Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:883/10.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:GERÊNCIA DE FACTO
ANIMUS
ÓNUS PROBATÓRIO
PROVA TESTEMUNHAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I-Inexiste presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas apenas da culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.
II-Se a Recorrente ao longo de toda a sua p.i. nega, de forma expressa, a gerência de facto da sociedade devedora originária, e não tendo a AT carreado para os autos elementos de prova que permitam extrair, de forma inequívoca e segura, que a mesma exerceu, efetivamente, a gerência da sociedade devedora originária, constando, igualmente, do probatório e enquanto factualidade não provada que a mesma participasse na gestão da empresa, então ter-se-á de concluir pela ilegitimidade da responsável subsidiária.
III-O reconhecimento da assinatura de cheques sem a devida mensuração, sem a respetiva expressão quantitativa, e concreta densificação das datas de emissão, e resultando provado, outrossim, um total alheamento do interesse e vinculação societária, e a sua assinatura a pedido do gestor efetivo, donde sem o necessário animus, tal não permite inferir pela gerência de facto.
IV-Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros, cuja prova compete à AT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

H….., (doravante Recorrente) com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição ao processo de execução fiscal n.° ….. e apensos, inicialmente instaurado contra a sociedade devedora originária denominada de “N….., Lda” e contra si revertida, cuja quantia exequenda e acrescidos ascendem a €40.143,55.

A Recorrente, apresentou alegações tendo concluído da seguinte forma:

A. Verifica-se erro de julgamento da matéria de facto, a qual deve ser reapreciada e alterada, porque constam do processo, elementos de prova que indiciam que certos factos não provados deveriam ter sido decididos como provados, e ainda porque o Tribunal a quo socorreu-se de prova que não deveria ter sido valorada face à patente contradição com a restante prova produzida.

B. Em primeiro lugar, deveria ter sido dado como provado que RR….. era gerente da devedora originária, tendo em conta os testemunhos de F….., M….., P….., A….. e A….., os quais declararam que nunca presenciaram a Recorrente a exercer funções de gerência ou gestão, porque quem estava encarregue de tais funções era o Sr. R….. (pagamento de ordenados e gestão de relações laborais, gestão da facturação da sociedade e restantes questões financeiras e fiscais, contacto com fornecedores, clientes e bancos, negociação de contratos, sendo também o TOC da sociedade).

C. Coerentemente, ficou provado que a R. prestou serviços desde 1997, na sociedade devedora originária, exercendo apenas as funções de criativa de imagem, repartindo as suas funções com outros técnicos que eram responsáveis pelo texto do trabalho a concretizar e efectuando a avaliação final do trabalho que iria ser apresentado ao cliente - cfr. factos provados identificados em 18., 19. e 20. da sentença recorrida.

D. Além do mais, a não gerência de facto da Recorrente é corroborada pelo documento junto como número 6, onde consta que, por R….., A….. e F….., titulares do depósito a prazo nº ….., foi constituído um penhor, a favor do Banco Comercial Português, sobre o mencionado depósito, em garantia do cumprimento da obrigação de pagamento de dez milhões de escudos, proveniente da atribuição de financiamento sob a forma de prestação de uma garantia bancária à sociedade devedora originária.

E. Deste modo, da análise da certidão comercial permanente, o meio idóneo para a prova de tal facto, bem como da prova produzida nos presentes autos, deveria ter sido dado como provado que R….. era gerente (de facto e de direito) da devedora originária.

F. Em segundo lugar, deveria ter sido dado como provado que a Recorrente teve um completo alheamento da situação da empresa da qual era sócia, onde entre outros, exercia a sua actividade, sem culpa, por ser apenas gerente de direito e nunca de facto, bem como, deveria ter sido dado como provado a inexistência de culpa da Recorrente na insuficiência do património da devedora originária – considerando os testemunhos de F….., M….., P….., A….. e A…..

G. Não representa contradição a R. ter afirmado que não exerceu de facto a gerência da sociedade e, simultaneamente, ter afirmado que teve necessidade de aceder à documentação da sociedade, porque tal necessidade da R. e dos outros colaboradores deveu-se a uma situação urgente, devido ao desaparecimento repentino de R….. do contexto da sociedade.

H. Ora, a reversão de dívidas fiscais apenas é possível contra aqueles que tenham exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária.

I. A douta sentença é igualmente contraditória ao concluir que “não se provou que além das funções de diretora criativa, a Oponente participasse na gestão da empresa” e, simultaneamente, concluir pela improcedência da excepção de ilegitimidade substantiva da R.

J. Ora, se não se provou que a R. participasse na gestão da empresa e se ficou demonstrado que a única pessoa com poderes representativos e de administração da sociedade devedora era o Sr. R….., o tribunal a quo nunca poderia ter concluído pela improcedência da excepção de ilegitimidade substantiva da R., ou concluído que a R. é responsável pela insuficiência de património da devedora originária.

K. Assim, se não se provou que, além das funções de diretora criativa, a R. participasse na gestão da empresa, então, logicamente esta nunca poderá ser responsabilizada pela insuficiência no património da devedora originária, nos termos do artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT, existindo uma errónea aplicação do normativo mencionado.

L. Padecendo a douta sentença de uma insanável contradição, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC, sendo nula, o que desde já se invoca.

M. Em terceiro lugar, deveria ter sido dado como provado que a Recorrente não tinha conhecimento do valor dos cheques que, segundo a qual assinava “em branco” e a que fim se destinavam – conforme resulta dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente, de A….. e P…...

N. Em quarto lugar, nos termos do artigo 48.º, nº 1 da LGT, o prazo de prescrição do IVA de 2002, começou a correr em 1 de Janeiro de 2003, o prazo de prescrição do IVA de 2003 começou a correr em 1 de Janeiro de 2004, o prazo de prescrição do IVA de 2004 começou a correr em 1 de Janeiro de 2005, o prazo de prescrição do IVA de 2005 começou a correr em 1 de Janeiro de 2006 e o prazo de prescrição de 2006 começou a correr em 1 de Janeiro de 2007.

