Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07993/14
Secção:CT
Data do Acordão:04/14/2016
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IVA/ AUTOLIQUIDAÇÃO/ NOTIFICAÇÃO/ AUDIÇÃO PRÉVIA/ LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário:1 - Compete ao sujeito passivo a responsabilidade da liquidação do IVA, impendendo sobre ele a obrigação de periodicamente (mensal ou trimestralmente – cfr. artigo 41º do CIVA) enviar à AT a declaração periódica da qual constarão as operações efectuadas no decurso do exercício da actividade, o imposto devido ou o crédito existente e, bem assim, os elementos que serviram de base ao respectivo cálculo, a qual deve ser acompanhada do montante do respectivo imposto.
2 - Tratando-se de autoliquidação do imposto, não tinha a AT que emitir qualquer liquidação de IVA e notificar tal liquidação ao sujeito passivo.
3 - O direito de audição prévia à liquidação não tem lugar quando não existe nenhuma instrução procedimental, como nos casos em que o imposto é liquidado integralmente com base na declaração do contribuinte”.
4 - Para que haja litigância de má-fé impõe-se que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada ou ao afirmar factos não ocorridos, tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:F., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IVA relativa ao ano de 2010, no valor de €70.148,44, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

35 - Conforme o motivado na petição de impugnação judicial, o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, nomeadamente, os constantes nas alíneas de a) a h) do n.º1 do artigo 54.º de Lei Geral Tributária.

36 - Sendo certo que as garantias dos contribuintes aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da divida tributária.

37 - Efectivamente, reitera o ora recorrente, que teve conhecimento do valor da liquidação através da acusação proferida pelo Ministério Público no âmbito do processo de inquérito.

38 - Note-se, que não resulta da acusação qualquer referência à entrega pelo contribuinte da declaração periódica de rendimentos, mas apenas, “(…) que estava obrigado a entregar trimestralmente (…), a declaração a que se reporta o artigo 41.º do CIVA, donde constassem as operações efectuadas no exercício da sua actividade no decurso desse período, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviam de base ao respectivo cálculo”.

39 - Prossegue a acusação, “(…) que o arguido não entregou tais quantias em sede de IVA, à Administração Fiscal nos prazos legalmente estipulados para o efeito (…)”.

40 - Ora, o contribuinte pode não proceder à entrega da prestação tributária a que estava obrigado e, não o fazendo, emite a AT a competente nota de liquidação quanto ao imposto apurado.

41 - Aliás, isso é exactamente o que ressalta da leitura da acusação do Ministério Público, “ (…) estava o arguido obrigado a enviar trimestralmente (…)”

42 - “ (…) o arguido não entregou tais quantias (…)”,

43 - Em nenhum momento é referido que o arguido apresentou a declaração periódica sem meio de pagamento.

44 - Donde, ter o recorrente a firme convicção de que a liquidação ora impugnada, cujos dados extraiu da acusação do Ministério Público, fosse uma liquidação emitida pela Direcção Geral dos Impostos.

45 - Ademais ainda, porque a entrega da declaração periódica é da responsabilidade dos Técnicos Oficiais de Contas sendo certo que este em momento algum deu conhecimento ao ora recorrente da apresentação de tal declaração.

46 - Presumindo-se que o terá feito, por forma a não recair sobre si responsabilidade, considerando que era do seu conhecimento que o ora recorrente não tinha forma de proceder ao pagamento do imposto dentro do prazo legal, justamente porque o IVA liquidado em factura não havia sido recebido dos clientes.

47 - Definitivamente não tinha o ora recorrente conhecimento da entrega da declaração periódica pelo Técnico Oficial de Contas, acto que não ratifica, sendo que a convicção de que a mesma resultava de liquidação emitida pela Direcção Geral dos impostos ganha força com o que fica expresso na acusação do Ministério Público, que em momento algum, reitera-se, faz alusão ao facto de ter sido entregue pelo arguido declaração periódica sem meio de pagamento.

48 - Mesmo que por hipótese se admitisse que sabia o ora recorrente que resultava a liquidação impugnada de imposto por si apurado, o que não corresponde, ainda assim, defende o recorrente que tal situação sempre teria cabimento no que determina o n.º 2 do artigo 54.º da LGT.

