Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04444/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/10/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
REGIME DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
ESPECIFICIDADE DO I.V.A.
ARTº.75, Nº.1, DA L.G.T.
PRESUNÇÃO DE VERDADE E BOA FÉ QUANTO AOS FACTOS REGISTADOS NA CONTABILIDADE.
FAZENDA PÚBLICA TEM O ÓNUS DA PROVA DOS FACTOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO À CORRECÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL (CFR.ARTº74, Nº.1, DA L.G.T.).
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
6. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Fazenda Pública. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).
7. Atendendo à especificidade do I.V.A., não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa.
8. A contabilidade ou a escrita dos contribuintes, quando devidamente organizadas, beneficiam, segundo o artº.75, nº.1, da L.G.T., da presunção de verdade e boa fé quanto aos factos nela registados. Nessa medida, os custos inscritos na contabilidade presumem-se verdadeiros.
9. A A. Fiscal, no exercício da sua função de controlo pode fazer cessar essa presunção de verdade, demonstrando ou a existência de erros, omissões ou inexactidões na contabilidade ou, com o recurso a outros meios de prova (que não apenas os elementos da contabilidade do contribuinte), pondo em causa a existência e/ou quantificação dos factos tributários que os elementos da contabilidade reflectem. Na medida em que se arroga o direito à liquidação adicional assente nas correcções propostas à matéria colectável, a Fazenda Pública tem o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a essa liquidação adicional, ou seja, o dever de demonstrar os pressupostos da correcção praticada (cfr.artº74, nº.1, da L.G.T.).