O. Contudo, com a citação da reversão quer ao devedor originário, quer à R., ocorrida em 23/12/2009, interrompeu-se o prazo de prescrição (cfr. artigo 49º, nº 1 da LGT), sendo que, nos termos do artigo 49º, nº 3 da LGT, a interrupção tem lugar uma única vez, relativamente ao facto que se verificar em primeiro lugar.

P. Não existe aplicação subsidiária do disposto no artigo 327º, nº 1 do CC, no presente caso considerando que a prescrição é uma matéria dos contribuintes, sujeita ao principio da legalidade, a garantia da prescrição tem de ser uma realidade alcançável para os contribuintes, não pode ser uma utopia legislativa

Q. Consequentemente, a interrupção da prescrição decorrente da citação da R., por reversão, tem efeito instantâneo, inutilizando para a prescrição todo o tempo até então decorrido, iniciando-se a partir dessa data novo prazo, mas não o efeito duradouro de obstar a que o novo prazo comece a correr até ao termo do processo de execução fiscal.

R. O reconhecimento do duplo efeito (instantâneo e duradouro) à interrupção da prescrição por tempo indeterminado decorrente da citação do executado afigura-se absurdo e inadmissível, violando de modo expresso e incontroverso, as garantias do contribuinte e os princípios da certeza e da segurança jurídica, ínsitos ao princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que, as mencionadas dívidas de IVA já se encontram prescritas.

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, SENDO PROFERIDA DECISÃO QUE ABSOLVA A RECORRENTE DA REVERSÃO FISCAL, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Contudo, V. Exas. farão, a habitual JUSTIÇA.”


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A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

1. Entre 14/12/2004 e 12/01/2008, foram instaurados pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, contra a sociedade N….. LDA., pessoa coletiva n.° ….., os processos de execução fiscal n.° ….. e apensos, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 - cfr. fls. 1, 2, 145 a 154 do Apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

2. As liquidações de IVA relativas ao ano de 2002, em causa nos PEF ….. e ….., tiveram como prazo voluntário de pagamento 10/07/2002 e 25/11/2004, respetivamente - cfr. fls. 2, 13 e 146 do Apenso;

3. A sociedade N….. LDA, foi constituída em 1997 e teve registada a sua atividade para efeitos fiscais desde 15/11/1997 até 21/01/2009 - cfr. fls. 5 e 8 do Apenso;

4. Desde a sua constituição, foram designados gerentes da sociedade N….. LDA., os seus três sócios, entre os quais o ora Oponente - cfr. fls. 5 e 6 do Apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

5. A sociedade N….. LDA. obrigava-se pela assinatura conjunta de dois gerentes - cfr. fls. 6 do Apenso;

6. Com data de 09/12/1997 foi elaborada a ata n.° 1 relativa a reunião da assembleia geral da sociedade N….. LDA., ora a fls. 24 e 25 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. Ali se fez constar que os sócios "R….." a ora Oponente e "A….." renunciaram à gerência da sociedade N….. LDA., com efeitos a partir de novembro de 1997 e que «acordaram todos os sócios diligenciarem para que no mais breve espaço de tempo seja nomeado um gerente que teria que ser proposto e aprovada a sua nomeação pela assembleia geral da sociedade.» - (negrito nosso), cfr. fls. 24 e 25 dos autos;

7. Em 15/05/2006 foi registada na respetiva Conservatória do Registo Comercial, a cessação de funções de membro de órgão social da gerente A….., por renúncia em 10/11/1997 - cfr. fls. 6 do Apenso;

8. Desde 9/12/1997, até à data da extinção da sociedade não foram nomeados outros sócios, aprovados nos termos da decisão constante da ata referida no ponto anterior (cf. ata 1997);

9. Em 21/01/2009 foi cancelada a matrícula da sociedade N….. LDA. - cfr. fls. 6 do Apenso;

10. Em 16/10/2009, após consulta ao sistema informático da DGCI, foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, a fls. 4 do Apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; foi proferido despacho para audição (reversão) do ora Oponente nos PEF referidos em 1), ora a fls. 12 do Apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

11. Através do ofício n.° ….., de 16/10/2009, foi o ora Oponente notificado para efeitos de audição prévia da reversão no PEF …..- cfr. fls. 14 do apenso;

12. Em 15/12/2009, foi proferido despacho de reversão das dívidas em cobrança coerciva no PEF ….. e aps, contra o ora Oponente, com o seguinte teor: «Face às diligências de fls. 4, e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra H….. contribuinte n.° ….., morador na rua ….. na qualidade de responsável subsidiário, pela divida abaixo discriminada.

13. Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art.° 160° do C.P.P.T. para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.° 5 do Art.° 23° da L.G.T.). D.s. (assinatura)» - cfr. fls. 35 do Apenso;

14. Como fundamentos da reversão referida, supra, foi indicado o seguinte:

15. «Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da divida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n°1/b) LGT].Conf. Documentos oficiais designadamente Registo da Conservatória, bem como dos elementos cadastrais disponíveis (documental e informática) declaração de rendimentos mod 22 - IRC, Decl. anuais e Rendimento, Visão do contribuinte, Relações Interpessoais.» - cfr. fls. 36 do PEF Apenso;

16. A Oponente foi citada no PEF ….. em 23/12/2009 - cfr. fls. 40 dos autos;

17. Em 22/01/2010, foi deduzida a presente Oposição - cfr. fls.

18. A Oponente prestou serviços desde 1997 na sociedade devedora originária, exercendo as funções de criativa de imagem (facto constante no artº 6º da petição inicial e corroborado pelas testemunhas arroladas pela Oponente);

19. No exercício das suas funções na devedora originária a Oponente repartia as mesmas com outros técnicos que eram responsáveis pelo texto do trabalho a concretizar (depoimento da testemunha);

20. A Oponente no âmbito das funções a nível criativo, enquanto diretora criativa efetuava a avaliação final do trabalho que iria ser apresentado ao cliente (depoimento da testemunha);

21. O Sr. R….. era responsável pela área financeira da sociedade e contratação de pessoal (depoimento da testemunha);

22. A Oponente assinava cheques “em branco”, emitidos pela devedora originária (fato que não vem controvertido);

23. A relação da parte de contratação de trabalhos (relação com clientes) era função de F….. (fato que não vem controvertido e corroborado pelo depoimento das testemunhas).

