Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2269/09.6BELSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 12/16/2021 |
Relator: | LINA COSTA |
Descritores: | PRESTAÇÕES DE DESEMPREGO, PERÍODO DE CONCESSÃO, PRESTAÇÃO INICIAL E ACRÉSCIMOS, RESTITUIÇÃO PELO EMPREGADOR. |
Sumário: | I. No artigo 63º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, a “totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego” refere-se ao período de concessão das prestações de desemprego a que o trabalhador tenha direito e não ao valor inicial destas sem acréscimos, com pretende a Recorrente; II. Um beneficiário de prestações de desemprego pode vir a ter direito a mais que um período de concessão da prestação de desemprego, mas, na sequência imediata da atribuição ou reconhecimento desse direito, desconhecendo a Segurança Social se assim se verificará, o ex-empregador só é notificado para proceder ao pagamento da totalidade das prestações de desemprego relativas ao primeiro desses períodos que, necessariamente, inclui os acréscimos previstos no artigo 37º do mesmo diploma legal; III. A Segurança Social só pode exigir da entidade patronal, ao abrigo do art.° 63° do Dec. Lei n° 220/2006, o reembolso das prestações a que o trabalhador teve efectivamente direito e não do que corresponderia à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego; IV. O que não significa que, verificado o ilícito, a Segurança Social não possa ordenar a reposição do montante já pago ao trabalhador como ordenar que seja depositado, antecipadamente, o valor que, previsivelmente, irá ser pago e que o devedor não esteja obrigado a proceder a esse pagamento. O que não quer dizer que, nessas circunstâncias, o montante pago antecipadamente não possa ser devolvido se se constatar que o trabalhador – por qualquer razão - perdeu o direito ao subsídio e, por esse motivo, a Segurança Social cessou o seu pagamento e que o empregador não possa reivindicar essa devolução. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: L…, S.A., devidamente identificada como Autora nos autos de acção administrativa especial, que instaurou contra o Instituto da Segurança Social, IP, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão de 10.12.2012, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a acção parcialmente procedente, anulando o acto impugnado e absolvendo a Entidade demandada dos pedidos condenatórios formulados. Na acção foram formulados os seguintes pedidos condenatórios: «II. Cumulativamente, requer-se ..., nos termos do artigo 47º, nº 2 alínea a) do CPTA, se digne substituir o acto impugnado por outro que: a) Limite, por um ladom a responsabilidade potencial máxima da A. a i) €22.636,80, no caso do ex-trabalhador P…, e ii) €30.182,40 ou €37.728, no caso do ex-trabalhador R…(…); b) Limite, por outro lado, a condenação da A. à restituição das quantias que foram ou venham efectivameme a ser pagas pela Segurança Social aos ex-trabalhadores P… e R… durante os respectivos períodos de concessão da prestação iniciai de desemprego; c) Defira o pagamento em prestações mensais, correspondentes àquelas que, cm cada momento, sejam entregues aos ex-trabalhadores P… c R…, a título de subsídio de desemprego;». Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «1.° A Recorrente recorre do acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 141.°, n.° 2 do CPTA, na parte em que este decidiu que “não se verificam os vícios de violação de lei de fundo imputados ao acto impugnado” e, em consequência, decidiu pela improcedência dos “pedidos condenatórios referidos no petitório, alíneas a) e c) da p.i.” e considerou prejudicada o “pedido de notificação da entidade demandada formulado no ponto III do petitório” (cfr. p. 19 e 23).a) DO (ERRADO) CALCULO DO ‘PERÍODO DE CONCESSÃO DA PRESTAÇÃO INICIAL DE DESEMPREGO” 2.