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.566 a 575 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pelo recorrido, “... - Sociedade de Construções, L.da.”, tendo por objecto liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas aos anos de 1996 e 1997 e no montante total de € 251.983,99.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.600 a 611 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da total procedência da impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA aos exercícios de 1996 e 1997, no montante de € 251.983,99;
2-Fundamentação da sentença recorrida (síntese) (...) é de concluir que a Administração Fiscal não cumpriu com o ónus que sobre si recaía, o que equivale dizer que não logrou provar os pressupostos que, afastando a presunção de veracidade da declaração, lhe permitiram o recurso às correcções técnicas no apuramento da matéria tributável (...);
3-As liquidações objecto da presente impugnação fundamentam-se no relatório elaborado pelos SIT, no âmbito da acção de inspecção desenvolvida na sequência das ordens de serviço nºs.42490 e 42491 de 09/10/2001, parcialmente transcrito na douta sentença da qual se recorre, mas também constante dos autos, pelo que ora se dá por integralmente reproduzido. Dessa acção inspectiva, resultaram dois tipos de correcções: IVA liquidado e não entregue ao Estado e IVA deduzido indevidamente;
4-No primeiro caso, constatou a IT que os extractos da conta 2433 - IVA liquidado evidencia mais imposto a favor do Estado do que o que a impugnante inscreveu nas DP de IVA, logo mais do que aquele que entregou;
5-Quanto ao IVA deduzido, o mesmo foi considerado indevido, uma vez que não foram exibidos os documentos de suporte dessa dedução, o que se impunha pelo disposto nos artºs.19 a 22, do CIVA, designadamente por o n°2 desse art.19, do CIVA, só conferir direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal em nome e na posse do S.P.;
6-Quanto à não percepção da conclusão extraída pela AF, de que "não foi possível apurar de forma clara e inequívoca nem controlar/fiscalizar o respectivo imposto, em virtude de a contabilidade e demais documentos necessários ao seu apuramento não terem sido conservados em boa ordem, em conformidade com o disposto nos art.19, 28 n°1 al.g), 44 n°1 e 52, todos do CIVA", vem fundamentar-se o presente recurso no conteúdo integral do relatório, como dos respectivos anexos, bem como o depoimento das demais testemunhas inquiridas, nos seguintes termos;
7-Os SIT apesar de terem notificado em 18/01/2000 a impugnante, nos termos da al.l), do nº.3, do art.59 da LGT e do art.49, do RCPIT e de terem feito marcação verbal do dia e hora para iniciar a acção de inspecção, e consultar os respectivos documentos contabilísticos, perante a falta de exibição dos mesmos nessa data, tiveram que notificar, na pessoa da TOC, nova data para exibição da contabilidade, livros e demais documentos relacionados com a actividade, o que evidencia uma clara predisposição da AF para consultar os documentos do S.P., de resto em cumprimento do legalmente disposto;
8-A acrescer à prolação que resulta da conduta da impugnante, em 9/04/2000, veio o Sr. ... , sócio gerente da impugnante e nessa qualidade, assinar um termo de declarações - junto aos autos pela Fazenda Pública em 29/01/2010, segundo o qual, reconheceu que os documentos comprovativos da actividade não estavam legíveis nem em condições de serem consultados em virtude de se encontrarem arquivados numa local onde houve uma inundação de fossas;
9-Uma vez que tal documento não foi impugnado até ao requerimento junto pela impugnante em 18/02/2010 (após a inquirição das testemunhas e junção aos autos de cópia desse termo de declarações) mas poderia ter sido na p.i, pois é expressamente referido e citado no relatório, haveria que considerar que se a impugnante "não sabe se a assinatura nele aposta é do sócio nele referido", no fundo é porque apenas quer desacreditar o trabalho da Inspectora Tributária, pois está a referir-se a uma assinatura que é igual àquela que foi aposta na petição pela qual o S.P. veio a exercer a audição prévia sobre o projecto de relatório, também junta aos autos pela Fazenda Publica em 29/01/2010;
10-Deste modo, deveria concluir-se que as considerações da Inspectora Tributária, relativas aos documentos que suportariam o IVA dedutível, está corroborado pelo testemunho de terceiros, pelo menos em relação à AF, como é o caso de um sócio gerente do S.P.;
