Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05637/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
CONTEÚDO E ALCANCE DO DEVER DE CONHECIMENTO DA MATÉRIA DE FACTO PELO TRIBUNAL.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
MÉTODO SUBTRACTIVO INDIRECTO.
ARTº.20, DO C.I.V.A.
OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
Sumário:1. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr. artº.655, do C.P.Civil).

2. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

3. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.

4. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.

5. A determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante

6. No artº.20, do C.I.V.A., consagram-se limitações ao direito à dedução, ao determinar-se que apenas pode ser deduzido o I.V.A. que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização dos seus fins próprios (v.g.objecto social). Se relativamente a certos bens ou serviços a empresa age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto. Por outras palavras, com este normativo pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se os mesmos foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante. Nos termos da al.a), do nº.1, dá direito a dedução o I.V.A. suportado a montante que se concretize na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis, isto é, os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto.

7. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.164 a 171 do processo, através da qual julgou totalmente procedente impugnação pela recorrida intentada, “Camping…………, L.da.”, visando actos de liquidação de I.V.A. e juros compensatórios, relativos ao ano de 2000 e no montante total de € 9.017,85.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.192 a 200 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Vieram parcialmente impugnadas as correcções aritméticas efectuadas pelos SIT no âmbito de acção inspectiva externa realizada junto da sociedade impugnante, a coberto da Ordem de Serviço nº.50348, sendo postos em causa os valores de € 2.747,59 e de € 2.124,28;
2-Quanto à correcção de € 2.747,59, a impugnante, aceitando ter deduzido indevidamente a totalidade do I.V.A. suportado na reconstrução do imóvel, veio discutir a percentagem aplicada e o montante da correcção apurado, sustentando que os cálculos assentaram em pressupostos errados relacionados com a parte, dentro da área total do imóvel, destinada à utilização exclusiva de um dos sócios e, portanto, excluída do direito à dedução;
3-A sentença sob recurso entendeu dar razão à alegação produzida, no sentido de que a área destinada à habitação do sócio em causa era somente de 80 m2, referente a um apartamento tipo T2;
4-Contudo, para assim concluir, não foi considerado documento junto pela Fazenda Pública e foi desconsiderado o facto de ter existido um projecto de alteração da planta original;
5-Sendo que este documento não foi impugnado e que tal facto não foi levado ao probatório;
6-Porém, foi com base neste documento e assente neste facto que os SIT apuraram que a área total coberta do 2º. piso era de 192 m2, dos quais, após conclusão das obras, apenas 80 m2, referentes a dois apartamentos tipo T0, foram destinados à actividade desenvolvida pela sociedade impugnante, bem como a garagem de 52 m2 existente no rés-do-chão do imóvel;
7-Tudo factos que permitem concluir, como em sede do relatório inspectivo, que a área destinada ao uso exclusivo do sócio, tal como se refere no relatório inspectivo, é de 164 m2 = (192 m2- 80 m2) + 52 m2;
8-Donde que, não resultando provado o alegado erro nos pressupostos de facto em que assentou o critério utilizado pela A.T., se deva manter a correcção efectuada e a subjacente liquidação de imposto, nos termos do artº.20, al.a), do C.I.V.A., por via do afastamento do direito à dedução do imposto suportado sempre que incidente sobre bens ou serviços adquiridos ou utilizados pelo sujeito passivo na realização de operações que não se inserem dentro da sua actividade, ou seja, do seu objecto social, isto é, no caso vertente, a actividade turística;
9-Ao ser decidido doutro modo, verifica-se erro de julgamento consubstanciado na deficiente avaliação da prova produzida e também desacertada interpretação e aplicação dos normativos aplicáveis, designadamente do artº.20, al.a), do C.I.V.A., pelo que não deve manter-se a douta sentença sob recurso;
10-No que concerne à correcção de € 2.124,28, a impugnante pugnava pela sua ilegalidade, nomeadamente, por via do facto de no ano de 2000 não ter prestado serviços no montante de € 42.485,61;