° O acórdão recorrido decidiu que o acto impugnado “considerou a totalidade do subsídio de desemprego inicial a que os ex-trabalhadores da [ora Recorrente] teriam direito se o gozassem até ao fim e que, portanto, procedeu em consonância com o artigo 63° do DL 220/2006, que limita a responsabilidade potencial máxima do empregador ao pagamento da prestação inicial de desemprego, prestação inicial essa que inclui (...) os acréscimos que eventualmente seja devidos àquela prestação” (cfr. p. 14).3.° Sucede que o Decreto-Lei 220/2006 compreende 3 modalidades distintas de prestações de desemprego: (i) o subsídio de desemprego; (ii) o subsídio social de desemprego (o qual, por sua vez, pode ser inicial ou subsequente ao subsídio de desemprego) e (iii) o subsídio de desemprego parcial (cfr. artigos 3.°, 7.°/1, 37.°/1, 38.° e 39.°).4.° Por sua vez, o período de concessão destas modalidades de prestação de desemprego compreende duas parcelas autónomas: por um lado, a prestação inicial de desemprego e, por outro lado, os acréscimos eventualmente aplicáveis (cfr. Decreto-Lei 220/2006, artigos 37.º/1 e 39.°).5.º Ao contrário do decidido pelo acórdão recorrido, o artigo 63.° do Decreto-Lei 220/2006, limita a responsabilidade potencial máxima do empregador ao pagamento da prestação inicial de desemprego, excluindo-se, portanto, os acréscimos ao período de concessão que eventualmente sejam devidos.6.° Logo, o acórdão recorrido ao considerar, à semelhança do acto impugnado, que devem ser contabilizados os acréscimos e não apenas a prestação inicial de desemprego para efeitos da responsabilidade prevista no artigo 63.° do Decreto-Lei 220/2006, padece de erro de interpretação de lei, incorrendo em erro de julgamento.b) DA REDUÇÃO DA RESPONSABILIDADE AOS MONTANTES EFECTIVAMENTE DESEMBOLSADOS PELA SEGURANÇA SOCIAL 7.° Nesta matéria, o acórdão recorrido entendeu que “se o artigo 63.° estabelece a obrigação do empregador perante a segurança social do pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego, não se nos afigura como correcta a interpretação da lei visada pelo A. [ora Recorrente] de que apenas seria devido o pagamento das prestações efectivamente pagas” (cfr. p. 16).8.° A interpretação da lei não deve cingir-se à respectiva letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento jurídico, sobretudo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (Código Civil, artigo 9.°/1).9.° O regime previsto no artigo 63.° do Decreto-Lei n.° 220/2006 assume natureza de responsabilidade civil extra-contratual.10.° Caso o preceituado em causa pretendesse assumir cariz sancionatório ou punitivo teria necessariamente que consubstanciar uma contra-ordenação ou ilícito criminal, o que manifestamente não sucede (cfr. Lei de Bases da Segurança Social, artigo 80.°).11.° Ou seja, é pacífico que o regime de responsabilidade previsto no aludido artigo 63.° tem uma finalidade restitutiva ou reconstitutiva e não sancionatória ou punitiva.12. ° Aliás, o Capítulo X do Decreto-Lei n.° 220/2006 (sob a epígrafe “'Responsabilidade e regime sancionatório”) é absolutamente claro ao distinguir, por um lado, a responsabilidade reconstitutiva [cfr. Secção I (“Responsabilidade”), artigo 63.° (“Responsabilidade pelo pagamento das prestações”)] e, por outro lado, o eventual regime sancionatório [cfr. Secção II (“Contra- ordenações”), artigos 64.° (“Contra-ordenações”) e 65.° (“Sanção Acessória”)].13. ° De resto, a própria decisão impugnada (e ora anulada) acaba por reconhecer a natureza meramcnte restitutiva do regime previsto no artigo 63.° do Decreto-Lei 220/2006, porquanto na sua epígrafe se refere a “Restituição de Prestações - Subsídio de Desemprego” e, mais à frente, lê-se que “terá essa entidade empregadora que restituir a totalidade do período de concessão” (realces são nossos), [cfr. doc. n.° 1 junto com a petição inicial e acórdão recorrido, p. 9, número 3 dos Factos Assentes].14. ° Assim, a consequência do mencionado artigo 63.° teria sempre de limitar-se à dimensão da lesão causada ao Recorrido, pelo que a responsabilidade da Recorrente teria necessariamente que corresponder, na exacta medida, aos danos resultantes da sua pretensa actuação ilícita.15. ° Em concreto, deveria corresponder à restituição das quantias que foram ou venham efectivamente a ser pagas pela Segurança Social aos ex-trabalhadores P… e R…, a título de subsídio de desemprego, durante os respectivos períodos de concessão inicial.16.° Acresce que, por um lado, a condenação da Recorrente no pagamento ao Recorrido de quantias que não foram por este desembolsadas constituiria, de resto, uma flagrante situação de enriquecimento sem causa.17. ° Por outro lado, a cobrança de montantes às entidades patronais para além dos efectivamente pagos aos beneficiários durante o período de concessão da prestação inicial de desemprego, significaria que a Segurança Social estaria a usar tais receitas como fonte ilícita (porque não prevista na lei) de financiamento (cfr. Lei de Bases da Segurança Social, art. 92.°).18. ° Em qualquer caso, sublinhe-se que a norma constante do artigo 63.° do Decreto-Lei n.° 220/2006, interpretada (tal como fez o acórdão recorrido) no sentido de que o empregador fica obrigado ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego que o beneficiário em causa poderá potencialmente receber da segurança social (e não limitada ao que aquele beneficiário recebeu ou venha efectivamente a receber), é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade conjugado com o artigo 63.°/2 e 3 da CRP.19. ° Pelo exposto, deve concluir-se que o acórdão recorrido, ao confirmar o acto impugnado na parte em que condenaria a Recorrente ao pagamento dos montantes potencialmente pagáveis aos ex-trabalhadores, e não à totalidade dos montantes que venham efectivamente a ser pagos àqueles durante o respectivo período de concessão da prestação inicial de desemprego, incorreu numa errada interpretação do artigo 63.° do Decreto-Lei 220/2006, o que consubstancia erro de julgamento.20. ° Acresce que o acórdão recorrido, à semelhança do acto impugnado, violou também neste particular o princípio da proporcionalidade na sua vertente da necessidade e da proporcionalidade stricto sensu, conjugado com o artigo 63.°/2 e 3 da CRP e, bem assim, os artigos 483.° e 473.° do Código Civil e 92.° da Lei de Bases da Segurança Social.NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E PARCIALMENTE REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO, SENDO SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE JULGUE PROCEDENTES TODOS OS PEDIDOS DEDUZIDOS NA PETIÇÃO INICIAL.». Notificado para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando para que seja negado provimento ao recurso. O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer. Com vistos apenas do Exmo. Juiz-Adjunto Carlos Araújo (mas com envio prévio também à Exma. Juiz-Adjunta Ana Paula Martina do projecto de acórdão), o processo vem à Conferência para julgamento. As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, em suma, em saber se na parte em que decidiu que não se verificam os vícios de fundo imputados ao acto impugnado, a sentença recorrida incorreu em erros de julgamento de direito ao considerar que i) a prestação inicial de desemprego referida no artigo 63º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, inclui os acréscimos que eventualmente sejam devidos àquela prestação e que ii) a obrigação do empregador, aí prevista, é de pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego. A matéria de facto relevante é a constante do acórdão recorrido, a qual, por não ter sido impugnada, aqui se dá por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA. Da fundamentação do acórdão recorrido extrai-se sobre esta questão o seguinte: 60.º Uma vez que, à data de apresentação do requerimento, o ex-trabalhador P… tinha 38 anos e registo de remunerações superior a 48 meses, a prestação inicial de desemprego máxima a pagar pela A. é de apenas 540 dias [cfr. Decreto-Lei 220/2006, art. 37°/1, alínea b), primeira parte da subalínea ii)],61.º E não os 630 dias a que foi condenada a pagar pela Entidade Demandada (cfr. docs. n.°s 1, 2 e 5), que contabilizou, erradamente, os acréscimos.62.° Assim, e tomando como referência o montante diário dc €41,92 (cfr. doc. n.