorre dos Pontos 6 e 9 do mesmo exercício do direito de audição, ao declarar que não pagou o imposto dentro do prazo voluntário nem prestou a garantia. (cfr. Fls 3, 4 e 5 do PA junto aos autos).
N) Neste contexto, não se afigura inócuo o facto de a reclamação graciosa ter sido apresentada após citação no processo de execução fiscal, não podendo deixar de reconhecer-se que uma opção distinta da Recorrente sempre teria acautelado os interesses que visa com a presente acção,
O) Pelo que bem ponderou e decidiu a douta sentença recorrida, ao concluir que “a Autora em 31/12/2010, não tinha a situação tributária regularizada e, apesar de ter deduzido reclamação graciosa, não prestou garanta idónea no âmbito do processo de execução fiscal como o impõe o disposto na al b) do nº5 do art. 14º do EBF e decorre nos termos gerais do art. 52º, nº2 da LGT”.
P) Tendo considerado que não pode “vingar o entendimento sufragado pela Autora que considera que só quando expirados os prazos de reclamação, impugnação ou oposição se pode considerar a dívida exequenda como insusceptível de controvérsia, tese que se mostra em contradição com o disposto nos arts. 11º (actual 12º) e14º do EBF”.
R) Contrariamente ao entendimento plasmado nas doutas alegações de recurso pela Recorrente, não está em causa um qualquer erro da administração tributária, mas apenas e tão só, um acto vinculado a que está legalmente adstrita - a cessação de benefícios fiscais, com reposição do regime regra de tributação, caso existam dívidas fiscais não garantidas em 31 de Dezembro do ano em causa.
S) Isto porque, como bem evidenciou a douta sentença recorrida, “O que está em causa nos presentes autos não é um qualquer aspecto relativo à tramitação do processo de execução fiscal, mas, apenas e só, a questão de saber se, na data de 31.12.2010, a Recorrente tinha ou não a sua situação tributária regularizada de molde a poder usufruir dos benefícios fiscais que fez inscrever na sua declaração periódica de rendimentos”.
T) E, nessa medida, considerou que “para poder usufruir do benefício fiscal para o IRC/2010, em 31/12/2010, nos termos do artº14º do EBF, era exigível à Autora que a sua situação fiscal estivesse regularizada, que não obstava que, havendo processo de execução fiscal em curso, nessa mesma data, e tendo deduzido reclamação graciosa ou outro meio impugnatório da dívida exequenda, necessariamente, deveria ter diligenciado no sentido de assegurar o cumprimento daquela dívida, prestando garantia idónea, o que não fez”.
U) Com efeito, tal como assinala a douta sentença a quo, “As normas de benefícios fiscais merecem assim tratamento autónomo porque são normas anti-sistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto (Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, pag. 312)”, “circunstancia que legitima que se sustente, quanto às normas questão na base dos benefícios fiscais, um princípio de interpretação estrita ou declarativa (strict interpretation),fundado precisamente na sua natureza excepcional”.
V) Assim sendo soçobram, por falta de sustentação, em todos os segmentos, as criticas da Recorrente à sentença recorrida, pelo que deve a mesma manter-se na Ordem Jurídica, por consubstanciar uma correcta aplicação da lei aos factos apurados.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o recurso jurisdicional ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida com todas as legais consequências, assim se cumprindo o DIREITO e a JUSTIÇA!»
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado nos termos e os efeitos do disposto no artigo 146º, do CPTA, (cfr. fls.205, numeração em formato digital – sitaf), fez questão de referir que não emite pronúncia sobre o mérito da causa, por nos presentes autos não estar em dissídio a [...]«defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º», art. 85º, nº 2, do CPTA[...]”
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II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:«
1.Em 03/08/2010, a A.T. remeteu à R......... P………………, SA. “Notificação” para proceder ao pagamento voluntário do valor de € 2.759,37, referente à liquidação nº ………………, de juros compensatórios, do período de maio de 2010, como a seguir se reproduz:
«Texto no original»
– doc. nº 2, junto com a p.i.;
2. A data limite de pagamento da liquidação de juros compensatórios, supra identificada, foi indicada como sendo 30/09/2010 – cfr. doc. nº 2 junto com a p.i.;
3. Em 08/11/2010, foi remetida à R......... Portuguesa, SA., por carta registada com nº RQ……………PT, “Citação”, no âmbito do processo de execução fiscal com nº ………………, em que consta como quantia exequenda o valor de € 2.759,37, acrescida de juros de mora de € 55,18 e custas de € 40,71, no montante total a pagar de € 2.855,26, como a seguir se reproduz:

«Texto no original»

- cfr. doc. nº 3 junto com a p.i.;
4. Em 12/11/2010, a R......... P…………., SA. apresentou à A.T., reclamação graciosa da nota de liquidação nº ……………, sem que tenha prestado garantia para suspensão do processo de execução fiscal, como a seguir se indica:

«Texto no original»

- cfr. Acordo- doc.nº 4 junto com a p.i. e art.10º da contestação;
5. Em 11/01/2011, a impugnante procedeu ao pagamento da dívida exequenda – cfr. fls. 73 dos autos;
6. Em 21/06/2011, foi emitido pela A.T. o ofício nº …………., remetido para a R......... P……, SA., sob o “Assunto: Não produção de efeitos de benefícios fiscais – Notificação para audição”, dando conta da cessação de benefícios fiscais pela existência de uma divida fiscal no valor de € 2.759,37, como a seguir se indica:

«Texto no original»

- cfr. doc. nº 5 junto com a p.i.;
7. A R......... P…………, SA. exerceu o direito de audição prévia, alegando que a liquidação de juros compensatórios é ilegal e, que possuindo 120 dias para reclamar, os quais terminariam em 28 de janeiro, até essa data podia apresentar garantia idónea tendente à suspensão da execução fiscal. Mais, informou que efetuou o pagamento em 11 de janeiro de 2011, pedindo, a final, a manutenção dos benefícios fiscais – cfr. fls. 68 a 70 do processo administrativo;
8. Em 20/07/2012, a Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10 determina a cessação do benefício fiscal, fundamentando que em 31/12/2010, encontrava-se ativo e sem suspensão legal o processo de execução fiscal com nº ……………………– cfr. fls. 73 a 74 dos autos.»
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MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA://Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.//

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO://Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, como referido em cada ponto do probatório. //

