Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3036/15.3BEPRT
Secção:CA
Data do Acordão:06/02/2022
Relator:RUI PEREIRA
Descritores: FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário:I – Para que a situação do recorrente pudesse beneficiar do regime excepcional de aplicação da lei no tempo, consignado no artigo 3º, nº 3 do DL nº 59/2015, de 21/4, necessário seria que o seu requerimento (i) tivesse sido apresentado ao FGS entre 1 de Setembro de 2012 e a data da entrada em vigor daquele decreto-lei (4-5-2015), e que (ii) o recorrente estivesse abrangido por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência.
II – Ainda que o recorrente cumprisse o primeiro requisito para que lhe pudesse ser aplicável o novo regime do FGS – requerimento apresentado ao FGS entre 1-9-2012 e 4-5-2015 (data da entrada em vigor do DL nº 59/2015) –, aquele não preenchia o segundo requisito exigido pelo nº 3 do artigo 3º do DL nº 59/2015, de 21/4, ou seja, que estivesse abrangido por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência.
III – O Fundo de Garantia Salarial assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, nas situações em que aquele for judicialmente declarado insolvente.
IV – Os créditos abrangidos são apenas os que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a propositura da acção de insolvência do empregador.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. A…, com residência na Rua …., intentou no TAC de Lisboa uma acção administrativa contra o Fundo de Garantia Salarial, IP, pedindo a declaração de nulidade do despacho de indeferimento do Presidente do Conselho de Gestão do FGS, datado de 21-5-2015, e a sua condenação a pagar-lhe os créditos laborais no valor de € 53.504,10.
2. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 8-7-2020, julgou a acção improcedente e absolveu o réu do pedido.
3. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
I – O Tribunal “a quo” proferiu Sentença, absolvendo o réu, ora recorrido, do pedido de declaração de nulidade do despacho de indeferimento do Presidente do Conselho de Gestão do FGS de 21-5-2015 e da sua concomitante condenação no pagamento dos créditos laborais no valor de € 53.404,10 (cinquenta e três mil, quatrocentos e quatro euros e dez cêntimos);
II – A sustentar a sua fundamentação jurídica, o Tribunal “a quo” considerou que à data da prática do acto administrativo, o regime do FGS encontrava-se regulado pelos artigos 316º a 326º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29/7, todavia encontrando-se tais normas revogadas pelo artigo 4º, alínea a) do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21/4, aplicar-se-ia o novo regime unificado do FGS, entrado em vigor a 4-5-2015, mas somente para requerimentos apresentados para pagamentos de créditos laborais depois desta data, o que não sucede, segundo o Tribunal “a quo”, com os requerimentos do aqui recorrente;
III – E uma vez o FGS apenas garantir os créditos nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente e que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de insolvência, e o facto de não estarem os referidos créditos requeridos pelo aqui recorrente abrangidos por esse período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da acção, é causa directa e necessária para o indeferimento pelo FGS;
IV – Concluindo o Tribunal “a quo” pelo indeferimento da pretensão do autor e aqui recorrente;
V – O recorrente não concorda com tal decisão porque entende que houve na apreciação da fundamentação do direito por parte do Tribunal “a quo”, manifesto erro na determinação da norma aplicável ao caso em concreto.
VI – Para o aqui recorrente, o Tribunal “a quo” apreciou erradamente as questões levantadas pelo aqui recorrente, sobre a existência de vício que fere de legalidade o despacho de Indeferimento do FGS, bem como do direito a que lhe sejam pagos os referidos créditos salariais pelo mesmo FGS;
VII – O Tribunal “a quo”, deveria ter apreciado a factualidade vertida nos autos ao abrigo não dos artigos 316º a 326º do RCT, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29/7, mas sim recorrendo ao Novo Regime do FGS, aprovado pelo DL nº 59/2015, de 21/4;
VIII – Isto porque nos termos do artigo 3º, nº 3, alínea b) do preâmbulo do DL nº 59/2015, de 21/4, ficam sujeitos ao novo regime do FGS, os requerimentos apresentados entre 1 de Setembro de 2012 e a data da entrada em vigor do presente Decreto-lei, por trabalhadores abrangidos por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência, cuja apresentação pelo recorrente dos requerimentos (23-5-2012 e 19-11-2013), se enquadram no referido regime do Novo Regime do FGS;
IX – O Decreto-Lei que deveria ter sido aplicado à luz dos factos constantes carreados para os autos é o 59/2015, de 21/4, por força do disposto no artigo 3º, nº 3, alínea b) do preâmbulo do referido Diploma Legal;
X – Assim, e nos termos do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21/4, que aprovou o Novo Regime do FGS, no seu artigo 1º, alínea a) “o FGS assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador”;
XI – Por sua vez, estipula o nº 8 do artigo 2º do referido Diploma que “o FGS só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”;
XII – O Tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão com base no incumprimento do requisito temporal previsto no artigo 319º da Lei nº 35/2004, de 29/7;
XIII – Sucede que a disposição em causa não devia ter sido tomada em consideração “in casu”, pois a legislação aplicável é a que vem expressa no Decreto-Lei nº 59/2015, de 21/4;
XIV – No caso em apreço, e conforme aos factos que foram dados como provados, o aqui recorrente de forma a declarar a ilicitude do despedimento e ser integrado na empresa “X…, SA”, intentou providência cautelar, a qual teve provimento, posteriormente confirmada através de acção declarativa, datada de 31-5-2011;
XV – No entanto, o seu contrato não se encontrava cessado, o que só aconteceu aquando da declaração de insolvência daquela sociedade em 30-11-2012;
XVI – Assim, e tendo em consideração que nos termos do disposto no artigo 2º, nº 8 do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21/4, o FGS só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, facto é que isso sucedeu, ou seja, o recorrente apresentou a concomitante reclamação de créditos no prazo de trinta (30) dias após a declaração da insolvência da referida empresa, tendo o seu crédito sido reconhecido como privilegiado e no valor de € 53.404,10 (cinquenta e três mil, quatrocentos e quatro euros e dez cêntimos);
XVII – Pelo que no entendimento do aqui recorrente, o pagamento dos créditos salariais não se venceram fora do prazo constante do artigo 2º, nº 8 do referido Diploma Legal, pelo que os mesmos são efectivamente devidos.
XVIII – Acresce-se ainda que no caso de créditos salariais, embora emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por sentença, aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil – Acórdão do Tribunal Administrativo Central do Norte, de 11-1-2019);
XIX – Sendo inconstitucional a norma contida no artigo 2º, nº 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 59/2015, de 21/4, na interpretação segundo o qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insusceptível de qualquer interrupção ou suspensão – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 328/2018, de 27-6-2018, no processo 555/2017 (rectificado pelo Acórdão nº 447/2018);
XX – Estando a nova prescrição sujeita a prazo de prescrição ordinária de 20 anos nos termos dos artigos 326º, nº 2, 311º, nº 1 e 309º do Código Civil (já que os direitos em causa foram reconhecidos por sentença transitada em julgado), é inequívoco que os créditos em questão não estavam prescritos;
XXI – À luz deste regime legal o requerimento apresentado pelo recorrente não pode deixar de ser considerado tempestivo (Ver Acórdão do TCA, de 28-4-2017 – Processo 00840/16.9, publicado em www.dgsi.pt);
XXII – Pelo que, entende o recorrente existir na douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, razões de direito, que merecem ser apreciadas de forma distinta à decretada, pugnando o recorrente pela anulação de decisão que absolveu o ora recorrido FGS do pedido, devendo ser declarado nulo o despacho de indeferimento do Presidente do Conselho de Gestão do FGS, com a consequente condenação do FGS no pagamento dos créditos salariais peticionados, acrescido de juros até integral pagamento”.
4. O Fundo de Garantia Salarial apresentou contra-alegação, na qual concluiu nos seguintes termos:
A. O regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial regulado pela Lei nº 35/2004, de 29/7, nos artigos 317º a 326º, impõe determinado requisitos, de cumprimento cumulativo, para que o Fundo de Garantia Salarial possa assegurar a um trabalhador o pagamento dos créditos requeridos.
B. Desde logo, um desses requisitos, impostos pela citada lei no nº 1 do artigo 318º, é que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
C. No presente caso, a acção de insolvência da entidade empregadora “X..., SA” foi intentada no dia 9-10-2012 e decretada por sentença datada de 30-11-2012.
D. Mas não são todos e quaisquer créditos que o Fundo de Garantia Salarial assegura, na medida em que o nº 1 do artigo 319º da citada lei impõe que apenas é assegurado o pagamento de créditos vencidos nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou da entrada do requerimento do procedimento de conciliação, se for o caso.
E. Na presente situação, e de acordo com a legislação, o Fundo de Garantia Salarial assegura os créditos vencidos entre 9-4-2012 e 9-10-2012.
F. O contrato de trabalho do autor cessou em 28-10-2008.
G. Obteve sentença de condenação em 31-5-2011.
H. Portanto, tendo os créditos laborais vencido na data da cessação do contrato de trabalho (28-10-2008) e, no limite na data da sentença proferida (31-5-2011), os mesmos estão fora do período de referência.
I. Os créditos do autor aqui recorrente, são créditos laborais e que se vencem com a cessação do contrato de trabalho”.
5. O Digno Magistrado do Ministério Público juntos deste TCA Sul, notificado para os termos e efeitos do disposto no artigo 146º do CPTA, não emitiu parecer.
6. Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
8. Deste modo, a questão a decidir no presente recurso consiste em determinar se a sentença recorrida errou ao não ter reconhecido o direito do autor a receber do Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, por considerar que os mesmos se encontravam fora do período de referência a que se refere o artigo 319º do RCT (Lei nº 35/2004), que se situou entre 9-4-2012 e 9-10-2012, e ainda se devia ser aplicável ao caso o regime estabelecido no artigo 3º, nº 3 do DL nº 59/2015, de 21/4, que sujeita ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo àquele decreto-lei, sendo objecto de reapreciação oficiosa, (…) “b) Os requerimentos apresentados entre 1 de Setembro de 2012 e a data da entrada em vigor do presente decreto-lei, por trabalhadores abrangidos por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência”.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
9. A decisão recorrida deu como assente – sem qualquer reparo – a seguinte factualidade:
a. O autor e a sociedade “X…., SA” estiveram vinculados a uma relação laboral entre 28-6-2008 a 28-10-2008, dia em que foi despedido ilicitamente – cfr. fls. 3-20 do PA;
b. Em 2009, após ter intentado em 2008 processo cautelar de suspensão de despedimento individual, o autor deu entrada no Tribunal do Trabalho de Sintra da acção judicial emergente do contrato individual de trabalho contra a sua entidade patronal, nela tendo sido reclamada, para além da ilicitude do seu despedimento, retribuições vencidas e não pagas no valor de € 15.800,00 indemnização pela cessação do contrato e por danos morais e todas as retribuições que se vençam até trânsito em julgado da sentença que declare tal o despedimento ilícito – cfr. fls. 3-20 e 24-38 do PA;
c. Por sentença do Tribunal Trabalho de Sintra, de 31-5-2011, proferida no Processo nº 166/09.4TTSNT, a acção foi julgada parcialmente procedente e a sociedade “X…, SA” condenada, entre o mais, a pagar ao autor vários créditos laborais, nos seguintes termos:
- a quantia que se liquidar em incidente de liquidação, correspondente aos salários e respectivos subsídios de férias e de Natal, vencidos desde 31 de Outubro de 2008, até ao trânsito em julgado da presente sentença, com referência ao salário mensal de € 800,00 deduzidas as importâncias que o autor eventualmente tenha auferido, a título de rendimentos de trabalho, após a data do despedimento e subsídio de desemprego, nos termos do disposto no nº 2 e 3 do artigo 437º do CT;
- € 2.400,00 de indemnização por antiguidade;
- a título de indemnização por danos morais a quantia de € 300,00;
- a título de créditos laborais a quantia de € 1.200,00, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4% desde 31-10-2008 até integral pagamento – cfr. fls. 3-20 do PA;
d. Em 21-5-2012, o autor apresentou junto do Instituto da Segurança Social, IP, o formulário denominado “Requerimento Pagamento de Créditos Emergentes do Contrato de Trabalho” celebrado com a sociedade “X..., SA”, no montante total de € 31.100,00, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e que aqui se transcreve na parte relevante para a decisão:
Os valores acima indicados foram reclamados em Processo judicial de 166/09.4TTSNT a decorrer no Tribunal de Comarca da Grande Lisboa Noroeste Sintra, 2º Juízo, (…), acção apresentada em 2008” – cfr. fls. 22-23 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
e. O montante reclamado naquele formulário pelo autor reporta-se a retribuição relativa aos meses de Novembro de 2008 a Junho de 2011, subsídio de férias e de Natal de 2008 a 2011, emergentes de violação do contrato de trabalho e danos não patrimoniais – cfr. fls. 22-23 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
f. Em 9-10-2012 deu entrada no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, acção de insolvência da entidade patronal do autor, a qual correu os seus termos sob o nº 1082/12.8TTVNG – cfr. fls. 103-99 e 94-77 do PA;
g. A insolvência da sociedade empregadora do autor foi decretada por sentença do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, de 30-11-2012, proferida no Processo nº 1082/12.8TYVNG, onde foi ainda nomeado Administrador da Insolvência E… – cfr. fls. 55-44 do PA;
h. Em 19-11-2013, o autor apresentou junto do Instituto da Segurança Social, IP um novo “Requerimento Pagamento de Créditos Emergentes do Contrato de Trabalho” celebrado com a sociedade “X..., SA”, no montante total de € 36.400,00, relativo a retribuição, subsídio de férias e de Natal – cfr. fls. 96-95 do PA;
i. Em 16-6-2014, o Presidente do Conselho de Gestão do FGS, concordou com a proposta de indeferimento do pedido de pagamento de créditos apresentado pelo autor, constantes da Informação e do Parecer do Núcleo do Fundo de Garantia Salarial, uma vez que os créditos requeridos não se venceram nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção, pelo que o requisito exigido pelo nº 1 do artigo 319º da Lei nº 35/2004, de 29/7 não está preenchido – cfr. fls. 103-99 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
j. Em 24-11-2014, o autor exerceu o seu direito de audição prévia, nos termos do qual pugnou pelo deferimento do pagamento das quantias peticionadas – cfr. fls. 108-106 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
k. Por ofício do Instituto da Segurança Social, IP, de 4-6-2015, o autor foi notificado do despacho de indeferimento do pagamento dos créditos por si reclamados, de 21-5-2015, do Presidente do Conselho de Gestão do FGS, com os seguintes fundamentos:
- Atenta a resposta e analisada toda a factualidade verifica-se que não foram apresentados factos susceptíveis de alteração da decisão de indeferimento anteriormente proferida.
- Os créditos requeridos não se encontram abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da acção (insolvência, falência, recuperação de empresa ou PEC), nos termos do nº 1 do artigo 319º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, ou após a data da propositura da mesma acção, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.” – cfr. fls. 117-112 do PA e doc. 1 junto no requerimento apresentado pelo autor em 28-11-2016, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

B – DE DIREITO
10. Como se viu supra, a questão essencial a apreciar no presente recurso consiste em determinar se a sentença recorrida errou ao não ter reconhecido o direito do autor a receber do Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, por considerar que os mesmos se encontravam fora do período de referência a que se refere o artigo 319º do RCT (Lei nº 35/2004), que a sentença recorrida situou entre 9-4-2012 e 9-10-2012, e ainda se devia ser aplicável ao caso o regime estabelecido no artigo 3º, nº 3 do DL nº 59/2015, de 21/4, que sujeita ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo àquele decreto-lei, sendo objecto de reapreciação oficiosa, (…) “b) Os requerimentos apresentados entre 1 de Setembro de 2012 e a data da entrada em vigor do presente decreto-lei, por trabalhadores abrangidos por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência”.
11. A sentença recorrida, para julgar improcedente o pedido formulado pelo autor, estribou-se na seguinte fundamentação:
Na presente acção o autor peticiona a declaração de nulidade do despacho de indeferimento do seu pedido de pagamento de créditos laborais proferido, em 21.05.2015, pelo Presidente do Conselho de Gestão do FGS e, ainda, em consequência, como acto legalmente devido, a condenação do FGS a pagar-lhe os créditos laborais no valor de € 53.504,10.
(…)
Estipula o artigo 336º do Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro – na versão em vigor à data da prática do acto impugnado introduzida pela Lei nº 55/2014, de 25/08 –, que “o pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica”.
Já o nº 1 do artigo 337º do CT, com a epígrafe “Prescrição e prova de crédito”, dispõe que “(o) crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
À data da prática do acto administrativo, o regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial (instituído pelo Decreto-Lei nº 219/99, de 15 de Junho, na sequência da Directiva nº 80/987/CEE, posteriormente revogada pela Directiva nº 2008/94/CE) encontrava-se regulado pelos artigos 316º a 326º do Regulamento do Código do Trabalho (RCT), aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de Julho.
Essas normas da Lei nº 35/2004 encontravam-se em vigor por força do disposto na alínea o) do nº 6 do artigo 12º da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho, encontrando-se tal regime actualmente revogado pelo artigo 4º, alínea a) do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de Abril.
Nos termos do artigo 5º do DL nº 59/2015, o novo regime unificado do FGS entrou em vigor a 04.05.2015, sendo aplicável aos requerimentos apresentados para pagamento de créditos laborais depois desta data (artigo 3º, nº 1 desse diploma), o que não acontece com os requerimentos do autor (de 21.05.2012 e de 19.11.2013).
Pelo que, atento o contexto temporal dos factos a que se reportam os autos, é este o quadro normativo a ser aplicado.
Como vimos, o FGS visa assegurar ao trabalhador o pagamento célere e em tempo útil dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, em caso de falta de pagamento pelo empregador – cfr. artigo 336º do CT e artigo 317º do RCT.
Relativamente às situações abrangidas pelo FGS, o artigo 318º do RCT (Lei nº 35/2004, de 29 de Julho), dedicado às situações abrangidas, estatui o seguinte:
“1 – O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
2 – O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei nº 316/98, de 20 de Outubro.
3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o procedimento de conciliação não tenha sequência, por recusa ou extinção, nos termos dos artigos 4º e 9º, respectivamente, do Decreto-Lei nº 316/98, de 20 de Outubro, e tenha sido requerido por trabalhadores da empresa o pagamento de créditos garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, deve este requerer judicialmente a insolvência da empresa.
4 – Para efeito do cumprimento do disposto nos números anteriores, o Fundo de Garantia Salarial deve ser notificado, quando as empresas em causa tenham trabalhadores ao seu serviço:
a) Pelos tribunais judiciais, no que respeita ao requerimento do processo especial de insolvência e respectiva declaração;
b) Pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no que respeita ao requerimento do procedimento de conciliação, à sua recusa ou extinção do procedimento”.
Por sua vez, sob a epígrafe “créditos abrangidos”, o artigo 319º do RCT dispõe que:
“1 – O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2 – Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no nº 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.
3 – O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição”.
Por seu turno, os limites das quantias pagas pelo Fundo de Garantia Salarial, constam do artigo 320º do RCT.
Atentemos agora em alguns preceitos constantes do DL nº 139/2001, de 24/04 (que introduziu alterações no DL nº 219/99, de 15/06, que instituiu um Fundo de Garantia Salarial, Fundo este que, em caso de incumprimento pela entidade patronal, assegura aos trabalhadores o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho):
“Artigo 2º
Situações abrangidas
“1 – O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua cessação, nos casos em que a entidade patronal esteja em situação de insolvência ou em situação económica difícil e, encontrando-se pendente contra ela uma acção nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o juiz declare a falência ou mande prosseguir a acção como processo de falência ou como processo de recuperação da empresa”.
2 – O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior desde que iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei nº 316/98, de 20 de Outubro.
(…)
Artigo 3º
Créditos abrangidos
“1 – O Fundo paga créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou da entrada do requerimento referidos no artigo 2º”.
2 – Os créditos referidos no número anterior são os que respeitem a:
a) Retribuição, incluindo subsídios de férias e de Natal;
b) Indemnização ou compensação devida por cessação do contrato de trabalho.
(…)”.
Atenha-se, entretanto e antes do mais, que esta legislação nacional, referente ao Fundo de Garantia Salarial, resulta da transposição da Directiva nº 80/987/CEE, do Conselho de 20 de Outubro, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes à protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador, alterada pela Directiva nº 2002/74/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Setembro, com a qual se visou assegurar aos trabalhadores assalariados um mínimo de protecção em caso de insolvência do respectivo empregador, obrigando os Estados-Membros a criar uma instituição que garantisse aos trabalhadores em causa o pagamento dos seus créditos em dívida.
O que significa que a interpretação dos normativos nacionais haverá de ser feita em conformidade (interpretação conforme) com aquela Directiva comunitária.
Do regime legal supra descrito resulta que o pagamento dos créditos laborais por parte do FGS depende da verificação cumulativa de vários requisitos legais, sendo certo que, ainda que verificados tais requisitos, tal pagamento comporta vários limites, a saber:
a) Critérios qualitativos: titularidade de contrato de trabalho, existência de créditos laborais reclamados e não pagos pela entidade empregadora, a propositura da competente acção de insolvência e a declaração judicial de insolvência (cfr. artigo 318º);
b) Limites temporais, quanto aos dois períodos de referência alternativos e à necessidade cumulativa de o pagamento dos créditos ser reclamado ao FGS até três meses antes do termo do prazo de prescrição dos créditos em causa (cfr. artigo 319º):
- 1º limite: no caso do nº 1 do artigo 319º, que os créditos reclamados se tenham vencido nos 6 meses imediatamente anteriores à data da propositura da acção de insolvência, salvo nas situações previstas no nº 2 do artigo 319º;
- ou 2º limite: no caso do nº 2 do artigo 319º, que apenas é aplicável no caso de não existirem créditos já vencidos ou se os créditos vencidos forem inferiores aos limites quantitativos. Neste caso, encontram-se cobertos os créditos que se venceram após a propositura da acção de insolvência e até à sua declaração judicial; e
- 3º limite: em qualquer dos casos, em cumulação com um dos limites definidos nos nºs 1 ou 2, desde que os créditos tenham sido reclamados ao FGS antes do termo do prazo de 3 meses de prescrição.
c) Limites quantitativos máximos do valor a pagar: o montante reclamado a título de retribuição mensal não pode ultrapassar três retribuições mínimas mensais garantidas (vulgo salários mínimos nacionais) e o montante total do crédito reclamado não pode exceder o correspondente a 18 retribuições mínimas mensais garantidas, para além da necessidade de respeito pela prioridade dos créditos a pagar e da necessidade de proceder a deduções aos montantes (cfr. artigo 320º do RCT).
Conclui-se, pois, que o pedido de pagamento de créditos laborais só pode ser indeferido pelo FGS com base na falta de qualquer um destes requisitos legais, sob pena de violação do princípio da legalidade.
Significa, assim, que o FGS não garante todos e quaisquer créditos, nem os garante a longo prazo, tendo como escopo garantir o pagamento, com celeridade e a curto prazo, de créditos não muito dilatados no tempo, para permitir a satisfação das necessidades e de uma vida condigna dos trabalhadores, que não viram os seus créditos pagos em virtude da insolvência do seu empregador, ficando o FGS sub-rogado nos créditos pagos em substituição deste.
É precisamente por este motivo que a lei exige tão só, nos nºs 1 e 2 do artigo 319º da Lei nº 35/2004 (RCT), como critério determinante dos limites temporais a data de vencimento dos créditos, isto é, o momento a partir do qual são exigíveis pelo trabalhador ao empregador, sem prejuízo da data em relação à prescrição, a que se refere o nº 3 do citado preceito legal.
É pacífico que se os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação não puderem ser pagos pelo empregador poderão, em determinadas circunstâncias, ser pagos pelo FGS (artigo 336º do Código do Trabalho e artigo 317º da Lei nº 35/2004, de 29/07).
Só que essa garantia de pagamento não abrange indiscriminadamente todos os créditos, visto a mesma depender da verificação de certos pressupostos.
Da moldura legal aplicável, resulta que o legislador limitou a intervenção do FGS aos casos em que se verificasse a falta de pagamento, por parte de empregador declarado insolvente ou em relação ao qual se tivesse iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei nº 316/98, de 28 de Outubro, dos créditos salariais vencidos nos seis meses que antecedessem aquele momento, até ao limite de seis meses de retribuição e não podendo exceder o montante assegurado o triplo da retribuição mínima mensal garantida, conquanto os créditos fossem reclamados até três meses antes da sua prescrição.
Verificados que se mostrassem os requisitos legalmente previstos para que o FGS assegurasse o pagamento, nos termos do artigo 322º da Lei nº 35/2004, aquele instituto ficaria “sub-rogado nos direitos de crédito e respectivas garantias, nomeadamente privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados acrescidos dos juros de mora vincendos”.
Todavia, o FGS no despacho em crise sustentou que o pagamento dos créditos requeridos pelo autor não pode ser por si assegurado por não se encontrarem abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da acção (insolvência, falência, recuperação de empresa ou PEC), nos termos do nº 1 do artigo 319º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho ou, após a data da propositura da mesma acção, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.
Trata-se de questão já abordada pela jurisprudência nacional e europeia, sendo que pela sua pertinência importa, desde já, recordar o entendimento exposto no acórdão do TJUE, de 28.11.2013 no Processo nº C-309/12:
“A Directiva 80/987/CEE do Conselho de 20 de Outubro de 1980, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Directiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da acção de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma acção judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva”.
Em face do teor dos dispositivos supramencionados e ao entendimento do TJUE, quid juris?
Desde já, e no que respeita aos dispositivos transcritos, a sua leitura conjugada aponta no sentido de que a acção a que se reporta o nº 1 do artigo 319º do RCT é, efectivamente, a acção de insolvência do empregador e não qualquer outra.
De salientar que o legislador nacional, porventura com o intuito de esclarecer quaisquer dúvidas relacionadas com a fixação do marco temporal que determina a contagem dos seis meses, optou por mencionar de forma expressa, no nº 4 do artigo 2º do DL nº 59/2015, de 21.04 (que veio consagrar o novo regime do Fundo de Garantia Salarial), a acção de insolvência.
Quanto ao entendimento do TJUE, cumpre precisar que um tal entendimento não impõe a interpretação em questão, mas admite-a, não sendo a mesma, portanto, contrária ao direito europeu.
E admite-a, ainda que o trabalhador tenha inicialmente proposto uma acção judicial contra o empregador com vista ao reconhecimento dos seus créditos e só ulteriormente tenha intentado a acção de insolvência contra o mesmo empregador, tal como, in casu, sucedeu.
Vale isto por dizer que admite que, ainda que os interessados tenham intentado uma acção para reconhecimento de créditos em momento anterior, são só os créditos vencidos nos seis meses anteriores à propositura da acção de insolvência os únicos que podem vir a ser pagos pelo FGS.
Dito isto, a solução jurídica aplicável ao caso dos autos é a de que apenas os créditos vencidos nos seis meses “que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior” (artigo 319º, nº 1 do RCT) poderão ser considerados, solução que não choca com o direito europeu e que, aliás, deve sublinhar-se, é a que vem sendo seguida no Supremo Tribunal Administrativo, havendo que destacar, entre outros, o acórdão de 10.09.15 (Processo nº 147/15).
Há que admitir que, por um lado, é uma solução algo injusta na medida em que acarreta uma patente desigualdade entre aqueles trabalhadores que optam por previamente recorrer à execução da sentença que condena a entidade patronal a pagar os seus créditos e indemnização, daqueles que, mesmo sem terem verdadeira noção da situação patrimonial da empresa, optem por pedir a insolvência desta.
Mas, há igualmente que reconhecê-lo, não se trata de uma injustiça arbitrária, antes de trata de uma relativa injustiça decorrente da necessidade incontornável de ponderar interesses e bens em conflito, decorrente da necessidade do legislador nacional, confrontado com a impossibilidade de o FGS garantir todos os créditos salariais devidos a cada trabalhador nas situações de insolvência do respectivo empregador, de estabelecer limites temporais e tectos máximos (tendo o legislador nacional optado, como se viu, por apenas considerar aqueles créditos que (se) venceram nos seis meses anteriores à acção de insolvência, deixando mais desprotegidos os restantes, designadamente aqueles relacionados com contractos de trabalho já extintos).
Em suma, em face da impossibilidade de garantir o pagamento de todos os créditos salariais em dívida, o balizamento dos mesmos faz-se mediante o recurso a duas técnicas que se podem complementar: o balizamento temporal e/ou o balizamento em termos de fixação de limites máximos aos pagamentos.
Em termos de limitação temporal, o legislador nacional optou por apenas ter em conta os créditos que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de insolvência.
Ora, no caso em apreço, uma vez que a acção de insolvência da sociedade empregadora foi instaurada pelo autor em 09.10.2012, é forçoso concluir que o período de referência a que se refere o artigo 319º do RCT (Lei nº 35/2004) se situa entre 09.04.2012 e 09.10.2012.
Nesta conformidade, uma vez que os créditos em causa, correspondentes aos salários e respectivos subsídios de férias e de Natal vencidos desde 31.10.2008 até ao trânsito em julgado da sentença de 31.05.2011 (proferida pelo Tribunal Trabalho de Sintra no Processo nº 166/09.4TTSNT) deduzidos os importâncias ali enunciadas, venceram-se, portanto, no dia do trânsito desta decisão (em Junho/Julho 2011), tal como acontece com a indemnização por antiguidade e com a indemnização por danos morais sofridos pelo autor; enquanto os salários (parte) de Setembro e de Outubro de 2008 venceram-se em 30.09.2008 e em 31.10.2008 (cfr. artigos 804º, 805º, nº 2, a) e 806º, todos do Código Civil), resta concluir que todos esses créditos venceram-se fora desse período de referência.
Daí que nenhuma censura mereça a decisão do Presidente do Conselho de Gestão do FGS, de 21.05.2015, pela qual foi indeferida a pretensão do autor.
Em face de todo o exposto, resta concluir pela improcedência total da presente acção”.
12. Comecemos por apreciar se a sentença recorrida errou ao não aplicar à situação do recorrente o regime previsto no artigo 3º, nº 3 do DL nº 59/2015, de 21/4, que sujeita ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo àquele decreto-lei, sendo objecto de reapreciação oficiosa, (…) “b) Os requerimentos apresentados entre 1 de Setembro de 2012 e a data da entrada em vigor do presente decreto-lei, por trabalhadores abrangidos por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência”.
Adianta-se desde já que não assiste razão ao recorrente.
13. Com efeito, para que a situação do recorrente pudesse beneficiar do regime excepcional de aplicação da lei no tempo, consignado no artigo 3º, nº 3 do DL nº 59/2015, de 21/4, necessário seria que o seu requerimento (i) tivesse sido apresentado ao FGS entre 1 de Setembro de 2012 e a data da entrada em vigor daquele decreto-lei (4-5-2015), e que (ii) o recorrente estivesse abrangido por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência.
15. Ora, dando de barato que o recorrente cumpria o primeiro requisito para que lhe pudesse ser aplicável o novo regime do FGS – requerimento apresentado ao FGS entre 1-9-2012 e 4-5-2015 (data da entrada em vigor do DL nº 59/2015) –, temos por certo que aquele não preenchia o segundo requisito exigido pelo nº 3 do artigo 3º do DL nº 59/2015, de 21/4, ou seja, que estivesse abrangido por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência (cfr. ofício remetido pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, constante de fls. 143 dos autos).
16. Com efeito, os artigos 192º e segs. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) prevêem a possibilidade do devedor apresentar, conjuntamente com a petição inicial do processo de insolvência, um plano de insolvência, que permitiria controlar, de certa forma, a própria insolvência, e a liquidação do património da empresa, equivalente a, no fundo, um plano do pagamento dos créditos sobre a insolvência, da liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, o qual, a ser aprovado, homologado pelo juiz, e cumprido, teria como efeito a derrogação das regras gerais, designadamente sobre a liquidação do património, previstas no CIRE.
17. Ora, nada nos autos – nomeadamente na matéria de facto alegada pelo autor, e aqui recorrente, na petição inicial e, muito menos, na factualidade dada como assente pela sentença recorrida – nos permite extrair a conclusão de que o recorrente, na data em que formulou o seu requerimento ao FGS, ou seja, entre 1-9-2012 e 4-5-2015, estivesse abrangido por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência, por forma a poder beneficiar do regime excepcional de aplicação da lei no tempo consignado no artigo 3º, nº 3 do DL nº 59/2015, de 21/4.
18. Bem pelo contrário, a matéria de facto dada como assente pela sentença recorrida dá-nos conta de que a insolvência da sociedade empregadora do autor foi decretada por sentença do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, de 30-11-2012, proferida no âmbito do processo nº 1082/12.8TYVNG, onde foi ainda nomeado administradora da insolvência E… (cfr. fls. 55-44 do PA), sem que se faça menção à existência de um plano de insolvência, que a ter ocorrido, não deixaria de ser mencionado.
19. Por conseguinte, não é possível extrair outra conclusão que não seja considerar que o recorrente não podia beneficiar da norma que excepcionalmente permitia aplicar ao seu caso o regime previsto no novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL nº 59/2015, de 21/4, por não estar demonstrado um dos requisitos que o artigo 3º, nº 3 daquele DL fazia depender tal aplicação, ou seja, que o recorrente estivesse, à data da apresentação do seu requerimento ao FGS, abrangido por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência, razão pela qual improcedem as conclusões VII. a XI. da sua alegação de recurso.
20. Resta apenas analisar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter reconhecido o direito do autor a receber do Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, por considerar que os mesmos se encontravam fora do período de referência a que se refere o artigo 319º do RCT (Lei nº 35/2004).
21. Esta questão, a que resta dar resposta no presente recurso, já foi objecto de apreciação, sempre no mesmo sentido, quer por este TCA Sul (vd., por todos, o acórdão de 1-6-2017, proferido no âmbito do processo nº 336/15.6BESNT), quer pelo STA (vd. acórdãos de 10-9-2015, proferido no âmbito do processo nº 0147/15, de 13-12-2017, proferido no âmbito do processo nº 0182/15, e de 8-2-2018, proferido no âmbito do processo nº 0148/15).
22. Por se concordar com os fundamentos constantes de tal jurisprudência, limitar-nos-emos a transcrever o que se deixou dito no acórdão do STA, de 13-12-2017, onde se referiu o seguinte:
O Fundo de Garantia Salarial (FGS) encontra-se actualmente regulado no DL nº 59/2015, de 21.04, que veio unificar o respectivo regime jurídico, o qual, à data dos autos, se encontrava disperso em vários diplomas, como a Lei nº 35/2004, de 29.07 (Código do Trabalho, ulteriormente objecto de várias alterações e revogado pelo Lei nº 7/2009, de 12.02), que disciplinava os aspectos substantivos deste Fundo, e o DL nº 139/2001, de 24.04, que disciplinava os aspectos organizativos, financeiros e procedimentais. É destes diplomas que iremos reter alguns preceitos cujo teor se afigura útil para solucionar o caso dos autos.
Comecemos por atentar no teor dos dispositivos aplicáveis ao caso vertente que constam da Lei nº 35/2004, de 29.07, os quais se mantiveram em vigor, por força do artigo 12º, nº 6, alínea o), da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, até serem revogados pelo artigo 4º, alínea a) do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de Abril:
Artigo 317º
Finalidade
“O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes”.
Artigo 318º
Situações abrangidas
“1 – O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
2 – O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei nº 316/98, de 20 de Outubro.
3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o procedimento de conciliação não tenha sequência, por recusa ou extinção, nos termos dos artigos 4º e 9º, respectivamente, do Decreto-Lei nº 316/98, de 20 de Outubro, e tenha sido requerido por trabalhadores da empresa o pagamento de créditos garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, deve este requerer judicialmente a insolvência da empresa.
4 – Para efeito do cumprimento do disposto nos números anteriores, o Fundo de Garantia Salarial deve ser notificado, quando as empresas em causa tenham trabalhadores ao seu serviço:
a) Pelos tribunais judiciais, no que respeita ao requerimento do processo especial de insolvência e respectiva declaração;
b) Pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no que respeita ao requerimento do procedimento de conciliação, à sua recusa ou extinção do procedimento”.
Artigo 319º
Créditos abrangidos
“1 – O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2 – Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no nº 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.
3 – O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição”.
Atentemos agora em alguns preceitos constantes do DL nº 139/2001, de 24.04 (que introduziu alterações no DL nº 219/99, de 15.06, que instituiu um Fundo de Garantia Salarial, Fundo este que, em caso de incumprimento pela entidade patronal, assegura aos trabalhadores o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho):
Artigo 2º
Situações abrangidas
“1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua cessação, nos casos em que a entidade patronal esteja em situação de insolvência ou em situação económica difícil e, encontrando-se pendente contra ela uma acção nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o juiz declare a falência ou mande prosseguir a acção como processo de falência ou como processo de recuperação da empresa”.
Artigo 3º
Créditos abrangidos
“1 – O Fundo paga créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou da entrada do requerimento referidos no artigo 2º”.
2.3. Vejamos agora qual foi o entendimento do TJUE exposto na resposta ao pedido de reenvio prejudicial apresentado no âmbito do presente processo (na realidade, o entendimento foi inicialmente fixado em acórdão relativo a um processo idêntico – C-309/12) – cfr. fls. 382-9:
“A Diretiva 80/987/CEE do Conselho de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva”.
2.4. Em face do teor dos dispositivos supramencionados e ao entendimento do TJUE, quid juris?
Desde já, e no que respeita aos dispositivos transcritos, a sua leitura conjugada aponta no sentido de que a acção a que se reporta o nº 1 do artigo 319º é, efectivamente, a acção de insolvência do empregador e não qualquer outra. De salientar que o legislador nacional, porventura com o intuito de esclarecer quaisquer dúvidas relacionadas com a fixação do marco temporal que determina a contagem dos seis meses, menciona de forma expressa, no nº 4 do artigo 2º do DL nº 59/2015, de 21.04 (que, como vimos, veio consagrar o novo regime do Fundo de Garantia Salarial), a acção de insolvência.
Quanto ao entendimento do TJUE, cumpre precisar que um tal entendimento não impõe a interpretação em questão, mas admite-a, não sendo a mesma, portanto, contrária ao direito europeu. E admite-a, ainda que os trabalhadores tenham inicialmente proposto uma acção judicial contra ao empregador com vista ao reconhecimento dos seus créditos e só ulteriormente tenham intentado a acção de insolvência contra o mesmo empregador. Vale isto por dizer que admite que, ainda que os interessados tenham intentado uma acção para reconhecimento de créditos em momento anterior, são só os créditos vencidos nos seis meses anteriores à propositura da acção de insolvência os únicos que podem vir a ser pagos pelo FGS.
Dito isto, a solução jurídica aplicável ao caso dos autos é a de que apenas os créditos vencidos nos seis meses “que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior” (artigo 319º, nº 2) poderão ser considerados, solução que não choca com o direito europeu e que, aliás, deve sublinhar-se, é a que vem sendo seguida neste Supremo Tribunal, havendo que destacar, entre outros, o Acórdão de 10.09.15, Proc. nº 147/15 (processo que envolvia outros trabalhadores que exigiam o pagamento de créditos salariais ao mesmo empregador visado na acção que agora se julga em revista). Há que admitir que, como afirmam os recorrentes, é uma solução algo injusta – os recorrentes afirmam que a solução jurídica em apreço desrespeita o princípio da igualdade e o da proporcionalidade (“A posição assumida na sentença recorrida lançaria uma desproporcionada desigualdade entre aqueles trabalhadores que optam por previamente recorrer à execução da sentença que condena a entidade patronal a pagar os seus créditos e indemnização, daqueles que, mesmo sem terem verdadeira noção da situação patrimonial da empresa, optem por pedir a insolvência desta” – conclusão 23ª das alegações). Mas, há igualmente que reconhecê-lo, não se trata de uma injustiça arbitrária, antes de trata de uma relativa injustiça decorrente da necessidade incontornável de ponderar interesses e bens em conflito. Mais concretamente, decorrente da necessidade sentida pelo legislador nacional, uma vez confrontado com a impossibilidade de o FGS garantir todos os créditos salariais devidos a cada trabalhador nas situações de insolvência do respectivo empregador, de estabelecer limites temporais e tectos máximos (tendo o legislador nacional optado, como se viu, por apenas considerar aqueles créditos que venceram nos seis meses anteriores à acção de insolvência, deixando mais desprotegidos os restantes, designadamente aqueles relacionados com contratos de trabalho já extintos). De salientar que o próprio TJUE alude à necessidade de ter “em consideração a capacidade financeira desses Estados-Membros” e de “preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia” (cfr. fls. 387).
Em suma, em face da impossibilidade de garantir o pagamento de todos os créditos salariais em dívida, o balizamento dos mesmos faz-se mediante o recurso a duas técnicas que se podem complementar: o balizamento temporal e/ou o balizamento em termos de fixação de limites máximos aos pagamentos. Em termos de limitação temporal, o legislador nacional optou por apenas ter em conta os créditos “que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção”.
23. Sendo também esta a solução legal para a situação dos autos, é manifesto que a sentença recorrida, ao não reconhecer o direito do autor a receber do Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, por considerar que os mesmos se encontravam fora do período de referência a que se refere o artigo 319º do RCT (Lei nº 35/2004), não incorreu no erro de julgamento que o recorrente lhe assaca.


IV. DECISÃO
24. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar, com a presente fundamentação, a sentença recorrida.
25. Custas pelo recorrente, sem prejuízo da isenção subjectiva de que beneficia – artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPCivil e artigo 4º, nº 1, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais.
Lisboa, 2 de Junho de 2022
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Dora Lucas Neto – 1ª adjunta)
(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)