11-Por sua vez, nenhuma das testemunhas inquiridas, referiu que os documentos não estavam sujos e húmidos. Apenas afirmaram que os mesmos eram consultáveis, não fosse a "má vontade" da Inspectora, que afinal até foi confirmada por um representante legal da ora impugnante, no mesmo momento em que a Inspectora se deparou com as pastas desses documentos;
12-Não foi pela "observação do interior de uma pasta" que se concluiu sem mais que a contabilidade não estava em boa ordem. A impossibilidade de consulta dos documentos, foi constatada pela IT e pelo sócio gerente da sociedade;
13-Embora a impugnante tenha vindo juntar aos autos, com as suas alegações, os documentos a que alude a al. M) do probatório (embora na douta sentença se indique a al. L) que não se refere a esses documentos), não os juntou nem no exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de relatório, nem numa eventual reclamação graciosa antes da impugnação judicial, nem juntamente com a p.i., momentos em que a AF poderia e deveria reconhecer o direito à dedução de IVA, verificados os seus pressupostos, designadamente o prazo de caducidade;
14-Porém, também do teor desses documentos, não se poderia concluir, que "uma vez mais, mal andou a AF";
15-Desde logo, porque são documentos que embora fotocopiados, não revelam nenhum sinal de deterioração, o que se impunha porque à data da acção de inspecção, é referido pela própria impugnante que tinham estado arquivados num local onde houve inundação de fossas;
16-Mas mais, grande parte dos documentos apresentados não são sequer facturas. São desde bilhetes de transportes, a talões de pagamento de portagens, a documentos de vendas a dinheiro sem qualquer identificação do destinatário, no caso de despesas com combustível, a facturas de restaurantes, também sem qualquer identificação do destinatário, ou seja, não passadas sobre a forma legal, pelo que jamais conferem direito à dedução do IVA neles suportado;
17-Do que se evidenciou, é manifesto que a impugnante não tinha o propósito de exibir os seus documentos, pois mesmo após admitir que os mesmos estavam sujos, e não poderiam ser consultados - vide termo de declarações do sócio gerente - poderia e deveria, porque está em causa o exercício do direito à dedução, requerer uma prorrogação do prazo para os apresentar, diligenciando no sentido de obter as segundas vias de facturas, que estivessem danificadas, o que não fez, mas que até nem precisava porque afinal os documentos apresentados são absolutamente legíveis;
18-Resulta assim dos autos que a impugnante não fez prova cabal e suficiente, na acção de inspecção, de que poderia ter exercido o direito à dedução de IVA nos termos em que o fez, nas declarações periódicas, pelo que nada se poderá apontar à correcção preconizada pela AF;
19-Ao contrário do que alega a impugnante e se refere na douta sentença, a AF não desconsiderou o IVA dedutível e ao mesmo tempo aceitou o respectivo custo, em sede de IRC;
20-Consta no relatório, com os fundamentos ali descritos e que ora se dão por integralmente reproduzidos, que a matéria tributável de IRC nos exercícios de 1996 e 1997, foi determinada por métodos indirectos - cfr. fls. 11 e ss. do mesmo. Considerou-se também que existem custos imprescindíveis ao normal desenvolvimento da actividade, pelo que, e pela evidenciada falta de comprovação dos mesmos, procedeu-se à estimativa desses custos, aplicando aos proveitos estimados, também por métodos indirectos, a própria média de custos declarada pelo S.P., o que significa que não foram aceites em sede de IRC os custos declarados pelo S.P.;
21-No que concerne ao IVA liquidado e não entregue, também ao contrário do que se afirma na douta sentença da qual se recorre, a AF "indica e relata, onde foi liquidado o imposto, em que documentos foi liquidado e a que sujeitos passivos", no anexo 7 do relatório, a fls. 87 e ss. do PAT, e posteriormente no parecer que sanciona a informação elaborada pela DJC desta Direcção de Finanças, e que se assumiu como contestação;
22-Assim, temos que no 1° trimestre de 1996, em que não ocorrem diferenças entre o contabilizado (registos do art.44 do CIVA) e o inscrito na DP, todos os registos têm número de factura; no 2° semestre de 1996 os registos deixam de ter a indicação dos números de factura (com excepção de uma - 728); no 3° trimestre de 1996 os registos deixam de ter a indicação dos números das facturas (com excepção de duas - 735 e 740); no 4° trimestre de 1996 os registos deixam de ter os números de factura (com excepção de três - 624, 664 e 674, as quais têm numeração anterior à emitida e registada nos 2° e 3° trimestres. Em 1997 o descritivo altera-se; não há qualquer referência a facturas e passou a "prestação de serviços";