49 - Na medida em que as garantias dos contribuintes aplicam-se também à autoliquidação.

50 - E, a exemplo do que se passa em sede de IRC, também o imposto é apurado pelos contribuintes e auto liquidado.

51 - Também aqui a declaração modelo 22 pode ser entregue sem meio de pagamento, emitindo a Direcção Geral dos Impostos a competente liquidação, cujo valor é o apurado pelo contribuinte na declaração de rendimentos modelo 22.

52 - Donde, mal se compreenda, porque não cabe o imposto apurado em sede de declaração periódica do IVA entregue sem meio de pagamento, nos impostos autoliquidados, por forma, a poder o contribuinte beneficiar, quanto a garantias, do que dispõe o n.º 2 do artigo 54.º da LGT.

53 - Designadamente o direito ao exercício do direito à audição prévia, o direito à notificação do acto de liquidação para pagamento.

54 - Com todo o respeito, entende o recorrente que tal perspectiva, viola princípios Constitucionais, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da justiça.

55 - De tudo o que fica demonstrado, não pode o ora recorrente ser considerando litigante de má fé.

56 - Toda a sua convicção quanto à motivação aduzida, assenta no que fica expresso na acusação do Ministério Público.

57 - O ora recorrente nunca teve conhecimento do acto praticado pelo Técnico Oficial de Contas e por isso não o ratifica.

58 - Mesmo que por hipótese se admita que tinha tido conhecimento do apuramento do imposto em sede de declaração periódica, que não foi o caso, ainda assim sempre devia a situação ter o mesmo enquadramento legal do apuramento do imposto em sede de IRC.

59 - Donde, não pode o Tribunal entender que o impugnante omitiu deliberadamente factos relevantes para a decisão.

60 - Antes de mais porque toda a sua defesa assenta nos dados retirados da acusação do Ministério Público, que em lado algum refere a apresentação de uma declaração periódica sem meio de pagamento.

61 - Depois, porque, a exemplo do IRC (imposto autoliquidado), sempre que o contribuinte proceda ao envio da declaração modelo 22 sem meio de pagamento, procede a Direcção Geral dos impostos à notificação de uma liquidação para pagamento.

62 - Deve por isso o Tribunal ad quem, revogar a decisão proferida em 1.ª Instância, também na parte que condena em litigância de má fé, na medida em que a responsabilização e condenação da parte como litigante de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.

63 - Definitivamente não foi o caso, dado que toda a motivação assenta no que fica expresso na acusação do Ministério Público, convicto o impugnante de que estaria perante uma liquidação emitida pela Direcção Geral dos Impostos, sem que tivesse sido notificado qualquer projecto para efeitos de audição prévia e bem assim qualquer liquidação.

Termos em que mos melhores de direito requer a V. Ex.ª sejam as presentes alegações recebidas, por estarem em tempo, concedendo a douta decisão do Tribunal ad quem, provimento ao recurso, por provado, revogando assim a decisão produzida em 1.ª Instância, determinando a anulação do acto de liquidação e bem assim de nenhum efeito a condenação do ora recorrente como litigante de má fé considerando toda a motivação acabada de expender.

O recorrente requereu apoio judiciário após a primeira intervenção, por insuficiência económica superveniente, cujo comprovativo se junta aos autos de recurso, a que coube a referência …, sendo que na presente data não decisão definitiva sobre o pedido”.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

1. O Sujeito Passivo encontrava-se no regime normal trimestral de IVA por opção desde 1998, cabendo-lhe submeter 4 Declarações Periódicas Trimestrais de IVA referentes ao exercício de 2010 (informação de fls. 30 do PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

2. Em 10/8/2010 o impugnante submeteu a Declaração Periódica de IVA referente ao 2° Trimestre do exercício de 2010. Esta Declaração – 2010/06T – foi submetida a zeros, pelo que não gerou qualquer imposto a pagar (informação de fls. 30 do PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

