Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo: 368/17.0BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:06/28/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO – JUNTA MÉDICA – CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES – COMPOSIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I – À junta médica da CGA compete verificar (confirmar) se ocorre incapacidade permanente em resultado de acidente, qualificado como acidente em serviço, e bem assim fixar o grau dessa incapacidade, quando existente (cfr. artigo 38º nº 1 do DL. nº 503/99), com vista a estabelecer a pensão devida, a qual consubstanciará reparação do dano sofrido em resultado do acidente de trabalho (cfr. artigo 34º nº 1 do DL. nº 503/99).

II – O parecer da junta médica da CGA prevista no artigo 38º do DL. nº 503/99, encontra-se sujeito ao dever de fundamentação nos termos do atualmente disposto no artigo 152º nº 1 alínea a) do CPA novo (DL. nº 4/2015), e concomitantemente deve tal fundamentação ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a qual deve apresentar como suficiente e com um mínimo de clareza que permita esclarecer concretamente a respetiva motivação (cfr. artigo 153º nºs 1 e 2 do CPA).

III - A circunstância de a atuação da junta médica da CGA no âmbito da reparação de acidentes de serviços a que aludem os artigos 38º e 39º do DL. nº 503/99 ser de natureza eminentemente técnica não a desonera do dever geral de fundamentação a que se encontra sujeita, fundamentação que deve permitir ao seu destinatário perceber as razões que conduziram à conclusão retirada.

IV – Nos termos do disposto no artigo 38º nº 1 alínea a) do DL. nº 503/99 as juntas médicas da CGA no caso de acidente em serviço são integradas por “um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside”, por “um perito médico-legal” e por “um médico da escolha do sinistrado”.

Votação:
UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES ré na presente ação administrativa de natureza urgente que contra si foi instaurada em 16/05/2017 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada por H…………….. (devidamente identificado nos autos) na qual, por referência ao acidente em serviço ocorrido em 06/05/2005, e reportando-se ao resultado da junta médica da CGA de 22/09/2015 e da junta médica de recurso de 10/05/2016, peticionou a sua anulação, por falta de fundamentação, e a condenação da entidade demandada a realizar nova junta médica emitindo um novo ato devidamente fundamentado que considere, para efeitos de determinação do grau de incapacidade permanente parcial toda a informação constante do processo clínico do autor inconformada com a sentença (saneador-sentença) do Tribunal a quo de 12/10/2017 pela qual, a entidade demandada foi condenada a promover a realização de uma nova Junta Médica, composta por médicos da especialidade, para reapreciação da confirmação e graduação da incapacidade permanente do autor, interpõe o presente recurso, pugnando pela revogação da sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
(Texto no Original)

O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Sul e neste notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu Parecer.
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Solicitado por despacho da relatora, por se considerar necessário para a boa decisão do recurso, ao Tribunal a quo a remessa do Processo Administrativo (instrutor) que não havia acompanhado os autos, foi o mesmo remetido e apensado aos autos (fls. 182).
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Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ DAS QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, vem colocada em recurso as seguintes questões essenciais:
- saber se a sentença recorrida errou ao considerar verificado o vício de falta de fundamentação - (conclusões 1ª a 13ª das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida erro no que tange ao julgamento que fez quanto à composição da junta médica – (conclusões 14ª a 17ª das alegações de recuso).
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
Na sentença (saneador-sentença) recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos, ipsis verbis:

A) O Autor desempenhou as funções de Agente Principal com o n.º M/……, sendo subscritor da Caixa Geral de Aposentações n.º ……. (cfr. fls. 1 a 9 do PA);

B) Em 06/05/2005, o Autor sofreu uma queda nas escadas da antiga sede da 1.ª Divisão Policial do Comando Metropolitano de Lisboa - CML (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial – PI a fls. 22 a 24 dos autos1);

C) Em 06/06/2006, foi iniciado o processo de sanidade com o NUP 2006LSB00…. respeitante ao Autor (cfr. fls. 55 do PA);

D) Em 25/03/2009, a Junta Superior Delegada da PSP deliberou no sentido de o Autor se encontrar apto para todo o serviço com Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 30%, se o acidente for considerado de serviço (cfr. documento n.º 4 junto com a PI a fls. 28 dos autos);

E) Em 05/05/2009, o Núcleo de Deontologia e Disciplinar do CML da Polícia de Segurança Pública (PSP) emitiu um relatório no processo n.º 2006LSB00......, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:

«(…)
O Agente Principal n.ºs …./135 711, H……… (…) no dia 2005MAI06, pelas 09H00, quando se encontrava de serviço, na sede da sua Divisão, na altura, sita na Rua das Taipas, em Lisboa, sofreu uma queda nas escadas, que lhe causou uma forte dor no ombro direito, sendo transportado de imediato ao Hospital de S. José, em Lisboa, onde recebeu tratamento e lhe foi diagnosticada uma rotura no ombro em questão, não carecendo de internamento, continuando a desempenhar as suas funções, contudo, em 2005MAI24, recebeu novamente tratamento no referido Hospital, por sentir dores no peito, não carecendo igualmente de internamento, mas como as dores ao nível do peito persistiam, foi transportado ao Hospital Militar Principal, onde efetuou vários exames e lhe foi diagnosticada uma angina instável, sendo transferido para o Hospital de Santa Marta, em Lisboa, onde foi submetido a intervenção cirúrgica, ficando internado, pelo que após a alta deu parte de doente.
(…)
02. Nestes termos, verifica-se que no acidente que vitimou o Agente Principal n.ºs ....../135 711, H…………, deste Cometlis, no dia 2005MAI06, pelas 09H00, há nexo de causalidade entre o serviço e o acidente, bem como entre este e as lesões sofridas, pelo que o acidente poderá ser considerado acidente de trabalho, atento o disposto na Lei 100/97, de 13 de Setembro, uma vez que não existem comportamentos do referido Agente Principal que descaracterizem o acidente, nos termos do artigo 7º da mencionada Lei.
(…)»
(cfr. documento n.º 1 junto com a PI a fls. 22 a 24 dos autos);

F) Em 06/07/2009, o Chefe do Gabinete de Deontologia e Disciplina da PSP proferiu despacho de qualificação como acidente de trabalho o acidente de que o Autor foi vítima em 06/05/2005 (cfr. documento n.º 5 junto com a PI a fls. 29 e 30 dos autos);

G) Na mesma data, o Chefe do Gabinete de Deontologia e Disciplina da PSP autorizou o pagamento das despesas suportadas pelo Autor decorrente do acidente referido na alínea A) supra (cfr. documento n.º 6 junto com a PI a fls. 31 a 32 dos autos);

H) Em 21/08/2009, o Autor assinou a declaração de notificação do despacho de 06/07/2009 (cfr. documento n.º 7 junto com a PI a fls. 33 dos autos);

I) Em 07/02/2011, o Autor foi submetido à Junta Superior de Saúde para efeito de atribuição de eventual grau de IPP, a qual deliberou o seguinte «patologia do foro cardíaco sem nexo com o acidente» (cfr. documento n.º 8 junto com a PI de fls. 34 a 36 do PA);

J) Em 04/04/2011, foi lavrada informação no processo de sanidade n.º 2006GDD00……, com o assunto “IPP NÃO RESULTANTE DE ACIDENTE DE TRABALHO – AUDIÊNCIA PRÉVIA”, na qual se propõe o arquivamento deste processo, uma vez que não foi atribuído qualquer grau de desvalorização ao Autor pela Junta Superior de Saúde, por o grau de incapacidade permanente parcial proposto não ter nexo de causalidade com o acidente de que foi vítima em 06/05/2005 (cfr. documento n.º 8 junto com a PI de fls. 34 a 36 do PA);

K) Em 03/05/2011, o Autor tomou conhecimento do teor da informação referida na alínea anterior (cfr. documento n.º 8 junto com a PI de fls. 34 a 36 do PA);

L) Em 15/06/2011, por despacho de concordância do Chefe do Gabinete de Deontologia e Disciplina da DN/PSP, exarado na Informação/Proposta n.º 2011 GDO 1544, foi determinado o arquivamento do processo de sanidade por «não [haver] nexo de causalidade com o acidente» (cfr. documento n.º 9 junto com a PI a fls. 37 a 41 dos autos);

M) A 08/07/2011, o Autor tomou conhecimento do conteúdo do Despacho de 15/06/2011 (cfr. documento n.º 9 junto com a PI a fls. 37 a 41 dos autos);

N) Em 17/02/2012, a Junta Superior de Saúde proferiu deliberação na qual se pode ler: «182 DIAS DE LICENÇA PARA TRATAMENTO COM INÍCIO EM 20/08/2011, FINDOS OS QUAIS INCAPAZ PARA TODO O SERVIÇO» (cfr. documento n.º 10 junto com a PI a fls. 42 dos autos);

O) Na mesma data, o Autor teve conhecimento da referida deliberação (cfr. documento n.º 10 junto com a PI a fls. 42 dos autos);

P) Em 05/07/2012, foi lavrada informação no processo de sanidade n.º 2006LSB00......, na qual se propõe o indeferimento do pedido de reabertura deste processo (cfr. documento n.º 12 junto com a PI a fls. 47 a 49 dos autos);

Q) Em 12/07/2012, o Autor tomou conhecimento da referida proposta (cfr. documento n.º 12 junto com a PI a fls. 47 a 49 dos autos);

R) Em 02/10/2012, a Direção da Caixa Geral de Aposentações reconheceu o direito à aposentação do Autor por incapacidade (cfr. fls. 18 e 19 do PA);

S) Em 25/02/2013, a Junta Superior de Saúde comunicou em sede de observações a seguinte deliberação: "Apresentou relatório médico que não justifica o nexo entre a incapacidade e o acidente" (cfr. documento n.º 13 junto com a PI a fls. 50 dos autos);

T) Em 25/09/2013, a Junta Superior de Saúde proferiu, em sede de observações, a seguinte deliberação: "Aguarda melhor fundamentação do nexo causal possivelmente no I.M legal." (cfr. documento n.º 14 junto com a PI a fls. 51 dos autos);