23-Demonstrado que fica que a impugnante não observou o estipulado no art.52 do CIVA e 121 do CIRC, pois não conservou em boa ordem todos os livros, registos e respectivos documentos de suporte;
24-Temos que com a presente impugnação judicial, a impugnante não logrou demonstrar de forma inequívoca o que invoca a propósito da origem da situação de disparidade entre os valores dos balancetes e das DP, pois deve ser manifesto que um relatório técnico, cuja idoneidade ficou longe de ser provada, não dá cabal e inteiro cumprimento ao disposto no n°3 do art.75 da LGT;
25-A douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada aplicação das normas vertidas nos artºs.19, 28 n°1 al. g), 44 n°1 e 52, todos do CIVA e 75 n°3 da LGT;
26-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais. PORÉM V. EXAS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.613 a 618 dos autos) nas quais pugna pela confirmação do julgado, embora sem formular conclusões.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo (cfr.fls.626 e 627 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.640 e 649 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.567 a 571 dos autos - numeração nossa):
1-A impugnante encontra-se enquadrada em sede de I.V.A. pelo exercício de actividade empresarial em nome individual de "Construção Civil e Engenharia Civil", com o CAE 45 212, no regime normal de periodicidade trimestral até 1/01/1998, após o qual passou ao regime normal de periodicidade mensal (cfr.cópia de relatório da inspecção junta a fls.15 a 33 do processo administrativo apenso);
2-Em cumprimento das ordens de serviço nºs.42490 e 42491, de 13/10/1999, foi efectuada fiscalização à impugnante, enquadrada no âmbito da 3ª. fase das acções inspectivas às empresas intervenientes nos grandes projectos de investimentos nos exercícios de 1996 e 1997 (cfr.cópia de relatório da inspecção junta a fls.15 a 33 do processo administrativo apenso);
3-No âmbito da acção inspectiva foi elaborado o Relatório Final, do qual se extrai:
"(...)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARIMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III. 1 . SITUAÇÃO DE FACTO
(...)
em termo de declarações lavrado em 09/04/2000, o sócio gerente:
- declarou a esta inspecção que a contabilidade e demais documentos comprovativos respeitantes à actividade desenvolvida nos exercícios de 1996 e 1997 não se encontravam em condições de serem consultados e ilegíveis, em virtude terem estado arquivados num local onde se verificou uma inundação de fossas.
- pelo que apresentou pastas com documentos num estado não conservado, bastante "húmidos" e "sujos". (ver anexo 8 de 2 folhas.)
(...)
III.3. - CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
(...)
3.2 - Imposto S/o Valor Acrescentado
Conforme já foi referido, não foi possível apurar de forma clara e inequívoca nem controlar/fiscalizar o respectivo imposto, em virtude de a contabilidade e demais documentos necessário ao seu apuramento não terem sido conservados em boa ordem, em conformidade com o disposto no artigo nº19, artigo n°28, n.º 1 alínea g), artigo 44°, n.º 1 e artigo 52° ambos do CIVA, pelo que efectuamos as seguintes correcções:
3.2. 1 - IVA LIQUIDADO E NÃO ENTREGUE NOS COFRES DO ESTADO
Em conformidade com o exposto e pelas divergências entre os valores de IVA liquidado constantes nas declarações periódicas de IVA e os constantes no extracto de conta 2433, procedemos à correcção de respectivo imposto não entregue nos cofres do Estado, nos seguintes montantes:
(...)
3.2.2. - IVA DEDUZIDO INDEVIDAMENTE
Conforme já referido, o sujeito passivo enviou as respectivas declarações periódicas IVA, relativas aos períodos trimestrais de 1996 e 1997, nas quais consta IVA a favor do sujeito passivo ( vem anexo 4)
Tais deduções de IVA, são consideradas indevidas nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 19° e no artigo 28° ambos do CIVA, por não ter conservado em boa ordem a contabilidade e demais documentos que permitissem um adequado apuramento e fiscalização dessa dedução de IVA.
Assim sendo, efectuamos as correcções relativas ao IVA deduzido indevidamente nos seguintes períodos respectivos:

Períodos IVA Deduzido

96.03T 1.136.844$
96.06T 2.312.576$
96.09T 2.988.052$
96.12T 5.178.068$

Total 1996 11.615.540$

Períodos IVA Deduzido

97.03T 7.970.447$
97.06T 2.509.520$
97.09T 2.941.767$
97.12T 2.897.901$

Total 1997 16.319.639$
(...)

VIII DIREITO À AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo exerceu o direito à audição por escrito, sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção em 26/04/2000, após ter sido notificado em 13/04/2000.
Dando cumprimento ao estipulado nos artigo 60° da LGT e artigo 60° do RCPIT, o sujeito passivo em carta dirigida a estes serviços, enuncia a sua posição sobre os factos tributários referidos nos pontos anteriores, conforme consta da cópia que se junta em anexo 10 ao presente relatório.
Na referida exposição efectuada pelo sujeito passivo, apenas foram apresentados documentos, balancetes e um relatório técnico do computador principal os quais não concorrem para alterar as correcções propostas nos anteriores pontos, pelo que se convertem em definitivas.
(...)
1a D.F. Lisboa, 28 de Abril, de 2000
(... - Insp. Trib.)";

(cfr.cópia de relatório da inspecção junta a fls.15 a 33 do processo administrativo apenso);
4-Com base no apurado em sede inspectiva, a Administração Fiscal procedeu à correcção aritmética do imposto, por não ter sido entregue nos cofres do Estado/indevidamente deduzido IVA de 1996 de 18.305.713$00 (6.690.173$00 + 11.615.540$00) e de 1997 de 18.085.467$00 (1.765.832$00 + 16.319.635$00), tudo conforme relatório da inspecção junta a fls.15 a 33 do processo administrativo apenso;
5-Em 10/07/2000, foram efectuadas as seguintes liquidações de IVA nºs. (cfr. documento junto a fls.98 do processo administrativo apenso):

•00104441, relativa ao exercício de 1996, no montante de € 91.308,51;
•00104446, relativa ao exercício de 1997, no montante de € 90.209,93;

6-Em 10/07/2000, foram efectuadas as seguintes liquidações de Juros Compensatórios nºs.(cfr.documentos juntos a fls.101 e 106 do processo administrativo apenso):

•00104437, relativa ao P.96.03T, no montante de € 3.118,61;
•00104438, relativa ao P.96.06T, no montante de € 6.583,78;
•00104439, relativa ao P.96.09T, no montante de € 16.019,57;
•00104440, relativa ao P.96.12T, no montante de € 16.170,13;
•00104442, relativa ao P.97.03T, no montante de € 15.141,59;
•00104443, relativa ao P.97.06T, no montante de € 4.224,48;
•00104444, relativa ao P.97.09T, no montante de € 4.669,64;
•00104445, relativa ao P.97.12T, no montante de € 4.537,75;