11-A sentença sob recurso entendeu que a referida correcção não devia manter-se;
12-Todavia, não admitiu, nem valorizou, factos relevantes, nomeadamente, que o parque de campismo tinha captação de água, pelo que os reduzidos consumos de água aqui encontravam a sua justificação e a ligação da água apenas em Julho não tinham a relevância que lhe foi atribuída;
13-Quanto ao pagamento efectuado, em 2000/11/10, ao construtor do imóvel, no montante de € 42.485,61, os SIT apuraram que este havia sido realizado através de disponibilidades de caixa;
14-Sendo que, da análise contabilística efectuada havia sido apurado que até à data da conclusão das obras (em finais de Maio de 2000) todos os pagamentos haviam sido efectuados através de entradas dos sócios, enquanto os pagamentos posteriores àquela data haviam sido efectuados através das referidas disponibilidades de caixa;
15-Ora, perante esta factualidade, o valor em causa só podia ter resultado da actividade desenvolvida pela impugnante, pois que até à conclusão das obras socorreu-se de empréstimos dos sócios, mas após tal data, toda a contabilidade evidencia que os seus pagamentos foram efectuados mediante os meios financeiros na sua disponibilidade, os quais apenas podiam advir do exercício da atinente actividade;
16-Em sua defesa a impugnante alegou que o movimento contabilístico vertente foi efectuado para obviar ao facto de a quantia em causa ter sido já anteriormente paga a título de adiantamentos, tendo sido apenas naquela data que foi emitida a respectiva factura;
17-Contudo, nem os sócios da impugnante declararam, em sede de l.R.S., naquele período, rendimentos compatíveis com o valor de empréstimos alegadamente efectuados, nem, neste cenário de pagamentos faseados ou em prestações, a impugnante veio trazer aos autos a relação dos montantes pagos, respectivas datas e atinentes meios de pagamento associados, prova que, de facto, não logra e ausência que impede a sustentação da alegação produzida;
18-Mas a douta sentença sob recurso aceitou a tese da impugnante e a sua inércia probatória, baseando-se por sua vez em meras hipóteses ("... os sócios deveriam ter algum fundo de maneio... os rendimentos dos sócios podiam estar isentos de declaração..."), pois que tais factos não estão demonstrados nos autos, nem figuram no probatório;
19-Verifica-se erro de julgamento consubstanciado na deficiente avaliação e valorização da prova produzida e também desacertada interpretação e aplicação dos normativos aplicáveis, designadamente, do artº.26, do C.I.V.A., pelo que a sentença sob recurso não deve manter-se;
20-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre JUSTIÇA.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso, consequente revogação da decisão recorrida e manutenção dos actos tributários impugnados (cfr.fls.215 a 217 dos autos):
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.219 e 220 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.166 a 169 dos autos):
1-A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva tributária que incidiu sobre I.V.A. e I.R.C. do exercício de 2000, no âmbito da qual foi elaborado o relatório de fls.76 a 84 dos presentes autos, que se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
“(...)
II.2, Motivo, âmbito e incidência temporal
A visita foi efectuada por proposta de fiscalização externa em consequência dum pedido de reembolso de IVA. Esta teve início em 14 de Janeiro de 2004 e a análise aos documentos incidiu em termos de IRC e IVA no período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2000.
O seu terminus verificou-se em 15 de Março de 2004.
II.3. Outras situações
A empresa iniciou a sua actividade em 1998/11/20, com o capital social de € 4.987,98, repartido pelos dois sócios antes identificados. O objecto da sociedade tem como finalidade a exploração dum parque de campismo na localidade de Coimbrão. Depois de constituída a sociedade e em terreno pertencente a um dos sócios, onde já se encontrava um edifício, que através de proposta de alterações emitida à Câmara de Leiria, foram iniciadas as obras de remodelação. O edifício composto por dois pisos que depois de efectuadas as alterações, a área do primeiro piso é de 254 m2 e a do segundo de 192 m2. No primeiro piso foi instalado todo o sistema de apoio aos campistas (balneários, recepção, sala de convívio, cozinha, biblioteca e administração) e ainda uma garagem não afecta á actividade. No segundo piso três apartamentos, um com a área de 112 m2, a ser utilizado por um dos sócios, os outros com a área total de 80 m2, destinados a alugar. Nas imediações do edifício, foi construída uma piscina.