U) Com data de 04/10/2013, foi remetido ao Autor o ofício com a referência 19950 e o assunto «Marcação de Perícia Médico-Legal», no qual se comunicava a necessidade da sua comparência no dia 31/10/2013 no Serviço de Clínica Forense - delegação do sul do INMLCF, IP, a fim de ser submetido a perícia médico-legal de trabalho - Avaliação do dano Corporal (cfr. documento n.º 15 junto com a PI a fls. 52 dos autos);

V) Em 10/12/2013, foi elaborado o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, de cujas conclusões preliminares se extrai o seguinte:

«(…)
Para uma avaliação mais completa das consequências médico-legais do evento:
- Pede-se Perícia de Cardiologia a marcar em Hospital Público, sugerindo-se para o efeito o Hospital de Santa Cruz – Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, a fim de ver esclarecidas as seguintes questões:
- Confirmação do diagnóstico de angina instável, uma vez que, pela história da presente observação, as queixas parecem estar relacionadas apenas com esforço.
- Estabelecimento/Discussão do nexo de causalidade entre o traumatismo contundente referido à região torácica e a patologia/sintomas cardíacos em apreço.
- Para formulação das conclusões médico-legais finais, dever-nos-á ser enviado o relatório da perícia acima solicitada, (…)»
(cfr. documento n.º 16 junto a fls. 53 a 57 dos autos);

W) Em 23/01/2014, o Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, remeteu ao Autor a informação clínica da especialidade de cardiologia, assinada pelo Dr. Pedro Rio, datada de 08/01/2014, da qual consta que «a angina instável surgiu no contexto de acidente com traumatismo de torax admitindo-se como fator precipitante e que por isso apresenta nexo de causalidade com sintomas cardíacos. Doente sem queixas prévias ao sucedido» (cfr. documento n.º 17 junto com a PI a fls. 58 e 59 dos autos);

X) Em 24/02/2014, foi elaborado relatório da perícia em avaliação do dano corporal em direito do trabalho, no qual se concluiu o seguinte:
«- A doença aterosclerótica (obstrução do lúmen das artérias coronárias) não está relacionada com o acidente.
- Admite-se que o traumatismo torácico possa ter desencadeado os sintomas, por instabilização da placa aterosclerótica, pelo que se estabelece um nexo de causalidade médico-legal (traumatismo como fator precipitante de doença natural pré-existente).»
(cfr. documento n.º 18 junto com a PI a fls. 60 a 62 dos autos);

Y) Em 26/05/2014, foi proferida informação no processo de sanidade n.º 2006LSB00......, de cujo teor resulta que o Autor, na situação de aposentado, foi submetido a nova Junta Superior de Saúde, que emitiu a decisão de IPP de 20% e propôs a revogação do despacho de indeferimento da reabertura do processo e que a IPP seja considerada resultante do acidente de 06/05/2005, com a consequente remessa do processo à Caixa Geral de Aposentações (cfr. documento n.º 19 junto com a PI a fls. 63 a 68 dos autos);

Z) Em 26/05/2014, o Diretor Nacional da PSP lavrou despacho de concordância com o teor da informação referida na alínea anterior e no qual se decidiu revogar o despacho de 15/06/2011 e considerar a IPP atribuída ao Autor resultante do acidente (cfr. documento n.º 19 junto com a PI a fls. 63 a 68 dos autos);

AA) Na mesma data, a PSP remeteu à Caixa Geral de Aposentações o processo de sanidade NUP 2006LSB00...... respeitante ao Autor para efeitos de confirmação da desvalorização atribuída em 08/04/2014 (cfr. fls. 54 do PA);

BB) Em 20/08/2015, a Caixa Geral de Aposentações comunicou ao Autor, através do ofício com a referência EAC211MM....... /00, a necessidade da sua comparência perante a Junta Médica no dia 22/09/2015 em Lisboa (cfr. fls. 383 do PA);

CC) Em 22/09/2015, foi lavrado o auto de Junta Médica no qual se conclui que não se considera existir nexo de causalidade entre o acidente e o dano coronário aterosclerótico entretanto desenvolvido, não confirmando a incapacidade permanente parcial atribuída (cfr. fls. 384 do PA);

DD) Em 28/09/2015, os Diretores da Entidade Demandada, por delegação de competências do Conselho Diretivo, proferiram despacho de concordância e homologaram o parecer da Junta Médica (cfr. fls. 384 do PA);

EE) Com data de 28/09/2015, foi remetido ao Autor o ofício com a referência EAC211MM....... /00 e com o assunto “Junta Médica”, pelo qual se comunica que o resultado da Junta Médica realizada em 22/09/2015, relativa ao acidente de 06/05/2005, foi «Do acidente/doença em serviço não resultaram sequelas passíveis de desvalorização» (cfr. documento n.º 21 junto com a PI a fls. 70 dos autos);

FF) O Autor requereu junto da Caixa Geral de Aposentações a realização de junta de recurso, argumentando que o laudo emitido pelos peritos médicos que integraram a Junta Médica padece de falta de fundamentação e requerendo que integrasse a junta médica a Dra. Ana Abreu, médica da especialidade de cardiologia, do Hospital de Santa Marta (cfr. documento n.º 22 junto com a PI a fls. 71 a 94 dos autos);

