Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2597/10.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:PRESCRIÇÃO
PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
Sumário:
I. A prescrição do procedimento contraordenacional é questão do conhecimento oficioso, que pode ser conhecida em qualquer momento do processo.

II. Se a determinação da sanção a aplicar depende da liquidação do imposto devido, há que atentar no prazo de prescrição previsto no art.º 33.º, n.º 2, do RGIT.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso do despacho decisório proferido a 17.10.2016, no Tribunal Tributário de Lisboa, no qual foi julgado procedente o recurso apresentado por B….. (doravante Recorrido ou B…..), da decisão de aplicação de coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças (SF) de Lisboa …, no processo de contraordenação (PCO) a que foi atribuído, na fase administrativa, o n.º …........73

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

I - O presente recurso visa reagir contra a decisão que declarou que a coima aplicada não se poderia manter face ao legítimo comportamento do arguido, relativamente à dedução do IVA, suportado com a aquisição do imóvel, em operação em que tinha havido renúncia ao IVA.

II – Perante os factos mencionados, em que o arguido deduziu IVA aquando da escritura de compra e venda do prédio urbano sito em Azambuja, inscrito no registo predial sob o art.º provisório n.º …., tendo feito constar na sua declaração periódica de Dezembro de 2005, entregue em Fevereiro de 2006 aquela dedução, apesar de ter requerido a renúncia nos termos do art.º 12.º do CIVA e DL n.º 241/86, de 20/08 e o certificado ter sido emitido em Janeiro de 2006.

III - Ora, a Fazenda não se conforma com a decisão do Tribunal a quo porquanto ao anular a coima aplicada infringiu o art.º 12.º do CIVA e DL n.º 241/86, de 20/08 porquanto a arguida poderia ter renunciado à isenção do IVA mas só quando tivesse na sua posse o certificado de renúncia emitido pela AT, deduzindo, posteriormente, na sua declaração periódica aquele montante e não, como o fez.

IV – No Ac. do TCAN de 18/01/2014, no seu sumário consta que ―I. A possibilidade de renúncia à isenção do IVA nas operações imobiliárias encontra- se consagrada no artigo 13.º, C, da Sexta Directiva (e actualmente no artigo 137.º da Directiva IVA), cabendo aos Estados Membros a determinação e regulamentação das condições do exercício deste direito nas suas legislações internas;

II. O Decreto Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto (entretanto revogado pelo DL n.º 21/2007, de 29/1), regulava, à época, os condicionalismos e formalidades a observar pelos sujeitos passivos que pretendessem renunciar à isenção na locação de bens imóveis nos termos do art. 12.º, n.º 4 do CIVA;

III. Existe uma relação indissociável entre as condições previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 12.º do CIVA para a renúncia à isenção e o procedimento declarativo prévio, e a posterior emissão de certificado, previstos no art. 1.º do Decreto Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, pois apenas após a entrega da declaração é que a AT poderá verificar se estão preenchidos os pressupostos, e verificando-se, então, emitirá o certificado, dentro de um prazo máximo de 30 dias;

IV. A exigência de declaração prévia, junto da AT, enquanto condição de acesso ao regime de renúncia à isenção é compatível com o direito da União, tal como já se pronunciou o TJ no Caso Kirchberg, C269/03, de 9/09/2004, a propósito de uma disposição da lei Luxemburguesa;

V. O cumprimento das obrigações declarativas prescritas na lei para a renúncia à isenção é condição de eficácia do exercício da mesma, sendo que o certificado de renúncia à isenção é um acto constitutivo de direitos em matéria tributária;

VI. O n.º 4 do art. 4.º do Decreto Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, aditado pela Lei n.º 3B/2000, de 4 de Abril, teve em vista permitir a renúncia à isenção em contratos de locação ou transmissão de imóveis em que o mesmo imóvel tivesse sido alvo de locação isenta em anterior contrato, e não o incumprimento por parte dos sujeitos passivos das formalidades legais previstas no diploma para a renúncia a isenção;