Na parte destinada ao caravanismo, foram efectuadas infra estruturas destinadas ao abastecimento de água, luz, assim como a ligação ao saneamento básico. Tendo em atenção a data em que alguns dos materiais foram adquiridos (portas, janelas e tintas) as construções ficaram concluídas no final do primeiro semestre de 2000. Durante o mês de Junho foi efectuada a ligação da energia eléctrica, a ligação da água e saneamento. A partir desta data, o parque abriu, destinando-se a alugar espaços para a instalação exclusiva de caravanas, ou para a utilização de apartamentos.
II.3.1 Depósitos à Ordem
A empresa efectuou todas as transações no B………., através da conta nº. ………….., na dependência sita em Monte Real.
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Depois de efectuada a recolha de elementos internamente relacionados com a empresa e respectivos sócios, procedeu-se à analise externa dos documentos e respectivos registos contabilísticos, dos quais se veio a constatar que:
III.l Sócios
Não consta dos registos informáticos existentes nesta DDF que os sócios tenham entregue qualquer declaração relativamente a rendimentos auferidos sujeitos a IRS, no entanto, depois de analisados os registos efectuados na contabilidade, apurou-se existirem empréstimos destes no valor de € 158.032,94. Solicitados esclarecimentos sobre a origem dos empréstimos, informaram que quanto ao sócio José ……………., é administrador duma empresa de serração de madeiras, pertencente a um seu familiar o que lhe permite disponibilizar valores a esta empresa. Quanto ao outro sócio, senhor Waldemar ……………., de nacionalidade alemã, de onde diz receber uma pensão.
Da análise aos registos efectuados em cada uma das contas dos sócios relativamente a empréstimos, constatou-se que durante o exercício objecto de análise foi-lhes atribuído um vencimento mensal, cujo valor líquido de € 286,41 ficou na empresa a título de empréstimo e para além destes valores ainda foram efectuados outros empréstimos, conforme se pode constatar em cada um dos quadros seguintes:
(…)
Uma vez que por norma todos os depósitos eram considerados em 50% para cada um dos sócios, foi notificada a empresa para que no prazo de dez dias, nos fossem remetidas as fotocópias dos cheques depositados. Decorrido o prazo, o sujeito passivo procedeu ao seu envio e da análise efectuada, verificou-se que os cheques foram emitidos pelos seguintes proprietários das contas em cada uma das dependências bancárias e parte destes depósitos, independentemente do sócio que efectuava a entrega era considerada a entrega em 50% de cada sócio:
(…)
III.2 Consumo de energia
O consumo de energia eléctrica para a construção do edifício e respectivas infra-estruturas foi através duma ligação provisória. A partir de Junho, data em que dizem ter aberto ao público, informaram terem pedido aumento de potência e efectuada a ligação definitiva. Depois de analisadas as respectivas facturas, verificou-se que aquando da requisição, a potência instalada foi de 13,8 KVA e que dizem ter sido apenas para efectuar regas no espaço destinado ao campismo e na data antes referida, apenas passou de instalação provisória a definitiva, sem qualquer aumento de potência. Quanto aos consumos, segundo a facturação, a partir de do dia 3 de Agosto não consumiram mais energia, o que parece não corresponder à realidade dado que foi pelo menos a partir desta data que a empresa declarou prestações de serviços e a utilização do parque e respectivas instalações, originaram consumos de energia.