24. Em 2003 a Oponente, segundo refere na petição, “apercebeu-se da real situação da devedora originária” na parte administrativa e de gestão (facto confessado na pela Oponente);

25. A Oponente, na sequência do fato referido no ponto anterior, enquanto sócia da devedora originária referiu na p.i “e outros elementos envolvidos, ainda contrataram os serviços de um gabinete de contabilidade, para tentar arrumar administrativamente a empresa e fechar formalmente a atividade” (facto que não vem controvertido, artº 108 da p.i);

26. Em 2003 a devedora originaria deixou de exercer a atividade (depoimento da testemunha);

27. A Oponente desenvolvia a sua atividade enquanto diretora criativa (especializou-se na área farmacêutica) e simultaneamente na empresa N….. (fato que não vem controvertido, afirmado pela Oponente na p.i. );

28. O Sr. R….. era considerado pelos trabalhadores, responsável pela contabilidade, questões financeiras contacto com o pessoal, por apresentar as declarações fiscais e pagamento de vencimentos (depoimento das testemunhas);

29. A parte de contacto comercial com clientes ficou a cargo de outro elemento, F….. (facto não controvertido e corroborado pela testemunha);

30. O negócio da empresa conseguiu uma importante carteira de clientes, da qual resultou a necessidade de os técnicos se especializarem e conseguirem dar resposta aos pedidos, entretanto crescentes, na área da Industria Farmacêutica (fato não controvertido e corroborado pelo depoimento das testemunhas);

31. Em consequência do fato referido no ponto anterior foi constituída a sociedade com a firma nasce a N….., Lda., onde alguns dos elementos da N….., Lda. estavam envolvidos (fato que não vem controvertido e sustentado pelo depoimento das testemunhas);

32. A N….., Lda. ficou também afecta à área da publicidade, mas especializando-se na Indústria Farmacêutica (fato que não vem controvertido e sustentado pelo depoimento das testemunhas);

33. A atividade da Oponente especializou-se na parte gráfica ligada à área farmacêutica (fato que não vem controvertido e sustentado pelo depoimento das testemunhas)

34. Desenvolvendo a atividade na parte dos criativos que desenvolvia os projectos de publicidade na N….., desenvolvia também projectos para a N….., entre os quais a Oponente (fato que não vem controvertido e sustentado pelo depoimento das testemunhas)

35. F….. constituiu uma nova empresa, A….. para a qual foram trabalhar alguns trabalhadores da devedora originária, onde se incluiu a Oponente, exercendo as mesmas funções (depoimento da testemunha);

36. A atividade da empresa até atingir o objetivo pretendido com o trabalho, depois de angariado o cliente, acertavam-se objetivos, e era criada uma equipa com dois elementos, um responsável pela parte gráfica (no caso a Oponente) e outro elemento pelo texto que iria completar o pretendido pelo cliente (depoimento de testemunha):

37. A Oponente, enquanto dirigente dos arranjos gráficos e coordenadora do departamento criativo, aprovava o trabalho que seria entregue ao cliente (depoimento das testemunhas).

38. Por sentença transitada em julgado proferida no processo de oposição à execução a que se reportam os presentes autos com o número de processo 2766/10.0BELRS), R….., enquanto Oponente foi absolvido enquanto responsável subsidiário da Devedora Originária (sentença que consta no processo executivo)

39. Na mesma sentença R….. declarou que a Oponente era a gerente da sociedade.


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A decisão recorrida elencou como factualidade não provada o seguinte:

Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da oposição, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade, nomeadamente:
¾ Não se relevou a assinatura do cheque por parte da Oponente para aferir a culpa na insuficiência patrimonial para a satisfação dos créditos fiscais.
¾ Não se provou que a Oponente não tinha conhecimento do valor dos cheques que, admite, assinava e segundo a qual em “branco” e que fim se destinavam.
¾ Não se provou que não foi possível devido à falta de colaboração do gerente R….. e também pelo facto do mesmo ser o TOC da empresa tomar conhecimento da situação da empresa.
¾ Não se provou que além das funções de diretora criativa a Oponente participasse na gestão da empresa.
¾ Não se provou que a Oponente tenha tido um completo alheamento da situação da empresa da qual era sócia, onde entre outros, exercia a sua atividade.
¾ Não se provou que R….. era gerente da devedora originária.”


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Ficou consignado na decisão recorrida como motivação da matéria de facto provada, que a mesma “Nos factos dados como provados, nomeadamente no que concerne à atividade da Oponente, enquanto gerente de direito e/ou de facto teve-se em conta o depoimento das testemunhas arroladas nos autos, que nos mereceram confiança.

Na realidade o depoimento decorreu de forma clara e objetiva e com conhecimento direto dos fatos.

As testemunhas durante a inquirição corroboram que a Oponente desempenhava funções na área criativa em conjunto com outro elemento da equipa. Normalmente dois. Um era responsável pela parte gráfica.

As testemunhas arroladas nos autos tiveram um conhecimento direto da atividade e desenvolvimento da devedora originária.

A primeira testemunha enquanto técnica oficial de contas, fez uma auditoria à devedora originária.

A segunda testemunha foi diretor comercial da devedora originária e tinha como objetivo angariar os clientes.