GG) Em 31/03/2016, a Caixa Geral de Aposentações comunicou ao Autor, através do ofício com a referência EAC211MM....... /00, a necessidade da sua comparência perante a Junta Médica no dia 10/05/2016 em Lisboa (cfr. fls. 447 do PA);

HH) Em 10/05/2016, foi lavrado o auto de Junta Médica no qual se conclui que não existe nexo de causalidade entre o acidente e o dano coronário aterosclerótico entretanto desenvolvido, não confirmando a incapacidade permanente parcial atribuída (cfr. fls. 448 do PA);

II) Em 13/05/2016, os Diretores da Entidade Demandada, por delegação de competências do Conselho Diretivo, proferiram despacho de concordância e homologaram o parecer da Junta Médica (cfr. fls. 384 do PA);

JJ) Com data de 16/05/2016, a Caixa Geral de Aposentações comunicou ao Autor que o resultado da Junta de Recurso realizada em 10/05/2016 foi que «Do acidente/doença em serviço não resultaram sequelas passíveis de desvalorização» (cfr. documento n.º 23 junto com a PI a fls. 95 dos autos);

KK) Em 16/05/2017, deu entrada neste Tribunal Administrativa e Fiscal de Almada a petição inicial que deu origem aos presentes autos (cfr. fls. 2 dos autos).

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B – De direito

1. Do invocado erro de julgamento quanto à decidida falta de fundamentação – (conclusões 1ª a 13ª das alegações de recurso)
1.1 Por referência ao acidente em serviço ocorrido em 06/05/2005, e reportando-se ao resultado da junta médica da CGA de 22/09/2015 e da junta médica de recurso de 10/05/2016, o autor peticionou a sua anulação, por falta de fundamentação, e a condenação da entidade demandada a realizar nova junta médica emitindo um novo ato devidamente fundamentado que considere, para efeitos de determinação do grau de incapacidade permanente parcial toda a informação constante do processo clínico do autor.
1.2 Emerge dos autos, e assim foi considerado, e bem, na sentença recorrida, que na sequência de acidente qualificado pela entidade empregadora como acidente de serviço, o autor foi sujeito a junta médica para confirmação da IPP que lhe foi atribuída, a qual veio a concluir pela inexistência de nexo de causalidade entre o acidente de serviço de que o autor foi vítima e a doença coronária aterosclerótica que desenvolveu e, consequentemente, não confirmou a IPP de 20%. Parecer da Junta Médica que foi aprovado e homologado pela Direção da Entidade Demandada (vide B) a D), Z, AA) a DD) do probatório).
1.3 Notificado do ato de homologação e não se conformando com as conclusões alcançadas pela Junta Médica, o autor requereu a realização de Junta de Recurso, tendo indicado o médico da sua escolha, com a especialidade de cardiologia (vide EE) do probatório). Porém, a Junta de Recurso voltou a concluir pela inexistência de nexo de causalidade entre o acidente de serviço e a doença coronária aterosclerótica, não confirmando a IPP, parecer que foi homologado pela Direção da Entidade Demandada (vide GG) a JJ) do probatório).
1.4 O Tribunal a quo enfrentando a invocação de falta de fundamentação sustentada pelo autor na petição inicial da ação, disse o seguinte: «(…) Compulsado o teor do auto de Junta de Recurso (alínea HH) do probatório) verifica-se que o mesmo – tal como sucedeu com o parecer da primeira junta médica (alínea CC) do probatório) – se limita a afirmar conclusivamente a inexistência de nexo causalidade entre o acidente de serviço e a doença coronária aterosclerótica e a falta de confirmação da IPP, sem se pronunciar, nomeadamente, sobre os vários argumentos e documentos juntos pelo Autor, nem, bem assim, esclarecer em que factos (exames, análises, etc.) se baseia para suportar aquela conclusão. Não se nega que a atividade das juntas médicas se insere no âmbito da atividade administrativa denominada “discricionariedade técnica”, posto que se faz apelo a conhecimentos e instrumentos técnicos próprios da ciência médica e não da ciência jurídica, e, como tal, está vedado este Tribunal pronunciar-se sobre o mérito dos atos de homologação dos pareceres das juntas médicas. Dito de outro modo, «No juízo de valoração de conceitos técnicos regem os conhecimentos e regras próprias da ciência ou da técnica que estejam em causa, não cabendo ao Tribunal controlar a boa ciência ou a boa técnica empregues pela entidade administrativa, por manifesta falta de competência nas matérias extra-jurídicas para tanto necessária.» (v. acórdão do Tribunal Central ADministrativo Sul, processo n.º 05590/09, de 22/11/2012). Contudo, tal não significa que esteja absolutamente excluído o controlo jurisdicional dos atos administrativos discricionários, mesmo nos casos de discricionariedade técnica. Na senda do entendimento doutrinal e jurisprudencial que se crê maioritário, o controlo do mérito dos atos discricionários apenas compete à Administração, mas o controlo da legalidade dos atos discricionários pode ser feito pelos Tribunais e pela Administração. Assim, os atos discricionários podem ser atacados contenciosamente com fundamento em qualquer dos vícios do ato administrativo, mormente o vício de forma, como a falta de fundamentação (v. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Almedina Ed., 2.ª Ed., 2014, pág. 113 e acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo n.º 01485/09.5BEPRT, de 03/06/2016). E, reitera-se, o ato administrativo impugnado, na medida em que acolhe o teor do parecer da junta médica, padece do vício de falta de fundamentação, sendo totalmente omisso quanto aos pressupostos de facto em que assenta a sua decisão, ou seja, a falta de nexo de causalidade entre o acidente de serviço e a doença coronária de que padece o Autor.».
Tendo, então, concluído: «… que o ato administrativo sindicado padece do vício de falta de fundamentação, o que inquina este ato de anulabilidade (artigos 152.º, 153.º e 163.º do CPA).»
1.5 Diga-se, desde já, que deve ser mantido o assim entendido pelo Tribunal a quo, não merecendo acolhimento o recurso neste aspeto o recurso.
Vejamos porquê.
1.6 Dispõe o artigo 5º do DL. nº 503/99 que:

“Artigo 5º
Responsabilidade pela reparação
1. O empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma.
2. O serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes, nos termos previstos no presente diploma.
3. Nos casos em que se verifique a incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma”.

Por sua vez, a respeito da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações dispõem, designadamente, os artigos 34º, 38º e 40º do DL. nº 503/99 o seguinte:
“Artigo 34º
Incapacidade permanente ou morte
1 - Se do acidente em serviço ou da doença profissional resultar incapacidade permanente ou morte, haverá direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral.
2 - Quando a lesão ou doença resultante de acidente em serviço ou doença profissional for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente ou doença profissional, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, salvo se, por lesão ou doença anterior, o trabalhador já estiver a receber pensão ou tiver recebido um capital de remição.
3 - No caso de o trabalhador estar afetado de incapacidade permanente anterior ao acidente ou doença profissional, a reparação será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente ou doença profissional.
4 - As pensões e outras prestações previstas no n.º 1 são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações, regulando-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição.
5 - No cálculo das pensões é considerada a remuneração sujeita a desconto para o respetivo regime de segurança social.
6 - A pensão por morte referida no n.º 1 não é acumulável com a pensão de preço de sangue ou com qualquer outra destinada a reparar os mesmos danos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 41.º
7 - Se do uso da faculdade de recusa de observância das prescrições médicas ou cirúrgicas prevista no n.º 9 do artigo 11.º resultar para o sinistrado uma incapacidade permanente com um grau de desvalorização superior ao que seria previsível se o tratamento tivesse sido efetuado, a indemnização devida será correspondente ao grau provável de desvalorização adquirida na situação inversa.
8 - Se não houver beneficiários com direito a pensão por morte, não há lugar ao respetivo pagamento.”

O artigo 38º do DL. nº 503/99, o seguinte:
“Artigo 38º
Juntas médicas
1 - A confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações, que terá a seguinte composição:
a) No caso de acidente em serviço, um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um perito médico-legal e um médico da escolha do sinistrado;
b) No caso de doença profissional, um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um médico do Centro Nacional e um médico da escolha do doente.
2 - Se o sinistrado ou o doente não indicar o médico da sua escolha no prazo de 10 dias úteis contado da notificação da data da realização da junta médica, este será substituído por um médico designado pela Caixa Geral de Aposentações.
3 - A composição e funcionamento das juntas médicas é da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, que requisitará o perito médico-legal ao respetivo instituto de medicina legal ou o médico ao Centro Nacional e suportará os inerentes encargos, incluindo os relativos à eventual participação do médico indicado pelo sinistrado ou doente.
4 - Os encargos relativos à participação do médico indicado pelo sinistrado ou doente não podem ultrapassar um quarto da remuneração mínima mensal garantida mais elevada, sendo os relativos aos demais médicos os constantes das respetivas tabelas, caso existam, ou fixados por despacho do Ministro das Finanças.
5 - A determinação das incapacidades permanentes é efetuada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
6 - Nos casos previstos na alínea a) do n.º 1, em que o sinistrado seja militar ou equiparado, o perito médico-legal é substituído, sempre que possível, por um médico indicado pelo competente serviço de saúde militar, com formação específica em medicina legal.
7 - As decisões da junta médica são notificadas ao trabalhador e à entidade empregadora.”
“Artigo 39.º
Juntas de recurso
1 - O sinistrado ou o doente pode solicitar à Caixa Geral de Aposentações a realização de junta de recurso, mediante requerimento, devidamente fundamentado, a apresentar no prazo de 60 dias consecutivos a contar da notificação da decisão da junta médica.
2 - A junta de recurso tem a mesma composição da competente junta médica prevista no artigo anterior, devendo ser integrada por médicos diferentes dos que intervieram na junta inicial, à exceção do médico da escolha do sinistrado ou doente, que pode ser o mesmo.
3 - À junta de recurso aplica-se o disposto no artigo anterior.”