VII. O disposto no n.º 6 do art. 12.º do CIVA ao exigir expressamente que o certificado de renúncia seja exibido “aquando da celebração do contrato ou da escritura de transmissão” pressupõe, necessariamente, que o contrato seja celebrado em data posterior ou contemporânea à do certificado, pois só assim, este poderá ser exibido no momento da sua celebração;

VIII. Segundo jurisprudência reiterada do TJ, o exercício do direito a dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos correspondentes a uma operação sujeita ao IVA, ou pagos na medida em que sejam devido (Caso SC Fatorie SRL, C424/12, de 06/02/2014, Caso Genius, C342/87, de 13/12/1989, e Caso Schmeink & Cofreth e Strobel, C454/98, de 19/09/2000).

IX. O IVA pode ser exigido ao emitente da factura que o mencione indevidamente (artigo 2.º, n.º 1,alínea c), do CIVA);

X. A exigência do IVA indevidamente mencionado é sempre legítima, uma vez que este imposto é receita do Estado, não podendo, em quaisquer circunstâncias, ser objecto de apropriação por parte do emitente do documento, mesmo no caso de liquidação indevida.” – vide Ac. do TCAN de 30/10/2014, proferido no proc. n.º 00012/08.6BCPRT

V – Ora, referindo o aresto supra que a emissão do certificado é condição constitutiva dos direitos do arguido para que se operasse a renúncia à isenção e consequentemente houvesse o direito à dedução, então o mesmo só seria válido se já estivesse na sua posse aquele certificado, como o não tinha a dedução é ilegítima equivalendo a mesma a falta de prestação tributária, estando correcto a coima aplicada.

VI – Mas, caso assim se não entenda, o que não se concebe, tal como preconizado na douta sentença do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, houve errónea qualificação dos pressupostos para que a renúncia da isenção fosse operada, violando-se os art.ºs 12.º do CIVA e art.º 1.º, 4.º e 7.º do DL n.º 241/86, de 20/08 bem como do art.º 114.º do RGIT, tal como foi mencionado.

VII - Neste desiderato, improcedem in tottum os argumentos alegados pela arguida”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificados o Recorrido e o Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 411.º, n.º 6, e 413.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de mera ordenação social (RGCO), ex vi art.º 3.º, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributária (RGIT), foi apresentada resposta pelo primeiro, na qual foram formuladas as seguintes conclusões:

“54. O tribunal a quo bem andou ao considerar que a coima aplicada pela AT ao Recorrido não é devida, porque assume que o mesmo deduziu indevidamente IVA em Dezembro de 2005, o que não sucedeu.

55. Não resulta da lei fiscal, nomeadamente do Código do IVA, que a renúncia à isenção na aquisição dependa da obtenção prévia de autorização para a renúncia à isenção na locação posterior.

56. Também doutamente reconheceu o tribunal a quo que, sabendo o Recorrido à data de entrega da declaração periódica de IVA do mês de Dezembro de 2005, isto é, em Fevereiro de 2006, que reunia todas as condições para deduzir o IVA suportado – e efectivamente pago -, pois havia obtido o certificado emitido pela AT para renúncia à isenção do IVA na locação do imóvel, facto também reconhecido como tendo consolidou a renúncia à isenção do IVA suportado na aquisição do mesmo imóvel um mês antes,

57. Não promoveu qualquer dedução antecipada do IVA.

58. Nem ocorreu qualquer falta de entrega de imposto devido, primordialmente porque, mesmo que o Recorrido não o tivesse deduzido, ainda assim teria imposto a receber do Estado.

59. Ou, mesmo que o tivesse efectuado, não seria tal infracção a prevista e punida no tipo previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT.

60. Com efeito, a infracção prevista e punida nos n.º 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT não se encontrava construída pelo legislador, à data dos factos, isto é, 2005, para penalizar uma conduta de alegada indevida dedução do IVA.