A….., prestou depoimento confirmando o exarado na ata de que tinha sido sócia gerente até renunciar à mesma conforme ficou exarado em ata.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição ao processo de execução fiscal n.° ….. e apensos, inicialmente instaurado contra a sociedade devedora originária denominada de “N….., Lda” e contra si revertida, cuja quantia exequenda e acrescidos ascendiam a €40.143,55.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se:
ü A decisão recorrida padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
ü Ocorre o apontado erro de julgamento sobre a matéria de facto arguido pela Recorrente porquanto errou na valoração da prova testemunhal, e não valorou toda a factualidade alegada e tendente a demonstrar que a Recorrente não foi gerente de facto da sociedade devedora originária;
ü E com base nesse erro de julgamento, se deve ser revogada a sentença na medida em que, por virtude do mesmo, conclui pela legitimidade daquela para contra si prosseguir a execução a que se opôs;
ü Improcedendo o aludido erro de julgamento se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na análise do regime prescricional.

Vejamos, então.

Comecemos pela nulidade da decisão por contradição entre os fundamentos e a decisão.

De harmonia com o consignado no artigo 615.º nº 1, alínea c), do CPC, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Concatena-se, assim, com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, nº 1, do CPC.

No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125, nº.1, do CPPT[1] .

Com efeito, o vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada[2].

Sendo de relevar, desde já, que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica.

Note-se que bem se compreende este fundamento de nulidade da sentença, porquanto os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, traduzem a sua estrutura expositiva e argumentativa, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário, donde constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.

Neste particular, a Recorrente, densifica a aludida nulidade defendendo que se resulta não provado e expressamente consignado no acervo fático enquanto tal, que a Recorrente para além das funções de diretora criativa, participasse na gestão da empresa, então nunca poderia ser responsabilizada nos termos do artigo 24º, nº 1, alínea b) da LGT, padecendo, assim, a decisão recorrida de uma insanável contradição, nos termos do artigo 615.º, nº 1, alínea c) do CPC.

Apreciando.

Tal como supra expendido, a nulidade em apreço resulta apenas de os fundamentos invocados pelo juiz conduzirem, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto, e não de a eventual circunstância de o conteúdo decisório da sentença revelar que o seu autor não teve em consideração determinados factos, ainda que elencados no probatório.

Com efeito, tais deficiências poderão, quando muito, implicar erro de julgamento, o qual, porém, se mostra sanável, não por via da arguição de nulidade da sentença, mas apenas pela via do recurso de mérito[3].

In casu, é esta a última situação que se verifica, não existindo, efetivamente, oposição entre os fundamentos e a decisão, donde nulidade da sentença.

Senão vejamos.

No caso sub judice, pese embora esteja evidenciado como factualidade não provada que a Recorrente para além das funções de diretora criativa, participasse na gestão da empresa, a verdade é que atentando na fundamentação de direito, o Tribunal a quo nunca a convocou para fundamentar o seu juízo de improcedência, ou seja tal realidade fática nunca foi invocada para sustentar que a mesma é parte legítima.

No caso vertente, o que se constata é que apenas não foi valorada a aludida factualidade, ainda que contemplada no acervo fático. Note-se que, se tal factualidade foi correta ou incorretamente valorada, ou noutra formulação se a aludida factualidade a ser relevada/ponderada determina a procedência, tal em nada traduz nulidade, podendo redundar, como já aludido, em erro de julgamento, o que será apreciado em sede própria.

Destarte, face a todo o supra expendido, conclui-se que a decisão recorrida não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela improcedência da oposição, a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido, ainda que, como veremos, possa enfermar de erro de julgamento de direito.


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Atentemos, ora, no erro de julgamento de facto.

Começando por convocar o regime constante no artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos[4].

In casu, atentando nas alegações coadjuvadas com as conclusões verifica-se que a Recorrente cumpriu os requisitos atinentes ao efeito, uma vez que identificou os concretos pontos da matéria de facto incorretamente julgados e os meios probatórios que permitiam justificar o aditamento por complementação ou por substituição, o mesmo sucedendo quanto à prova testemunhal, visto que identificou, com precisão, os depoimentos que careciam de ser valorados e reapreciados com a concreta identificação do registo áudio e transcrição dos excertos reputados pertinentes.

Atentemos, então.

A Recorrente começa por sustentar que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto mormente no atinente aos factos provados 38 e 39 e aos factos não provados que infra se identificam:
“a. que R….. era gerente da devedora originária;
b. que a Recorrente tenha tido um completo alheamento da situação da empresa da qual era sócia, onde entre outros, exercia a sua actividade;
c. Que a Recorrente não tinha conhecimento do valor dos cheques, admite, assinava e segundo a qual “em branco” e que fim se destinavam.”

Releva, neste particular, que face ao depoimento das testemunhas F….., A….., M….. e P….., cujos registos sonoros identificou, com precisão, dever-se-ia considerar como provado que R….. era gerente, de facto e de direito, da devedora originária, contrariamente ao facto não provado (a) supra evidenciado.

Prova essa que sai reforçada face ao teor do documento junto como número 6 e que não devidamente valorado pelo Tribunal a quo, e com a própria certidão da conservatória do Registo Comercial.

Vejamos, então.

Ab initio, importa relevar que o Tribunal a quo não pode dar como provada a factualidade relevada pela Recorrente nos moldes em que o realizou, porquanto, a asserção de que R….. era o gerente, de facto e de direito, da devedora originária é uma conclusão que deve emergir de um conjunto de factos.

 Razão pela qual, ter-se-á que dar por não escrito o facto não provado elencado em a), porquanto não tem, como visto, a roupagem de um facto, mas, tão-só, de uma conclusão. Ademais, sempre se dirá que a evidência aos factos inscritos na Conservatória do Registo Comercial e que permitem atestar a designação enquanto tal, já se encontra contemplada no probatório.

Note-se que, a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

Com efeito,“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.[5]

De sublinhar, outrossim, que “as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.”[6].