3. Em 16/2/2011 o impugnante submeteu nesse mesmo dia as 3 restantes Declarações Periódicas Trimestrais de IVA, referentes ao exercício de 2010 (informação de fls. 30 do PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

4. O resultado da liquidação de IVA com base nas 3 Declarações Periódicas de IVA de 2010 apurou um saldo de imposto a favor do Estado no montante de € 70.148,44 (informação de fls. 31 do PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

a. Nesse período o sujeito passivo liquidou IVA sobre uma base tributável de € 419.974,24, o que gerou um imposto liquidado de € 88.094,59, ao qual o sujeito passivo deduziu um valor total de € 17.946,15, apurando assim o valor de € 70.148,44 (fls. 31 do PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

5. Montante que o impugnante apurou nas liquidações por si submetidas, mas que não entregou nos cofres do Estado (informação de fls. 31 do PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

6. Não foi facultado ao impugnante o direito de audição, nem a ATA o notificou de qualquer liquidação.

FACTOS NÃO PROVADOS.

Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.

MOTIVAÇÃO.

A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram”.


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2.2. De direito

Como decorre daquilo que antecede, estamos perante impugnação judicial da liquidação de IVA do ano de 2010.

Tal impugnação judicial foi julgada improcedente, não se conformando o Impugnante, ora Recorrente, com tal decisão. Além do mais, insurge-se contra a sua condenação como litigante de má-fé.

Vejamos, então.

Na p.i de impugnação, foi a liquidação de IVA contestada com base nos seguintes fundamentos: falta de notificação da liquidação; falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia e falta de fundamentação da liquidação.

A sentença recorrida não reconheceu razão ao Impugnante em qualquer dos fundamentos invocados. Com efeito, e para assim concluir, o Mmo. Juiz a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo que, naquilo que para aqui importa, se transcreve:

“(…)

O oponente alega não ter sido validamente notificado da liquidação de IVA (além das faltas de notificação para audição prévia e falta de fundamentação da liquidação).

Mas a liquidação em causa resulta de auto liquidação do contribuinte, não é uma liquidação oficiosa nem adicional. Ou seja, não é uma liquidação dos serviços, mas sim do próprio sujeito passivo que apura – liquida – o montante de imposto a pagar mediante dedução ao imposto incidente sobre as operações tributáveis por ele praticadas em cada período de imposto, o imposto que durante o mesmo período lhe foi exigido nas aquisições de bens ou serviços (1) (Art.º 19º e segs. do CIVA), ficando, então, obrigado a entregar o montante do imposto exigível, simultaneamente com as declarações a que se refere o Art.º 41 do CIVA (Art.º 29/1 do CIVA).

Sendo esta a obrigação do sujeito passivo, carece de sentido notificá-lo para proceder ao pagamento do imposto que o próprio liquidou e cujo montante deveria ter entregue oportunamente. Se a liquidação e pagamento não dependem de notificação prévia quando o contribuinte paga tempestivamente, porque haveria de haver notificação quando o contribuinte não paga?

E como não há qualquer liquidação por parte da AT, também não tem que ser facultado o direito de audição (Art 60º/2,a) LGT).

Pela mesma razão, carece de sentido invocar o direito à fundamentação, pois não havendo liquidação por parte da AT, o dever de fundamentação que a lei impõe no Art.º 77 LGT não é aplicável.

Tudo isto é matéria conhecida e jurisprudencialmente estabelecida.“ (2)


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Feito este enquadramento inicial, foquemos a nossa atenção no recurso jurisdicional que nos vem dirigido, sabido que, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Em primeiro lugar, deve deixar-se claro que o Recorrente não impugna a matéria de facto, pelo que o circunstancialismo de facto fixado em 1ª instância é o que será tomado em consideração sem alterações.

Ora, resulta da matéria de facto que o IVA contestado é o resultado do apuramento feito pelo sujeito passivo nas declarações periódicas por si entregues com respeito ao ano de 2010. Isto mesmo resulta claro dos pontos 2 a 5 dos factos provados, segundo os quais foi apurado “um saldo de imposto a favor do Estado no montante de € 70.148.44”.