III.3 Consumo de água
A data exacta em que foi efectuada a ligação da água, não foi possível, no entanto a única factura contabilizada diz respeito ao período de 2000/09/22 a 2000/11/23 e um consumo de 7 m3. No entanto de referir que no local tem captação de água, daí se justificar o consumo reduzido.
III.4 Prestação de serviços
Do trabalho efectuado a nível interno, constatou-se que relativamente ao envio das declarações periódicas de lVA, as enviadas até ao 4° trimestre de 2000, indicam que a empresa se encontrava numa fase de investimento inicial, no entanto durante o 3° trimestre já consta da declaração a prestação de serviços, no valor de € 1.214,59 o que significa que pelo menos a partir desta data já se encontravam abertos ao público. Constatou-se ainda que embora seja a exploração dum parque de campismo, nas declarações enviadas durante os exercícios de 2001, 2002 e 2003, pelo volume de negócios declarado, a utilização do parque ocorre durante todo o ano, com utilização regular nos 1°, 2° e 4° trimestres e um aumento significativo no 3. ° trimestre. A título de exemplo, no exercício de 2002, os valores declarados foram os seguintes:
(...)
Depois de iniciada a análise externa aos documentos e respectivos registos contabilísticos, apurou-se que o investimento ficou concluído durante o segundo trimestre de 2000, embora conste das declarações que a construção se prolongou por mais tempo, esta situação deve-se exclusivamente ao facto, daqueles documentos terem sido emitidos em data posterior. Uma vez que as obras ficaram concluídas no final de Maio, de seguida o espaço foi aberto ao público e os seus utilizadores são na sua esmagadora maioria de outros países que de acordo com as diferenças climáticas fazem turismo em Portugal fora do período mais quente.
III.5 IVA deduzido
O imposto suportado na reconstrução do imóvel foi deduzido na totalidade, no entanto parte do espaço destinou-se a residência dum dos sócios, pelo que nos termos da alínea a) do artigo 20° do CIVA e do ofício número 33/30 de 02 de Abril de 1993, processo D051 93031, relativamente ao direito à dedução do imposto suportado nas obras de bens imóveis destinados a turismo de habitação em que se esclarece que o imposto suportado no custo da obra, só pode ser deduzido na proporção de cada uma das partes afectas à actividade turística e à habitação.
Nestes termos a área total da construção é de 446 m2 e a parte destinada à habitação é de 164 m2, pelo que de acordo com o referido no ponto 6 do ofício antes referido, a parte dedutível é determinada pela fracção que comporta no numerador a área afecta à actividade turística e, no denominador a área total do imóvel.
Assim: 164:446 = 36,77%
Pelo que de acordo com o estipulado pelo ainda referido artigo 20° do CIVA, da totalidade do IVA suportado, 36,77% não são dedutíveis para efeitos fiscais e, dado que a empresa efectuou a dedução na totalidade, foi apurado o seguinte imposto em falta:

PERÍODO
VALOR
DECLARADOACEITEEM FALTA
2000/03T
€ 3.383,92 € 2.139,65 € 1.244,27
2000/06T
€ 1.747,88 € 1.105,18 € 642,70
2000/09T
€ 1.692,53 € 1.070,19 € 622,34
2000/12T
€ 7.759,46 € 4.906,31 € 2.853,15
SOMA
€ 14.583,79 € 9.221,33 € 5.362,46

III.6 Omissão de valores
III.6.1 Imposto Sobre o Valor Acrescentado
Depois de efectuada a remodelação do edifício e as infra estruturas no parque, a empresa iniciou a sua actividade. Até à data da conclusão das obras, todos os pagamentos foram efectuados através de entradas dos sócios por meio de cheque e os efectuados posteriormente através de disponibilidades de caixa, o que significa que as receitas do parque foram significativas, no entanto em termos de valores declarados, apenas consta da declaração enviada referente ao 3.° trimestre, a existência de movimentos no valor de € 1.214,59 e, dos registos efectuados na contabilidade, consta entre outros, o pagamento ao construtor do imóvel em 10 de Novembro de 2000, através de disponibilidades de caixa, o valor de € 42.485,61. Uma vez que o parque se encontra aberto durante todo o ano, parte das receitas entradas em caixa não foram declaradas para efeitos de IVA e de IRC. Em consequência dos pagamentos efectuados através de disponibilidades de caixa, sem que os tenham declarado para efeitos de IVA, foi apurado imposto em falta no valor de € 2.124,28 (42.485,61 x 5%), correspondente ao 4° trimestre.