E por assim ser indefere-se o aditamento à factualidade nos moldes em que foi requerida pela Recorrente.

No entanto, face ao teor da prova testemunhal convocada pela Recorrente e que o Tribunal ad quem, procedeu à sua audição, na íntegra, entende-se ser de aditar a seguinte factualidade:

40. R….. contactava com os fornecedores da sociedade denominada “N….., Lda”, procedia, designadamente, à entrega das respetivas declarações fiscais, realizava pagamentos aos fornecedores e aos trabalhadores da empresa, tratava das fichas de aberturas de clientes, contratualizava os empréstimos bancários, e celebrava os contratos laborais (facto que se extrai do depoimento das testemunhas);

Devendo, outrossim, ser aditado o seguinte facto por reporte ao meio probatório elencado pela Recorrente, e junto à p.i. como doc. 6.

41. A 19 de novembro de 2006, foi emitido documento endereçado ao “Banco Comercial Português”, com as assinaturas de R….., A….., e F….., com o seguinte teor:
 


 (cfr. fls. 72 dos autos);

Prosseguindo.

A Recorrente propugna, outrossim, que deveria ser dado como facto provado, contrariamente ao enunciado na factualidade não provada, que a Recorrente teve um completo alheamento da situação da empresa da qual era sócia, onde entre outros, exercia a sua atividade, por ser apenas gerente de direito e nunca de facto.

Convoca, para o efeito, o depoimento de F….., A….., M….. e P…...

Vejamos.

Ab initio, importa, desde já, evidenciar que a parte final do aludido facto concatenada com “por ser apenas gerente de direito e nunca de facto”, não pode, de todo, ser considerada enquanto tal visto que, face a todos os considerandos expendidos anteriormente, tal enunciação comporta um juízo conclusivo e no caso reportado ao thema decidendum.

No entanto, após audição integral do depoimento das testemunhas, com especial enfoque nas transcrições convocadas pela Recorrente, entende-se ser de expurgar o aludido facto não provado, e aditar o seguinte facto:

42. A Recorrente não tinha conhecimento do rumo da sociedade denominada de “N….., Lda”, estando alheada das suas diretrizes de orientação e decisão (facto que se extrai do depoimento das testemunhas);

Por último, propugna que o último facto elencado como não provado concatenado com o conhecimento do teor dos cheques, e que tinha a roupagem “Que a Recorrente não tinha conhecimento do valor dos cheques, admite, assinava e segundo a qual “em branco” e que fim se destinavam”, fique a constar na factualidade provada, convocando para o efeito o teor dos já aludidos depoimentos e dando ênfase ao depoimento de A…...

E de facto, atentando no teor, essencialmente, do depoimento da aludida testemunha e em face, por um lado, das suas razões de ciência, fortes e credíveis, na medida em que foi sócia e gerente da aludida empresa, e, por outro lado, à forma convicta e sem qualquer insegurança que o mesmo foi prestado, entende-se ser de extrair essa realidade fática e no sentido propugnado pela Recorrente.

Com efeito, foi expressado, que tanto ela como a Recorrente estavam completamente alheadas da gestão da empresa, tendo, igualmente, salientado, sem qualquer hesitação, que a gestão era exercida por R….., e que quando procediam à assinatura dos cheques, o faziam em branco, totalmente apartadas do fim a que se destinavam, e por uma questão “formal e de funcionalização”.

E por assim ser, o Tribunal a quo, entende que assiste razão à Recorrente na impugnação à matéria de facto e nos moldes em que o faz, devendo, nessa medida, ser suprimida essa factualidade como não provada e uma vez que o ponto 22 já retrata a questão da assinatura de cheques em branco mas mostra-se incompleto, carecendo de ulterior densificação, altera-se a factualidade constante no ponto 22, como infra se descreve:

22.A Recorrente assim como a outra sócia A….. procederam à assinatura de cheques em branco, totalmente apartadas do fim a que se destinavam, e a pedido de R….. (facto que se extrai do depoimento das testemunhas);

O Tribunal ad quem-no âmbito dos seus poderes de cognição e uma vez que existiu impugnação da matéria de facto que legitima, inteiramente, a sua atuação- entende, igualmente, que o facto 37 carece de ser reestruturado, porquanto do teor do depoimento das testemunhas, não resultou que a última palavra e a decisão de aprovação do trabalho estivessem a seu cargo e na sua esfera.

Na verdade, o que foi várias vezes referido pelas testemunhas é que a Recorrente desempenhava funções de criativa, executora de ideias, ou seja, a mesma criava conceptualmente o projeto de acordo com a idealização do cliente a qual era transmitida pelo Account da empresa.

Tendo, inclusive, a testemunha P….. evidenciado que os criativos “são os bichos”, “quase não há contacto”, e quando lhe foi perguntado se mandavam alguma coisa, referiu, expressamente, que “não têm voto na matéria”. Aliás, a aludida testemunha qualificou R….. como o “dono da empresa”, mais sublinhando que a Recorrente era uma “colega de trabalho e não um superior hierárquico”.

Por sua vez, a testemunha A….. sublinhou que ela e a Recorrente tinham de “prestar contas” ao R….., tendo, outrossim, a testemunha A….. relevado que todo o processo até à adjudicação é discutido e tratado com o R….., sendo apenas este que o conclui.

 Assim, face ao teor do depoimento das testemunhas e conforme, resumidamente, descrito, entende-se ser de reestruturar o facto 37, o qual passa a ter a seguinte redação:

37. A Oponente, no âmbito das funções descritas em 17, criava conceptualmente o projeto de acordo com a idealização do cliente a qual era transmitida pelo Account (facto que se extrai do depoimento das testemunhas);

Relativamente aos factos descritos em 38 e 39, o ponto 38 é objeto de restruturação e o ponto 39 expurgado da matéria de facto, porquanto não têm correspondência com o teor da sentença prolatada no processo nº2766/10.

