Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07729/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:RECLAMAÇÃO DO ACTO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL, ERRO NA FORMA DE PROCESSO, CUMULAÇÃO DE PEDIDOS; PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PENHORA;
Sumário:I. A cada direito corresponde um, e apenas um, meio processual adequado para o seu reconhecimento em juízo (“a acção adequada”), a não ser que a lei determine o contrário (cfr. art. 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT));
II. Verifica-se o erro na forma de processo quando o A. faz uso de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão;
III. A propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na p.i., ou seja, pela pretensão que o A. pretende fazer valer com a acção;
IV. O pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo;
V. O facto de haver cumulação de pedidos não obsta a que se conclua pela propriedade do meio processual utilizado com base num dos pedidos, devendo ser considerado sem efeito os demais que não sejam adequados, prosseguindo o processo relativamente ao pedido adequado à forma de processo escolhida pelo A.;
VI. Se um dos pedidos formulados pelo Recorrente é o de “revogação da penhora”, é adequada a reclamação prevista no art. 276.º do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


PROCESSO N.º 07729/14

I. RELATÓRIO

..., contribuinte n.º ..., com demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, que indeferiu liminarmente a reclamação apresentada pela Recorrente, nos termos do disposto no art. 276.º do CPPT, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 310720130000217815, instaurado no serviço de finanças de Lisboa-8, no qual foi efectuada a penhora n.º 310720130000217815.

O Reclamante, ora Recorrente, formulou na petição inicial o seguinte pedido: “(…) requerer-se a admissão da Prestação de Garantia com o inerente efeito suspensivo e ademais, a revogação da penhora por consequente inexistência do seu facto gerador, porquanto importa a absolvição do reclamante da instância e, a final, seja proferido despacho de extinção de reversão fiscal contra o mesmo, com fundamento na Ilegitimidade Passiva, bem como, desde já se requer a condenação como litigante de má-fé, por desconsideração manifesta e evidente dos direitos dos Cidadãos e assim, diligenciar de forma desconforme ao direito, em sanção nunca inferior a € 10.000,00 (…)”.

O Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

I. Para Vossas Excelências se recorre da douta sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, 1.ª UO, a qual pugnou pela inexistência de objecto nestes autos e pugnou pelo indeferimento liminar da PI, por ininteligibilidade dos actos reclamados.
II. Os PEF's notificados ao Recorrente correspondem a execução, por reversão de dívidas fiscais, no qual é devedor originário ...- GESTÃO DE BENS IMOBILIÁRIOS, NIPC 500136947, pugnando o Recorrente que a execução por reversão é manifestamente inaplicável "in casu", porquanto, o ora recorrente deixou de exercer o cargo de gerente na referida sociedade desde o mandato que terminou em 20.05.2002, e foi remetido à sociedade para registo da renúncia.
III. Nunca tendo exercido de facto a gerência da empresa, nunca assinou um relatório ou acta de assembleia geral e/ou gerência, pelo que nunca se poderia ter apropriado ilicitamente de montantes pecuniários que se destinavam ao pagamento de tributos fiscais e/ou quaisquer outros impostos, sendo que, é parte ilegítima para a cobrança coerciva envidada nos PEF's, cfr. arts. 576º, 577º e 578º do CPC, aplicáveis ex vi art. 2º do CPPT.
IV. Correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, 3ª Secção, o proc. de inquérito n.º 2989/08.2TDLSB-05, por factos configuráveis como crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 107.º RGIT, atinentes à gestão da referida sociedade, no qual figurava como arguido o ora recorrente, tendo o processo sido arquivado.

V. Ademais, foi ainda suscitada a caducidade da dívida sob cobrança, o que reiteramos, cfr. art. 45.º LGT, bem como, suscitada a litigância de má-fé da AT, cujo teor ora damos por reproduzido.

VI. O reclamante, ora recorrente, reclamou cfr. facto constante da sentença, F), G) e H), ou seja, do acto da AT que perpetrou mais um ataque ao património do Recorrente, para pagamento de uma dívida que aquele não assumiu, a qual, por sua vez se reporta a uma sociedade que o mesmo não geriu, nem controlou por qualquer forma.

