Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2086/11.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO
GERÊNCIA EFECTIVA
PROVA
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente;
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para que possa efectivar a responsabilidade subsidiária, a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito;
III - É à Administração Tributária, na qualidade de exequente, que cabe demonstrar a verificação dos pressupostos da reversão da execução fiscal.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO


B…, melhor identificada nos autos, deduziu oposição no âmbito do processo de execução fiscal nº 3158200601023799 e apensos, para cobrança coerciva de dívidas de IRS/Retenção na fonte de 2007, IVA de 2006 e 2007 e IRC de 2006 e Coimas, no valor de € 21.039,33.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 23 de Outubro de 2020, julgou a oposição procedente.

Não concordando com a decisão, a Fazenda Pública, aqui Recorrente interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, na parte em que o douto Tribunal considerou que não houve demonstração por parte da Administração Tributária que a Oponente exerceu de facto a gerência na sociedade.

II. Não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão recorrida, porquanto considera que da prova produzida, não só pela Fazenda Pública mas também pela Oponente, não se podem extrair as conclusões que lhe serviram de base, determinando que se julgasse pela efetivo exercício da gerência na sociedade por parte da Oponente.

III. Da análise da certidão de registo comercial constata-se que a ora Oponente figura como gerente da sociedade “C… – S… Consultadoria de Segurança, Lda.”, desde a constituição em 2001 até 01/08/2007, data em que renunciou à gerência, além do mais não é despiciendo que a sociedade obrigava-se pela assinatura dos dois únicos sócios-gerentes.

IV. É certo que esta prova, constante da Conservatória do Registo Comercial, demonstra a gerência de direito da Oponente, relativamente à sociedade devedora originária "C… – S… Consultadoria de Segurança, Lda.", contudo, tal prova não se fica somente por aí, ela pode, a par de outras provas e de certas alegações proferidas ao longo do processo, contribuir para provar a efetiva gerência da Oponente.

V. Em primeiro lugar a obrigatoriedade da assinatura da Oponente na vinculação da sociedade, decorre deste facto, sendo de asseverar que a Oponente tinha uma intervenção pessoal e ativa na vinculação da sociedade, ou seja, a viabilidade funcional da devedora originária só era concretizada com a intervenção da Oponente, o que se subsume integralmente na noção de gerência de facto.

VI. De acordo com o despacho proferido em 25/10/2011 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Loures 3, parece-nos ser, desde logo, sanada a preterição incutida na douta decisão do Tribunal a quo.

VII. A saber e conforme despacho a fls. 82 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido:


«Imagem em texto no original»


VIII. Sendo certo que todos os elementos apontam no sentido em que a Oponente exerceu a gerência da sociedade.

IX. Isto para dizer que não tem que ser necessariamente a Administração Tributária a trazer a verdade material aos autos, mas estando essa informação disponível e assente nas declarações realizadas pelas partes e tendo em consideração a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado pela autora e segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, formulando a sua convicção.

X. Neste sentido e tendo em conta outros elementos probatórios junto aos autos afere-se que as dívidas tributárias objecto da presente lide se referem a impostos dos anos de 2006 e 2007, até ao registo da renuncia à gerência 01/08/2007 pelo que, os argumentos aduzidos e relativos à cessão de quotas e renúncia à gerência, tendo em conta que se reportam a factos posteriores às dívidas em causa, são manifestamente despiciendos.

XI. Por outro lado, na petição inicial (cfr. pontos de 1, 9, 10, 11) é aceite o exercício da gerência por parte da Oponente. Da sua leitura retira-se que foi efetivamente gerente da sociedade, tendo o seu mandato durado até 20-04-2006, data em que renunciou à gerência, tendo durante esse período subscrito documentos e assinado cheques, e efectuado pagamento a trabalhadores da sociedade.

XII. Todos estes actos em que a Oponente participou como representante da sociedade em documentos que vinculam a própria sociedade, perante terceiros, é por si só distintivo da gerência de direito, ou seja, é demonstrativo do exercício da gerência de facto.