1.7 Neste enquadramento, à junta médica da CGA compete verificar (confirmar) se ocorre incapacidade permanente em resultado de acidente, qualificado como acidente em serviço, e bem assim fixar o grau dessa incapacidade, quando existente (cfr. artigo 38º nº 1 do DL. nº 503/99), com vista a estabelecer a pensão devida, a qual consubstanciará reparação do dano sofrido em resultado do acidente de trabalho (cfr. artigo 34º nº 1 do DL. nº 503/99).
1.8 Sendo assim, é indiscutível que o parecer da junta médica prevista no artigo 38º do DL. nº 503/99, se encontra sujeito ao dever de fundamentação nos termos do atualmente disposto no artigo 152º nº 1 alínea a) do CPA novo (DL. nº 4/2015), nos termos do qual “…para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente (…) neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos (…)”.
1.9 E concomitantemente deve tal fundamentação ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a qual deve apresentar como suficiente e com um mínimo de clareza que permita esclarecer concretamente a motivação do decidido (cfr. artigo 153º nºs 1 e 2 do CPA).
9. Como é sabido, o dever de fundamentação das decisões administrativas exige uma exposição das razões da concreta decisão, em ordem a assegurar a adequada e efetiva tutela dos direitos e interesses dos particulares face à administração, o que é constitucionalmente garantido no nº 3 do artigo 268º da CRP, onde se dispõe que “… os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
1.10 Ora, para se cumprir a exigência de fundamentação de uma decisão administrativa necessário é que se indiquem e exponham as razões factuais e jurídicas que se ponderaram ao tomar a decisão, mas também que com elas se componha um juízo lógico-jurídico, tendencialmente subsuntivo (no caso de poderes vinculados) ou teleologicamente orientado (no caso de poderes discricionários), de premissa maior e menor, das quais saia aquela conclusão. Significando, assim, que a fundamentação deve revelar claramente qual foi o iter lógico, o raciocínio do autor do ato para, perante a situação concreta, tomar aquela decisão (cfr., neste sentido Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª Edição, Almedina, Janeiro de 2003, pág. 602).
1.11 E, como se lê no Acórdão do STA (pleno) de 11-11-2004, Proc. nº 01953/02, , in www.dgsi.pt/jsta: “São sobejamente conhecidas as razões que levaram o legislador do CPA (seguindo o texto anterior dos nºs 2. e 3. do art.1º do Decr.-Lei nº 256-A/77 de 17 de Junho) a fixar esta disciplina. Por um lado, só o conhecimento dos motivos concretos que determinaram o autor do ato a pronunciar-se naquele preciso sentido e não noutro qualquer é que pode revelar ao administrado os eventuais vícios localizados nos antecedentes da decisão, designadamente o erro nos pressupostos ou o desvio de poder, possibilitando-lhe reagir contra ela da forma que considerar mais conveniente, em sede graciosa ou contenciosa. Por outro, a atividade intelectual em que se traduz a fundamentação do ato obriga também o seu autor a uma particular reflexão sobre a consistência das razões em que vai apoiar a decisão. O que lhe permite, eventualmente, alterar o discurso lógico, optando por argumentos mais sólidos conducentes a uma solução diferente daquela que, a uma primeira análise, se lhe antolhava como a mais correta. E, quanto aos parâmetros por que há-de orientar-se o exercício dessa obrigação legal, tem entendido a jurisprudência deste STA (cfr., entre muitos, os acs. do Tribunal Pleno de 24.11.94, de 30.09.93 e de 24.01.91 proferidos, respetivamente, nos recs. nºs 26 573, 28 532 e 25 563) com base, em parte, nas citadas disposições paralelas do Decr.-Lei nº 256-A/77, tratar-se de uma exigência flexível, adaptável às circunstâncias específicas de cada caso, nomeadamente à descrição normativa do ato, devendo, de qualquer modo, a fundamentação apresentar-se como clara, suficiente, concreta e congruente, ou seja, facilmente inteligível por um destinatário dotado de uma mediana capacidade de apreensão e regularmente atento.”
1.12 Na situação presente o Parecer da Junta Médica da CGA de 22/09/2015 (constante de fls. 384 do Vol. II do PA apenso) (que mereceu o despacho de concordância de 28/09/2015), limitou-se, após descrever as lesões, a considerar, por aposição da resposta «não» a cada uma das questões previamente enunciadas no «AUTO DE JUNTA MÉDICA», que das lesões apresentadas não resultava uma incapacidade permanente parcial, afirmando conclusivamente, que «…esta Junta não considera haver nexo de causalidade entre o acidente descrito e a doença coronária aterosclerótica entretanto desenvolvida no doente diabético» (vide CC) e DD) do probatório).
1.13 Metodologia que foi novamente a seguida na Junta Médica de Recurso, de 10/05/2016 (constante de fls. 448 do Vol. II do PA apenso) (que veio a merecer o despacho de concordância de 13/05/2016), a qual, do mesmo modo, após descrever as lesões, considerou, por aposição da resposta «não» a cada uma das questões previamente enunciadas no «AUTO DE JUNTA MÉDICA», que das lesões apresentadas não resultava uma incapacidade permanente parcial, afirmando novamente de modo conclusivo, que «…esta Junta não considera haver nexo de causalidade entre o acidente descrito e a doença coronária aterosclerótica» (vide HH) e II) do probatório).
1.14 Surge, assim, como evidente, não se encontrar minimamente motivada a conclusão, a que chegaram aquelas duas juntas médicas, como lhe era exigido.
1.15 E a circunstância de a atuação das juntas médicas da CGA, no caso particular no âmbito da reparação de acidentes de serviços a que aludem os artigos 38º e 39º do DL. nº 503/99, ser de natureza eminentemente técnica, como aliás foi reconhecido na sentença recorrida, não as desonera do dever geral de fundamentação a que se encontram sujeitas. Fundamentação que deve permitir ao seu destinatário perceber as razões que conduziram à conclusão retirada.
1.16 O entendimento reiterado da jurisprudência a respeito das juntas médicas da CGA é precisamente nesse sentido. Assim se entendeu, designadamente, no acórdão do TCA Norte de 25-11-2011, Proc. nº 01396/07.9BEPRT, in, www.dgsi.pt/jtcan, em que se sumariou, nomeadamente, o seguinte: «I. A fundamentação de uma decisão administrativa é obrigação do órgão decisor, e deverá, em princípio, ser expressa através de sucinta, clara, congruente e suficiente exposição da sua motivação, tudo no escopo de obrigar a administração a ponderar os motivos do que decide, e de permitir ao administrado compreender, e assim aderir ou reagir à decisão; II. Fundamentar não significa, necessariamente, demonstrar o mérito da decisão administrativa, mas antes indicar os fundamentos, factuais e jurídicos, em que se baseia, deixando ao administrado a possibilidade de ajuizar sobre o mérito; III. O cumprimento do dever de fundamentar não exigirá que as deliberações de Juntas Médicas expliquem de forma exaustiva e clara para os leigos as razões factuais em que alicerçam o respetivo diagnóstico, o que se exige é que externalizem, com um mínimo de densidade, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si mesmo ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e fundamentos do mesmo (…)»
E como se disse no acórdão do TCA Norte de 21-06-2007, Proc. nº 00022/04-Coimbra, in, www.dgsi.pt/jtcan, que se passa a citar: “Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato, ato este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do ato e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o acto em questão, pelo que importa e se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão.
A fundamentação consiste, portanto, em deduzir de forma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas e jurídicas em que assenta, visando impor à Administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu.

Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada ato e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal, em face do caso concreto, ajuizar da sua suficiência mediante a adoção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos atos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
Com tal dever de fundamentação visa-se "captar com transparência a atividade administrativa", sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, é um importante sustentáculo da legalidade administrativa e constitui um instrumento fundamental da respetiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral na interpretação do ato administrativo.
Para se atingir aquele objetivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual.
Note-se que a fundamentação do ato administrativo é suficiente se, no contexto em que o mesmo foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
É contextual a fundamentação quando se integra no próprio ato e dela é contemporânea.
A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
Revertendo ao caso em análise temos, para nós, que contrariamente ao entendimento da recorrente o ato administrativo objeto de recurso contencioso tem-se como carecido de fundamentação suficiente e adequada porquanto um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, não fica em condições de saber o motivo porque se decidiu daquela forma em termos de indeferimento da pretensão do aqui recorrido.”

1.17 Na situação presente é claro que as juntas médicas da CGA, que mereceram os respetivos despachos de concordância que sobre elas recaíram, não explicitam minimamente o juízo, nelas firmado, de inexistência de nexo de causalidade entre as lesões atualmente apresentadas pelo autor e o acidente em serviço que sofreu em 06/05/2005, juízo de que resultou a não fixação de qualquer grau de incapacidade permanente para o serviço.
1.18 Foi, pois, correto o julgamento feito na sentença recorrida de verificação do vício de falta de fundamentação, gerador da anulabilidade do ato nos termos dos artigos 152º, 153º e 163º do CPA. Não colhem, por conseguinte, as conclusões 1ª a 13ª das alegações de recurso.
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2. Do invocado erro de julgamento no que tange à composição da junta médica – (conclusões 14ª a 17ª das alegações de recuso)
2.1 Mas a sentença recorrida não se limitou a mandar repetir a junta médica da CGA a fim de emitir um novo parecer, agora devidamente fundamentado. Isto porque, enfrentando a alegação, que também foi feita pelo autor na petição inicial da ação, a respeito da composição das Juntas Médicas, considerou, apoiando-se no entendimento vertido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04-03-2016, Proc. nº 00467/10.9BEMDL, que acompanhou, que “…não tendo a composição das Juntas Médicas em apreço atentado às patologias que justificaram a sua realização, designadamente sendo compostas por clinicas da especialidade de cardiologia”, procedia “…o arguido vício de violação de lei, por violação dos princípios da justiça e da prossecução do interesse público, por que se deve pautar a atuação administrativa (artigos 4.º e 8.º do CPA)”.
2.2 Insurge-se a recorrente CGA contra o assim entendido, defendendo, em suma, que tal não se extrai do disposto nos artigos 38º e 39º do DL. nº 503/99 a respeito da composição das juntas médicas, incluindo a junta médica de recurso; que o que a lei exige é que aquelas juntas médicas integrem pelo menos um perito médico-legal da área de avaliação do dano corporal em matéria cível e em matéria de acidentes de trabalho, o que sucede sempre com as juntas médicas por acidente de serviço, que são sempre compostas por médicos com formação e experiência na área de avaliação do dano corporal e que o indicado acórdão do TCA Norte em que a sentença recorrida se suportou foi proferido em situação distinta da presente, por estar em causa a avaliação de incapacidade para efeitos de reconhecimento do direito à aposentação com fundamento em incapacidade para o trabalho.
2.3 Recuperemos o disposto nos artigos 38º a 39º do DL. nº 503/99, que é o seguinte:
“Artigo 38º
Juntas médicas
1 - A confirmação e a graduação da incapacidade permanente é da competência da junta médica da Caixa Geral de Aposentações, que terá a seguinte composição:
a) No caso de acidente em serviço, um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um perito médico-legal e um médico da escolha do sinistrado;
b) No caso de doença profissional, um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside, um médico do Centro Nacional e um médico da escolha do doente.