61. A persistência da Recorrente na discussão judicial do entendimento do tribunal a quo, que se sabe estar em linha com o propugnado em vários acórdãos do STA acima citados - a não punibilidade de falta de entrega de IVA deduzido nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT - apenas poderá radicar numa tentativa de desperdício do erário público.

62. Ainda que assim não se entenda, considera o Recorrido que a sentença em causa se encontrava transitada em julgado, dado que se encontravam decorridos os prazos mencionados nos termos do artigo 83.º do RGIT, R.G.C.O e Código do Processo Penal, aplicáveis ex vi do artigo 3.º do RGIT, pelo que o recurso da Fazenda Pública não deveria ter sido admitido.

63. Por tudo o que se deixou dito, conclui-se que a decisão recorrida não merece qualquer reparo e que, por isso, deverá ser mantida”.

O IMMP neste TCAS pronunciou-se, no sentido da improcedência do recurso.

Na sequência de despacho de 26.02.2019, foram notificadas as partes e o IMMP para se pronunciarem sobre a eventual prescrição do procedimento contraordenacional.

A Recorrida e IMMP pronunciaram-se, pugnando pela verificação da referida prescrição.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) O procedimento contraordenacional está prescrito?
b) Verifica-se erro de julgamento, dado estar-se perante falta de prestação tributária e ter havido errónea qualificação dos pressupostos inerentes à renúncia à isenção?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. O Arguído B….., enquadrado no regime de Imposto sobre o Valor Acrescentado de periodicidade normal mensal, pela sua atividade de arrendamento de imóveis [CAE 068200], para desenvolver a sua atividade adquiriu em 30 de dezembro de 2005, a um fundo de pensões, pelo preço de €26.445.422, um prédio urbano composto por 16 divisões, destinadas a armazém e atividade industrial, situado no ….., ou ….., na freguesia de Vila Nova da Rainha, no concelho da Azambuja, descrito na Conservatória respetiva pela ficha ….., à data provisoriamente inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o art.…..º.

2. Na declaração periódica para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, relativa a dezembro de 2005, de 9 de fevereiro de 2006, o Arguído fez inscrever no campo 20, um valor de €5.553.538,82, correspondente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado suportado na aquisição do imóvel, pois que aquela transmissão havia já sido realizada sob renúncia à isenção de tal tributação, atenta a natureza dos intervenientes e a destinação do imóvel sucessivamente pretendida.

3. Quanto aos arrendamentos pré-existentes à aquisição, três, já o anterior dono e senhorio renunciara à isenção, pelo que o Arguído fez igualmente em 30 de dezembro de 2005 um pedido de renúncia à isenção, tendo-lhe sido emitidas as correspondentes três autorizações no dia 10 de janeiro de 2006.

4. No âmbito de uma ação inspetiva desenvolvida pela Administração Tributária, versando sobre Imposto sobre o Valor Acrescentado, que decorreu em 2009 [ordens de serviço nºOI200901354 e OI 200901360, de 13 de março de 2009], determinada por ter o Arguído formulado pedidos de reembolso de Imposto suportado, sob o seguinte enquadramento temporal:
· dezembro de 2005, pedido de reembolso global de €7.887.575,42 [incluindo os €5.553.538,82 referidos no ponto 2.];
· janeiro de 2006, pedido de reembolso global de €4.526.381,42;
e
· maio de 2006, pedido de reembolso global de €6.330.418,91, no respetivo relatório, de 14 de outubro de 2009, considerou-se que tendo o Imposto sobre o Valor Acrescentado em causa sido suportado e deduzido em dezembro de 2005, a sua dedução era indevida por se reportar a atividade em princípio isenta e a período anterior ao pedido de renúncia e à emissão dos certificados de isenção referidos.

5. Foi nesse contexto que as propostas de correção na sua globalidade intenderam a que fosse expurgado certo pedido de reembolso, por erro feito, e a um reajuste dos reembolsos de Imposto pedidos e que eram efetivamente devidos, os quais vieram a cifrar-se em €655.723,12.

