Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:28/17.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
CONTRADIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO;
NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM A DECISÃO.
Sumário:1. Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no art.º27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no art.º28.º, n.º 1, do mesmo diploma.
2. Nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão ou de um excesso de pronúncia. Essa causa de nulidade traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no art. 608.º, n.º 2, do CPC o qual consiste, por um lado, no dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de conhecimento oficioso.
3. Não integra a nulidade prevista no citado normativo a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões a apreciar, ou, mera divergência com a interpretação e aplicação do direito que foi feita na decisão arbitral
4. A nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.
5. Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.
6. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento. Erro de julgamento que escapa aos poderes de pronúncia do TCA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1 – RELATÓRIO


I………., S.A., vem, ao abrigo do disposto nos artigos 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar o acórdão arbitral proferido em 26/01/2017 no processo n.º 273/2016 – T, pelo Tribunal Arbitral constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD).

A Impugnante termina as alegações da impugnação formulando as seguintes e doutas conclusões:
«




«IMAGENS NO ORIGINAL»

».

A impugnada, Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou contra-alegações em que expendeu o seguinte quadro conclusivo:

«
CONCLUSÕES

Em face de todo o exposto supra, a Impugnada formula as seguintes conclusões:

A. Por via da presente impugnação, pretende a Impugnante reagir contra a decisão arbitral proferida a 2017-01-26 pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído no CAAD que julgou



«imagens no original»

».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), não emitiu pronúncia (fls.125).

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.



2 – FUNDAMENTAÇÃO

Ø De facto

Ø Transcreve-se integralmente a matéria de facto vertida no Acórdão Arbitral impugnado:
«
3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

Consideram-se provados e de interesse para a boa decisão da causa os seguintes factos:

A) A Requerente é uma sociedade comercial cujo objecto social consiste na gestão de imóveis próprios e, subsidiariamente, na compra de prédios ou terrenos e desenvolvimento das respectivas urbanizações.
B) A actividade da Requerente concentra-se, essencialmente, na exploração do edifício de lojas, escritórios e parqueamento automóvel «Atrium Saldanha».
C) Na execução do empreendimento «Atrium Saldanha» a Requerente recorreu por várias vezes a capitais alheios, nomeadamente junto de instituições financeiras.
D) Em 20 de agosto de 2007 celebrou um contrato de mútuo com a instituição financeira E.........., num montante limite de € 125.500.000,00, tendo em vista, nos termos do respectivo contrato, o refinanciamento do investimento feito no edifício «Atrium Saldanha».
E) A quantia mutuada foi utilizada para diversos fins, entre eles a liquidação ou amortização de empréstimos antes contraídos junto de várias entidades bancárias.
F) À data de 31 de dezembro de 2012, o endividamento acumulado era de € 123.657.774,16.
G) As demonstrações financeiras da Requerente incluem financiamentos concedidos ao accionista – € 32.500.000,00 – e a empresas do grupo e relacionadas – € 4.47.993,05 – , os quais não vencem juros nem têm plano de reembolso definido.
H) No exercício de 2012, a Requerente suportou encargos financeiros no montante de € 5.151.456,06.
I) A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva em relação ao exercício de 2012;
J) Na sequência da ação inspectiva, a AT efectuou uma correcção ao lucro tributável da Requerente, no montante de € 1.536.776,57, por considerar não dedutíveis, para efeitos fiscais, esta parte dos gastos financeiros suportados no exercício de 2012;
K) O critério usado pela AT consistiu em calcular o saldo médio de financiamento anual da Requerente – € 36.853.269,43 – determinando a taxa do gasto efectivo de financiamento – 4,17% -, aplicando esta taxa ao valor dos empréstimos às empresas referidas em G), e desconsiderar como custo fiscal o valor obtido - € 1.536.776,57.
L) A AT não considerou as sete faturas contabilizadas pela Requerente, emitidas por K.........., com sede na Holanda, entre março e dezembro de 2012, com os números 2012001 a 2012007, no total de € 60.000,00, relativas a prestação de serviços de consultadoria.
M) Ainda que não mencionado nas referidas faturas, o número de identificação fiscal da K.......... é 850 849 263, conforme documento emitido pelas autoridades fiscais holandesas.
N) A desconsideração como gasto fiscal assentou, além do mais, em essas faturas não indicarem o NIF da emitente nem da Requerente, não discriminarem IVA nem mencionarem o tipo de tributação ou isenção de IVA, e em a emitente não ter registo de NIF no cadastro VIES (Sistema de Informação de Trocas Intercomunitárias), não tendo os respectivos serviços sido declarados pela K...........
O) As correcções mencionadas originaram a liquidação adicional n.º .........., de 18 de dezembro de 2015, a liquidação dos juros compensatórios n.º .......... e n.º .........., de 22 de dezembro de 2015, tudo num total de € 503.966,72, que a Requerente pagou no dia 8 de abril de 2016.

3.2. Factos não provados

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, que aqui se dão por reproduzidos, e em acordo das Partes.
».

Ø De direito

Como se deixou consignado no acórdão da secção de CT deste TCAS proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB,

«O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade; ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação – que em bom rigor se trata de um recurso – deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.).

Transpostos os considerandos julgados pertinentes e regressando aos autos, se bem apreendemos das doutas conclusões, são estas as nulidades apontadas ao Acórdão arbitral pela entidade impugnante: i) Omissão de pronúncia na medida em que o Tribunal Arbitral não aprecia nem responde à questão colocada da legalidade do método indirecto utilizado pela AT – alínea G) das conclusões; ii) oposição dos fundamentos com a decisão, na medida em que o Tribunal Arbitral utiliza na decisão fundamentos insanavelmente contraditórios entre si – alínea H) das conclusões; iii) omissão de pronúncia quanto à questão colocada da violação das regras de repartição do ónus da prova que decorrem da aplicação do método indirecto utilizado pela AT – alínea J) das conclusões; iv) não especificação dos fundamentos que levaram o Tribunal Arbitral a responder negativamente à questão de saber se o método utilizado pela AT viola as regras do ónus da prova decorrentes da veracidade das declarações e contabilidade – alínea L) das conclusões; v) Omissão de pronúncia quanto à questão da inconstitucionalidade, por violação do art.º 104.º, n.º 2 da CRP, da aplicação do art.º 23.º do Código do IRC através da mera aplicação de um método indirecto de afectação descrito na decisão arbitral – alínea N) das conclusões; vi) Omissão de pronúncia na medida em que não consta dos factos «provados», nem dos factos «não provados» decisão sobre a prova feita pela impugnante com vista “a demonstrar que a totalidade do financiamento bancário que obteve foi aplicado na prossecução da sua actividade comercial e que as disponibilidades financeiras que foram objecto de financiamento por si efectuado ao accionista e a entidades relacionadas provinha, não do financiamento bancário, mas dos lucros da sua actividade, pelo que os juros suportados cumpriam o critério da indispensabilidade previsto no art.º 23.º do Código do IRC – alínea P) das conclusões; vii) Oposição dos fundamentos com a decisão na medida em que o Tribunal Arbitral, por um lado, sublinha que está fora do escopo da AT realizar juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial da impugnante, socorrendo-se de abundante jurisprudência e doutrina, e depois acaba por decidir contraditoriamente que a AT pode-se imiscuir na gestão da impugnante – alíneas Q) a T) das conclusões; viii) não especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão, a saber, nenhuma norma é convocada na decisão arbitral para legitimar a actuação da AT, “mormente na aplicação do art.º 23.º através do método indirecto descrito na alínea K) da matéria dada como provada” – alínea U) das conclusões.

Ø Vício de omissão de pronúncia

Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra, os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).

No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).

No regime de arbitragem voluntária em direito tributário, a nulidade da decisão arbitral derivada do vício de omissão de pronúncia está consagrada no artº.28, nº.1, al. c), do R.J.A.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/06/2014, proc.7084/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/03/2016, proc.8981/15).

Pois bem, pretende a Impugnante que o acórdão arbitral não apreciou a questão da legalidade e da inconstitucionalidade do método indirecto utilizado pela AT.

Mas sem razão, salvo o devido respeito. Como a própria Impugnante refere nas alegações do recurso constar do pedido de pronúncia arbitral, “começou por referir que a liquidação sofria de uma ilegalidade evidente, pois a inspecção (…) fez uma imputação indirecta entre o financiamento obtido pela Requerente junto do E.......... (…) e o financiamento concedido às empresas de grupo identificadas no Relatório”.

Mais adiante, “…a impugnante realçou também o seguinte facto: «Note-se que o relatório não apresenta uma única… prova ou elemento que permita estabelecer um nexo entre o financiamento obtido pela Requerente junto do E.......... e os valores a receber por esta das entidades do grupo». E, explicou a ora Impugnante, «não o faz, precisamente, porque aplica um método de imputação indirecta».

E noutro trecho das alegações, refere: “o Relatório conclui que «não serão aceites fiscalmente os encargos financeiros que a empresa suportou, que correspondam aos financiamentos concedidos às empresas do grupo». A ora Impugnante criticou esta forma de operar, referindo o seguinte: «Que este método de imputação indirecta seja realmente expedito e simples, ninguém duvida… Acontece, porém, que tal método não é permitido nem pela lei, nem pela Constituição”.

Mais adiante nas alegações, refere: “A ora impugnante apontou o dedo à inspecção referindo que «Como se viu, a AT ignorou tudo isto e, aplicando um método de imputação indirecta, decretou que toda a dívida que as empresas do grupo apresentavam perante a Requerente provinha, necessariamente, do financiamento obtido junto do E..........»”. E, mais à frente, “A impugnante volta a reforçar no pedido de pronúncia arbitral: «Como se viu, a AT não apresentou um único elemento, indício, documento ou prova do facto que suporta toda a correcção, ou seja, que o financiamento obtido junto do E.......... foi canalizado para as empresas do grupo e originou o passivo não remunerado que consta das suas demonstrações financeiras»”.

Como se vê, a questão da utilização do método indirecto de imputação dos custos que a Impugnante refere e sobre que entende não ter recaído qualquer pronúncia da decisão arbitral prende-se com a circunstância de a AT ter praticado a correcção em causa assente na conclusão, factualmente indemonstrada, de que parte do financiamento obtido do E.......... foi utilizado pela Impugnante para financiar outras empresas do grupo, sendo que o apuramento dessa parte se fez nos termos descritos no ponto K) da matéria assente.

Sucede que na decisão arbitral foi entendido como irrelevante – bem ou mal, não o podemos aqui sindicar –indagar que parte do financiamento obtido pela Impugnante se destinou à sua própria actividade e que parte desse financiamento foi directa e imediatamente utilizado para financiar outras entidades do grupo. Atentemos nestas passagens da decisão arbitral:
«As quantias mutuadas, sem qualquer remuneração, sempre poderiam evitar que uma parte dos encargos financeiros tivesse que ser suportada.
Neste contexto, julga-se que não merece qualquer juízo de censura a posição da AT ao não considerar como gastos da actividade os encargos financeiros suportados e directamente relacionados com as disponibilidades financeiras que a Requerente colocou à disposição de outras entidades do grupo e que poderiam ter sido utilizadas no âmbito da sua actividade, evitando que uma parte dos encargos tivesse que ser suportada.
Isto nada tem a ver com a documentação dos encargos, que a AT não pôs em causa, nem com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, que também não foi beliscada, nem com a regularidade da contabilidade da Requerente, que a AT não pôs em crise, nem com a presunção de que o financiamento bancário se destinou, directa e imediatamente, à concessão de empréstimos a terceiros, que a AT também não afirmou, nem com a liberdade de que gozam os empresários de gerir as empresas segundo critérios que não cabe à AT substituir por outros.
O que se diz é que a concessão de empréstimos gratuitos a terceiros, usando as disponibilidades da Requerente – que naturalmente resultam dos financiamentos obtidos e dos réditos provenientes da sua actividade – não preenche o falado critério da indispensabilidade.
Ademais, a AT, para chegar ao resultado a que chegou, utilizou um critério adequado, descrito na alínea K) da matéria de facto, sendo certo que a Requerente não o critica, nem propõe outro, dizendo, apenas, que não há uma afectação directa entre o financiamento obtido e os empréstimos concedidos – o que é verdade e, repete-se, a AT não afirmou.
O que há é uma realidade económica que se traduz no seguinte: se a Requerente não tivesse concedido os falados empréstimos gratuitos, não precisaria de recorrer ao crédito na medida em que o fez.
Portanto, os encargos com esse recurso ao crédito não são gastos, no seu todo, indispensáveis».

Portanto, não podemos concordar com a Impugnante quando invoca omissão de pronúncia quanto à questão da ilegalidade do método indirecto utilizado pela AT, na medida em que tal supõe um raciocínio que a decisão arbitral não acolheu nem seguiu e que assenta no entendimento da Impugnante – ou, melhor, na leitura que fez da correcção da AT – de que só a parte do financiamento obtido do E.......... e directa e imediatamente afecta ao financiamento de terceiros seria susceptível de legitimar o juízo de não indispensabilidade dos encargos suportados com juros.

Para a decisão arbitral essa relação directa e imediata entre os financiamentos obtidos do E.......... e concedidos pela Impugnante a outras entidades do grupo, é irrelevante para o juízo de não indispensabilidade formulado porquanto, se alegadamente foram colocados à disposição de terceiros recursos próprios da Impugnante (não importa apurar se na totalidade ou em parte), então, nessa exacta medida, a Impugnante nunca teria necessidade de suportar os custos associados ao financiamento obtido do E...........

E nesta linha de raciocínio perfilhada na decisão arbitral (bem ou mal, não o podemos julgar), ficou prejudicado o conhecimento quer da questão da inconstitucionalidade do alegado método indirecto utilizado pela AT, quer da questão da repartição do ónus da prova associada à utilização desse método, a que, na leitura da decisão arbitral, repete-se, a AT não recorreu.

Também não ocorre a invocada omissão de pronúncia por falta de apreciação da prova produzida pela impugnante com vista “a demonstrar que a totalidade do financiamento bancário que obteve foi aplicado na prossecução da sua actividade comercial e que as disponibilidades financeiras que foram objecto de financiamento por si efectuado ao accionista e a entidades relacionadas provinha, não do financiamento bancário, mas dos lucros da sua actividade, pelo que os juros suportados cumpriam o critério da indispensabilidade previsto no art.º 23.º do Código do IRC” – alínea P) das conclusões, posto que essa questão factual para cujo esclarecimento se orientou a prova resultou prejudicada na decisão.

Improcedem, pelas indicadas razões, todos os vícios de omissão de pronúncia assacados ao acórdão arbitral, porquanto as questões de que não conheceu (inconstitucionalidade do alegado método indirecto, repartição do ónus da prova associada à utilização desse método e falta de apreciação da prova produzida) resultaram prejudicadas em vista da solução dada a outras.
Ø Oposição dos fundamentos com a decisão

Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al. c), do C.P.Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).

No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc.7435/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).

No regime de arbitragem voluntária em direito tributário, a nulidade da decisão arbitral derivada dos fundamentos estarem em oposição com a decisão está consagrada no artº.28, nº.1, al.b), do R.J.A.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,18/6/2013,proc.6121/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16).

A nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, segundo a qual a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído.

Tendo presente que a nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, não vislumbra este Tribunal que a decisão impugnada padeça da nulidade em análise.

Ora, como se apreende das doutas conclusões, o que a Impugnante se limita a fazer é a invocar contradição entre fundamentos, que não contradição entre os fundamentos e a decisão e apenas esta situação integra a nulidade em causa.

De resto, nem sequer vislumbramos contradição entre os fundamentos da decisão arbitral. Ora atente-se nestas passagens da decisão arbitral, sendo que os sublinhados e negritos são da nossa responsabilidade:
«Neste contexto, julga-se que não merece qualquer juízo de censura a posição da AT ao não considerar como gastos da actividade os encargos financeiros suportados e directamente relacionados com as disponibilidades financeiras que a Requerente colocou à disposição de outras entidades do grupo e que poderiam ter sido utilizadas no âmbito da sua actividade, evitando que uma parte dos encargos tivesse que ser suportada.
Isto nada tem a ver com a documentação dos encargos, que a AT não pôs em causa, nem com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, que também não foi beliscada, nem com a regularidade da contabilidade da Requerente, que a AT não pôs em crise, nem com a presunção de que o financiamento bancário se destinou, directa e imediatamente, à concessão de empréstimos a terceiros, que a AT também não afirmou, nem com a liberdade de que gozam os empresários de gerir as empresas segundo critérios que não cabe à AT substituir por outros.
O que se diz é que a concessão de empréstimos gratuitos a terceiros, usando as disponibilidades da Requerente – que naturalmente resultam dos financiamentos obtidos e dos réditos provenientes da sua actividade – não preenche o falado critério da indispensabilidade.
Ademais, a AT, para chegar ao resultado a que chegou, utilizou um critério adequado, descrito na alínea K) da matéria de facto, sendo certo que a Requerente não o critica, nem propõe outro, dizendo, apenas, que não há uma afectação directa entre o financiamento obtido e os empréstimos concedidoso que é verdade e, repete-se, a AT não afirmou.

Como está bem de ver, nunca se afirmou ou validou na decisão arbitral o entendimento de que existiu relação directa entre o financiamento obtido do E.......... e os empréstimos concedidos a empresas do grupo, nem tal afirmação se apresenta contraditória com a afirmada relação directa dos encargos financeiros suportados com as disponibilidades financeiras que a Requerente colocou à disposição de outras entidades do grupo.

Outrossim, invoca a Impugnante oposição dos fundamentos com a decisão na medida em que o Tribunal Arbitral, por um lado, sublinha que está fora do escopo da AT realizar juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial da impugnante, socorrendo-se de abundante jurisprudência e doutrina, e depois acaba por decidir contraditoriamente que a AT pode-se imiscuir na gestão da impugnante.

De novo, o que aqui está em causa é uma eventual contradição entre os fundamentos, que não entre os fundamentos e a decisão.

Mas nem sequer vislumbramos qualquer contradição entre os fundamentos da decisão. A dado passo da decisão arbitral consigna-se: «Acontece, porém, que, no caso concreto em apreço, a Requerente apenas tem necessidade de suportar uma parte de tais encargos porque, de forma livre, voluntária e em obediência a critérios de gestão qua apenas a ela dizem respeito, colocou á disposição de outras entidades algumas disponibilidades financeiras, próprias ou alheias, que poderia ter utilizado para a sua actividade.
(…)»
E noutro passo, «Neste contexto, julga-se que não merece qualquer juízo de censura a posição da AT ao não considerar como gastos da actividade os encargos financeiros suportados e directamente relacionados com as disponibilidades financeiras que a Requerente colocou à disposição de outras entidades do grupo e que poderiam ter sido utilizadas no âmbito da sua actividade, evitando que uma parte dos encargos tivesse que ser suportada.
Isto nada tem a ver…com a liberdade de que gozam os empresários de gerir as empresas segundo critérios que não cabe à AT substituir por outros».

Como se vê, nem há contradição entre os fundamentos e a decisão, como os fundamentos se mostram coerentes entre si e conduzem logicamente à improcedência do pedido de pronúncia arbitral relativamente à questão de saber “se devem ser considerados como gastos do exercício, para efeitos fiscais, os encargos financeiros suportados pela Requerente em relação aos financiamentos referidos em G) da matéria de facto”.

Improcedem in totum as nulidades da sentença fundadas em oposição dos fundamentos com a decisão.

Ø Não especificação dos fundamentos que justificam a decisão

Só se verifica nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito quando ocorra falta absoluta de fundamentação, ou seja, quando existe ausência total de fundamentos de facto e de direito (Este tem sido o entendimento uniforme do STA, entre outros, ver acórdão de 2012.11.07, tirado no proc.º01109/12. Em termos de doutrina ver Alberto dos Reis, “CPC, anotado”, volume V, página 140 e
Jorge Lopes de Sousa, “CPPT, anotado e comentado”, 6ª edição revista II volume, página 357).

Deverá considerar-se que existe falta absoluta de fundamentação quando essa fundamentação seja ininteligível ou não tenha relação perceptível com o julgado, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação (vd. Acórdão do STA, de 1997.03.19, proferido no recurso nº 21.923, disponível no sitio da internet www.dgsi.pt).

Quando a fundamentação não exteriorizar, minimamente, as razões que levaram a decidir naquele sentido e não noutro dever-se-á entender que estamos perante uma nulidade por falta de fundamentação (vd. Acórdão do STA, de 2003-12-17, proferido no recurso nº 1471/03, disponível no sitio da internet www.dgsi.pt).

A fundamentação de direito, por norma, é feita por indicação da norma ou normas legais em que se sustenta, mas poderá, também, ser estruturada por mera indicação dos princípios jurídicos ou doutrina jurídica em que se baseia

E como repetidamente o tem decidido a jurisprudência deste TCA, só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento. Erro de julgamento que escapa aos poderes de pronúncia do TCA.

Ora, salvo melhor juízo, da decisão arbitral impugnada constam, de forma expressa, os fundamentos de facto e de direito que determinaram a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, pois nela se alinham os factos provados e se refere a inexistência de factos «não provados» com relevância para a decisão, se motiva a decisão de facto, bem como se expõe, aliás extensamente, o quadro jurídico aplicável (“Nesta conformidade, importa chamar à colação o artigo 23.º do Código do IRC, com vista a dar resposta à questão de saber se devem ser considerados como gastos os encargos suportados com o financiamento que não haveria necessidade de obter se não fossem concedidas a outras entidades do grupo as disponibilidades financeiras não remuneradas por qualquer forma”) e a leitura que dele fazem a jurisprudência e a doutrina.

A Impugnante assinala como vícios de falta de fundamentação, a não especificação dos fundamentos que levaram o Tribunal Arbitral a responder negativamente à questão de saber se o método utilizado pela AT viola as regras do ónus da prova decorrentes da veracidade das declarações e contabilidade – alínea L) das conclusões; e, a não especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão, a saber, nenhuma norma é convocada na decisão arbitral para legitimar a actuação da AT, “mormente na aplicação do art.º 23.º através do método indirecto descrito na alínea K) da matéria dada como provada” – alínea U) das conclusões.

Mais uma vez, não acompanhamos a Impugnante. Senão, vejamos.

Como se consigna na decisão arbitral, “A Requerente sustenta que os financiamentos obtidos junto da E.......... foram utilizados para pagar o passivo junto da C.........., do Banco ……..e do M…….., bem como para efectuar o pagamento de comissões e demais encargos, inclusive de natureza fiscal”. Mas sendo isso que a declaração e contabilidade da Impugnante reflectem, na leitura da decisão arbitral, esses dados declarativos e contabilísticos, apesar de aceites como verdadeiros pela AT não conduzem à aceitação fiscal dos juros desconsiderados, porquanto, “colocar à disposição de outras entidades do grupo disponibilidades financeiras, próprias ou alheias, sem cobrar juros não gera qualquer rendimento tributável, significa que é quebrada a regra de balanceamento que deve existir, do ponto de vista fiscal, entre os gastos e os rendimentos”. O que se passa é que no entendimento da Impugnante se lhe tivesse sido dada a possibilidade de “demonstrar que a totalidade do financiamento bancário que obteve foi aplicado na prossecução da sua actividade comercial e que as disponibilidades financeiras que foram objecto do financiamento por si efectuado ao accionista e a entidades relacionadas provinha, não do financiamento bancário, mas dos lucros da sua actividade (…) os juros suportados cumpriam o critério da indispensabilidade previsto no artigo 23.º do Código do IRC” - (Conclusão O) do recurso).

Ora, saber se a razão está do lado da impugnante ou da sentença (que validou a correcção da AT) não o podemos sindicar, pois tal seria entrar na apreciação de um eventual erro de julgamento, o que está legalmente vedado a este Tribunal.

Já quanto à não especificação dos fundamentos de direito que justificam a actuação correctiva da AT, salienta-se que em nenhum passo da decisão impugnada é afirmado o recurso ao método indirecto no apuramento dos encargos com juros não aceites descritos no ponto K) da matéria assente. Note-se o que a propósito é referido na decisão arbitral: “(…) a AT, para chegar ao resultado a que chegou, utilizou um critério adequado, descrito na alínea K) da matéria de facto, sendo certo que a requerente não o critica, nem propõe outro, dizendo, apenas, que não há uma afectação directa entre o financiamento obtido e os empréstimos concedidos – o que é verdade e, repete-se, a AT não afirmou”.

O que se passa é que o critério de quantificação descrito na alínea K) da matéria assente é assumido pela Impugnante como indirecto porque a Impugnante parte da premissa de que só provando-se a afectação directa (ou a medida dessa afectação) entre o financiamento obtido (do E..........) e os empréstimos concedidos (a entidades do grupo) – que a AT não provou – estaria afastado o preenchimento do requisito de indispensabilidade previsto no art.º 23.º do CIRC, posição que a decisão arbitral não acolheu, antes tendo validado o entendimento de que “se a Requerente não tivesse concedido os falados empréstimos gratuitos, não precisaria de recorrerão crédito na medida em que o fez”, afastando por conseguinte a demonstração da afectação directa entre o financiamento obtido e os empréstimos concedidos como condição do não preenchimento do requisito de indispensabilidade previsto no art.º 23.º do CIRC.

Esta diferente posição da decisão arbitral poderá estar inquinada de erro de julgamento, que este Tribunal, repete-se, não pode sindicar, mas não inquina a decisão arbitral do vício mais grave da nulidade por falta de fundamentação.

E exactamente porque este Tribunal não pode sindicar eventuais erros de julgamento, o Acórdão arbitral proferido no proc.º 61/2018 – T que julgou diferentemente a mesma questão e que a Impugnante juntou a fls.133 dos autos, não tem préstimo para a pronúncia legalmente possível nesta Impugnação, circunscrita ao conhecimento das nulidades da decisão.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar totalmente improcedente a presente impugnação da decisão arbitral.

Custas a cargo da Impugnante.

Lisboa, 30 de Setembro de 2020



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Vital Lopes





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Luísa Soares





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Cristina Flora