Porque assim é, e não tendo sido – repete-se – impugnado este quadro de facto, não faz qualquer sentido a afirmação do Recorrente segundo a qual apenas “teve conhecimento do valor da liquidação através da acusação proferida pelo Ministério Público no âmbito do processo de inquérito”, nem tão-pouco que, quando o contribuinte não procede à entrega da prestação tributária, “emite a AT a competente nota de liquidação quanto ao imposto apurado”.

Ora, fazendo o enquadramento legal da questão, temos que resulta do nº1 do artigo 27º do CIVA, na redacção à data aplicável), que “Sem prejuízo do disposto no regime especial referido nos artigos 60.º e seguintes, os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19.º a 26.º e 78.º, no prazo previsto no artigo 41.º, nos locais de cobrança legalmente autorizados” e, bem assim, nos termos do nº 5 do mesmo preceito legal, que “Quando o valor do imposto apurado pelo sujeito passivo na declaração periódica apresentada nos termos do n.º 1 do artigo 41.º for superior ao montante do respectivo meio de pagamento, é extraída, pela Direcção-Geral dos Impostos, certidão de dívida, pela diferença entre o valor apurado e o valor do respectivo meio de pagamento, ou pela totalidade do valor declarado no caso da falta do meio de pagamento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 88.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

De acordo com o que resulta do artigo 29º do CIVA (e, bem assim, do disposto nos artigos 2º e 4º), temos que, em regra, compete ao sujeito passivo a responsabilidade da liquidação do IVA, impendendo sobre ele a obrigação de periodicamente (mensal ou trimestralmente – cfr. artigo 41º do CIVA) enviar à AT a declaração periódica da qual constarão as operações efectuadas no decurso do exercício da actividade, o imposto devido ou o crédito existente e, bem assim, os elementos que serviram de base ao respectivo cálculo, a qual deve ser acompanhada do montante do respectivo imposto.

Como se afirma no acórdão do STA de 07/05/03 (processo nº 316/03), citado na sentença, “Tal significa que o regime de liquidação e pagamento do IVA é accionado pelo respectivo sujeito passivo com base nos seus próprios elementos, sem que daqui resulte, porém, que a Administração Fiscal fique coarctada pela declaração apresentada pelo sujeito passivo, podendo rectificá-la e liquidar adicionalmente a diferença relativa ao imposto devido, sempre que, fundadamente, considere que nela figura uma dedução superior ou um imposto inferior ao devido (cfr. artº 82º, nº 1 do CIVA).

A este propósito e porque esclarecedor, importa referir aqui o que nos diz o Exmº Conselheiro Jorge Sousa, in CPPT, anotado, 3ª ed., pág. 653, que se transcreve: "Também relativamente ao IVA, a regra é a cobrança do imposto ser feita na sequência de autoliquidação, nos termos dos arts. 26.º e 40.º do CIVA, sendo o pagamento feito à Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado...".

E no sentido de que deve considerar-se, também, "autoliquidação" o apuramento do IVA feito nos termos dos artºs 26º e 40º do CIVA, se haviam já pronunciado Alfredo de Sousa e José Paixão, in CPT, anotado, 4ª ed., pág. 348”.

Ora, no caso, como bem concluiu o Tribunal a quo, tratando-se de autoliquidação do imposto, não tinha a AT que emitir qualquer liquidação de IVA e notificar tal liquidação ao sujeito passivo. Ao contribuinte, reitera-se, cabia pagar, entregando nos cofres do Estado o valor do IVA por si apurado em resultado da autoliquidação que teve lugar. Não faz, pois, qualquer sentido invocar, aqui, a falta de notificação da liquidação, muito menos pretender retirar, da alegada omissão de notificação, quaisquer consequências ao nível da (in)validade da liquidação de imposto.

Com isto dito, fácil é concluir o que se segue, ou seja, que nenhuma obrigação decorria da lei no sentido de notificar o contribuinte para o exercício do direito de audição prévia à liquidação. A esta conclusão se chega, sem hesitações, por simples aplicação do disposto no artigo 60º, nº 2, alínea a) da LGT, nos termos do qual “É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte”, o que é claramente o caso em apreço.

