Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 5675/09/A |
Secção: | CA - 2º. JUÍZO |
Data do Acordão: | 10/09/2014 |
Relator: | CATARINA JARMELA |
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO – ARTIGO 771º, ALÍNEA B), DO CPC DE 1961 |
Sumário: | I – O motivo de revisão previsto na al. b) do art. 771º, do CPC de 1961, está dependente da verificação dos seguintes requisitos: a) – invocação e demonstração da falsidade do meio de prova; b) – nexo causal entre esse meio de prova falso e a decisão a rever – esta terá de ter assentado, ainda que não na totalidade, nesse meio probatório; c) – a questão da falsificação desse meio de prova não tenha sido objecto de discussão no processo em que aquela decisão foi proferida. II – No que respeita ao requisito enunciado no antecedente ponto I, alínea c), para que a parte vencida seja admitida a requerer a revisão tem de partir-se do pressuposto de que só veio a ter conhecimento da falsidade depois de findo o processo em que foi proferida a sentença a rever, excepto se a arguição não pôde ser considerada, porque o processo já não estava na altura de o tribunal poder apreciá-la. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO F…… intentou no TAC de Lisboa acção administrativa comum, com processo ordinário, contra a Agência Nacional de Compras Públicas, EPE, na qual peticionou a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 105 000, acrescida de juros à taxa de 4%, vencidos desde 18.12.2007, até integral pagamento, os quais perfazem, à data da instauração da acção, € 3 686,67. Por saneador-sentença de 23 de Julho de 2009 do referido tribunal foi a acção julgada procedente, e, em consequência, condenada a Agência Nacional de Compras Públicas, EPE, a pagar ao autor a quantia de € 105 000, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde 17 de Dezembro de 2007 e até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, a ré interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul.
Por acórdão de 19.1.2011 deste TCA foi concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a acção improcedente.
F…… veio, ao abrigo do art. 771º, al. b), do CPC de 1961, ex vi art. 154º n.º 1, do CPTA, requerer a Revisão do referido acórdão e, em consequência, que seja ordenada a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para a causa ser novamente instruída e julgada. II - FUNDAMENTAÇÃO 1) Em 30 de Outubro de 2008 deu entrada no TAC de Lisboa a petição inicial constante de fls. 3 a 11, dos autos principais (proc. n.º 2354/08.1 BELSB e, neste TCA, com o n.º 5675/09), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual se escreveu designadamente o seguinte: “(…)” , vem, propor e fazer contra
(…) (…)
(...) ”. “ (…) III – Com relevância para a decisão da causa está provado que: (…)
2) No Diário da República II Série nº242, de 17 de Dezembro de 2007 foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros nº 48-A/2007 com o seguinte teor: “(…) Cfr. documento de folhas 13 dos autos. (…) IV – DECISÃO (…)”. 3) A Agência Nacional de Compras Públicas, EPE, interpôs recurso da decisão descrita em 2) (cfr. fls. 88 a 99, dos autos principais). 4) F…… apresentou contra-alegações, as quais constam de fls. 112 a 121, dos autos principais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se consignou designadamente o seguinte: “(…)
(…)
(…)
(…) ”. 5) Em 19.1.2011 foi prolatado nos autos principais o acórdão constante de fls. 134 a 140, teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se concedeu provimento ao recurso referido em 3), revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a acção improcedente, e onde se consignou designadamente o seguinte: “No caso dos autos a exoneração foi feita a pedido, como consta da Resolução do Conselho de Ministros n.º 48-A/2007 (cfr. n.º 2, do probatório), o que evidentemente exclui a aplicação do regime de demissão por mera conveniência de serviço e a consequente obrigação do pagamento de uma indemnização.”. 6) O acórdão descrito em 5) foi notificado à mandatária de F…… por carta registada expedida em 20.1.2011 (cfr. fls. 144). 7) F…… entregou neste TCA Sul, em 23.2.2011, o requerimento relativo à interposição do presente recurso de revisão (cfr. fls. 2, deste apenso).
Presente a factualidade antecedente, cumpre analisar a admissibilidade do presente recurso de revisão, interposto por F……, do acórdão deste TCA descrito em 5), dos factos provados, maxime a questão suscitada por despacho de 15.7.2014.
A cognoscibilidade do presente recurso de revisão pressupõe, entre outros requisitos, que o acórdão que se pretende rever esteja transitado – cfr. art. 154º n.º 1, do CPTA, e art. 771º, corpo, do CPC de 1961.
Uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou reclamação (cfr. art. 677º, do CPC de 1961).
O acórdão proferido por este TCA em 19.1.2011 podia ser impugnado através de recurso de revista previsto no art. 150º, do CPTA (recurso ordinário), no prazo de 30 dias (cfr. art. 145º n.º 1, do CPTA), ou de reclamação, nos termos dos arts. 668º e 669º, ex vi art. 716º n.º 1, todos do CPC de 1961, no prazo de 10 dias (cfr. art. 29º n.º 1, do CPTA). No caso em apreciação verifica-se que a mandatária do ora recorrente, F……, foi notificada do acórdão deste TCA que se pretende rever por carta registada expedida em 20.1.2011 (cfr. n.º 6), dos factos provados), pelo que, nos termos do art. 254º n.º 3, do CPC de 1961, a mesma considera-se notificada dessa decisão em 24.1.2011, Segunda-feira. O ora recorrente apresentou neste TCA Sul, em 23.2.2011, o requerimento relativo à interposição do presente recurso de revisão (cfr. n.º 7), dos factos provados), data em que ainda não tinha terminado o prazo para a apresentação de recurso de revista do acórdão proferido em 19.1.2011, pois o prazo de 30 dias para a sua interposição terminava no final desse dia 23.2.2011. O art. 772º, do CPC de 1961, estatui sobre o prazo de interposição do recurso de revisão, o qual é aplicável no contencioso administrativo por força do prescrito no art. 154º n.º 1, parte final, do CPTA.
Efectivamente, e conforme esclarecem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Edição, 2010, pág. 1022, “O n.° 1 do artigo 154.° manda, entretanto, aplicar subsidiariamente ao recurso de revisão o "disposto no Código de Processo Civil, no que não colida com o que se estabelece nos artigos seguintes" . Uma das regras que, desde logo, cumpre aplicar, por efeito dessa remissão, é a do artigo 772 .° do CPC, quanto ao prazo de interposição do recurso. O recurso não pode, pois, ser interposto se tiverem decorrido mais de 5 anos sobre o trânsito em julgado da decisão recorrida e, para além disso, terá de ser interposto no prazo de 60 dias a contar do facto que é determinante para o exercício do direito de recurso (…)”.
No caso sub judice o recorrente funda o seu pedido de revisão na al. b) do art. 771º, do CPC de 1961.
Nestes termos, e face ao disposto no art. 772º n.º 2, al. d), do CPC de 1961, o presente recurso de revisão tinha de ser interposto no prazo de 60 dias a contar da data em que o recorrente teve conhecimento do facto que serve de base à revisão, ou seja, a contar da data em que teve conhecimento da falsidade da Resolução do Conselho de Ministros n.º 48-A/2007, publicada no DR, 2ª Série, de 17.12.2007 (no segmento em que se afirma que a exoneração de F…… foi a pedido) – neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3ª Edição Revista e Actualizada, 2010, pág. 538, o qual esclarece que, “Nos casos em que se invoque a falsidade de meio probatório (al. b)), a invalidade da confissão, desistência ou transacção (al. d)) ou a falta ou nulidade da citação (al. e)), o prazo conta-se a partir do conhecimento de algum desses factos.”.
Ora, conforme decorre dos factos provados, o recorrente, F……, desde Dezembro de 2007 que conhece a referida falsidade, ou seja, na data em que foi interposto o presente recurso de revisão – 23.2.2011 - já se encontra (largamente) excedido o prazo para o efeito.
Caso, assim, não se entenda, sempre teria de se considerar que não ocorre o motivo de revisão invocado pelo recorrente, o qual se encontra previsto na al. b) do art. 771º, do CPC de 1961 [“Se verifique a falsidade de documento (…) que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objecto de discussão no processo em que foi proferida;”], e está dependente da verificação dos seguintes requisitos: i) – invocação e demonstração da falsidade de documento; ii) – nexo causal entre esse meio de prova falso e a decisão a rever – esta terá de ter assentado, ainda que não na totalidade, nesse meio probatório; iii) – a questão da falsificação desse meio de prova não tenha sido objecto de discussão no processo em que aquela decisão foi proferida.
Estes requisitos justificam-se, pois, como salienta Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª Edição Aumentada e Reformulada, 2009, pág. 292, o recurso de revisão “No fundamental destina-se a ser válvula de escape para certo tipo de situações em que a posteriori se descortina algum facto demonstrativo de um vício decisivo que, na substância, atinge a decisão consolidada no caso julgado”.
O recurso de revisão é, portanto, algo de excepcional, já que atenta contra a autoridade do caso julgado formado pela decisão revidenda e, deste modo, contra a segurança e certeza jurídica que aquela envolve. Retomando o caso vertente, verifica-se que a alegada falsidade não constitui matéria nova para o ora recorrente, F……, dado que este, quando intentou, em 2008, a acção descrita em 1), dos factos provados, já tinha conhecimento dessa falsidade. E nessa acção arguiu tal falsidade. Se o TCA Sul não conheceu da mesma, deveria o ora recorrente ter arguido a nulidade do acórdão proferido em 19.1.2011. Não pode é com base em tal omissão intentar o presente recurso extraordinário de revisão.
Ou dito por outras palavras, não se verifica o requisita acima enunciado sob o ponto iii).
Com efeito, e como ensina Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. VI, 1953, págs. 344 a 347: “a) Falsidade de documento ou acto judicial. São três os requisitos que o n.º 2 exige: 1º Que se alegue ser falso um documento ou acto judicial; 2º Que a sentença se tenha fundado nesse documento ou acto; 3º Que a matéria da falsidade não haja sido discutida no processo em que a sentença foi proferida. (…) Terceiro requisito. Exige o n.º 2 que não se tenha discutido a falsidade do documento no processo em que a sentença foi proferida. O Código italiano, tanto o antigo como o novo, quer que a falsidade seja reconhecida ou declarada posteriormente à sentença a rever, ou, se já estava reconhecida ou declarada, que a parte vencida ignorasse esse facto. (…) Na base do terceiro requisito do n.º 2 do art. 771º está o mesmo pensamento que ditou a exigência da lei italiana. Se a parte vencida não arguiu a falsidade no processo anterior, uma de duas: a) Ou procedeu assim, porque ignorava que o documento fosse falso; b) Ou tinha conhecimento da falsidade, mas não quis socorrer-se dela. No 1º caso é admitido a requerer a revisão; no 2º caso não pode requerê-la. Manuel Rodrigues ensinava: A segunda condição é a de não haver sido discutida a matéria da falsidade no processo em que foi proferida a sentença. Exige-se o carácter de novidade, de superveniência no conhecimento, pois não se ter discutido só pode ter significado, quando se acrescente: por não se ter conhecido, visto as partes serem obrigadas a dar todos os esclarecimentos e o seu dever é deduzir toda a defesa na contestação. Como se vê, Manuel Rodrigues interpretava o n.º 2 do art. 771º como se a lei dissesse: não tendo a parte vencida conhecimento da falsidade ao tempo em que correu o processo anterior. Também assim o entendemos. A lei, em vez de se reportar à causa, reporta-se ao efeito; o facto de não se ter discutido a falsidade no processo findo toma-o a lei como sintoma ou indício de que a parte vencida ignorava que o documento fosse falso, aliás teria arguido a falsidade. Que esta interpretação é a única aceitável, infere-se dos arts. 365º, 493º e 772º, alínea b).(1) (…) Quer dizer, oferecido um documento que a parte contrária sabe ser falso, tem esta de arguir a falsidade dentro de prazo curto, sob pena de perder o direito de se socorrer da falsidade. (…) Em face deste regime, é evidente que para a parte vencida ser admitida a requerer a revisão com fundamento em falsidade de documento tem de partir-se do pressuposto de que só veio a ter conhecimento da falsidade depois de findo o processo em que foi proferida a sentença a rever; se o teve na pendência desse processo e não deduziu aí a arguição dentro do prazo marcado no art. 395º,(2) perdeu o direito de invocar a falsidade, quer no processo anterior, quer no processo de revisão. Seria absurdo que se fizesse a revisão duma sentença com base num facto que o requerente estava inibido de invocar no processo anterior. O art. 493º (3) corrobora esta doutrina. A lei serve-se do instrumento da preclusão para obstar a que as partes guardem maliciosamente para o fim excepções, incidentes e meios de defesa que podiam perfeitamente deduzir no princípio, sujeitando o tribunal a proferir decisões sobre elementos e materiais incompletos. Finalmente a alínea b) do art. 772º fixa, para a interposição do recurso, o prazo de 30(4) dias contados desde a data em que a parte teve conhecimento do facto que serve de base à revisão. Aplicando ao caso: o recorrente tem de interpor o recurso com base na falsidade do documento no prazo de 30 dias a contar daquele em que teve conhecimento da falsidade. Não pode, pois, pedir a revisão com essa base se já conhecia a falsidade na pendência do processo anterior, a não ser que tal conhecimento o obtivesse à última hora, quando já não lhe era lícito arguir aí a falsidade. Suponhamos que a parte vencida arguiu a falsidade no primeiro processo, mas a arguição não chegou a ser discutida nem apreciada. A letra do n.º 2 parece autorizar a conclusão de que em tal hipótese deve ser admitida a revisão. Mas há que distinguir: a) A arguição não foi atendida, porque a parte desistiu dela; b) A arguição não teve seguimento por qualquer dos motivos exposto no art. 368º;(5) c) A arguição não foi admitida, por ter sido deduzida fora do prazo legal; d) A arguição não pôde ser considerada, porque o processo já não estava na altura de o tribunal poder apreciá-la; e) A arguição não foi tomada em conta, porque o tribunal deixou, indevidamente, de conhecer dela. É manifesto que em qualquer das hipóteses figuradas ficou fechada a via de revisão, excepto na hipótese a que se refere a alínea d). Dir-se-á porventura: a revisão deve também ser admitida na hipótese prevista na alínea e); a parte não deve ser prejudicada pela desatenção ou incúria do tribunal. Não é assim. Se o tribunal não conheceu da falsidade, devendo conhecer, cumpriria à parte deduzir contra a sentença ou acórdão a nulidade da primeira parte do n.º 4 do art. 668º (6).; se o não fez, sibi imputet” (sublinhados e sombreados nossos). Conclui-se, assim, que o presente recurso de revisão deverá ser indeferido, por se mostrar excedido o respectivo prazo de interposição ou, caso, assim, não se entenda, por falta de verificação do motivo de revisão invocado pelo recorrente, o qual se encontra previsto na al. b) do art. 771º, do CPC de 1961. III - DECISÃO Pelo exposto, acordam, em conferência, as Juízes Desembargadoras da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Indeferir o requerimento de interposição do recurso de revisão. II – Condenar o recorrente nas custas. III – Registe e notifique. * Lisboa, 9 Outubro de 2014 _________________________________________ (Catarina Jarmela) _________________________________________ (Conceição Silvestre) _________________________________________ (Cristina Santos) 1) Que correspondem aos arts. 489º, 544º, 546º e 772º n.º 2, al. d), do CPC de 1961. |