(…)”;

2-Em conformidade com a planta de fls.25 e 147, o imóvel reconstruído pela impugnante é integrado por um apartamento tipo T2, com a área de 80 m2, dois apartamentos tipo T0, com as áreas de 37,60 m2 e de 39,20 m2 e um quarto com casa de banho com a área aproximada de 16 m2;
3-A construção do parque de campismo foi iniciada em 1998, mas grande parte da construção ocorreu em 1999 e 2000 (cfr.facto referido pela testemunha Joaquim ……………);
4-As obras prolongaram-se até Novembro de 2000 (cfr.facto referido pela testemunha Joaquim Pedro Gonçalves);
5-A ligação da água só ocorreu em Julho de 2000 (cfr.facto referido pela testemunha Avelino ……………..);
6-A impugnante abriu as suas instalações ao público em Junho de 2000, a título experimental (cfr.depoimento da testemunha Avelino …………..);
7-No mês de Agosto, a impugnante facturou cerca de 200 contos (cfr.facto referido pela testemunha Avelino …………………);
8-No dia 10 Novembro de 2000, a impugnante registou na sua contabilidade um pagamento ao construtor do imóvel, através de disponibilidades de caixa, no montante de € 42.485,61 (cfr.facto admitido por acordo das partes);
9-Em 7/02/2001, a EDP emitiu em nome da impugnante a factura de fls.24, que se dá por integralmente reproduzida, referente ao período compreendido entre 28/08/2000 e 05/02/2001, da qual consta o consumo de 2.067 Kwh e um gasto médio diário de 419$00.
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…O apartamento da impugnante destinado ao uso exclusivo de um dos seus sócios tem a área de 112 m2…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos mencionados em cada uma das alíneas antecedentes. Relativamente ao facto não provado, não resulta de qualquer documento junto aos autos, mormente as das plantas do 2º. piso do edifício da impugnante, que ali exista qualquer apartamento com a referida área…”.
X
Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos, mais levando em consideração a impugnação da factualidade provada/não provada efectuada pela recorrente, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
10-No ano de 2000, a sociedade impugnante, “Camping …………., L.da.”, com o n.i.p.c. ………….., era sujeito passivo de I.V.A., encontrando-se enquadrada no regime normal, de periodicidade trimestral e pertencendo à área do 2º. Serviço de Finanças de Leiria, tudo devido ao exercício da actividade de campismo e caravanismo, C.A.E. 55220 (cfr.cópia do relatório de inspecção junto a fls.76 a 84 dos presentes autos; documentos juntos a fls.9 a 13 dos presentes autos);
11-Em 4/5/2004, com fundamento nas correcções identificadas no nº.1 supra, a A. Fiscal estruturou liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas ao ano de 2000, no montante total de € 9.017,85, das quais surge como sujeito passivo a sociedade impugnante e tendo-se fixado o termo do prazo de pagamento voluntário em 31/7/2004 (cfr.documentos juntos a fls.9 a 13 dos presentes autos).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação deduzida por “Camping ………….., L.da.”, em consequência do que anulou as liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas ao ano de 2000 e objecto dos presentes autos (cfr.nº.11 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, quanto à correcção de € 2.747,59, a impugnante, aceitando ter deduzido indevidamente a totalidade do I.V.A. suportado na reconstrução do imóvel, veio discutir a percentagem aplicada e o montante da correcção apurado, sustentando que os cálculos assentaram em pressupostos errados relacionados com a parte, dentro da área total do imóvel, destinada à utilização exclusiva de um dos sócios e, portanto, excluída do direito à dedução. Que a sentença sob recurso entendeu dar razão à alegação produzida, no sentido de que a área destinada à habitação do sócio em causa era somente de 80 m2, referente