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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se o elemento seguinte:
9. Em 10.12.2013, o serviço de finanças de Lisboa – 10 informou que a reclamação graciosa referida em 4. se encontrava em situação de remessa para decisão pela entidade competente – fls. 85.
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2. 2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida seguintes:
i) Preterição do disposto no artigo 169.º/6, do CPPT, porquanto a AT não notificou a recorrente para prestar garantia idónea, nem suspendeu o processo de execução fiscal, mesmo após a dedução da reclamação graciosa.
ii) Preterição dos princípios da boa fé e da justiça, dado que o processo de execução fiscal não se encontra suspenso por erro imputável aos serviços da AT.
iii) Em 31.12.2010, ainda estava em tempo para deduzir a reclamação graciosa contra a liquidação de juros compensatórios em causa, ao invés do decidido pela sentença recorrida.
2.2.2. A sentença julgou improcedente a acção. Para tanto, estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Resulta dos autos que, a Autora foi notificada em agosto de 2010 da liquidação nº …………. relativa a juros compensatórios, reportados ao IVA, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 30/09/2010 (pontos 1 e 2 do probatório). // Não tendo procedido ao pagamento voluntário dentro do prazo estabelecido para o efeito, foi instaurado o processo de execução fiscal do qual a Autora veio a ser citada em novembro de 2010. Em 12/11/2010, a ora impugnante, deduziu reclamação graciosa, sem que tenha prestado garantia no âmbito do processo de execução fiscal (pontos 3 e 4 do probatório). // Apenas procedeu ao pagamento da dívida exequenda em 11/01/2011 (ponto 5 do probatório). // Nestes termos, em 31 de dezembro de 2010 (data relevante para aferir da regularidade da situação tributária) encontrava-se preenchida a previsão a que respeita o n.º 7 do citado artigo 14.º, i.e., a situação tributária do Autor apresentava-se irregular para efeito do disposto nos citados n.os 5 e 7 do artigo 14.º do EBF. // E, face ao regime legal em causa, com referência ao ano de 2010, a Autora não podia fruir do benefício fiscal referente ao IRC, em causa, pois em novembro de 2010 havia sido citada no âmbito do processo de execução fiscal nº …………………………., só tendo procedido ao pagamento em 11/01/2011. // A favor da sua tese, afirma que não prestou garantia porque a A.T. estava investida no ónus de notificar o sujeito passivo, para tanto invoca o regime vertido nos nºs 1 e 6 do art. 169º do CPPT, sem razão, porém. // O regime estabelecido no art. 169º do CPPT reporta-se à tramitação do processo de execução fiscal. Note-se que, aquele dispositivo legal insere-se na “Seção VII”, “Da suspensão, interrupção e extinção do processo “do CPPT, que regula as situações respeitantes à marcha do processo de execução fiscal. // Nesse âmbito, o prosseguimento da execução, nomeadamente, para penhora estava dependente, à data dos factos, mormente face ao disposto no nº 6, que o Órgão de Execução Fiscal ordenasse a notificação da executada para prestar garantia. // Num outro âmbito, completamente diferente, estão os pressupostos e vicissitudes dos benefícios fiscais, sendo que, o regime de cessação dos benefícios fiscais, aqui em causa nos autos, impõe ao sujeito passivo a situação tributária regularizada para poder usufruir dos benefícios fiscais, atento o disposto no art. 14º, nºs 5,6 e 7 do EBF. // Ora, a Autora em 31/12/2010, não tinha a situação tributária regularizada e, apesar de ter deduzido reclamação graciosa, não prestou garantia idónea no âmbito do processo de execução fiscal como o impõe o disposto na al. b), do nº 5 do art. 14º do EBF e decorre nos termos gerais do art. 52º, nº 2 da LGT».
2.2.3. A recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento quanto ao direito aplicável. Invoca que «a alínea b) do n.º 5 do artigo 14.º do EBF determina a cessação de benefícios fiscais quando “A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea (…)”; Na interpretação do disposto no citado preceito legal deve o intérprete socorrer-se do elemento sistemático da interpretação (cf. artigo 11º da LGT e artigo 9º do CC), relevando a unidade do sistema jurídico, uma vez que este preceito legal faz apelo a meios contenciosos, a dívidas tributárias e garantias, cuja disciplina jurídica se encontra vertida no CPPT; Por outro lado, deve o intérprete relevar o elemento racional ou teleológico (cf. artigo 11.º da LGT e artigo 9.º do CC), pois tendo sido intuito do legislador garantir que o sujeito passivo tem a sua situação tributária regularizada, será necessário atender à disciplina constante, desde logo, do CPPT; Pelo que, o Tribunal a quo incorreu em erro na interpretação do disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 14.º do EBF, visto que a interpretação deste preceito legal deverá ser conjugada com os normativos do CPPT».
Apreciação. Determina o artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais que «[a] extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra. (…) // No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações: // a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento; // b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível [n.º 5] // «Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior, os benefícios automáticos não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos» [n.º 6].
Por seu turno, o preceito do artigo 169.º do CPPT (versão vigente) determina o seguinte:
«1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, (…), desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente. // 2 - A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda. (…) // 6 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é ordenada a notificação do executado para prestar a garantia referida no n.º 1 dentro do prazo de 15 dias. // 7 - Se a garantia não for prestada nos termos do número anterior procede-se de imediato à penhora».
No caso em exame, do probatório decorrem os elementos seguintes:
i) Em 03/08/2010, a A.T. remeteu à R......... P………….., SA. “Notificação” para proceder ao pagamento voluntário do valor de € 2.759,37, referente à liquidação nº ……….., de juros compensatórios, do período de maio de 2010 (n.º 1).
ii) A data limite de pagamento da liquidação de juros compensatórios, supra identificada, foi indicada como sendo 30/09/2010 (n.º 2).
iii) Em 08/11/2010, foi remetida à R......... …………., SA., por carta registada com nº RQ………PT, “Citação”, no âmbito do processo de execução fiscal com nº ……………., em que consta como quantia exequenda o valor de € 2.759,37, acrescida de juros de mora de € 55,18 e custas de € 40,71, no montante total a pagar de € 2.855,26 (n.º 3).
iv) Em 12/11/2010, a R......... P……………….., SA. apresentou à A.T., reclamação graciosa da nota de liquidação nº …………, sem que tenha prestado garantia para suspensão do processo de execução fiscal (n.º 4).
v) Em 21/06/2011, foi emitido pela A.T. o ofício nº 000200887, remetido para a R......... Portuguesa, SA., sob o “Assunto: Não produção de efeitos de benefícios fiscais – Notificação para audição”, dando conta da cessação de benefícios fiscais pela existência de uma divida fiscal no valor de € 2.759,37 (n.º 6).
Compulsadas as alegações de recurso e cotejado o regime legal aplicável, dir-se-á que se impõe secundar a fundamentação da sentença recorrida, quando afirma que «para poder usufruir do beneficio fiscal para o IRC/2010, em 31/12/2010, nos termos do art. 14º do EBF, era exigível à Autora que a sua situação fiscal estivesse regularizada, o que não obstava que, havendo processo de execução fiscal em curso, nessa mesma data, e tendo deduzido reclamação graciosa ou outro meio impugnatório da divida exequenda, necessariamente, deveria ter diligenciado no sentido de assegurar o cumprimento daquela dívida, prestando garantia idónea, o que não fez».
Ou seja, é à executada que compete requerer a suspensão da execução, com base na prestação de garantia idónea e não à Administração Tributária diligenciar nesse sentido. Não existe, pois, um dever de suspensão ou de comunicação da necessidade de prestação da garantia idónea à reclamante a cargo da Administração Tributária. Também não existe uma suspensão automática da execução associada à dedução da reclamação graciosa. O regime da suspensão da execução, plasmado no artigo 169.º do CPPT (versão vigente à data), mostra-se ordenado pela ideia de que, uma vez impugnada a legalidade da dívida, o executado pode requerer a suspensão da execução, mediante a prestação de garantia idónea. O que a recorrente não fez, pelo que não se comprovam os pressupostos da manutenção do benefício fiscal do IRC do exercício de 2010. Como se decidiu na instância.
Sucede, porém, que há que conciliar o regime da suspensão da execução mediante a prestação de garantia idónea com o regime de impugnação administrativa da dívida exequenda. É que a garantia da suspensão da execução é um corolário do direito à tutela judicial efectiva (artigo 20.º da CRP), o que significa que o limite do prazo de impugnação administrativa do acto tributário estabelece o limite temporal para a apresentação da garantia idónea que, associada a dedução da reclamação graciosa, determina a suspensão da execução (artigo 169.º/1, do CPPT).
«A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do artigo 102.º» (artigo 70.º/1, do CPPT). «A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes: // a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte (artigo 102.º/1/a), do CPPT,)
Dos elementos coligidos no probatório, resulta que a data limite para pagamento voluntário era a de 30/09/2010; a reclamação graciosa foi deduzida em 12/11/2010. O prazo para a dedução da reclamação graciosa terminava em 28.01.2011 (artigos 20.º do CPPT e 279.º do CC). Pelo que apenas no termo do prazo para a dedução da reclamação graciosa se pode afirmar, com segurança, que a contribuinte não deduziu reclamação graciosa com a prestação de garantia idónea (artigo 14.º/5/b), do EBF). Solução que resulta da interpretação do artigo 14.º/5/b), do EBF conforme ao princípio constitucional da tutela judicial efectiva. No caso, em 11/01/2011, a autora procedeu ao pagamento da dívida exequenda (n.º 5).
Pelo que o acto impugnado (e a sentença que o confirmou), ao considerar que o termo ad quem do prazo para a prestação de garantia idónea coincide com a data de 31.12.2010, incorreu em erro de direito, pelo que não se pode manter na ordem jurídica.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a acção e anule o acto, de 20.07.2012, que determinou a cessação do benefício fiscal, com fundamento em que, em 31.12.2010, encontrava-se activo e sem suspensão legal o processo de execução fiscal com nº ……………...
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a acção, com a consequente anulação do acto administrativo impugnado.
Custas pela recorrida, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto- Hélia Gameiro Silva)

(2º. Adjunto –Ana Cristina Carvalho)