7-Em 27/12/2002, a impugnante procedeu ao pagamento do imposto, ao abrigo do dec.lei 248-A/02, de 14/11 (cfr.documento junto a fls.167 e 168 dos presentes autos);
8-No âmbito da inspecção a que alude o nº.2 do probatório, a subscritora do relatório final, somente "viu" o interior de uma pasta referente à contabilidade da impugnante, a qual continha documentos, facturas e recibos (cfr.depoimento prestado pela Inspectora Tributária ... );
9-Num dos recibos a que alude o nº.8 do probatório, era visível o nome da empresa (cfr.depoimento prestado pela Inspectora Tributária ... );
10-No âmbito da inspecção a que alude o nº.2 do probatório, a subscritora do relatório final não viu todas as pastas referentes à contabilidade da impugnante (cfr.depoimento prestado pela Inspectora Tributária ... );
11-A Inspectora Tributária ... à data da inspecção encontrava-se grávida (cfr.depoimento prestado pela Inspectora Tributária ... );
12-Dão-se como integralmente reproduzidos os 1105 documentos juntos a fls.249 a 559 dos presentes autos;
13-Em 27/12/2000, a impugnante deu entrada na 4ª. Repartição de Finanças de Sintra da petição inicial que originou os presentes autos (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, e no depoimento prestado pela Inspectora Tributária, ... consonante ao que acima ficou exposto…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, mais tendo anulado os actos tributários objecto do presente processo (cfr.nºs.5 e 6 do probatório).
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que os SIT, apesar de terem notificado em 18/01/2000 a impugnante e de terem feito marcação verbal do dia e hora para iniciar a acção de inspecção, e consultar os respectivos documentos contabilísticos, perante a falta de exibição dos mesmos nessa data, tiveram que notificar, na pessoa da TOC, marcando nova data para exibição da contabilidade, livros e demais documentos relacionados com a actividade, o que evidencia uma clara predisposição da AF para consultar os documentos do S.P., de resto em cumprimento do legalmente disposto. Que a acrescer ao referido resulta da conduta da impugnante que em 9/04/2000, o Sr. ... , sócio gerente da empresa e nessa qualidade, assinou um termo de declarações - junto aos autos pela Fazenda Pública em 29/01/2010 - segundo o qual, reconheceu que os documentos comprovativos da actividade não estavam legíveis nem em condições de serem consultados em virtude de se encontrarem arquivados numa local onde houve uma inundação de fossas. Que uma vez que tal documento não foi impugnado até ao requerimento junto pela impugnante em 18/02/2010 (após a inquirição das testemunhas e junção aos autos de cópia desse termo de declarações) mas poderia ter sido na p.i, pois é expressamente referido e citado no relatório, haveria que considerar que se a impugnante "não sabe se a assinatura nele aposta é do sócio nele referido", no fundo é porque apenas quer desacreditar o trabalho da Inspectora Tributária, pois está a referir-se a uma assinatura que é igual àquela que foi aposta na petição pela qual o S.P. veio a exercer a audição prévia sobre o projecto de relatório, também junta aos autos pela Fazenda Publica em 29/01/2010. Que deste modo, deveria concluir-se que as considerações da Inspectora Tributária, relativa aos documentos que suportariam o IVA dedutível, está corroborado pelo testemunho de terceiros, pelo menos em relação à AF, como é o caso de um sócio gerente da sociedade impugnante. Que por sua vez, nenhuma das testemunhas inquiridas, referiu que os documentos não estavam sujos e húmidos. Apenas afirmaram que os mesmos eram consultáveis, não fosse a "má vontade" da Inspectora, que afinal até foi confirmada por um representante legal da ora impugnante, no mesmo momento em que a Inspectora se deparou com as pastas desses documentos. Que não foi pela "observação do interior de uma pasta" que se concluiu sem mais que a contabilidade não estava em boa ordem. Que a impossibilidade de consulta dos documentos, foi constatada pela IT e pelo sócio gerente da sociedade. Que embora a impugnante tenha vindo juntar aos autos, com as suas alegações, os documentos a que alude o nº.12 do probatório, não os juntou nem no exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de relatório, nem numa eventual reclamação graciosa antes da impugnação judicial, nem juntamente com a p.i., momentos em que a AF poderia e deveria reconhecer o direito à dedução de IVA, verificados os seus pressupostos, designadamente o prazo de caducidade. Que também do teor desses documentos, não se poderia concluir, que "uma vez mais, mal andou a AF". Desde logo, porque são documentos que embora fotocopiados, não revelam nenhum sinal de deterioração, o que se impunha porque à data da acção de inspecção, é referido pela própria impugnante que tinham estado arquivados num local onde houve inundação de fossas. Que grande parte dos documentos apresentados não são sequer facturas. São desde bilhetes de transportes, a talões de pagamento de portagens, a documentos de vendas a dinheiro sem qualquer identificação do destinatário, no caso de despesas com combustível, a facturas de restaurantes, também sem qualquer identificação do destinatário, ou seja, não passadas sobre a forma legal, pelo que jamais conferem direito à dedução do IVA neles suportado (cfr.conclusões 7 a 16 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, se bem percebemos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Dissequemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
A alegação do recorrente que aponta para estarem reunidos os pressupostos para a A. Fiscal poder efectuar correcções técnicas à matéria colectável da sociedade recorrida, em sede de I.V.A. e relativamente aos anos de 1996 e 1997, não encontra apoio no probatório, o qual o apelante não pôs em causa, conforme supra vincado, sendo que era forçoso, para o êxito do recurso, que tivesse colocado em crise, nos termos previstos na lei, o julgamento da matéria de facto delineado pela decisão recorrida.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
Defende, igualmente e em síntese, o apelante que a sociedade impugnante não fez prova cabal e suficiente, na acção de inspecção, de que poderia ter exercido o direito à dedução de I.V.A. nos termos em que o fez, nas declarações periódicas, pelo que nada se poderá apontar à correcção preconizada pela A. Fiscal. No que concerne ao I.V.A. liquidado e não entregue, também ao contrário do que se afirma na douta sentença da qual se recorre, a A. Fiscal "indica e relata, onde foi liquidado o imposto, em que documentos foi liquidado e a que sujeitos passivos", no anexo 7 do relatório, a fls.87 e seg. do PAT, e posteriormente no parecer que sanciona a informação elaborada pela DJC desta Direcção de Finanças, e que se assumiu como contestação. Que no 1° trimestre de 1996, em que não ocorre diferenças entre o contabilizado (registos do art.44° do CIVA) e o inscrito na DP, todos os registos têm número de factura. No 2° semestre de 1996 os registos deixam de ter a indicação dos números de factura (com excepção de uma - 728). No 3° trimestre de 1996 os registos deixam de ter a indicação dos números das facturas (com excepção de duas - 735 e 740). No 4° trimestre de 1996 os registos deixam de ter os números de factura (com excepção de três - 624, 664 e 674, as quais têm numeração anterior à emitida e registada nos 2° e 3° trimestres). Em 1997 o descritivo altera-se, não há qualquer referência a facturas e passou a "prestação de serviços". Demonstrado que fica que a impugnante não observou o estipulado no artº.52, do C.I.V.A., e 121, do C.I.R.C., pois não conservou em boa ordem todos os livros, registos e respectivos documentos de suporte, temos que com a presente impugnação judicial, a impugnante não logrou demonstrar de forma inequívoca o que invoca a propósito do origem da situação de disparidade entre os valores dos balancetes e das DP. Que a sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada aplicação das normas vertidas nos artºs.19, 28, nº.1, al.g), 44, nº.1, e 52, todos do C.I.V.A., e 75, nº.3, da L.G.T. (cfr.conclusões 18 a 25 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; artº.72, da L.G.T.).
Atendendo à especificidade do I.V.A., mais se refere que não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10).
"In casu", examinemos, então, se a A. Fiscal fez prova, como defende o recorrente, dos pressupostos para recurso ao método de avaliação directa da matéria colectável da sociedade recorrida (correcções técnicas), na cédula de I.V.A. e relativamente aos anos de 1996 e 1997.
A contabilidade ou a escrita dos contribuintes, quando devidamente organizadas, beneficiam, segundo o artº.75, nº.1, da L.G.T., da presunção de verdade e boa fé quanto aos factos nela registados. Nessa medida, os custos inscritos na contabilidade presumem-se verdadeiros.
A A. Fiscal, no exercício da sua função de controlo pode fazer cessar essa presunção de verdade, demonstrando ou a existência de erros, omissões ou inexactidões na contabilidade ou, com o recurso a outros meios de prova (que não apenas os elementos da contabilidade do contribuinte), pondo em causa a existência e/ou quantificação dos factos tributários que os elementos da contabilidade reflectem.
Na medida em que se arroga o direito à liquidação adicional assente nas correcções propostas à matéria colectável, a Fazenda Pública tem o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a essa liquidação adicional, ou seja, o dever de demonstrar os pressupostos da correcção praticada (cfr.artº74, nº.1, da L.G.T.).
Voltando ao caso dos autos, conforme mencionado na decisão recorrida, pese embora a situação de gravidez da Srª. Inspectora à data em que se desenvolveu a acção inspectiva, nunca seria fundamento para não proceder à análise das pastas apresentadas pela sociedade impugnante, porque, naturalmente, sempre o procedimento inspectivo poderia ser suspenso e continuado por outro elemento da Administração Fiscal.
O que não pode admitir-se é uma situação idêntica à que se mostra retratada nestes autos, isto é, que a partir da observação do interior de uma pasta, (que continha documentos, facturas, recibos), se conclua, sem mais, que a contabilidade do sujeito passivo não obedecia ao disposto nos artºs.19, 28, nº.1, al.g), 44, nº.1, e 52, todos do C.I.V.A.
Dito isto, é de concluir que a Administração Fiscal não cumpriu com o ónus que sobre si recaia, o que equivale por dizer que não logrou provar os pressupostos que, afastando a presunção de veracidade das declarações da sociedade impugnante, lhe permitiram o recurso às correcções técnicas no apuramento da matéria tributável da mesma.
Arrematando, julga-se improcedente o presente fundamento do recurso.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas por delas estar isenta a parte vencida.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 10 de Abril de 2014


(Joaquim Condesso - Relator)


(Pereira Gameiro - 1º. Adjunto)


(Benjamim Barbosa - 2º. Adjunto)