a um apartamento tipo T2. Contudo, para assim concluir, não foi considerado documento junto pela Fazenda Pública e foi desconsiderado o facto de ter existido um projecto de alteração da planta original. Sendo que este documento não foi impugnado e que tal facto não foi levado ao probatório. Porém, foi com base neste documento e assente neste facto que os SIT apuraram que a área total coberta do 2º. piso era de 192 m2, dos quais, após conclusão das obras, apenas 80 m2, referentes a dois apartamentos tipo T0, foram destinados à actividade desenvolvida pela sociedade impugnante, bem como a garagem de 52 m2 existente no rés-do-chão do imóvel. Tudo factos que permitem concluir, como em sede do relatório inspectivo, que a área destinada ao uso exclusivo do sócio, tal como se refere no relatório inspectivo, é de 164 m2 = (192 m2 - 80 m2) + 52 m2. Pelo que, não resultando provado o alegado erro nos pressupostos de facto em que assentou o critério utilizado pela A.T., se deva manter a correcção efectuada e a subjacente liquidação de imposto, nos termos do artº.20, al.a), do C.I.V.A. (cfr.conclusões 2 a 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supomos, consubstanciar a existência de erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tais vícios.
Comecemos pelo alegado erro de julgamento da matéria de facto.
O que a recorrente pretende é que o Tribunal “a quo”, na decisão da matéria de facto, não levou em consideração o conteúdo de documento junto com a contestação, o qual, segundo defende, suportaria que a área destinada ao uso exclusivo do sócio, tal como se refere no relatório inspectivo, é de 164 m2, assim estando correcta a percentagem aplicada e o montante da correcção apurado pelos serviços de inspecção no que diz respeito ao imposto deduzido pela sociedade impugnante/recorrida.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
“In casu”, examinemos o conteúdo do documento junto sob o nº.3 com a contestação da Fazenda Pública (cfr.fls.59 dos autos), documento este que tem idêntico teor ao junto a fls.147 do processo e que foi levado em consideração pelo Tribunal “a quo”. Encontramo-nos perante carta, com escala de 1/100, após as alterações introduzidas na planta original, do segundo piso do edifício cuja remodelação foi efectuada pela sociedade impugnante. Ora, conforme se retira do relatório de inspecção (cfr.nº.1 do probatório), no segundo piso do edifício existem três apartamentos, um com a área de 112 m2, a ser utilizado por um dos sócios, os outros com a área total de 80 m2, destinados a alugar. Do exame da dita planta do andar, após alterações, não se pode concluir que o apartamento tipo T2, o qual era supostamente utilizado por um dos sócios, tivesse a área bruta privativa de 112 m2. Mais se dirá que a área bruta privativa de tal apartamento ronda cerca de 80 m2. Pelo que se tem, forçosamente, que concordar com a decisão da matéria de facto efectuada pelo Tribunal “a quo”, quando considera não provado que o apartamento da impugnante destinado ao uso exclusivo de um dos seus sócios tem a área de 112 m2. Mas mais, igualmente não consta dos autos prova (v.g.documental) relativa à existência de uma garagem de 52 m2 no rés-do-chão do imóvel e também com uso exclusivo do dito sócio.
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto, assim sendo forçoso julgar improcedente este vector do presente fundamento do recurso.
Passemos ao exame do alegado erro de julgamento de direito derivado da desacertada interpretação e aplicação do artº.20, nº.1, al.a), do C.I.V.A., na versão em vigor no ano 2000 (a aplicável ao caso “sub judice” - cfr.artº.12, do C.Civil):
ARTIGO 20º.
(Operações que conferem o direito à dedução)
1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
(…)

O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02).