VII. Pelo que, in casu laborou em erro o Tribunal a quo, pois que, na sentença recorrida foi decidido que nos termos do art. 276º e 277º do CPPT, não seria admissível a PI, uma vez que, "as reclamações têm sempre por objecto uma decisão proferida pelo órgão da execução fiscal que afecte os direitos e interesses legítimos do executado" e in casu a decisão é, conforme facto F), o acto de penhora electrónica, acto este praticado no âmbito dos PEF's supra referenciados, onde por sua vez, conforme já havíamos referido o Recorrente se opôs in totum ao prosseguimento da acção.

VIII. Nesta medida, não alcançamos a conclusão da sentença que refere "Muito embora no intróito da petição inicial se refira a penhora efectuada na execução, verifica-se que os factos que sustentam o seu petitório dizem respeito ao acto de reversão cuja ilegalidade é sustentada pelo reclamante considerando-se parte ilegítima para a execução".

IX. E prossegue a sentença "De facto, analisando toda a petição inicial, constata-se que o Reclamante não invoca em concreto qualquer ilegalidade do acto de penhora (...)", tal facto não corresponde ao teor da reclamação do Recorrente, pois que, conforme se apurou, em sede de oposição o Recorrente carreou aos autos respectivos a factualidade que entende obstar ao prosseguimento dos PEF's.
X. Contudo, apesar de tal oposição ainda não estar finalizada, o certo é que a execução prossegue, com prejuízos para o Recorrente, que continua a sofre penhoras na sua pensão e contas bancárias.
XI. Pese embora, a verificação concomitantemente das circunstâncias seguintes que, salvo melhor entendimento, deveriam, in casu paralisar os ulteriores termos das mesmas, ilegitimidade do Recorrente para responsabilização das dívidas da IMOBEX, ilegitimidade, que a AT facilmente constataria através de pesquisa conscienciosa dos factos atinentes ao registo comercial, oposição à execução fiscal, prestação de garantia, cfr. PI da Reclamação.
XII. Não se verifica in casu erro na forma de processo, pois que, o acto reclamado é a decisão da AT em prosseguir com as penhoras da pensão e das contas bancárias, apesar dos elementos referidos, os actos reclamados in casu prendem-se essencialmente com as decisões da AT, de penhora das contas bancárias e pensão do mesmo.
XIII. De resto, a forma de processo prevista no art. 276º CPPT reporta-se precisamente, à faculdade concedida ao executado para, junto do Tribunal, apresentar reclamação dos actos do órgão executivo.
XIV. Acresce que, mesmo o facto de pré existir a oposição à execução reforça a necessidade do Recorrente pleitear nestes autos, por forma a conseguir obter, junto do Tribunal, decisão que sirva de obstáculo ao prosseguimento das penhoras das contas e da pensão, penhoras que advêm de acto automático decidido pela AT.
XV. Acresce que, consultada a AT e solicitada a admissão da prestação de garantia, a mesma informa o contribuinte que as penhoras por operarem de modo automático, são elaboradas ao nível do sistema informático, pelo que, prosseguem, como prosseguiram, sem conceder ao Recorrente oportunidade para efectivamente paralisar os ulteriores termos processuais, por via da oposição e prestação de garantia.
XVI. Pelo que se impõe como imprescindível para tutela deste direito do recorrente que a reclamação em apreço seja recebida.
XVII. Termos em que, deve a presente Pl ser recebida e tramitada até final, tendo por objecto, os actos praticados pela AT, como não poderia deixar de ser.
XVIII. Conforme resulta da própria natureza do art. 276º CPPT, bem como, dos actos exarados na sentença, as duas acções propostas junto do Tribunal a quo, não se excluem nem se anulam, pois que, in casu se reclamou dos actos da AT, e na oposição se suscitou a inadmissibilidade do prosseguimento da execução, mercê da ilegitimidade do Recorrente, para os autos.
XIX. Nesta senda, inexiste erro na forma de processo pois que, conforme o Tribunal a quo notou, a oposição à execução pré existe à reclamação, porém a existência da mesma, não obsta, a que o executado, ora Recorrente, possa reclamar dos ulteriores actos da AT, actos esses que violam os seus direitos legítimos e atendíveis, e mediante o qual, a AT se tem vindo a locupletar de quantias pecuniárias.
XX. Assim, não existe qualquer erro na forma de processo, pois que, conforme expressamente se indicou a oposição à execução pré­ existe, sendo que, o acto reclamado, é um acto ulterior à citação.