° 2), conclui-se que a responsabilidade potencial máxima da A., nos termos do artigo 63.° do Decreto- Lei 220/2006, é de € 22.636,80.Por outro lado, 63.º Uma vez que, à data de apresentação do requerimento, o ex-trabalhador R… tinha 46 anos, a prestação inicial de desemprego máxima a pagar pela A. corresponderia, consoante o referido beneficiário tenha registo de remunerações inferior ou superior a 72 meses, a 720 ou 900 dias [cfr. Decreto-Lei 220/2006, art. 37.º/1, alínea d), subalíneas i) e ii)],64.º E não aos 1.140 dias a que foi condenada a pagar pela Entidade Demandada (cfr. docs. n.ºs 1 e 5), contabilizando, erradamente, os acréscimos.65.° Assim, e tomando como referência o montante diário de €41,92 (cfr. doc. n.º 2), conclui-se que a responsabilidade potencial máxima da A., nos termos do artigo 63.° do Decreto- Lei 220/2006, é de €30.182,40 ou €37.728, consoante o registo de remunerações, porquanto, e ao contrário do que sucede com o ex-trabalhador P…, o seu registo enquanto trabalhador da A. (desde 15/01/2005 a 30/04/2009, ou seja, inferior a 72 meses) é insuficiente para a aplicação correcta da norma,Sucede, porém, que a A. parte do pressuposto errado de que os acréscimos não fazem parte da prestação inicial de desemprego. Mas os acréscimos fazem parte da prestação inicial de desemprego, como já vimos. Assim, mesmo que se viesse a provar os factos que a A. alega nos artigos 60° a 64° da p.i. (e designadamente, que a R. contabilizou os acréscimos) teríamos que considerar que o R. considerou a totalidade do subsídio de desemprego inicial a que os ex- trabalhadores da A. teriam direito se o gozassem até ao fim, e que, portanto, procedeu em consonância com o artigo 63° do DL n° 220/2006, que limita a responsabilidade potencial máxima do empregador ao pagamento da prestação inicial de desemprego, prestação inicial essa que inclui, como dissemos, os acréscimos que eventualmente sejam devidos àquela prestação. Nos artigos 50° e 51° da p.i. diz “Ora, no presente caso, nada se encontra, no ofício notificado à A., que permita perceber de que forma se considera que estão reunidos os pressupostos de facto e direito que permitem ao ISS exigir da mesma a restituição da quantia de €74.198,40, Sendo certo que não foi dada qualquer oportunidade à A. de averiguar junto do ISS quais esses pressupostos - os quais, provavelmente, estarão errados, como veremos no capítulo seguinte - já que a mesma não foi sequer ouvida. Dir-se-ia que a A. estaria a invocar erro sobre os pressupostos de facto quanto ao cálculo da prestação de desemprego de R…, mas, na verdade, não o faz, pois tal invocação é feita em termos meramente hipotéticos e precedida da invocação do vício de falta de fundamentação. Pelo que, adiante, a propósito da apreciação do vício de falta de fundamentação, voltaremos a esta questão. De qualquer forma, como resulta do artigo 67,° afirma a A. que “o que releva para a decisão da causa é que a entidade demandada, na interpretação e aplicação da norma do artigo 63° do Decreto-Lei n° 220/2006, somou os acréscimos previstos no n° 1 do artigo 37°…” Ou seja, admite a A. que foram considerados os acréscimos nas prestações iniciais de desemprego dos referidos trabalhadores. E, como já se referiu, os acréscimos fazem parte da prestação inicial de desemprego.». E o assim decidido é para manter. Sobre esta questão já se pronunciou o STA no já mencionado acórdão de 19.6.2014, proc. nº 01308/13, no sentido agora defendido pela Recorrente, conforme resulta do respectivo sumário: «A Segurança Social só pode exigir da entidade patronal, ao abrigo do art.° 63.° do Dec. Lei n.° 220/2006, de 3 de Novembro, o reembolso das prestações a que o trabalhador teve efectivamente direito e não do que corresponderia à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.». Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, em consequência manter o acórdão recorrido na ordem jurídica com diferente fundamentação. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, 16 de Dezembro de 2021. (Lina Costa – relatora) (Ana Paula Martins) (Carlos Araújo) |