Com efeito, contrariamente ao atestado no aludido ponto 38 R…..o, foi julgado responsável subsidiário pelas dívidas contra si revertidas, donde, parte legítima, porquanto asseverado que o mesmo “[f]oi gerente de facto da sociedade devedora originária.”.

Assim, face ao supra aludido, reformula-se o ponto 38 da factualidade assente, passando o mesmo a contemplar o seguinte teor:

38) A 30 de abril de 2019, foi prolatada sentença no âmbito do processo de oposição nº 2766/10.0BELRS, deduzida por R….., relativamente ao processo de execução fiscal nº …..e apensos, respeitante a IVA dos anos de 2002 a 2006, a qual foi julgada totalmente improcedente por se “ajuizarem reunidos os pressupostos da reversão” atento o exercício da gerência de facto na sociedade “N….., Lda” (cfr. sentença junta ao PEF apenso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido e confirmado mediante consulta à plataforma SITAF).

Quanto à asserção constante no ponto 39, a mesma tem de ser suprimida, por um lado, porque atentando na factualidade assente da aludida decisão em nenhum ponto consta esse acervo fático, e por outro lado, porque se estaria a atribuir ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que o mesmo, manifestamente, não possui.


***

Face ao supra expendido, dimana, concretamente, o seguinte:

Aditam-se, assim, os factos que infra se descrevem:

40. R….. contactava com os fornecedores da sociedade denominada “N….., Lda”, procedia, designadamente, à entrega das respetivas declarações fiscais, realizava pagamentos aos fornecedores e aos trabalhadores da empresa, tratava das fichas de aberturas de clientes, contratualizava os empréstimos bancários, e celebrava os contratos laborais (facto que se extrai do depoimento das testemunhas);

41. A 19 de novembro de 2006, foi emitido documento endereçado ao “Banco Comercial Português”, com as assinaturas de R….., A….., e F….., com o seguinte teor:

 


 (cfr. fls. 72 dos autos);

42. A Recorrente não tinha conhecimento do rumo da sociedade denominada de N….., Lda, estando alheada das suas diretrizes de orientação e decisão (facto que se extrai do depoimento das testemunhas);

Suprimindo-se, igualmente, os factos constantes na factualidade não provada infra descritos e bem assim o facto elencado no ponto 39 da factualidade provada:
“a. que R….. era gerente da devedora originária;
b. que a Recorrente tenha tido um completo alheamento da situação da empresa da qual era sócia, onde entre outros, exercia a sua actividade;
c. Que a Recorrente não tinha conhecimento do valor dos cheques, admite, assinava e segundo a qual “em branco” e que fim se destinavam.”

E são objeto de reestruturação os seguintes factos:

22.A Recorrente assim como a outra sócia A….. procederam à assinatura de cheques em branco, totalmente apartadas do fim a que se destinavam, e a pedido de R…...

37. A Oponente, no âmbito das funções descritas em 17, criava conceptualmente o projeto de acordo com a idealização do cliente a qual era transmitida pelo Account (facto que se extrai do depoimento das testemunhas);

38. “A 30 de abril de 2019, foi prolatada sentença no âmbito do processo de oposição nº 2766/10.0BELRS, deduzida por R….., relativamente ao processo de execução fiscal nº 3017200401077872 e apensos, respeitante a IVA dos anos de 2002 a 2006, a qual foi julgada totalmente improcedente por se “ajuizarem reunidos os pressupostos da reversão” atento o exercício da gerência de facto na sociedade “N….., Lda” (cfr. sentença junta ao PEF apenso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido e confirmado mediante consulta à plataforma SITAF).


***

Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, atentemos, ora, no erro de julgamento de direito, competindo aferir se o Tribunal a quo errou ao decidir que a Recorrida é parte legítima porquanto não foi feita prova da gerência de facto da Recorrente.

Apreciando.

A oposição à execução fiscal funciona como contestação à pretensão do exequente e respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução, devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adotam as providências executivas, tendo por efeito paralisar a eficácia do ato tributário corporizado no processo executivo[7].

Sendo que, os fundamentos da execução fiscal são os taxativamente indicados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Quanto à questão da ilegitimidade, dispõe o artigo 204.º, n.º 1, al. b), do CPPT, que a oposição pode ter como fundamento a “[i]legitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”.

Encontramo-nos, assim, face a leis sobre a prova de atos ou factos jurídicos que simultaneamente afetam o fundo ou substância do direito, repercutindo-se, assim, sobre a própria viabilidade deste, pertencendo, por isso, ao direito substancial.

É, com efeito, pacífica a jurisprudência que a responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade[8].

No caso sub judice, face ao período temporal das dívidas revertidas e em contenda e melhor evidenciadas no acervo fático é aplicável o regime constante na LGT, concretamente o consignado no artigo 24.º, do citado diploma legal.

Convoquemos, então, o regime jurídico aplicável.

De harmonia com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, da LGT:

“[o]s administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”

Do teor do normativo legal supra transcrito resultam dois regimes distintos da responsabilidade do gestor, classificados de acordo com o fundamento pelo qual o gestor é responsabilizado, a saber, a responsabilidade pela diminuição do património e a responsabilidade pela falta de pagamento.

Concretizando.

Enquanto, a responsabilidade pela diminuição do património se encontra regulada na alínea a), do nº1, do artigo 24.º da LGT, a responsabilidade pela falta de pagamento está consagrada na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT.

O citado artigo 24.º da LGT, introduziu nas suas alíneas a) e b), uma repartição do ónus da prova da culpa, distinguindo entre:

- as dívidas vencidas no período do exercício do cargo relativamente às quais se estabelece uma presunção legal de culpa na falta de pagamento (cfr. a parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT);

- as demais previstas como geradoras de responsabilidade, concretamente, aquelas cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do cargo (e não se vençam neste) e aquelas cujo prazo legal de pagamento ou entrega termine já após o termo do exercício do cargo. Nestas situações o ónus da prova impende sobre a Administração Tributária, ou seja, os gerentes ou administradores podem ser responsabilizados desde que seja feita prova de culpa dos mesmos na insuficiência do património social.