XXI. Sem conceder, tendo o douto Tribunal a quo relevado que a petição inicial se afigura deficiente, previamente, ao indeferimento liminar impunha-se que o Tribunal notificasse o reclamante, ora Recorrente, para em prazo a determinar pelo Tribunal, juntar PI rectificada.
XXII. Face à alegada impossibilidade do Tribunal a quo apreender quais os actos, deveria o Recorrente ter sido notificado mediante prolação de despacho de aperfeiçoamento, no tocante à alegação de factos integradores da causa de pedir (artigo 590° nºs 2 e 3 do CPC aplicável ex vi art. 2º CPPT).
XXIII. O artigo 590° no 2 e 3 do CPC dispõe que, na fase de pré-saneamento, o juiz deve convidar as partes a suprir irregularidades dos articulados, dispondo o no 3 do mesmo normativo que o Juiz pode convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto.
XXIV. Assim, a lei prevê (no 2 do art. 590°), a lei prevê o convite vinculado do juiz destinado à correcção de anomalias dos próprios articulados ou quando ocorra a falta de documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
XXV. No no 3 do art. 590°, a lei prescreve que o juiz "convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados", de tal expressão resulta, claramente, um poder activo e inequívoco, e não uma mera possibilidade de convite ao suprimento de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto, isto é, quando não se encontrem articulados todos os factos principais ou a sua alegação seja ambígua ou obscura (cf. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pg. 304)."
XXVI. Trata-se, aqui, da prescrição ao juiz de uma acção a realização do convite, "o juiz convida (...) fixando prazo", é um convite vinculado e não uma mera faculdade atribuída ao Juiz, no âmbito dos seus poderes discricionários, que pode ou não utilizar conforme as circunstâncias, pois que, é um poder de gestão processual que lhe incumbe ao abrigo do poder de adequação formal e principio da cooperação.
XXVII. Assim sendo, a omissão do convite de aperfeiçoamento, integra, in casu, uma omissão do juiz a quo na regularização da instância me prejuízo do disposto no art. 590º/2/3 CPC.
XXVIII. E se dúvidas houvesse bastaria atentar na alteração legislativa, no art. 508º CPC que regulava esta matéria o convite ao aperfeiçoamento resultava como um poder discricionário do Juiz, do qual este poderia ou não fazer uso de acordo com o entendimento casuístico que desse à situação em apreciação, pois que a norma referia: "Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes ( ...)" (508.º/3 CPC na redacção do CPC anterior à Lei 41/2013), era pois um dever não vinculado do juiz.
XXIX. Actualmente, o dever vinculado, obrigação de gestão que anteriormente só existia no disposto no art. 508.º n.º 2 foi alargado ao n.º 3 do mesmo art, desta feita sistematicamente inserido no CPC sob o art. n.º 590.º n.º 2 e 3, o qual prevê que "O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício."
XXX. E prossegue ainda o mesmo art. 590º, n.º 4 CPC ao prescrever, especificamente, que "incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido".
XXXI. Pelo que, resulta claro o que in casu foi preterido pelo Tribunal a quo o dever vinculado de prolação de despacho de aperfeiçoamento, previsto no art. 590º, nº 2, 3 e 4 do CPC, o dever previsto no art. 590º, n.º 2, 3 e 4 CPC foi violado, com consequências nefastas para o Recorrente, devendo Vossas Excelências rectificar tal facto.
XXXII. Pois que, deverá ser revogada a sentença recorrida, de indeferimento liminar da PI, a qual deve ser substituída por douto despacho que, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 590º, n.º 2, 3 e 4 do CPC aplicável ex vi art. 2º CPPT, dê cumprimento ao dever vinculado do Tribunal a quo e convide o Recorrente a apresentar PI rectificada, na sequência do douto Acórdão a proferir por este Venerando Tribunal.
Finaliza peticionando a revogação da sentença recorrida, e que se ordene o recebimento da petição inicial de reclamação ou despacho de aperfeiçoamento.
****
Não foram apresentadas contra-alegações.
****
Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que a decisão recorrida não merece censura.
****
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.
****
A questão a apreciar e decidir consiste em saber se a decisão recorrida de indeferimento liminar da petição inicial enferma de erro de julgamento, por ter considerado verificado o erro na forma de processo.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

A) Pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 8 foi instaurado contra ...- Gestão de Bens Imobiliários, SA, o processo de execução fiscal n° 3107200501023020 e apensos (cfr. fls. 88 e segs. dos autos).
B) Citada a devedora originária não efectuou o pagamento nem deduziu oposição (cfr. fls. 88 e segs. dos autos).
C) Não se apurando bens penhoráveis, propriedade da executada, foram ordenadas as diligências necessárias à reversão (cfr. fls. 88 e segs. dos autos).
D) Após notificação para exercício do direito de audição prévia, o Reclamante veio a ser citado e, não se conformando com tal decisão, em 21-01-2011 deduziu oposição à execução fiscal (cfr. fls. 88 e segs. dos autos).
E) Em 21/06/212 deduziu reclamação da decisão que determinou o cancelamento dos benefícios fiscais, reclamação que foi remetida ao Tribunal em 10/01/2014 (cfr. fls. 88 e segs. dos autos).
F) Nos processos de execução identificados em A) foi ordenada a penhora via electrónica n° 310720130000217815, em 24/9/2013, no valor de € 633,77 (cfr. fls. 88 e segs. dos autos).
G) O Reclamante foi notificado da penhora e 28/10/2013 (cfr. fls. 88 e segs. dos autos).
H) Em 4/11/2013 deduziu a presente reclamação (cfr. fls. 3 dos autos).”

2. Do Direito

A questão a apreciar e decidir consiste em saber se a decisão recorrida, de indeferimento liminar da petição inicial, enferma de erro de julgamento por ter considerado verificado o erro na forma de processo.

Vejamos então.

A cada direito corresponde um, e apenas um, meio processual adequado para o seu reconhecimento em juízo (“a acção adequada”), a não ser que a lei determine o contrário (cfr. art. 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).

Verifica-se o erro na forma de processo quando o A. faz uso de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.

A propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na p.i., ou seja, pela pretensão que o A. pretende fazer valer com a acção. O pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo (cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/3/2012, proc n.º 1145/11, e de 29/2/2012, proc. n.º 1161/2011).

Saliente-se que o juiz está vinculado pelo pedido, uma vez este delimita as questões que o tribunal deve apreciar nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, não obstante, pode interpretar o pedido, determinando o real sentido da pretensão do A..

In casu, há ainda que ter em consideração que o Recorrente apresentou junto do TT de Lisboa uma petição de “Reclamação Judicial” ao abrigo do disposto no art. 276.º e seguintes do CPPT.

A reclamação de actos do órgão de execução fiscal constitui um meio processual previsto no contencioso tributário conforme resulta do disposto no art. 97.º, n.º 1, alínea n) do CPPT.

O art. 276.º do CPPT determina que “[a]s decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância”, em plena consonância com o art. 103.º, n.º 2, da LGT que dispõe que “é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária”.

Por último, refira-se que a inadmissibilidade da penhora constitui fundamento de reclamação, com subida imediata, nos termos da a) do n.º 3 do art. 278.º do CPPT.

Passemos, então, ao caso dos autos.