No citado artº.20, do C.I.V.A., consagram-se limitações ao direito à dedução, ao determinar-se que apenas pode ser deduzido o I.V.A. que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização dos seus fins próprios (v.g.objecto social). Se relativamente a certos bens ou serviços a empresa age como consumidor final não pode, obviamente, beneficiar da dedução do imposto. Por outras palavras, com este normativo pretende-se que o imposto que onerou a montante determinados bens e serviços só seja dedutível se os mesmos foram utilizados para a obtenção de receitas objecto de tributação a jusante. Nos termos da al.a), do nº.1, dá direito a dedução o I.V.A. suportado a montante que se concretize na aquisição de bens e serviços que se destinem à realização de operações tributáveis, isto é, os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto. Trata-se, portanto, de “inputs” para fins empresariais, operando-se através do mecanismo da dedução do imposto a transferência obrigatória para a frente do tributo pago a montante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, ob.cit., pág.511; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.159).
Voltando ao caso concreto, na inspecção realizada à sociedade impugnante/recorrida ao ano fiscal de 2000, a A. Fiscal detectou que a dedução de I.V.A. suportado na reconstrução do imóvel existente no parque de campismo, por parte do sujeito passivo, o foi na totalidade. No entanto, parte do espaço do imóvel destinou-se a residência de um dos sócios, pelo que, nos termos do examinado artº.20, nº.1, al.a), do C.I.V.A., o imposto suportado no custo da obra, só podia ser deduzido na parte afecta à actividade turística da sociedade, que não na parte afecta a residência particular do sócio, pois que esta não tinha nada a ver com o objecto social da empresa, assim não estando directamente relacionada com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto.
Para cálculo do imposto dedutível, a A. Fiscal utilizou o critério da percentagem correspondente à área do imóvel que era destinada à actividade turística, com inclusão das partes comuns. A percentagem da dedução resulta de uma fracção que comporta, no numerador, a área afecta à actividade turística, com inclusão das partes comuns e, no denominador, a área total do imóvel (cfr.ofício circulado nº.33/30, de 2/4/1993).
Ora, conforme aludido supra, a percentagem de dedução calculada pela Fazenda Pública no âmbito do processo inspectivo padece de erro sobre os pressupostos de facto (o numerador da fracção relativo à área afecta a actividade turística não está correcto levando em consideração a prova produzida no processo), pelo que se deve julgar improcedente também este vector do presente fundamento do recurso, assim confirmando a sentença recorrida neste segmento e sendo mester anular esta correcção à matéria tributável de I.V.A. produzida pela A. Fiscal.
Aduz, igualmente, a recorrente que no que concerne à correcção de € 2.124,28, a impugnante pugnava pela sua ilegalidade, nomeadamente, por via do facto de no ano de 2000 não ter prestado serviços no montante de € 42.485,61. Que relativamente ao pagamento efectuado ao construtor do imóvel em 11/10/2000, no montante de € 42.485,61, os SIT apuraram que este havia sido realizado através de disponibilidades de caixa. Sendo que, da análise contabilística efectuada foi apurado que até à data da conclusão das obras (em finais de Maio de 2000) todos os pagamentos haviam sido realizados através de entradas dos sócios, enquanto os pagamentos posteriores àquela data haviam sido efectuados através das referidas disponibilidades de caixa. Em sua defesa a impugnante alegou que o movimento contabilístico em causa foi efectuado para obviar ao facto de tal quantia ter sido já anteriormente paga a título de adiantamentos, tendo sido apenas naquela data que foi emitida a respectiva factura. Contudo, nem os sócios da impugnante declararam, em sede de l.R.S., naquele período, rendimentos compatíveis com o valor de empréstimos alegadamente efectuados, nem, neste cenário de pagamentos faseados ou em prestações, a impugnante veio trazer aos autos a relação dos montantes pagos, respectivas datas e atinentes meios de pagamento associados, prova que, de facto, não logra e ausência que impede a sustentação da alegação produzida. Que a douta sentença sob recurso aceitou a tese da impugnante e a sua inércia probatória, baseando-se por sua vez em meras hipóteses (“... os sócios deveriam ter algum fundo de maneio...os rendimentos dos sócios podiam estar isentos de declaração...”), pois que tais factos não estão demonstrados nos autos, nem figuram no probatório. Pelo que, se verifica erro de julgamento consubstanciado na deficiente avaliação e valorização da prova produzida e também desacertada interpretação e aplicação dos normativos aplicáveis, designadamente, do artº.26, do C.I.V.A. (cfr. conclusões nºs.10 a 19 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, Editora Rei dos Livros, 8ª. Edição, 2000, pág.114).