2 - Se o sinistrado ou o doente não indicar o médico da sua escolha no prazo de 10 dias úteis contado da notificação da data da realização da junta médica, este será substituído por um médico designado pela Caixa Geral de Aposentações.
3 - A composição e funcionamento das juntas médicas é da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, que requisitará o perito médico-legal ao respetivo instituto de medicina legal ou o médico ao Centro Nacional e suportará os inerentes encargos, incluindo os relativos à eventual participação do médico indicado pelo sinistrado ou doente.
4 - Os encargos relativos à participação do médico indicado pelo sinistrado ou doente não podem ultrapassar um quarto da remuneração mínima mensal garantida mais elevada, sendo os relativos aos demais médicos os constantes das respetivas tabelas, caso existam, ou fixados por despacho do Ministro das Finanças.
5 - A determinação das incapacidades permanentes é efetuada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
6 - Nos casos previstos na alínea a) do n.º 1, em que o sinistrado seja militar ou equiparado, o perito médico-legal é substituído, sempre que possível, por um médico indicado pelo competente serviço de saúde militar, com formação específica em medicina legal.
7 - As decisões da junta médica são notificadas ao trabalhador e à entidade empregadora.”
“Artigo 39.º
Juntas de recurso
1 - O sinistrado ou o doente pode solicitar à Caixa Geral de Aposentações a realização de junta de recurso, mediante requerimento, devidamente fundamentado, a apresentar no prazo de 60 dias consecutivos a contar da notificação da decisão da junta médica.
2 - A junta de recurso tem a mesma composição da competente junta médica prevista no artigo anterior, devendo ser integrada por médicos diferentes dos que intervieram na junta inicial, à exceção do médico da escolha do sinistrado ou doente, que pode ser o mesmo.
3 - À junta de recurso aplica-se o disposto no artigo anterior.”

2.4 Ora, o que resulta do disposto no artigo 38º nº 1 alínea a) que as juntas médicas da CGA no caso de acidente em serviço, são integradas por “um médico da Caixa Geral de Aposentações, que preside”, por “um perito médico-legal” e por “um médico da escolha do sinistrado”.
Pelo que não se vê ali acolhimento para o entendimento, feito na sentença recorrida, de que “…a Caixa Geral de Aposentações não pode escolher quaisquer médicos, independentemente da sua área de especialidade e das patologias de que padecem os sinistrados, para integrar as juntas médicas.
2.5 Nem pode simplesmente transpor-se o entendimento que foi seguido no acórdão do TCA Norte de 04-03-2016, Proc. nº 00467/10.9BEMDL, como o fez a sentença recorrida, quando, como bem refere a recorrente, aquele se debruçou sobre norma diferente, em concreto sobre o artigo 91º do Estatuto da Aposentação, e em diverso contexto circunstancial.
2.6 Por outro lado, importa ater que na petição inicial da ação o autor apenas invocou a este respeito que «…tendo os relatórios médico-periciais apresentados pelo A, sido elaborados por Médicos Cardiologistas – clínicos especialistas nas patologias sofridas pelo A. – é por demais manifesto que nunca os mesmo poderiam ter sido postos em causa por perícias levadas a cabo por clínicos de Medicina Geral (como foi no caso da Junta Médica e da junta médica de revisão)».
Ora, não só a questão, tal como foi invocada na ação, só se poderia eventualmente colocar relativamente ao médico da Caixa Geral de Aposentações, já que o segundo médico deve ser, como bem sustenta a recorrente, um médico da área médico-legal («perito médico-legal» na expressão legal) e o terceiro médico será da escolha do próprio sinistrado (cfr. artigo 38º nº 1 alínea a) do DL. nº 503/99), como dos autos nada resulta quanto à concreta composição (e habilitações) dos médicos que compuseram cada uma das duas juntas médicas.
2.7 Não tem, assim, suporte, o juízo conclusivo feito na sentença recorrida. Procedendo, pois, nesta parte, o recurso, tendo a sentença incorrido em erro de julgamento, com violação do artigo 38º nº 1 alínea a) do DL. nº 503/99, ao determinar que a nova junta médica a realizar fosse composta por «médicos da especialidade».
Sentença, que nesse segmento, deve ser revogada.
O que se decide.

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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que determinou que a nova junta médica a realizar fosse composta por «médicos da especialidade», e confirmando-a no restante.
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Custas, nesta instância, por recorrente, e recorrido, em partes iguais – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 18 de junho de 2018

Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho