Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1577/14.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/14/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO;
DOCUMENTO;
NULIDADE;
FACTOS.
Sumário:1. A junção de documentos na fase judicial do processo contra-ordenacional tributário está limitada ao encerramento da audiência; só em casos excepcionais pode essa junção ser admitida em fase posterior, nomeadamente se for alegado e provado que não foi possível oferecer o documento no momento adequado e este se destina a assegurar o direito de defesa.
2. Deve ser admitido um documento junto com as contra-alegações do recurso jurisdicional, que visa provar um facto relacionado com questão que só nesta fase do processo foi suscitada.
3. Não existe nulidade da sentença por omissão de pronúncia se a questão alegadamente omitida não foi oportunamente suscitada nem era de conhecimento oficioso.
4. A descrição dos factos na decisão que aplica uma coima deve permitir ao arguido tomar integral conhecimento dos factos que lhe são imputados, a fim de se poder defender cabalmente da imputação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na secção de contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. Relatório
1.1. As partes
A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que no recurso de contra-ordenação interposto por L……. – C……, S.A., concedeu provimento ao recurso, veio da mesma interpor recurso jurisdicional.
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1.2. O Objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formula as seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso visa reagir contra a sentença que declara a nulidade da decisão de aplicação de coima recorrida.
2.ª Refere a sentença proferida pelo tribunal ad quo que: “Decorre assim da alínea b) do referido art.° 79.° do RGIT que constitui requisito legal da decisão de aplicação da coima por parte da autoridade administrativa, a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas. (...) E, da decisão de aplicação de coima, ora em causa, afigura-se-me que não resultam factos suficientes, nem de forma sumária, que permitam esclarecer e fundamentar a decisão e aplicação de coima.(...)
O artigo 63.°, n.° 1, al. d) do RGIT, fere com a nulidade insuprível a decisão administrativa a que faltem esses elementos ...”
3.ª Contudo, não nos podemos conformar com tal resolução por ser desajustada aos elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente a decisão de aplicação de coima, as informações realizadas pelo serviço de finanças, o auto de notícia.
Refere a decisão recorrida estar em causa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 79.º do RGIT - “A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas.”
4.ª Atente-se no entanto a que os elementos considerados em falta, constam do acto posto em crise.
5.ª Nesse iter que se segue ao levantamento pelo órgão competente do auto de notícia, o que fez nos termos do n.º 1 do art.º 57 do RGIT constam, além de outros, os elementos que caracterizam a infracção, o montante de imposto exigível: €636.530,66; o valor da prestação tributária entregue: €236.829,48; o valor da prestação tributária em falta: €399.701,18, o período a que respeita a infracção: 2012/12 e o termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2013-02-11.
Ou seja, tudo em conformidade com os previstos requisitos legais.
6.ª Como refere acerca da dedução de imposto em sumário o acórdão do STA proferido no processo 256/10 e datado de 02-06-2010, disponível em www.dgsi.pt:
“Os sujeitos passivos de IVA têm direito a deduzir o IVA por si suportado e incidente sobre as operações tributáveis efectuadas a montante, designadamente o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços, nos termos do artigo 19.°, n.° 1, alínea c) do CIVA.
II - Em regra, a dedução deve ser efectuada na declaração do período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou documentos equivalentes (n.° 2 do artigo 22.° do CIVA).
III - Todavia, nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respectiva liquidação e dedução ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução são aceites sem quaisquer consequências desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber (n.° 15 do artigo 71.° do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos).
IV - O sujeito passivo não está impedido de apresentar a declaração de substituição em momento posterior a uma primitiva liquidação, devendo aquela ser considerada para efeitos de determinação do imposto devido, embora sem prejuízo da penalidade que ao caso couber.”
7.ª Como se pode pois concluir sem qualquer margem para dúvidas, sendo a declaração periódica de IVA a declaração correspondente ao imposto apurado pelo próprio sujeito passivo, a qual se deve presumir verdadeira e de boa-fé nos termos do art.º 75.º da LGT e, estando além do mais o despacho em crise fundamentado nessa declaração, encontra-se clara e suficientemente fundamentado, pois o imposto apurado e a pagar pelo sujeito passivo resulta já da operação consistente na dedução do IVA por si suportado e incidente sobre as operações tributáveis efectuadas a montante, designadamente o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços, nos termos do artigo 19.°, n.° 1, alínea c) do CIVA.
8.ª Acresce que, o sujeito passivo, em consonância, pagou o imposto apenas parcialmente, pelo que se encontra devidamente ciente do montante e dos motivos que estiveram na origem dessa insuficiência de pagamento da prestação tributária devida.
9.ª Assim, caso houvesse imposto que se encontrasse por liquidar ou tivesse sido indevidamente liquidado nos termos legais, nada impedia o SP de apresentar a declaração de substituição.
Fá-lo-ia contudo em momento posterior a uma primitiva liquidação, devendo ser aquela outra considerada para efeitos de determinação do imposto devido, embora sem prejuízo da penalidade que ao caso coubesse.
10.ª Como se conclui, o imposto a entregar resulta já da operação feita pelo SP e que se encontra indicada na DP, operação que tem como fim apurar qual o montante exacto a entregar nos cofres do Estado – método subtractivo ou do crédito de imposto que por via da liquidação e da dedução, se reflecte na declaração periódica.
Aí constam já os montantes exatos não apenas da prestação deduzida, mas também do resultado - o montante de imposto apurado e a pagar ao Estado que corresponde ao valor excedente relativamente ao liquidado, incluindo-se nesses cálculos como se disse, a prestação deduzida nos termos da lei.
11.ª Nesta senda, a sentença recorrida, ao fundamentar indevidamente os factos por errada apreciação da prova, procedeu à interpretação e aplicação correcta das normas aplicáveis reguladoras do caso em apreço, acolhendo indevidamente a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT e o disposto no artigo 63.º, n.º 1 al. d), do RGIT. Termos em que não se pode manter na ordem jurídica.
12.ª Pois que até em sentido contrário a jurisprudência tem considerado, não ser exigível pelo artº. 79.º, n.º1, al. b), do R.G.I.T., a concreta enumeração dos factos provados e não provados, mas uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito que fundamentam a decisão, o que se considera ter sido observado pelo órgão autuante que permitiu com a sua descrição factual que tal fosse suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.
13.ª Para além do que, é ainda prejudicial a questão da tempestividade. Como se sustenta, a sentença proferida pelo Tribunal ad quo não procedeu ao efectivo saneamento o que prejudicou a boa instrução dos autos.
Ou seja, tendo sido a arguida notificada da decisão administrativa primeiramente no dia 22/04/2013 por aplicação de coima face à apresentação dentro do prazo legal com pagamento insuficiente da declaração periódica de IVA do período de 2012/12, punível nos termos do art.º 114.º do RGIT, veio a mesma a deduzir recurso judicial que apresentou apenas em 24/05/2013, isto é, extemporaneamente.
Assim, feitas as contas, o prazo de recurso da decisão proferida pela entidade administrativa terminara no dia 23 de Maio de 2013, contado nos termos das disposições conjugadas dos arts. 59.º e 60.º, ambos do D.L. nº 433/82, de 27 de Outubro e artigo 80.º n.º 1 do RGIT. Não obstante foi o procedimento de contra-ordenação suspenso em 17/04/2013 e proferida nova notificação de fixação de aplicação de coima em Outubro do mesmo ano.
14.ª Portanto, uma vez que a arguida apresentou o recurso na entidade administrativa no dia 24 de Maio de 2013, fê-lo após o termo do prazo de que dispunha para a apresentação de tal acto.
15.ª Tal excepção que deveria ter sido conhecida na fase de saneamento, também face às disposições do Código de Processo Civil supletivamente aplicável, impede a apreciação das questões de mérito.
16.ª Nestes termos e nos melhores de direito, não podendo o juiz deixar de se pronunciar sobre questões que deva apreciar e tendo conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, não pode a decisão proferida manter-se na ordem jurídica nos termos da alínea d) do art.º 615.º do CPC
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1.2.2. Contra-alegações
A recorrida contra-alegou, concluindo deste modo:
1.ª O presente recurso vem interposto da sentença de 16/01/2018, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no processo n.2 1577/14.9BELRS.
2.ª O referido processo culminou com a prolação de uma sentença, que julgou procedente o recurso de contra-ordenação, tendo declarado a nulidade da decisão de aplicação da coima, nos termos do disposto no artigo 63.2, n.9 1, alínea d) do RGIT, em virtude da:
i. Violação do estabelecido no artigo 79.2, n.2 1, alínea b) do RGIT, pelo facto da decisão de aplicação da coima não conter factos suficientes que permitam esclarecer e fundamentar a mesma;
ii. Violação do estabelecido no artigo 79.2, n.2 1, alínea c) do RGIT, por a decisão de aplicação da coima omitir os fundamentos essenciais para a quantificação concreta da coima.
3.ª Não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a Fazenda Publica vem agora recorrer, apenas na parte referente ao primeiro fundamento da sentença, i.e., a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo faz do artigo 79.2, n.2 1, alínea b) do RGIT.
4.ª Assim, o segundo fundamento da sentença (ii) Violação do artigo 79.º, n.º 1, alínea c) do RGIT, parece ter sido aceite pela Fazenda Publica.
5.ª No seguimento do recurso interposto nos autos de processo supra identificados a Fazenda Publica, apresentou as suas alegações de recurso, concluindo que não deveria o Tribunal a quo ter decidido pela procedência do recurso de contra-ordenação, em virtude de:
I. O Tribunal a quo não ter procedido devidamente ao saneamento do processo, face a alegada intempestividade do recurso de contra-ordenação.
II. Face aos elementos probatórios constantes dos autos, não se verificar a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT, por violação do disposto no artigo 79.º n.º 1, alínea b) do RGIT.
6.ª Relativamente a primeira questão suscitada pela Fazenda Pública e tendo em conta o modo como foi formulada, o que se pretende ver apreciado e decidido é a questão de saber se a não pronúncia sobre matéria de conhecimento oficioso, in casu caducidade do direito de acção, não arguida por qualquer das partes, pode ou não conduzir a nulidade da decisão recorrida nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
7.ª No Âmbito do processo contra-ordenacional as nulidades da sentença não estão previstas no Código de Processo Civil, mas antes no Código de Processo Penal (CPP), por força do disposto no artigo 3.2, alínea b) do RGIT e no artigo 41.2 do RGCO (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/06/2000, proferido no Âmbito do processo 24576).
8.ª Assim, no caso em apreço, a nulidade da sentença recorrida deverá ser apreciada de acordo com o regime previsto no Código de Processo Penal, em concreto no artigo 379.º do CPP, o qual estabelece que: "É nula a sentença quando: (...) c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".
9.ª Sobre a omissão de pronúncia quanto a questões de conhecimento oficioso, como é o caso da caducidade do direito de acção, já se pronunciou por diversas vezes a nossa jurisprudência e doutrina, sendo entendimento unânime de que "(...) o não conhecimento da eventual caducidade do direito de acção em sede de recurso da decisão de aplicação de coima não consubstancia uma nulidade devido a omissão de pronúncia" (sublinhado nosso) (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23/04/2015, proferido no âmbito do processo n.2 08459/15).
10.ª Face ao exposto, e por demais evidente, que a sentença ora recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, devendo assim improceder este fundamento do recurso.
11.ª Não obstante, sempre se diga ainda que a sentença em causa não incorreu sequer em erro de julgamento, porquanto o recurso da decisão de aplicação da coima apresentado pela Recorrida se afigura tempestivo.
12.ª Tendo a Recorrida na sua petição inicial afirmado ter sido notificada em 07/05/2013 e pretendendo a Fazenda Publica invocar a excepção da caducidade do direito de acção, em função das regras do ónus da prova, incumbia-lhe demonstrar que a notificação ocorreu em data anterior. O que não fez!
13.ª Não obstante e para que não existam quaisquer duvidas sobre a data em que ocorreu a notificação da decisão de aplicação da coima e consequentemente sobre tempestividade do recurso dessa decisão, a ora Recorrida, ao abrigo do principio da investigação vigente no processo judicial tributário (cfr. artigo 99.2, n.2 1 da LGT e artigo 13.2, n.2 1 do CPPT), requer a juncão aos autos do print do sitio da internet do VIA CTT, o qual atesta que a notificação da decisão de aplicação da coima com a identificação: 22013146…, objecto dos presentes autos, tem como data de entrega do dia 15/04/2013 e como data de leitura (1.º acesso ao documento) o dia 07/05/2013 (cfr. Documento n.º 1, que se junta e cujo conteúdo se da por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
14.ª Sobre a admissibilidade da junção do referido documento em fase de recurso, veja-se, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23/04/2015, proferido no âmbito do processo n.2 08459/15, que num caso semelhante aos dos presentes autos admitiu tal junção.
15.ª De acordo com o disposto no n.2 1 do artigo 80.2 do RGIT: "As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação (...)".
16.ª No caso em apreço, conforme resulta do documento n.2 1 junto as presentes contra-alegações, a Recorrida foi notificada da decisão de aplicação da coima no dia 07/05/2013, tal como havia afirmado na sua petição inicial.
17.ª Assim, tendo a ora Recorrida apresentado o seu recurso da decisão de aplicação da coima em 24/05/2013, através de correio registado, é por demais evidente que o mesmo se afigura tempestivo, devendo, por isso julgar-se improcedente a excepção de caducidade do direito de acção invocada pela Fazenda Publica, no presente recurso.
18.ª Quanto a segunda questão suscitada pela Fazenda Publica, o que se pretende ver apreciado e decidido é a questão de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, em virtude da errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 63.º, n.1, alínea d) e 79.º, n.º 1, alínea b) ambos do RGIT.
19.ª Para sustentar a sua posição, a Fazenda Publica alega que os elementos considerados em falta pela sentença recorrida que declarou nula a decisão de aplicação da coima, constam do acto posto em crise.
20.ª Decorre do disposto na alínea d) do n.2 1 do artigo 63.2 do RGIT, que "1.
Constituem nulidades insupríveis no processo de contra-ordenação tributário: (...) d) a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido".

21.ª Por seu turno, o n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, estabelece que-: "A decisão que aplica a coima contém b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas" (sublinhado nosso).
22.ª A propósito da descrição sumária dos factos, a doutrina e a jurisprudência tem entendido que "0 que exige esta norma [artigo 79.2, n.2, alínea b) do RGIT], interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art.º.32, n.º 10, da C.R.P.) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. Pela mesma razão, a de que é necessário assegurar que o arguido se apercebe dos factos que lhe são imputados, não pode considerar-se suficiente uma indicação factual implícita, dedutível do enquadramento jurídico que na decisão é dado à infracção. Nestes termos, a mera indicação da norma jurídica violada não pode considerar-se suficiente para preencher o requisito de descrição sumária dos factos, pois não é descrição de factos, nem o arguido tem obrigação de conhecer os diplomas legais para suprir a omissão pela Administração Tributária dos deveres de descrição factual" (sublinhado nosso) (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º 06925/13).
23.ª No caso em apreço, conforme resulta da notificação da decisão de aplicação da coima, junta como documento n.º 1 da petição inicial e que constitui objecto do recurso da contra-ordenação, a mesma não contém qualquer referência a descrição sumaria dos factos...
24.ª Face a inexistência da descrição sumaria dos factos, bem andou a sentença recorrida ao considerar que a decisão de aplicação da coima padece de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 63.2, n.2. 1, alínea d) do RGIT, por violação do estabelecido no artigo 79.2, n.2 1, alínea b) do RGIT.
25.ª Posto isto, devera a sentença ser mantida e, em consequência, julgado improcedente o presente recurso.
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1.3. Parecer do Ministério Público
O Exm.º Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu o seguinte douto parecer:
A Fazenda Pública veio recorrer da douta sentença proferida a fls. 75 e seg., pelo Tribunal Tributário de Lisboa, por com ela se não conformar, que julgou procedente o recurso de contra-ordenação apresentado por “L....... – C........, S.A.”, que declarou a nulidade da decisão de aplicação da coima.
A recorrente alegou nos termos conclusivos que constam a fls. 87v e seg., pedindo a revogação da decisão recorrida.
Por seu lado, a recorrida veio responder ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado. (cfr. fls. 97 e seg.)
O recurso apresentado insurge-se contra o facto de a douta sentença recorrida ter declarado a nulidade da decisão de aplicação da coima.
Analisando os autos, entendemos que o presente recurso deverá improceder.
A douta sentença em recurso encontra-se bem fundamentada de facto e de direito e fez uma correcta e suficiente análise da matéria de facto e correcta foi a sua subsunção jurídica, pelo que não merece censura alguma.
A douta decisão em recurso não sofre de qualquer vício, nomeadamente de erro de julgamento, deficiente apreciação dos factos considerados provados ou violação das normas aplicáveis ao caso.
Neste sentido, reproduzimos aqui os argumentos utilizados pela recorrida na sua resposta ao recurso, que se nos afiguram suficientemente fundamentados e correctamente formulados, sendo susceptíveis de pôr em causa os argumentos utilizados pela recorrente para atacar a douta sentença proferida nos autos.
No que se refere á nulidade da decisão de aplicação da coima, a recorrente não tem razão, porquanto basta ler tal decisão para se concluir que da mesma não consta a descrição dos factos, ainda que sumária, nem a indicação dos elementos que fundamentaram a punição aplicada.
Como bem tem entendido o S.T.A., a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto.
No caso de decisões de aplicação de coimas, os factos integrativos da conduta a sancionar devem estar devidamente descritos, assim como elementos que fundamentam a punição aplicada, porque só assim é possível ao arguido, destinatário do acto, entender as razões pelas quais foi punido.
Em suma, a recorrente não tem qualquer razão em atacar a douta sentença sob recurso, pelo que o recurso tem de improceder.
Nestes termos, somos do parecer que o recurso deve improceder, devendo a douta decisão sob recurso ser mantida na esfera jurídica, uma vez que não sofre de qualquer vício.
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1.4. Questões a decidir
1. Saber se é admissível a junção do documento apresentado pela recorrida com as suas contra-alegações;
2. Saber se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;
3. Se existe erro de julgamento
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2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.2. Factos provados

1. No dia 08/03/2013, na Direção de Serviços de Cobrança do IVA, o Diretor de Serviços, F............, procedeu ao levantamento de auto de notícia ao sujeito passivo, L........-C........, SA. por, alegadamente a, ora recorrida, não ter entregado nos Cofres do Estado o IVA referente a 2012/12, no valor de € 399.701,18 – cfr. fls. 2 dos autos;

2. O auto de notícia, mencionado no ponto anterior, deu origem ao processo de contra-ordenação fiscal n.º 3107201306025…, cuja parte administrativa correu os seus termos no Serviço de Finanças de Lisboa-8 e, foi autuado em 08/03/2013 - cfr. fls. 1 dos autos;

3. Por despacho de 17/04/2013, foi suspenso o processo de contra-ordenação por indício de crime – cfr. fls. 9 e 47 dos autos;

4. Em 06/04/2013, foi proferida decisão de aplicação da coima no valor de € 45.000,00 – cfr. fls. 5 dos autos;

5. Da decisão de fixação da coima, consta o seguinte quanto à Descrição Sumária dos factos: “Ao arguido foi levantado auto de notícia pelos seguintes factos: 1- Montante do imposto exigível: € 636.530,66; 2- Valor da Prestação Tributária Entregue: € 236.829,48; 3- Valor da Prestação Tributária em falta: € 399.701,18; Período a que respeita a infração: 2012/12; Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2013/02/11, os quais se dão como provados. Número da liquidação nº 2013 017004002…” – cfr. fls. 5 dos autos;

6. Da Decisão de Fixarão da Coima constam ainda “Normas Infringidas: art. 27º, nº 1 e 41º,nº 1 al. a) CIVA CIRC (falta de pagamento do imposto; Normas Punitivas: art. artigo 114.°, n.º 2 e 5, al. a) e 26.° n.º 4, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) – (Falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo (M)) ” – cfr. fls. 5 dos autos;

7. Da decisão de fixação da coima, a informação referente a “Requisitos / Contribuinte” consta o que a seguir se transcreve:


“Texto Integral com Imagem”


2.1.3. FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos, com interesse para a questão em apreciação, constantes da acusação do Digno Magistrado do Ministério Público e dos alegados pelo recorrente, todos, objeto de análise concreta, não se detectaram que fossem suscetíveis de afetar a decisão e que, importe registar como não provados.

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2.2. De Direito
2.2.1. Da junção de documento pela recorrida:
A recorrida veio juntar aos autos um documento, pretendendo demonstrar que só tomou conhecimento da notificação da decisão proferida no processo de contra-ordenação na data alegada na petição inicial do recurso contra-ordenacional.
Esta alegação não foi impugnada pela Fazenda Pública, razão pela qual a sentença tomou em consideração essa data.
Agora, no recurso jurisdicional, a recorrente Fazenda Pública vem colocar essa questão, isto é, vem impugnar a data com a qual, aparentemente, anteriormente se conformou.
Por isso a recorrida juntou ao recurso jurisdicional um documento visando demonstrar, à saciedade, que só tomou conhecimento da notificação no dia em que procedeu à sua leitura, isto é, em 07-05-2013.
Tem-se entendido que em processo penal só relevam as provas que forem produzidas ou examinadas na audiência (artigo 355.º, n.º 1 do CPP), pelo que os documentos apresentados posteriormente não podem ser, em regra, admitidos, visto que o artigo 165.º do Código de Processo Penal constitui um obstáculo à infracção do princípio da imediação, que seria violado se a junção de documentos fosse admissível em qualquer estado da causa.
Prescreve o citado normativo:
1 - O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.
2 - Fica assegurada, em qualquer caso, a possibilidade de contraditório, para a realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias.
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, os quais podem sempre ser juntos até ao encerramento da audiência.
Por isso, a jurisprudência e a doutrina confluem na interpretação desta norma no sentido de que a junção de documentos, depois de encerrada a audiência, só pode ser admitida a título excepcional, quando o interessado alegue e prove que não foi possível juntar o documento no momento legalmente oportuno ou quando a junção do documento seja imprescindível para assegurar as garantias do direito fundamental de defesa, constitucionalmente previsto no artigo 20.º da CRP.
Olhando para o caso sub judice constata-se que à alegação da recorrida, de que só na data acima indicada teve perfeito conhecimento da decisão contra-ordenacional condenatória, a recorrente nada disse, apesar de notificada da petição de recurso contra-ordenacional.
Sendo assim, é de crer que a recorrida não tenha sentido necessidade de juntar o documento antes da decisão recorrida ter sido proferida, atendendo à regra de que em processo penal não existe um verdadeiro, no sentido formal, ónus probatório. Assim, nada tendo sido contraposto ao alegado conhecimento da decisão na data supra indicada, certamente que a recorrida entendeu o que claramente a sentença intuiu: que não se colocava qualquer questão ao nível da intempestividade da interposição do recurso contra-ordenacional.
Ora, sendo esta questão suscitada agora no recurso é fácil de perceber que a recorrida se depara com questão que anteriormente não cogitou, pelo que se trata de uma caso excepcional que impõe a admissão do documento.