6. Foram ainda elaboradas em 28 de novembro de 2009 liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado, a respeitante aos factos descritos no ponto 2. com o nº09197282, com prazo de pagamento com termo a 31 de janeiro de 2010, a qual foi «regularizada».

7. O Arguído sabia só poder deduzir Imposto sobre o Valor Acrescentado relativamente a operações sujeitas, ou em que, no domínio da aquisição e exploração dos seus prédios, tivesse renunciado à isenção e obtido a respetiva autorização”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se no despacho decisório recorrido:

“[R]esultaram não provados (…):

1. Relativamente ao período de dezembro de 2005 o Arguído haja deixado de entregar oportunamente ao Fisco o Imposto sobre o Valor Acrescentado que liquidou, segundo era seu dever legal, nas operações em que, nesse mês, interveio.

2. Que a liquidação referida no ponto 6. da matéria de facto provada haja sido impugnada ou, por qualquer motivo, revogada ou anulada”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal assentou a convicção sobre os factos provados na análise do teor do relatório inspetivo, junto pelo Arguído, constante de fls.35-95, tendo ainda presente os seus anexos que se reportam à aquisição em causa e ao deferimento da renúncia à isenção, em conjugação ainda com as liquidações elaboradas na sequência da ação inspetiva, constantes do extrato do registo informático de fls.18. O Tribunal teve ainda presente que os factos são consensuais, divergindo contudo o sentido e significado justributário, de natureza sancionatória, que deles é retirado.

Assim, na fixação da matéria de facto o Tribunal atendeu à prova sob o que se dispõe, acerca do seu âmbito e conteúdo, valoração e conjugação, nos arts.124ºnº1, 127º e 164º, todos do Código de Processo Penal, fazendo ainda apelo ao especificamente estatuído no art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, acerca do valor probatório daqueles documentos.

Os factos não provados resultam da absoluta falta de prova sobre eles”.

II.D. Atento o disposto no art.º 431.º, al. a), do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, reformula-se integralmente a matéria de facto provada e não provada, uma vez que a mesma se sustenta nos elementos relativos ao PCO ……….61 [cujo recurso já foi objeto de apreciação no âmbito dos autos n.º 2596/10.0BELRS, por decisão de 21.01.2014, transitada em julgado], quando nos presentes autos está em causa o PCO ……….70, como resulta da petição de recurso da decisão de aplicação de coima.

II.D.1. Assim, a redação dos pontos 1. a 7., dos factos provados, que passará a ser a seguinte:

1. B….., enquadrado no regime de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) de periodicidade normal mensal, pela sua atividade de arrendamento de imóveis [CAE 068200], para desenvolver a sua atividade, adquiriu em 31.01.2006, a um fundo de pensões, pelo preço de 18.431.706,20 Eur., acrescido de IVA no valor de 3.870.658,30 Eur., um prédio rústico, situado na …..Quinta ….., na freguesia da Quinta do Anjo, no concelho de Palmela, descrito na Conservatória respetiva sob o n.º ….. e inscrito na matriz cadastral sob parte do art.º ….. da secção C a C4 (cfr. fls. 110 e 145 a 148, dos autos – numeração em suporte de papel, a que correspondem futuras referências sem menção de origem).

2. Na declaração periódica de IVA, relativa a janeiro de 2006, apresentada a 10.03.2006, B….. declarou, no campo 20, o valor de 4.710.658,30 Eur., que incluía 3.870.658,30 Eur., atinente ao IVA mencionado em 1. (cfr. fls. 110 a 115 e 128).

3. Pelo menos até 31.01.2006, o imóvel mencionado em 1. não se encontrava a ser utilizado na realização de operações tributadas de B….. (cfr. fls. 149 e 149 verso).

4. B….. foi objeto de ação inspetiva, em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI200901354 e OI 200901360, pela Direção de Finanças (DF) de Lisboa, na sequência de pedidos de reembolso de IVA efetuados, atinentes aos meses de dezembro de 2005, janeiro de 2006 e maio de 2006, da qual resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 14.10.2009, no qual consta designadamente o seguinte:

“…


“(texto integral no original; imagem)”

(cfr. fls. 122 a 129).