XIII. Logo não se compreende que o Tribunal ”a quo” conclua que “ Nestas condições, não existe prova segura de que a gerência de facto estivesse a cargo da Oponente, tendo ficado por apurar, com razoável certeza e segurança, uma realidade susceptível de evidenciar o exercício da gerência de facto por parte da Oponente.”

XIV. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Conclusão a que se tem de chegar conhecendo perfeitamente o itinerário cognoscitivo dos presentes autos. Este dever imposto de averiguar a verdade material não dispensa os contribuintes da obrigação de colaborarem na produção de provas, como se prevê no artigo 59.º, da L.G.T.

XV. Pelo que de acordo com tudo o que foi dito, não se vislumbra qualquer ilegalidade sobre o pressuposto do exercício efetivo da gerência de facto da Oponente em que se baseia o despacho de reversão proferido contra ela.

XVI. Destarte, no entender da Fazenda Pública, e sem embargo de melhor opinião, constata-se que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, porque não procedeu ao correto enquadramento da matéria de facto no disposto no artigo 24.º, n.º 1, b) da LGT, considerando existir falta de certeza em como a Oponente exerceu a função a que se propôs, ao integrar os estatutos societários de administração da sociedade e ao assinar todos os documentos que lhe foram apresentados, pelo o outro sócio-gerente.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade:

«A. Em 7 de Maio de 2006, no Serviço de Finanças de Loures 3, foi instaurado, contra a sociedade C… – S… Consultadoria de Segurança, Lda., o PEF n.º 3158200601023799, ao qual foram posteriormente apensados outros 17 PEF’s, para cobrança coerciva de dívidas de IRS/Retenção na Fonte de 2007, IVA de 2006 e 2007, IRC de 2006 e Coimas, no montante total de € 21.039,33, com data limite de pagamento entre 20 de Março de 2006 e 27 de Maio de 2009 (cf. autuação da presente oposição, informação prestada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 208.º do CPPT e certidões de dívida e ofício de citação (reversão) constantes dos autos);

B. Em 29 de Agosto de 2011, foi proferido despacho de reversão contra a Oponente (cf. informação prestada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 208.º do CPPT);

C. Em 14 de Setembro de 2011, foi a Oponente citada na qualidade de responsável subsidiário, constando como “Fundamentos da Reversão”, entre o mais, o seguinte: “Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo art. 24º/nº 1/b) LGT” (cf. ofício do de citação (reversão) e respectivo aviso de recepção constantes dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Em 18 de Outubro de 2011, deu entrada no Serviço de Finanças de Loures 3 a p. i. da presente oposição (cf. fl. 6 dos autos em suporte de papel);

E. Pela Ap. 26/20010611, foi registada a constituição da sociedade devedora originária, tendo por objecto a “prestação de serviços de manutenção a espaços comerciais e privados, nomeadamente, serviços de recepção. Comercialização e instalação de equipamentos de segurança, consultadoria de segurança”, logo tendo a Oponente e C… sido nomeados gerentes, sendo a forma de obrigar com a “intervenção de dois gerentes” (cf. doc. 2, junto com a p. i, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Pela Ap. 4/20070801, foi registada a renúncia à gerência por parte da Oponente e a cessão da sua quota, reportadas à data de 20 de Abril de 2006 (Idem; cf. ainda escritura de cessão de quotas e alteração do contrato que consubstancia o doc. 1, junto com a p. i, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. No ano lectivo de 19…/19…, a Oponente começou a frequentar o Curso Superior de Gestão no Instituto Superior de Gestão (ISG), que concluiu em … de 2003 (cf. doc. 3, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H. Desde 2 de Janeiro de 2004 até, pelo menos, 3 de Outubro de 2011, a Oponente exerceu funções na sociedade F… e – C… Internacional, S. A., ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo (cf. doc. 4, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I. No ano lectivo de 20…/20…, a Oponente concluiu o Curso de Pós- Graduação em Fiscalidade do ISG (cf. doc. 5, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

J. A Oponente e o C… tiveram uma relação afectiva, após cujo terminus a Oponente deixou de ter qualquer relação com a empresa (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas, amigos de faculdade e colegas de trabalho da Oponente, os quais se revelaram isentos e credíveis e tendo conhecimento directo dos factos).»