Assim, dados os contornos que a questão em causa tomou aceita-se a junção tardia do referido documento.
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2.2.2. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
A recorrente principia por imputar à sentença o vício de nulidade por omissão de pronúncia.
O referido vício ocorre quando a sentença deixa de “pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” [cfr. artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, ex vi do artigo 3.º, al. b), do RGIT e artigo 41.º do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações)].
Esta nulidade relaciona-se com a norma ínsita ao artigo 608º, n.º 2 do CPC, pelo que as questões omitidas que ditam a nulidade da sentença em recurso contra-ordenacional são aquelas que tenham sido arguidas pelas partes e as demais cujo conhecimento seja imposto por lei e em relação às quais não se considere que o seu conhecimento ficou prejudicado pela solução dada a outras ou que não são, implicitamente, relevantes para a decisão da causa.
No caso presente, no discurso fundamentador da sentença não se encontra qualquer referência à questão da intempestividade do recurso contra-ordenacional.
E com toda a razão.
De facto, não foi suscitada essa questão pela recorrente, a quem competia opor à recorrida tal excepção (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC).
Por isso, como não consta do elenco de nulidades processuais tipificadas a infracção de poderes advinhatórios que o juiz não possui, não tinha a Mm.ª Juíza a quo qualquer dever de sindicar uma alegada intempestividade da apresentação do recurso contra-ordenacional, que não foi atempadamente arguida.
Note-se que a recorrente foi notificada para se pronunciar sobre a peça recursória contra-ordenacional da recorrida e nada disse.
Portanto, logo por aqui claudicaria a aventada – mas não demonstrada – nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
No entanto, nem essa omissão se verifica em concreto, in casu.
Como bem diz a recorrida, sendo a excepção dilatória da caducidade do direito de acção arguida pela recorrente, competia a esta provar os factos que a integram: artigo 342.º, n.º 2, do CC.
O que não fez.
Mais ainda.
Conforme decorre do documento junto pela recorrida, esta só tomou conhecimento da decisão condenatória contra-ordenacional em 07-05-2013.
E assim é porque, não obstante a regra vigente no ordenamento jurídico, de que a notificação de actos se presume feita no terceiro dia posterior ao envio da notificação, ou no primeiro dia útil seguinte a este, como presunção legal que é admite prova em contrário: artigo 350.º, n.º 2, do CC. O que a recorrida fez, sem que a recorrente contrapusesse qualquer oposição.
Donde, ser manifesto que não se verifica, nem a nulidade arguida, nem a intempestividade do recurso contra-ordenacional.
*
2.2.3. Do erro de julgamento da sentença
Quanto à terceira questão, relativa ao erro de julgamento da sentença por considerar que a decisão contra-ordenacional padece de nulidade por deficiente descriminação factual, a sentença produziu uma ajustada e correcta fundamentação.
Diz a sentença:
Importa proceder à subsunção jurídica da matéria de facto provada em ordem a posterior decisão da causa.
O processo de contra-ordenação tributário está subordinado ao princípio da legalidade, não só por força do art.º 43.º do Regime Geral das contra-Ordenações e Coimas (RGCO), aplicável em matéria tributária “ex vi” do art.º 3.º al. b) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), como também lhe deve obediência a globalidade da actuação da administração tributária, em primeiro lugar, por imperativo constitucional (art.º 266.º n.º 2 do CRP) e, depois, também, porque especificamente assim o refere o art.º 55.º da Lei Geral Tributária (LGT).
“In casu” a arguida defende a verificação de nulidades insanáveis da decisão de fixação de coima e considera que não praticou a infração de que vem acusada.
Pede a revogação da decisão de fixação da coima.
Apreciando, começaremos, naturalmente, pelas nulidades da decisão, porque de conhecimento oficioso.
1. DAS NULIDADES DO DESPACHO DE APLICAÇÃO DA COIMA
Os requisitos legais da decisão de aplicação da coima por parte da autoridade administrativa são os enunciados no citado artigo 79.º do RGIT, e a sua falta constitui nulidade insuprível, nos termos da al. d) do n° 1 do art. 63° do RGIT, que tem como efeito a anulação dos termos subsequentes do processo[1], a saber:
“ 1. A decisão que aplica a coima contém:
a) A identificação do infrator e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas; (sublinhado nosso).
c) A coima e sangões acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infrator tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.”
Decorre assim da al. b) do referido art° 79.° do RGIT, que constitui requisito legal da decisão de aplicação da coima por parte da autoridade administrativa, a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas.
Ora, esta descrição deve ser suficiente de modo a permitir ao arguido saber quais são os factos que lhe são imputáveis, os quais serão justificativos da aplicação da coima e sangões acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação, não bastando simplesmente a indicação do artigo, nem a simples remissão para o auto de notícia[2].