5. Na sequência do referido em 4), relativamente ao período janeiro de 2006, B….. foi reembolsado de IVA no valor de 655.723,12 Eur. (acordo).

6. Foi emitida, a 28.11.2009, a liquidação adicional de IVA n.º ……….84, relativa ao mês de janeiro de 2006, no valor de 3.870.658,30 Eur., com prazo de pagamento com termo a 31.01.2010, a qual foi paga a 30.11.2009 (cfr. fls. 18 dos autos e fls. 17 e 152 do processo n.º 2596/10.0BELRS, que contém os elementos do PCO ……….70).

7. B….. apresentou, junto dos serviços da administração tributária (AT), requerimento, datado de 20.02.2008, do qual consta, designadamente, o seguinte:

“…

  …” (cfr. fls. 149 e 149 verso).

II.D.2. Por seu turno, a redação dos pontos 1. e 2., dos factos não provados, passará a ser a seguinte:

Resulta não provado que:

1. Relativamente ao período de janeiro de 2006, B….. haja deixado de entregar oportunamente à AT IVA a favor do Estado.

2. A liquidação referida no ponto 6. da matéria de facto provada tenha sido impugnada, revogada ou anulada.

II.E. Atento o disposto no art.º 431.º, al. a), do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, é aditada a seguinte matéria de facto provada:

8. Na sequência do referido em 1) e 2), foi levantado auto de notícia contra B….., indicando-se como factos apurados no PCO a dedução indevida de imposto (IVA) – falta de entrega de prestação tributária –, relativa ao período de tributação 200601, sendo data da infração 10.03.2006 (cfr. fls. 4 e 5 do processo n.º 2596/10.0BELRS, que contém os elementos do PCO ……….70).

9. Na sequência do auto de notícia referido em 8., foi autuado, a 15.10.2009, no SF de Lisboa …, o PCO n.º ………..70 (cfr. fls. 3 do processo n.º 2596/10.0BELRS, que contém os elementos do PCO ……….70).

10. No âmbito do PCO mencionado em 9., foi proferido despacho, a 09.11.2009, determinando a suspensão do processo para efeitos de liquidação do imposto (cfr. fls. 13 do processo n.º 2596/10.0BELRS, que contém os elementos do PCO ……….70).

11. No âmbito do PCO mencionado em 9., foi remetido a B….., ofício, datado de 12.07.2010, designado de “notificação de defesa / pagamento c/ redução artº 70 RGIT”, em cujo aviso de receção foi aposta, no campo destinado a preenchimento pelo destinatário, a data 15.07.2010 (cfr. fls. 18 a 20 do processo n.º 2596/10.0BELRS, que contém os elementos do PCO ……….70).

12. Na sequência do referido em 11., B….. apresentou defesa, que deu entrada, no SF de Lisboa …, a 27.07.2010 (cfr. fls. 21 a 29 do processo n.º 2596/10.0BELRS, que contém os elementos do PCO ……….70).

13. No âmbito do PCO mencionado em 9., foi proferida decisão, datada de 29.09.2010, com o seguinte teor:

“…


“(texto integral no original; imagem)”

(…)

(…)

…” (cfr. fls. 110 a 112).

14. No âmbito do PCO referido em 9., foi remetido ofício, via correio postal registado com aviso de receção, dirigido a B….., contendo a decisão mencionada em 13., tendo sido aposta, no campo do aviso de receção para preenchimento pelo destinatário, a data 04.10.2010 (cfr. fls. 97 e 98 do processo n.º 2596/10.0BELRS, que contém os elementos do PCO ……….70).

15. Foi apresentado por B….., junto do SF de Lisboa …, recurso da decisão referida em 13., que ali deu entrada a 25.10.2010 (cfr. fls. 102 a 152).

16. Na sequência da remessa do recurso referido em 15. ao Tribunal Tributário de Lisboa, foram autuados os presentes autos (cfr. plataforma SITAF).

17. Foi proferido, a 09.03.2011, despacho, nos presentes autos, com o seguinte teor:

“Notifique o Recorrente e o EMMP de que, caso não se oponham, o processo será decidido por despacho, nos termos do disposto no art. 64º, nº 2 do DL 433/82, de 27.10…” (cfr. fls. 171).

18. Através de ofício dirigido à ora Recorrida, datado de 10.03.2011, foi remetido o despacho mencionado em 17) (cfr. fls. 172).

19. Foi dado conhecimento presencialmente, ao IMMP, a 11.03.2011, do despacho referido em 17. (cfr. fls. 173).

20. O despacho decisório proferido nos presentes autos a 17.10.2016 foi comunicado à FP, via correio postal registado, a 27.01.2017 (cfr. fls.).

21. O presente recurso foi remetido, via site, a 20.02.2017 (cfr. plataforma SITAF – documento com o número de registo, neste TCAS, …..)

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da admissibilidade do presente recurso

Cumpre, antes de mais, atentando na conclusão formulada pelo ora Recorrido nas suas contra-alegações, sob o n.º 62, aferir da tempestividade do presente recurso.

Nos termos do art.º 83.º do RGIT:

“1 - O arguido, o representante da Fazenda Pública e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, exceto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.

(…) 3 - O recurso é interposto no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho, da audiência do julgamento ou, caso o arguido não tenha comparecido, da notificação da sentença”.

In casu, como resulta provado, a ora Recorrente foi notificada da decisão recorrida através de carta registada remetida a 27.01.2017, considerando-se notificada a 30.01.2017.

Contados os 20 dias previstos no n.º 3 do art.º 83.º do RGIT a partir dessa data, os mesmos terminaram a 19.02.2017. No entanto, uma vez que tal data foi um domingo, o termo do prazo transitou para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 20.02.2017.

Considerando o exposto e o facto 21. do probatório, decorre, pois, que o recurso foi tempestivamente apresentado.

Como tal, improcede o alegado pelo Recorrido a este respeito.

III.B. Da prescrição do procedimento contraordenacional

Cumpre, antes de mais, aferir da prescrição do procedimento contraordenacional.

A prescrição do procedimento contraordenacional é questão do conhecimento oficioso, que pode ser conhecida em qualquer momento do processo, sendo que, “em sede de recurso jurisdicional da decisão proferida em processo de contra-ordenação o tribunal de recurso não fica limitado pela alegação do recorrente, antes tendo amplos poderes de cognição”[1].

À data dos factos, estava plenamente em vigor o RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.

De acordo com o art.º 33.º deste diploma:

“1. O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.

2. O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.

3. O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso do pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”.

Está, pois, previsto, como regra, o prazo de cinco anos de prescrição, sendo possível que o mesmo seja mais reduzido, quando o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária seja inferior e quando a infração depender daquela liquidação.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos [2], “[a] infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência de contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos art.s (…) 114.º (…), do RGIT” (sublinhado nosso).

In casu, a determinação da sanção aplicável dependeu, efetivamente, do valor da liquidação, dado que o valor da alegada prestação em falta é referência necessária à fixação da moldura contraordenacional (cfr. art.º 114.º, n.º 2, do RGIT, na redação à época em vigor)[3].

Aliás, sublinhe-se que o PCO foi inclusivamente suspenso, ao abrigo do art.º 55.º do RGIT, justamente pela necessidade da liquidação de imposto (cfr. facto 10).

Como tal, há que considerar o prazo de 4 anos, previsto no art.º 45.º, n.º 1, da LGT, prazo este aplicável, para efeitos de caducidade das liquidações de IVA, contado a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (cfr. n.º 4 do art.º 45.º da LGT)[4].