Neste sentido, e de forma mais desenvolvida e aqui inteiramente aplicável, se afirma no acórdão deste TCA, de 17/07/07 (processo nº 1815/07), que “o direito de prévia à liquidação não tem lugar quando não existe nenhuma instrução procedimental, como nos casos em que o imposto é liquidado integralmente, com base na declaração do contribuinte”.

Por conseguinte, há que julgar improcedentes as conclusões a que corresponde a numeração 35 a 53.


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Por seu turno, à mesma sorte se há-de reconduzir o teor da conclusão a que corresponde número 54, ou seja, quanto à alegada violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, a qual, de resto, não vem minimamente densificada.

Com efeito, para além da singela alegação da violação de tais princípios, desconhece este Tribunal a razão(ões) para sustentar tal entendimento. De todo o modo, deve recordar-se que a dispensa do direito de audição prévia em casos de autoliquidação encontra expresso apoio legal na LGT, justificando-se plenamente perante a circunstância de, em tal liquidação, a AT não ter intervenção, sendo inexistentes quaisquer diligências de instrução tendentes à decisão do procedimento.

Improcede, pois, a conclusão que vimos de analisar.


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Não obstante em sede de p.i ter sido invocada a falta de fundamentação da liquidação do IVA, a verdade é que, em sede recursiva, tal fundamento de impugnação (e a sua apreciação pela sentença) não foi erigida em questão a apreciar por este TCA. Daí que, obviamente, nada nos caiba referir a tal propósito.

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Como está bem de ver, face ao que vem dito, fácil é concluir que, perante a improcedência das conclusões da alegação de recurso, a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve a liquidação de IVA, não pode deixar de ser confirmada.

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Passemos, então, à última questão cuja apreciação nos vem pedida e que se prende com a litigância de má-fé.

Com efeito, a sentença recorrida condenou o Impugnante, ora Recorrente, como litigante de má-fé. Para assim concluir o Mmo. Juiz a quo considerou que:

“(…)
O impugnante na petição inicial omitiu que a liquidação em causa era uma auto liquidação. Desenvolveu todos os argumentos factuais e jurídicos evitando deliberadamente expor a verdade dos factos relevantes para a decisão (Art.º 542º/2,b) do CPC).
Tal cuidado na omissão de exposição dos factos relevantes para a decisão revela que o impugnante sabia perfeitamente estar a deduzir pretensão sem qualquer fundamento (Art.º 542º/2, a) CPC).
Nestas condições, a litigância assim empreendida pelo impugnante é uma litigância de má fé, material (3), na modalidade mais censurável: a dolosa, na medida em que representou a ilegalidade da sua conduta e mesmo assim não se absteve da ação (Art.º 14º do Código Penal).
Por conseguinte, tendo litigado de má fé na modalidade mais grave, a dolosa, ao abrigo do disposto no Art.º 27º/3 do RCP condeno o impugnante na multa de 5 ucs”.
Como resulta das conclusões da alegação de recurso, o Recorrente insurge-se contra tal, entendo que a sua condenação como litigante de má-fé não pode manter-se. Defende, para tanto, que “toda a sua convicção quanto à motivação aduzida, assenta no que fica expresso na acusação do Ministério Público” e que “nunca teve conhecimento do acto praticado pelo Técnico Oficial de Contas”. Mais refere que “mesmo que por hipótese se admita que tinha tido conhecimento do apuramento do imposto em sede de declaração periódica, que não foi o caso, ainda assim sempre devia a situação ter o mesmo enquadramento legal do apuramento do imposto em sede de IRC”, donde, portanto, “não pode o Tribunal entender que o impugnante omitiu deliberadamente factos relevantes para a decisão”.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito.

Para tal, importa ter presente o artigo 104º da LGT que dispõe sobre a litigância de má fé no processo judicial tributário. Em tal disposição legal pode ler-se, além do mais, que “O sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral”.

Por sua vez, o artigo 542º do CPC, sob a epígrafe Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé, estabelece que:
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.
Vejamos, então, desde já se adiantando que não se acompanha o decidido em 1ª instância.

Nos termos das transcritas alíneas do artigo 542º do CPC, e centrando-nos na fundamentação jurídica alinhada pelo Tribunal a quo, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, “tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar” (a), ou “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” (b).

Como se refere no acórdão do STJ, de 18/02/15 (1120/11.1TBPFR.P1.S1), “Não basta, assim, para que se conclua pela litigância de má fé por alguma das partes no processo, a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta: tal pode ter ocorrido por a parte se encontrar, embora incorretamente, convencida da sua razão ou de que os factos se verificaram da forma que os descreve, hipótese em que inexistirá má fé. Impõe-se, pois, para que haja litigância de má fé, que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada ou ao afirmar factos não ocorridos, tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento”.

Ora, da leitura que fazemos da p.i, e embora se admita que o enquadramento feito pelo Impugnante se situa numa zona de fronteira, propendemos a considerar que não se demonstra nos autos, em termos manifestos e inequívocos, que o Impugnante, ora Recorrente, agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou, também, alterando a verdade dos factos ou omitindo factos relevantes para a decisão da causa.

Com efeito, apesar de lhe faltar razão, a verdade é que a alegação do Impugnante ainda se pode entender como uma diferente abordagem das questões suscitadas, desde logo no que toca às exigências de cumprimento do dever de notificação, do exercício do direito de audição prévia e de fundamentação, mesmo em caso de autoliquidação.

Por outro lado, a alegação segundo a qual teve conhecimento da “liquidação” por via da acusação proferida pelo Ministério Público, não é incompatível com a circunstância de se admitir a possibilidade de as declarações periódicas terem sido apresentadas pelo TOC e disso não ter tido o impugnante conhecimento.

Em resumo, e reiterando, embora numa zona algo cinzenta em que dificilmente se pode deixar de concluir que o Impugnante não conhecesse a verdade dos factos, entendemos que não é clara e inequívoca uma actuação dolosa, a todos os títulos reprovável.

E, assim sendo, é nossa convicção que a condenação em litigante de má-fé não deve manter-se, o que equivale a dizer que, neste segmento, a sentença deverá ser revogada, o que se determinará no dispositivo do presente acórdão.

Procedem, pois, as conclusões atinentes à litigância de má-fé.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder parcial provimento ao recurso, decidindo-se em consequência:

- a manutenção da sentença na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve a liquidação de IVA impugnada;

- a revogação da sentença na parte em que condenou o impugnante em litigante de má-fé.

Custas pelo Recorrente na parte em que decaiu.

Lisboa, 14/04/2016

Oportunamente, preste-se informação conforme solicitado nos ofícios de fls. 128, 136 e 140.


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Teles)

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(Pereira Gameiro)


(1)Camilo Cimourdain de Oliveira «Lições de Direito Fiscal», 6ª edição, pp. 326.

(2)Merece referência o oportuno Ac. do STA n.º 0316/03 de 07-05-2003, referido pela ERFP com o seguinte Sumário: I - Nos termos do disposto nos artºs 2º, 4º, nº 1, 28º, nº 1 e 26º do CIVA, a liquidação do IVA é, por via de regra, da responsabilidade do seu sujeito passivo, o qual está, assim, obrigado a enviar periodicamente (mensal ou trimestralmente) aos Serviços do IVA uma declaração descritiva das operações comerciais realizadas no referido período, com a indicação do imposto devido e do crédito existente e dos elementos que tenham servido de base ao respectivo cálculo, a qual deve ser acompanhada do montante do respectivo imposto.
II - Tal significa que o regime de liquidação e pagamento do IVA é accionado pelo respectivo sujeito passivo com base nos seus próprios elementos.
III - Assim, tendo a declaração periódica de IVA efectuada pelo sujeito passivo e desacompanhada do respectivo meio de pagamento, o valor de liquidação, não têm os Serviços de Cobrança de IVA de proceder a liquidação prévia do referido imposto e à consequente notificação do imposto a pagar, acrescido dos eventuais juros compensatórios.”
(3)José Lebre de Freitas, CPC anotado, vol. II, 2ª edição, pp. 220.