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Factos não provados

Nada consta da sentença recorrida.

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Motivação da decisão de facto

Nada consta na sentença recorrida.


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao ter considerado procedente a oposição à execução fiscal, por não ter a ora Recorrente demonstrado e provado o exercício efectivo da gerência da devedora originária por parte da Oponente, ora Recorrida.

A sentença recorrida para julgar procedente a oposição, considerou o seguinte:

“(…)No caso vertente, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, ou seja, considerando os potenciais responsáveis à data do terminus do prazo para pagamento voluntário (cf. letra C do probatório).(…)

Porém, durante esse período de tempo, o único acto que, em concreto, se prova que a Oponente tenha praticado em nome e por conta da sociedade devedora originária foi a outorga, na referida data de 20 de Abril de 2006, da escritura de cessão de quotas e alteração do contrato em que renunciou à gerência (cf. letra F do probatório), acto este isolado e que entendemos ser insuficiente para caracterizar o exercício de tal actividade de gerência, preenchendo-o, que pressupõe um conjunto de actos ordenados para um certo fim, de prosseguimento do objecto social e das deliberações dos sócios, que não se prova que a Oponente tenha exercido.

Ainda que a Oponente tenha praticado tal acto vinculativo da sociedade devedora originária e outros em representação da mesma sociedade, resulta também do probatório que a Oponente esteve ocupada com os estudos e, desde Janeiro de 2004, com o exercício da sua actividade profissional (cf. letras G a I do probatório).

Nestas condições, não existe prova segura de que a gerência de facto estivesse a cargo da Oponente, tendo ficado por apurar, com razoável certeza e segurança, uma realidade susceptível de evidenciar o exercício da gerência de facto por parte da Oponente.

Em suma, cabendo à Administração Tributária o ónus da prova do efectivo exercício de funções de gestão por parte da Oponente e não tendo esta logrado proceder a tal prova, a oposição tem que proceder.(…)”

Dissente a ora Recorrente do assim decidido por entender que, na sentença recorrida, se fez errado julgamento no que respeita à gerência de facto da Oponente, a qual se deveria ter dado como provada.

Esta questão foi já apreciada neste TCAS, quanto às mesmas partes, sendo que no Acórdão proferido em 11 de Julho de 2019, a aqui Relatora interveio na qualidade de 1ª Adjunta, pelo que, recuperamos o que, ali se entendeu, nos seguintes termos:

“(…) Visto que não vem questionado o regime de responsabilidade aplicado na sentença recorrida (o previsto no artigo 24.º da LGT), vejamos então se assiste razão à recorrente, analisando o regime de responsabilidade subsidiária instituído nesse preceito legal.