A decisão recorrida indeferiu liminarmente a reclamação apresentada pelo ora Recorrente com o seguinte fundamento: “[n]os termos do artigo 276° do CPPT, "as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância (... ) no prazo de 10 dias após a notificação da decisão", nos termos do n.º 1 do art. 277.º do CPPT.
Conforme resulta da disposição legal citada, as reclamações têm sempre por objecto uma decisão proferida pelo órgão da execução fiscal que afecte os direitos e interesses legítimos do executado.
Muito embora no intróito da petição inicial se refira a penhora efectuada na execução, verifica-se que os factos que sustentam o seu petitório dizem respeito ao acto de reversão cuja ilegalidade é sustentada pelo reclamante considerando-se parte ilegítima na execução.
De facto, analisando toda a petição inicial, constata-se que o Reclamante não invoca em concreto qualquer ilegalidade ao acto de penhora, argumentando apenas quanto à sua ilegitimidade na execução e consequente ilegalidade da reversão, alegando ainda a falta de notificação da liquidação exequenda no prazo de caducidade.
Ora, o meio próprio para atacar o acto de reversão é a oposição à execução fiscal regulada nos arts. 203° e segs. do CPPT. O mesmo se diga do segundo fundamento avançado.
Ocorre, pois, erro na forma de processo, uma vez que a forma processual escolhida não corresponde à natureza da acção.
Confere o art. 98, n° 4 do CPPT e art. 97, n°3 da LGT a possibilidade, de acordo com o princípio da economia processual, de convolação na forma de processo adequada, contudo, no caso presente, o ora reclamante já deduziu oposição à execução fiscal, a qual se encontra pendente de decisão, pelo que, não é possível a convolação, que, sempre redundaria em acto inútil, proibido pelo artigo 137° do CPC.”

O Recorrente, invoca que não se verifica erro na forma de processo, porquanto “o acto reclamado é a decisão da AT em prosseguir com as penhoras da pensão e das contas bancárias, apesar dos elementos referidos” (conclusão XII).

O Recorrente ao dizer “apesar dos elementos referidos” entende-se que está a remeter para as conclusões anteriores (conclusões I a XI), e assim sendo, o pretende dizer é que considera ilegal a penhora por entender que esta não poderia se ter ocorrido uma vez que se encontra a discutir, em sede de oposição à execução fiscal, a sua ilegitimidade por não ter exercido a gerência de facto da sociedade executada originária, e a caducidade do direito de liquidação (cfr. conclusões VII e IX a XI).

Ou seja, o Recorrente assaca ao despacho recorrido erro de julgamento uma vez que invocou na p.i. que a execução fiscal deveria ter ficado suspensa por força da dedução de oposição sendo este o fundamento da invocada ilegalidade da penhora.

Apreciando.

O Recorrente, logo no início da sua p.i. escreveu o seguinte:
“i. Vem o ora reclamante notificado da penhora supra melhor indicada.
ii. Referente que é ao processo executivo n.º 310720070110913.
iii. No qual o contribuinte figura como revertido.
Contudo e na verdade,
iv. Não pode a mesma, in totum, proceder.
v. Porquanto só é legítimo a penhora, nos processos executivos por reversão quando a reversão opere em modo definitivo.
vi. O que não aconteceu in casu.
vii. De facto, foram despoletados os meios jurídicos indicados a proteger a pretensão do reclamante.
viii. Pelo que não existiu no processo executivo por reversão, decisão definitiva que suporte a presente penhora.
Nesta senda,
ix. Não existe facto génese que legitime a actual penhora, pois que deve a mesma ser de forma imediata revogada, repondo-se a situação anterior na esfera jurídica do contribuinte”.

Da leitura do supra exposto resulta que o Recorrente insurge-se contra o acto de penhora entendendo que “só é legítimo a penhora, nos processos executivos por reversão quando a reversão opere em modo definitivo.”, e porque “foram despoletados os meios jurídicos indicados a proteger a pretensão do reclamante”, então (entende o Recorrente) “não existiu no processo executivo por reversão, decisão definitiva que suporte a presente penhora”.

Este é o fundamento configurado pelo Recorrente na p.i. que o leva a concluir no art. ix) que “[n]ão existe facto génese que legitime a actual penhora, pois que deve a mesma ser de forma imediata revogada, repondo-se a situação anterior na esfera jurídica do contribuinte”, e suporta um do pedidos formulados no final da p.i., a saber :“revogação da penhora por consequente inexistência do seu facto gerador”.

Ou seja, o objecto do processo, tal como o Recorrente o configurou na p.i., é o acto de penhora (devidamente identificado no cabeçalho da petição) que considera ser ilegal, por existir, anteriormente a este, uma oposição à execução fiscal, na qual se discute a sua ilegitimidade, e por esta razão, não poderia ter havido penhora.

Em plena consonância com o objecto do processo configurado pelo Recorrente está o pedido formulado no final da petição de “revogação da penhora por inexistência do seu facto gerador”.

Da análise supra exposta resulta que a pretensão que o Recorrente pretende ver satisfeita, e que se encontra vertida num dos pedidos formulados, é o da revogação do acto de penhora que reputa ilegal face à oposição por si deduzida anteriormente, e que não se encontra decidida.

Ou seja, pelo menos um dos pedidos formulados pelo Recorrente (“revogação da penhora”) é o adequado na forma de processo utilizada (reclamação prevista no art. 276.º do CPPT), e está sustentado por respectiva causa de pedir (ilegalidade da penhora por pendência de oposição à execução fiscal), sendo que a inadmissibilidade da penhora constitui fundamento de reclamação, com subida imediata, previsto na alínea a) do n.º 3 do art. 278.º do CPPT, pelo que não se poderá concluir pela impropriedade do meio utilizado pelo Recorrente como fez a decisão recorrida.

Aliás, ainda que se entendesse que as concretas causas de pedir invocadas apenas são adequadas a obter a invalidade do acto de reversão a deduzir através de oposição, não haveria erro na forma do processo, mas improcedência das causas invalidades imputadas ao despacho reclamado (Nesse sentido, Ac. do STA de 17/04/2013, proc. n.º 0484/13, e Ac. do STA de 20/02/2013, proc. n.º 0114/13).

Por outro lado, o facto de haver cumulação de pedidos (in casu, para além da “revogação da penhora” peticiona-se a “admissão da prestação de garantia”, “extinção de reversão fiscal” e a condenação em litigância de má-fé) não obsta a que se conclua pela propriedade do meio processual utilizado com base num dos pedidos, devendo ser considerado sem efeito os demais que não sejam adequados, prosseguindo o processo relativamente ao pedido adequado à forma de processo escolhida pelo A. (solução que se extrai do tratamento dado a uma questão paralela no n.º 4 do art. 193.º do CPC – nesse sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. I, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 92).

Assim, sendo, há que concluir que não há erro na forma de processo quando a acção proposta é adequada para satisfazer a pretensão do Recorrente, concluindo-se, deste modo, pela inexistência de erro na forma do processo.

Por conseguinte, o recurso merece provimento, e nessa medida, a decisão recorrida deve ser revogada, ficando prejudicada a decisão dos demais fundamentos do recurso (alíneas XXI a XXXII), nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.

****
3. Sumário do acórdão
I. A cada direito corresponde um, e apenas um, meio processual adequado para o seu reconhecimento em juízo (“a acção adequada”), a não ser que a lei determine o contrário (cfr. art. 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT));
II. Verifica-se o erro na forma de processo quando o A. faz uso de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão;
III. A propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na p.i., ou seja, pela pretensão que o A. pretende fazer valer com a acção;
IV. O pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo;
V. O facto de haver cumulação de pedidos não obsta a que se conclua pela propriedade do meio processual utilizado com base num dos pedidos, devendo ser considerado sem efeito os demais que não sejam adequados, prosseguindo o processo relativamente ao pedido adequado à forma de processo escolhida pelo A.;
VI. Se um dos pedidos formulados pelo Recorrente é o de “revogação da penhora”, é adequada a reclamação prevista no art. 276.º do CPPT.
****

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos ao TT de Lisboa para que seja proferido despacho de recebimento da petição, se a tanto nada mais obstar.

****
Sem custas.
D.n.
Lisboa, 26 de Junho de 2014.



(Cristina Flora)


(Joaquim Condesso)


(Catarina Almeida e Sousa)