Convoque-se, neste particular, o Acórdão do STA proferido no recurso nº 0944/10, de 2 de março de 2011, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que refere que:

“I - Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções.

II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário.

III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova.

IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência.”

Como doutrinado no citado Aresto, não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efetivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário, resultando apenas uma presunção legal, mas apenas da culpa do administrador pela insuficiência do património da sociedade originária devedora.

Visto o direito, atentemos, ora, no acervo probatório dos autos.

In casu, a sociedade devedora originária foi constituída em 1997, tendo sido nomeados três sócios, concretamente R….., A….. e H….., os quais foram designados gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois dos evidenciados gerentes de direito.

Mais dimana do probatório que, A….. renunciou à mencionada gerência, cujo registo na Conservatória do Registo Comercial ocorreu 15 de maio de 2006.

Logo, como visto, os factos tributários e consequentemente os respetivos prazos legais expiraram no período de gerência de direito da Recorrente, donde com subsunção jurídica na alínea b), do nº1, do artigo 24.º, da LGT.

No entanto, conforme já expendido anteriormente, para efeitos de preenchimento dos pressupostos da reversão é curial a demonstração inequívoca da gestão por parte do gerente de direito, cujo ónus se circunscreve na esfera jurídica da AT.

Sendo que, in casu, o Tribunal a quo entendeu que face à prova carreada aos autos se tinha logrado provar a gerência de facto que a Recorrente, expressamente, nega.

E a verdade é que se entende que o Tribunal a quo não terá interpretado da melhor forma, os pressupostos da reversão à realidade fática dos autos e efetuado um correto exame crítico da prova produzida, ao concluir pela prova da gerência de facto da sociedade executada originária, por parte da Recorrente no período a que se reportam as dívidas exequendas revertidas enquanto pressuposto da reversão das execuções fiscais contra a responsável subsidiária.

Atentemos, então, nas razões que nos permitem concluir pelo desacerto da decisão recorrida.

De relevar, ab initio, que da leitura da decisão recorrida se constata que o Tribunal a quo, transpôs o ónus probatório vigente em sede de culpa, para efeitos da prova, efetiva, da gestão de facto. No entanto, como é consabido, só se passa para o crivo da prova da culpa quando se encontra ultrapassada e demonstrada a gestão de facto, e cujo ónus se circunscreve na esfera jurídica da AT.

In casu, importa, desde logo, relevar que a Recorrente ao longo de toda a sua p.i. nega, de forma expressa, a gerência de facto da sociedade devedora originária, não tendo a AT carreado para os autos elementos de prova que permitam extrair, de forma inequívoca e segura, que a mesma exerceu, efetivamente, a gerência da sociedade devedora originária.

Aliás, a decisão recorrida evidenciou como factualidade não provada que “a Oponente participasse na gestão da empresa”, porém, não retirou as devidas asserções de tal realidade, porquanto face à repartição do ónus da prova, competindo, como visto, o ónus probatório da gerência de facto, à AT, dever-se-ia julgar a Recorrente como parte ilegítima.

Ademais, do recorte probatório dos autos, dimana, outrossim, que a mesma se limita a assumir funções de criativa, não assumindo qualquer papel decisor na sociedade devedora originária.

Com efeito, da factualidade assente resulta que era R….. quem contactava com os fornecedores da sociedade denominada “N….., Lda”, quem procedia à entrega das declarações fiscais da sociedade, quem realizava pagamentos aos fornecedores e aos trabalhadores da empresa, quem tratava das fichas de aberturas de clientes, quem contratualizava os empréstimos bancários, e quem celebrava os contratos laborais.

Mais dimanando provado que a Recorrente não tinha conhecimento do rumo da sociedade denominada de “N….., Lda”, estando alheada das suas diretrizes de orientação e decisão.

E bem assim que pese embora a Recorrente assim como a outra sócia A….. tenham procedido à assinatura de cheques -de resto, sem a competente expressão temporal e quantitativa, realidades essas, como é consabido, com um peso significativo para efeitos da prova em contenda- os mesmos foram feito em branco e a pedido de R….., e por uma questão de mera formalização e de funcionalização, ou seja, fê-lo totalmente alheada do interesse e vinculação societária e a pedido, donde sem o necessário animus[9].

Sendo, que para se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada. Dir-se-á, portanto, que a gerência é, assim, antes do mais, a investidura num poder [10].

Aliás, face às alegações da Recorrente na sua p.i, e tendo, outrossim, presente que a AT não carreou aos autos qualquer elemento que indicie, inequivocamente, a gestão, nem tão-pouco os evidenciados cheques, cujo ónus se circunscrevia na sua esfera jurídica, tal falta de prova terá de ser contra si valorada.

Neste particular, vide o Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 01389/04, de 25 de maio de 2016:

“ III. A distinção entre o mero gerente nominal do gerente efectivo reside no poder subjacente à realização dos actos. O gerente nominal, ou «meramente de direito», pode praticar actos aparentes de gerência, mas fá-lo desacompanhado dos inerentes poderes, normalmente a «mando» de alguém que na organização societária se resguarda de «assinar» e comprometer-se, mas que ainda assim detém o poder efectivo de controlar os destinos da sociedade incluindo os de «mandar assinar» documentos da sociedade, como gerente, alguém que, de facto, o não é.

IV - Estas situações ocorrem na maior parte das vezes num contexto em que, de um lado, está o «gerente efectivo», regra geral o detentor do capital e do poder que lhe subjaz, que oculta essa qualidade (normalmente por dificuldades de financiamento junto da banca devido a antecedentes de incumprimento, ou por restrição do uso de cheques, etc.; do outro lado, está (quase sempre) um sujeito numa relação de dependência (filho, empregado, cônjuge) ou de favor, que por isso aceita «assinar», ou «dar o nome».

V - Quando assim procede, quando «assina» ou «dá o nome», não o faz no uso de qualquer critério de oportunidade ou prossecução de interesse estatutário que não domina, mas sim para satisfazer um interesse pessoal alheio ao qual está vinculado ou subordinado por razões «não estatutárias».

VI - Neste cenário, o mero gerente de direito pratica actos formais de gerência; porém, fá-lo na dependência do gerente efectivo que lhe determina a «oportunidade», o «que», o «como» e o «quando» fazer. A sua função «esgota-se» nas assinaturas e não «pode» (porque não tem o poder) ir para além disso[11].”

Acresce, outrossim, que o próprio documento endereçado ao Banco Comercial Português, com as assinaturas de R….., A….., e F….., e ora aditado à factualidade, no qual constituem penhor a favor desse banco sobre o depósito a prazo em garantia do cumprimento da obrigação de pagamento ao Banco da quantia de Esc.10.000.000$00 proveniente da atribuição de financiamento sob a forma de prestação de garantia bancária à sociedade denominada de “N…..e, Lda”, permite inferir no sentido de que a gestão se encontra, efetivamente, a cargo de R…...

Aliás, esse foi também o sentido da decisão prolatada no âmbito do processo nº 2766/10.0 BELRS, conforme resulta do ponto 38 da matéria de facto.

Ademais, in fine, e conforme já evidenciado anteriormente e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, a gerência não se presume tem, efetivamente, de ser cabalmente demonstrada.

Mais importa sublinhar que nada releva neste e para este efeito o facto não provado com o seguinte teor: “Não se provou que não foi possível devido à falta de colaboração do gerente R….. e também pelo facto do mesmo ser o TOC da empresa tomar conhecimento da situação da empresa” até porque, como é consabido, não se pode extrair do facto não provado o seu oposto.

De relevar, outrossim, que aos factos elencados nos pontos 23 e 24 não lhes pode ser impressa a significância e o alcance atribuído pelo Tribunal a quo no sentido de demonstrar que a mesma praticava atos materiais de gestão. Aliás, os mesmos até permitem, uma vez mais, corroborar que a mesma estava alheada do rumo da sociedade e das suas diretrizes e decisões. Ademais, temos de ter presente que consta, outrossim, na factualidade assente, que o fito se coadunava com o encerramento da mesma e que a sociedade deixou de exercer atividade a partir de 2003.

Mais importa ter presente que não é, per se, pela circunstância atinente à vinculação societária que se pode retirar tal responsabilização, desde logo porque, como visto, todos os sócios foram designados para esse cargo, sendo que a renúncia de A….. só foi registada em 2006.

Até porque, como visto, a mesma nega, expressamente, a gerência de facto. De resto, no mínimo, está-se perante uma situação de non liquet, que se resolve contra quem tem o ónus da prova do facto, ou seja, no caso a Fazenda Pública.

Neste particular, convoque-se o Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo: 0580/12, datado de 31 de outubro de 2012[12], o qual, claramente, doutrina que:

“[P]ersistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o ‘non liquet’ não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções”.

Ora, como visto, in casu, a Recorrente sempre negou essa relação com a sociedade e sempre sublinhou o seu total alheamento, pelo que competia à AT provar que a Recorrente era o órgão de gestão atuante que a mesma, expressamente, refutou.

Em face do referido, e conforme resulta expresso da factualidade provada, é manifesto que a Entidade Exequente não alegou, nem provou factos, que indiciem, de forma segura e inequívoca, o exercício da gerência de facto.

Acresce que da demais documentação carreada para os autos, concretamente, dos elementos constantes no processo de execução fiscal apenso, não resulta qualquer documento que permita extrair a conclusão de que a Recorrente exerceu, de facto, a gerência da sociedade à data da prática dos factos tributários e do seu vencimento.

Como já devidamente evidenciado anteriormente, a gerência de facto de uma sociedade comercial consiste no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam pela vinculação e representação da sociedade, nomeadamente, através das relações com os clientes, com os fornecedores, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Porquanto, para se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

Resulta, assim, que face à prova produzida nos autos, a AT não estava legitimada a efetivar a reversão contra a Recorrente devido a falta de prova dos pressupostos da reversão no âmbito do processo de execução fiscal nº ….. e apensos, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida.

Face a todo o exposto, resulta prejudicada a apreciação do demais.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, e em consequência, julgar procedente a oposição ao processo de execução fiscal nº …..e apensos, com a consequente extinção da aludida execução, relativamente à Recorrente.

Custas pela Recorrida.

Registe. Notifique.


Lisboa, 13 de maio de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

______________________
[1] cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; Ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, processo nº 1158/09; Ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, processo nº 7435/14.
[2] vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.
[3] Vide, designadamente, TRGuimarães proferido no processo nº 414/13.6TBVVD.G1, datado de 14.05.2015.
[4] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 02.07.2013.
[5] Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt
[6] Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
[7] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal Administrativo datado de 04/06/2008, proferido no recurso n.º 179/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[8] vide, designadamente, Acórdãos do Pleno do STA, proferidos nos processos nºs 58/09, e 945/09, datados de 24.03.2010 e 07.07.2010.
[9] Vide, designadamente, Acórdão do TCAN, prolatado no processo nº 0116/11.3BEPRT datado de 25.05.2018.
[10] Sobre o traço distintivo entre gerente de direito e gerente de facto, vide, designadamente, Acórdão proferido pelo TCAN, no processo01417/05.0BEVIS, de 1604.2015.
[11] Vide, designadamente, no mesmo sentido Acórdãos deste Tribunal relatados pela, ora, Relatora, no âmbito dos processos nºs 114/11, de 11.02.2021 e 18/08, de 14.03.2019.
[12] No mesmo sentido, vide o recente Aresto deste Tribunal, prolatado no processo nº 1978/05, de 08.10.2020.