Este artigo 24º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:
«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)».
É sabido que a gerência pode ser nominal ou de direito (quando resulta da designação no contrato de sociedade ou de eleição posterior por deliberação dos sócios) ou efectiva ou de facto (traduzida na prática de actos de administração ou disposição em nome e no interesse da sociedade).
À luz do regime da responsabilidade subsidiária descrito em qualquer uma das suas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência (neste sentido, entre muitos outros, vide o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10, disponível em texto integral em
www.dgsi.pt) .
No que respeita ao ónus da prova, como bem salienta a sentença recorrida, louvando-se no entendimento da nossa jurisprudência, aliás pacífica e uniforme, é à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária.
Vale aqui, o sustentado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no processo n.º 1132/06, onde se escreve que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal, nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta de demonstração sobre o efectivo exercício da gerência.
O mesmo entendimento está ínsito no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 21.11.2012, proferido no processo n.º 0474/12 e que se transcreve (parcialmente), atento o interesse para a presente causa: « (…) Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc. Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
A regra do artigo 346° do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova» (fim de citação, sublinhados nossos).» (disponível em texto integral em
www.dgsi.pt).
No caso, ficou provado que, no contrato social da devedora originária, a gerência desta seria exercida pelos dois sócios, a Oponente e P……, obrigando-se a mesma com intervenção conjunta dos mesmos.
Como atrás já o dissemos, não existe qualquer presunção legal que permita concluir que quem é gerente de direito exerce a gerência de facto. (Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 11.03.2009, proferido no processo n.º 0709/08, disponível em texto integral em
www.dgsi.pt).
Do que vem dito decorre, desde logo, que não assiste razão à Fazenda Pública quando pretende ver responsabilizada a Oponente pelo facto de ter sido designada gerente no pacto social e a sua intervenção ser necessária para obrigar da sociedade devedora originária.
É um facto que, segundo o contrato social, a devedora originária se obriga com a assinatura conjunta de dois gerentes (gerência plural conjunta), contudo o argumento utilizado pela Fazenda Pública «(…) não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.
Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado». ( Acórdão Tribunal Central Administrativo Norte de 12.06.14, proferido no processo nº 00013/12.0BEBRG, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)
Tanto basta para se poder concluir que, não obstante a previsão no contrato social da necessidade de intervenção de dois gerentes para vincular a devedora originária, não é seguro que a viabilidade funcional da mesma ficaria comprometida sem a intervenção da Oponente.
Por outro lado, não é o facto da Oponente em sede de audição prévia ter afirmado que «fui sócio gerente da empresa C….. Lda» que permite extrair a conclusão que aquela exerceu a gerência efectiva da devedora originária, dado que apenas permite apreender que a Oponente foi sócia gerente da devedora originária e o que releva para efeitos da sua responsabilização é o exercício efectivo do cargo, não relevando para efeitos da citada responsabilização a mera gerência nominal ou de direito.
Com efeito, sabido que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade da sociedade nos respectivos negócios jurídicos, que são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, quem toma decisões sobre o destino das suas receitas e quem dá ordens de pagamento em nome e no interesse dela, exteriorizando, por essa via, a vontade da sociedade e vinculando-a com a sua assinatura perante terceiros (cfr. artigo 260.º nº 4 do Código das Sociedades Comerciais), não basta a gerência nominal, para se poder afirmar que o exercício da gerência.
Não se ignora, o alegado nas Conclusões VII, contudo, como também vimos, o ónus material da prova da gerência de facto enquanto pressuposto da responsabilidade subsidiária que se efectiva através da reversão pesa sobre a Fazenda Pública.
Assim, não tendo a Fazenda Pública produzido qualquer prova sobre a gerência é inócuo aferir se a Oponente logrou provar factos que suscitem dúvida sobre a prática efectiva de actos de gerência.
Depois, e ainda, não indica a Fazenda Pública qual (ou quais) a(s) data (s) em foi(ram) assinado(s) pela Oponente o(s) cheque(s) para pagamento dos vencimentos dos funcionários da devedora originária, tanto mais quanto é certo que aquela não deixou de afirmar em sede de oposição fiscal que: «no período a que respeitam os tributos, nem nunca teve, qualquer participação na gestão da sociedade».
Chegados aqui, dúvidas não existem que perante a factualidade fixada na sentença recorrida é de concluir que não tendo sido feita qualquer prova de que a Oponente, para além de deter a qualidade de gerente de direito da devedora originária, também a exerceu de facto, praticando os actos próprios e típicos da gerência, no período aqui em causa (seja a assinatura de contratos ou quaisquer outros documentos, a efectivação de pagamentos, a contratação de pessoal, a alienação ou aquisição de património, a negociação de fornecimentos, entre outros), não pode ser responsabilizada, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas, sendo, por isso, parte ilegítima na execução fiscal. E repete-se, como acima dissemos, que era à Fazenda Pública que competia a prova de tal exercício.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da Fazenda Pública, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a sentença aqui sindicada, com todas as legais consequências.(…)”

Regressando aos presentes autos, nada nos leva a concluir em sentido diferente do decidido no Acórdão mencionado, cujo teor acolhemos, pelo resta dizer que, não tendo a Fazenda Pública logrado demonstrar e provar que a Recorrida exerceu, efectivamente, a gerência da sociedade devedora originária, o recurso não merece provimento.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 18 de Maio de 2023

(Isabel Vaz Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Maria Cardoso)