Sobre esta matéria se tem pronunciado, abundantemente, a jurisprudência dos tribunais superiores, ressaltando a importância da descrição dos factos em conexão imprescindível com o tipo legal de infração, uma vez que aqueles devem corresponder aos factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela respetiva norma fiscal punitiva.
Por outro lado, assegura ao arguido a possibilidade do exercício efetivo dos seus direitos de defesa (cfr., artigo 32.°, n.° 10, da CRP), o que pressupõe um conhecimento perfeito dos factos que são imputados ao arguido, sendo corolário de imposição constitucional[3].
Cita-se a este respeito Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos[4], “1 - Os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.”.
Face ao exposto, conclui-se que a decisão de aplicação da coima deve conter, sempre, uma descrição ainda que sumária dos factos, com referência a todos os elementos que conduziram à condenação, de molde a que, por essa via, se satisfaça o direito de informação do arguido de que, com a conduta praticada, incorreu no preenchimento do tipo contra-ordenacional.
Note-se, não ser suficiente a simples remissão para qualquer outra pega processual, mesmo tratando-se do auto de notícia, exigindo-se, ainda, que a decisão contenha fundamentação suficiente para que o arguido possa concretizar o exercício efetivo dos seus direitos de defesa, em ordem ao tipo legal da infração.
E, da decisão de aplicação da coima, ora em causa, afigura-se-me que não resultam factos suficientes, nem de forma sumária, que permitam esclarecer e fundamentar a decisão de aplicação da coima.
Na verdade, a decisão não informa quais os factos subjacentes à sua sustentação, nomeadamente, o que está na origem da não entrega do valor da prestação que a A.T. reputa encontrar-se em falta, uma vez que no IVA estamos em presença de imposto liquidado e deduzido, pelo que forçoso se torna concluir que o processo de contra-ordenação enferma de nulidade insuprível, prevista no art. 63.°, n.° 1 al. d), do RGIT, não podendo a decisão recorrida manter-se no ordenamento jurídico (n.° 3 do art. 63.° do RGIT).
Para além disso, a decisão de aplicação da coima omite fundamentos essenciais para a quantificação concreta da coima.
Com efeito, o art.° 79°, n.° 1 alínea c) do RGIT, dispõe que a decisão de aplicação da coima contém a coima e sanções acessórias com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação.
Os elementos determinantes para a graduação da coima constam do artigo 27° RGIT e referem-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à situação económica deste, devendo sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra ordenação.
A ponderação[5] destes elementos constitui requisito legal da decisão administrativa, cuja falta acarreta a nulidade insuprível deste (artigo 63 n.° 1 alínea d) RGIT).
A decisão recorrida omite tais elementos.
Das poucas referências que contém, refere, apenas, que “a infração é grave”; indica negligência “simples” e, situação económica e financeira “baixa”.
Ora, com base nestes elementos é impossível o controlo jurisdicional dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, ou seja, no mínimo deveria ser indicada a situação económica do infractor e o prejuízo causado ao Estado, a fim de qualificar a culpa da arguida, para além de que não é mencionado se a arguida é primária ou reincidente.
A jurisprudência tem entendido que aplicada uma coima pelo montante mínimo e constando dos autos os elementos que permitem o controlo judicial da sua aplicação, não constitui nulidade insuprível, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 195 do CPT a omissão da indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima" (Ac. do STA de 16/4/1997, proferido no recurso n.° 21221)
Porém, a coima aplicada na decisão recorrida depende da prestação tributária em falta, pelo que não tem aplicação a doutrina do Acórdão supra referido.
O artigo 63°, n° 1, al. d) do RGIT fere com a nulidade insuprível a decisão administrativa a que faltem esses elementos, cujo conhecimento, mesmo oficioso se impõe (art.° 63°, n° 5 RGIT), sendo certo que o poder de aplicar as coimas é da competência das autoridades tributárias, como dispõe o art.° 52° do RGIT, cabendo ao tribunal competência para conhecimento das mesmas em sede de recurso, com exceção dos casos previstos no artigo 53° RGIT em que também tem competência para julgar a contra- ordenação em primeira instância.
Fica prejudicada a análise das demais questões”.