Refira-se que, tratando-se de infração omissiva, o dies a quo seria, em princípio, determinado atendendo à data em que o facto devesse ter sido praticado. No entanto, aplicando-se o prazo previsto no n.º 2 do art.º 33.º do RGIT, o dies a quo determina-se como se determina para efeitos de caducidade do direito à liquidação (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.04.2010 - Processo: 0777/09: “… sendo aplicável o prazo previsto no n.º 1 do artigo 33.º, o procedimento extingue-se logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. O que significa que o prazo prescricional é contado desde o dia em que a infracção foi praticada, o que, aliás, se encontra em consonância com a regra do artigo 119.º do Código Penal. Já se for aplicável o prazo especial previsto no n.º 2, o procedimento extingue-se logo que volvido o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, e não quando decorrido determinado prazo sobre a prática da infracção. E, nessa medida, importa estar atento ao dia em que ocorre a caducidade do direito à liquidação para determinar a data em ocorre a prescrição do procedimento por contra-ordenação”).

Feito este introito, há, pois, que aferir se o procedimento contraordenacional está prescrito.

Atendendo ao disposto no art.º 119.º do Código Penal, aplicável ex vi art.º 32.º do RGCO, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Nos termos já referidos, o termo inicial de contagem situa-se a 1 de janeiro de 2007, ou seja, no início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto. Logo, na ausência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva, o prazo de prescrição ter-se-ia completado 4 anos depois.

Cumpre, pois, aferir se ocorreram causas de interrupção ou suspensão.

São causas de interrupção da prescrição, nos termos n.º 3, do art.º 33.º, do RGIT, as previstas na lei geral, ou seja, no art.º 28.º do RGCO, nos termos do qual:

“A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima”.

Assim, face à factualidade assente, resulta que, antes de decorridos os quatros anos do prazo de prescrição, ocorreram diversas causas de interrupção, a saber: a notificação do despacho de suspensão e a notificação da decisão [al. a) do art.º 28.º do RGCO], a notificação da ora recorrida para o exercício do direito de defesa e esse mesmo exercício [al. c) da mesma disposição legal] e a prolação da decisão da autoridade administrativa [al. d)].

Havendo várias causas de interrupção, há que atender à última ocorrida, que tem como efeito a desconsideração do período de tempo já decorrido (art.º 121.º, n.º 2, do Código Penal, ex vi art.º 32.º do RGCO).

A 29.09.2010 foi proferida a referida decisão de aplicação de coima (cfr. facto 13), notificada a 04.10.2010 (cfr. facto 14), sendo este o facto interruptivo mais recente. Assim, nessa data reinicia-se o decurso do prazo de 4 anos referido supra.

Logo, a não ocorrer qualquer causa de suspensão, tal prazo terminaria a 04.10.2014.

Quanto às causas de suspensão, atendendo ao já mencionado n.º 3 do art.º 33.º, do RGIT, as mesmas consubstanciam-se em:

¾ As previstas no regime geral – art.º 27.º-A, n.º 1, do RGCO, ou seja:

ñ “a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

ñ b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.°;

ñ c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso”.

¾ As previstas no n.º 2 do art.º 42.º, no art.º 47.º e no art.º 74.º, todos do RGIT, e o caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação.

Ora, os autos evidenciam apenas uma causa de suspensão do procedimento contraordenacional ulterior à interrupção da prescrição: a decorrente do disposto na al. c) do art.º 27.º-A, n.º 1, do RGCO, relativa aos presentes autos, que tem como limite máximo 6 meses (art.º 27.º-A, n.º 2, do RGCO), que decorreram, dada a data da notificação referida em 18. do probatório (14.03.2011, ou seja, primeiro dia útil seguinte ao terceiro dia a contar do envio) e a presente data.

Havendo uma causa de suspensão, com a duração de seis meses, o procedimento contraordenacional, sob esta perspetiva, já estaria prescrito.

Com efeito, atendendo aos já mencionados seis meses de suspensão, o referido prazo de prescrição terminaria a 04.04.2015.

No entanto, é ainda de atender ao disposto no art.º 28.º, n.º 3, do RGCO.

Com efeito, independentemente da ocorrência de eventuais causas de interrupção da prescrição, nos termos do art.º 28.º, n.º 3, do RGCO (em termos similares, veja-se o 121.º, n.º 3, do Código Penal, ex vi 32.º, do RGCO):

“A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade” (sublinhado nosso).

Cumpre, assim, aferir se, por esta via, a prescrição do procedimento ocorreu e em que data.

No caso dos autos, não considerando qualquer causa de suspensão, o procedimento contraordenacional, os quatro anos acrescidos de metade ocorreriam a 01.01.2013, dado que, como referido, o dies a quo foi 01.01.2007.

Há, pois, que atentar nas causas de suspensão do procedimento contraordenacional, a que já nos referimos supra, sendo que, in casu, uma vez que há que considerar todo o procedimento em conjunto, cumpre ter em conta o despacho mencionado em 10. do probatório.

Com efeito, nos termos do art.º 55.º do RGIT:

“1 - Sempre que uma contraordenação tributária implique a existência de facto pelo qual seja devido tributo ainda não liquidado, o processo de contraordenação será suspenso depois de instaurado ou finda a instrução, quando necessária, e até que ocorra uma das seguintes circunstâncias:

a) Ser o tributo pago no prazo previsto na lei ou no prazo fixado administrativamente;

b) Haver decorrido o referido prazo sem que o tributo tenha sido pago nem reclamada ou impugnada a liquidação;

c) Verificar-se o trânsito em julgado da decisão proferida em processo de impugnação ou o fim do processo de reclamação”.

Assim, face ao constante em 10. dos factos provados, e interpretando este art.º 55.º do RGIT em consonância com o art.º 27.º-A, n.º 1, al. a), do RGCO, o prazo de prescrição suspendeu­‑se a 09.11.2009, tendo tal suspensão sido mantida até ao momento do pagamento do tributo [cfr. art.º 55.º, n.º 1, al. a), do RGIT], ou seja, até 30.11.2009 (cfr. facto 6.) – 21 dias.

Logo, os autos evidenciam, neste contexto, duas causas de suspensão:
a) Uma, de 21 dias [art.º 55.º, n.º 1, al. a), do RGIT, lido em consonância com art.º 27.º-A, n.º 1, al. a), do RGCO];
b) Outra, já mencionada anteriormente, de seis meses [art.º 27.º-A, n.º 1, al. c), e n.º 2, do RGCO].

Acrescendo este tempo de suspensão ao prazo, que, relembramos, terminaria a 01.01.2013, desconsiderando causas de interrupção, nesta perspetiva o prazo de prescrição ocorreria seis meses e 21 dias mais tarde, ou seja, a 22.07.2013.

Sendo esta data anterior à calculada exclusivamente atendendo ao disposto no art.º 33.º do RGIT, deve ser esta a considerada para efeitos de prescrição do procedimento contraordenacional.

Como tal, verifica-se a prescrição do procedimento contraordenacional, que implica a sua extinção e subsequente arquivamento (cfr. art.º 77.º, n.º 1, do RGIT).

Resulta, por esta via, prejudicada a apreciação do erro de julgamento suscitado pela Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Julgar extinto o processo de contraordenação n.º ……….70, por prescrição, e, em consequência, determinar o oportuno arquivamento dos autos;

b) Não se conhecer, por prejudicado, o objeto do recurso interposto pela Fazenda Pública;
c) Sem custas;
d) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de janeiro de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Vital Lopes)


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[1] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.12.2016 (Processo: 01270/15).
[2] Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, p. 323.
[3] V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30.04.2019 (Processo: 0679/11.8BEALM 01186/17) e de 12.12.2018 (Processo: 0367/14.3BELRA 0291/18).
[4] Cfr. redação dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, e sua aplicação aos prazos em curso – v. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.03.2011 – Processo: 01076/09; v. ainda Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, ob. cit., pp. 325 e 326.