Refira-se, igualmente, a matéria do ónus probatório, a qual encontra previsão normativa no artº.74, nº.1, da L. G. Tributária, sendo legalmente definido, em consonância com o artº.342, do C.Civil, que o ónus probatório dos factos constitutivos recai sobre quem os invoque. Assim, caberá à A. Fiscal provar a verificação dos pressupostos da sua actuação, recaindo sobre o contribuinte a prova de que a A. Fiscal actuou em desconformidade legal. Ora, nesta sede assume relevância a presunção de veracidade das declarações ínsita no artº.75, da L. G. Tributária, norma da qual resulta que impende sobre a A. Fiscal a verificação da existência de erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que o declarado pelo sujeito passivo se afasta da matéria tributável efectiva.
“In casu”, conforme se retira do probatório (cfr.nºs.4 e 8 do probatório), as obras prolongaram-se até Novembro de 2000 e, no dia 10 Novembro de 2000, a sociedade impugnante registou na sua contabilidade um pagamento ao construtor do imóvel, através de disponibilidades de caixa, no montante de € 42.485,61.
Tais disponibilidades de caixa consubstanciam/pressupõem prestações de serviços de características onerosas e, como tal, sujeitas a I.V.A. nos termos do artº.1, al.a), do C.I.V.A. Pelo que, tais receitas entradas em caixa deviam ser declaradas para efeitos de I.V.A. e constar da declaração periódica apresentada pela impugnante/recorrida e relativa ao 4º. trimestre de 2000. Só assim não aconteceria se acaso a impugnante tivesse apresentado prova de que tal quantia (€ 42.485,61) já tinha anteriormente sido paga através de adiantamentos por parte dos sócios da mesma sociedade (v.g.passagem de cheques), prova essa não realizada, conforme se pode constatar do exame do probatório.
Assim sendo, não pode manter-se o exame da presente factualidade levada a efeito pela sentença recorrida que não dá o relevo devido à escrituração contabilística da sociedade impugnante, sem qualquer razão justificativa para tal (cfr.artº.75, nº.1, da L.G. Tributária).
Em conclusão merece procedência o presente fundamento do recurso, padecendo de erro de julgamento a sentença recorrida e neste segmento.
Por tudo o que deixámos dito, o recurso merece parcial provimento, não podendo manter-se a decisão recorrida na vertente em que julgou procedente a impugnação judicial no que diz respeito à correcção no montante de € 2.124,28 e levada a efeito pela Fazenda Pública, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO e, em consequência:
1-Manter a sentença recorrida na parte em que julga procedente a impugnação e anula a correcção à matéria colectável de I.V.A., relativa ao ano 2000, no montante de € 2.747,59 e correspondentes juros compensatórios;
2-Revogar a sentença recorrida na parte em que decide julgar procedente a impugnação no segmento relativo à correcção à matéria colectável no montante de € 2.124,28;
3-Julgar improcedente a impugnação judicial no segmento identificado no nº.2 e, nessa medida, manter a liquidação de I.V.A. e correspondentes juros compensatórios.
X
Condena-se a recorrente em custas em ambas as instâncias e na proporção do decaimento. Mais se condena a sociedade impugnante/recorrida em custas na primeira instância e também na proporção do decaimento.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 6 de Novembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)
(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)