Perante esta fundamentação, dir-se-ia que a sentença rechaçou, por antecipação, todos os argumentos que a recorrente vem invocar no recurso jurisdicional quanto à temática da nulidade da decisão contra-ordenacional. Por isso nada mais há a acrescentar a essa judiciosa fundamentação, a não ser a doutrina que dimana do acórdão deste tribunal, invocado pela recorrida, que na parte que interessa vale a pena relembrar:
Consagra o citado art.º 79.º n.º 1, al. b), do R.G.I.T., que a decisão administrativa de aplicação de coima deve conter a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, assim não bastando uma mera remissão para qualquer peça processual, mesmo que se trate do auto de notícia. A “descrição sumária” referida neste preceito não exige a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, conteúdo que é exigido pelo art.º 374, n.º 2, do C.P.P., para as sentenças proferidas em processo criminal. Trata-se, neste artº. 79, n.º 1, al. b), do R.G.I.T., de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais. O que exige esta norma, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (artº. 32.º, nº. 10, da C.R.P.) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. Pela mesma razão, a de que é necessário assegurar que o arguido se apercebe dos factos que lhe são imputados, não pode considerar-se suficiente uma indicação factual implícita, dedutível do enquadramento jurídico que na decisão é dado à infracção. Nestes termos, a mera indicação da norma jurídica violada não pode considerar-se suficiente para preencher o requisito de descrição sumária dos factos, pois não é descrição de factos, nem o arguido tem obrigação de conhecer os diplomas legais para suprir a omissão pela Administração Tributária dos deveres de descrição factual”.
Olhando para a decisão em crise é evidente que nela não foi observado o parâmetro mínimo de descrição factual a que alude o acórdão citado. Por conseguinte, bem andou a sentença em considerar que a decisão padecia de nulidade por esse motivo.
Donde, o recurso não merecer provimento.
*
3. Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a douta sentença recorrida.
Sem custas, por delas estar isenta a Fazenda Pública (artigo 93.º, n.º 3, do RGCO).
D.n.
Lisboa, 2019-11-14
Benjamim Barbosa
Ana Pinhol
Isabel Fernandes

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[1] Conforme decorre do n.º 3 do art. 63.º do RGIT
[2] Vide neste sentido o Ac. do TCA Sul proferido em 19/10/2004, no processo n.º 00252/04, consultável na internet na pag. da DGSI, de que se transcreve o sumário:
“1. Nos termos do art.° 79.° do RGIT, antes art.° 212.° do CPT, os requisitos legais da decisão de aplicação da coima por parte da autoridade administrativa são: a descrição sumária dos factos, que não a simples remissão para o auto de notícia, suficientes para permitir ao arguido saber quais são os factos que justificaram a aplicação da coima, e a indicação da coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação, não bastando simplesmente a indicação do artigo para satisfazer o requisito da alínea b), do n.° 1 do art.° 79.° do RGIT, mas também a indicação do normativo em concreto aplicável.
2. Tais omissões, constituem nulidade insuprível prevista no art.° 63.°, n.° 1, alínea d) do RGIT, de conhecimento oficioso, que tem como efeito a anulação dos termos subsequentes do processo, podendo ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (arts.° 63.°, ns.° 3 e 5 do RGIT).”
[3] Neste sentido se transcreve, parte do sumário do Ac. do STA, proferido em 18/11/2009 no processo n.º 05993/095:
“I – A descrição sumária dos factos prevista no artigo 79.°, n.° 1, alínea b) do RGIT como requisito da decisão administrativa da aplicação da coima visa assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, no pressuposto de um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados.
II – O facto tipificado como contra-ordenação no n.° 2 do artigo 114.° do RGIT reporta-se à tipificação constante do n.º 1 do mesmo preceito legal, mas cometido de forma negligente, sendo seu pressuposto essencial a prévia dedução da prestação tributária não entregue. III – (...).”
[4] In “Regime Geral das Infracções Tributarias’, Anotado, 2.0 edição, em anotação 1., ao artigo 79.0 - pags. 468:
[5] E a ponderação destes elementos não é o mesmo que descrevê-los automaticamente. Cada um deles deve ser avaliado na sua refracção própria para, a final, se concluir pela aplicação da coima mais adequada - a mais justa. A propósito, veja-se o Ac. do STA n.° 0144/06 de 28¬ 06-2006 (in www.dgsi.pt) com o seguinte sumário: I – Nos termos da al.ª d) do n.° 1, do art.° 63.° do RGIT constitui nulidade insuprível, no processo de contra-ordenação tributário, "a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas...", sendo que estes são os descritos no n.° 1 do art.° 79.° do mesmo diploma entre os quais se encontra a "descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas" – sua al. b) - e a indicação da "coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação" – sua al. c).
II - E, se assim é, ter-se-á de entender que, quando naquela al.ª b) se diz que a decisão administrativa deve conter uma descrição sumária dos factos e a indicação das normas punitivas violadas, esta obrigação compreende não só os factos de que o arguido vem acusado como os factos que se julgaram provados e que fundamentam a punição aplicada.

III. – Nesta conformidade, a não especificação, nessa decisão, dos factos que se julgaram provados e a não indicação dos elementos objectivos e subjectivos que contribuíram para a penalidade aplicada constitui nulidade.