Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:268/15.8BEBJA
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:10/11/2018
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores: IFRIC 12 – CONCESSÃO
DEPRECIAÇÃO
TERRENOS SUBMERSOS
Sumário:1.ª A concessão relativa ao Empreendimento de Fins Múltiplos do A… (EFMA) é uma concessão que, sendo de serviço público e visando o desenvolvimento, financiamento, operação e manutenção das respectivas infraestruturas, é do tipo BOT (build-operate-transfer) ou ROT (rehabilitate-operate-transfer), porquanto tais infraestruturas revertem para o Estado no fim do período da concessão e sem que seja atribuída qualquer compensação à concessionária, que apenas é remunerada pelas receitas das taxas cobradas a terceiros, de acordo a aplicação do tarifário definido pelo concedente.
2.ª A IFRIC 12, do I.F.R.I. Committee, adoptada no âmbito da EU pelo Regulamento (CE) n.º 254/2009, de 25 de Março de 2009, destina-se a interpretar o modo como devem ser aplicadas as disposições das Normas Internacionais de Relato Financeiro a contratos de concessão.
3.ª A IFRIC 12 é aplicável à concessão do Empreendimento de Fins Múltiplos do A….
4.ª Nos termos do § 11 da IFRIC 12 todas as infraestruturas de uma concessão não devem ser reconhecidas pelo concessionário como seus activos fixos tangíveis.
5.ª O concessionário é, nos termos do §12 da IFRIC 12, um mero prestador de serviços: serviços de construção ou de valorização das infraestruturas e/ou serviços operacionais relacionados com a manutenção das mesmas.
6.ª Caso o concessionário preste serviços de construção ou de valorização e serviços operacionais das infraestruturas no quadro de um único contrato ou acordo, a retribuição recebida ou a receber pela construção, valorização ou manutenção daquelas deve ser reconhecida pelo justo valor, através da adopção de um de dois modelos contabilísticos: o modelo de activo financeiro ou o modelo de activo intangível se, respectivamente, existe um direito incondicional ao reembolso dos gastos incorridos ou se esses reembolso é feito mediante a aplicação de um tarifário aos utentes do serviço público.
7.ª No caso do EFMA o modelo a aplicar é o do activo intangível, na medida em que apenas está previsto que o reembolso pela construção, valorização ou manutenção das infraestruturas seja feito mediante um preço a cobrar pela concessionária aos utentes pelos serviços que presta, segundo as tarifas aprovadas pelo concedente.
8.ª De harmonia com a NCFR 6 amortização ou depreciação de tais activos é possível, dado que têm uma vida útil finita, cujo fim corresponde ao termo do contrato de concessão.
9.ª Os terrenos submersos das barragem do EFMA, incluindo os que foram adquiridos pela concessionária por via de direito privado ou por expropriação, embora não fazendo parte das infraestruturas da concessão mas sendo imprescindíveis à exploração dos fins hidroeléctricos ou de rega destas, integrando o domínio público hídrico e revertendo no termo da concessão para o Estado sem qualquer contrapartida da parte deste à concessionária, não devem também ser reconhecidos como activos fixos tangíveis da concessionária, à semelhança do que se estabelece no § 11 da IFRIC 12 para as infraestruturas, devendo ter um tratamento contabilístico semelhante a estas.
10.ª Os elementos do activo adquiridos ou produzidos pela concessionária do EFMA, que nos termos das cláusulas do contrato de concessão revertem para o Estado no final desta, são depreciáveis ou amortizáveis nos termos do artigo 12.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.
Votação:Maioria com Voto de Vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Proc. n.º 268/15.8BEBJA

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ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. Relatório

1.1. - As partes e o objecto do recurso

EDIA – E…., S.A., não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que considerou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada contra a liquidação de IRC referente ao exercício de 2013 (liquidação n.º 2014 89100…., de 19-12-2014 e reposição de prejuízos fiscais correspondentes), veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu como segue:

1.ª O Contrato de Concessão do EFMA entrou em vigor em 1 de Novembro de 2007;

2.ª A partir de 1 de Novembro de 2007, os bens afetos à concessão passaram a ser depreciados, para efeitos fiscais e contabilísticos, pelo método das quotas constantes, ao longo do período de concessão;

3.ª O EFMA tem que ser considerado como um todo indivisível, o qual é composto por diversas componentes que não é possível desagregar para efeitos fiscais;

4.ª Os terrenos submersos em questão estão incluídos no EFMA e são objeto dos Contratos de Concessão supra referidos;

5.ª Nos termos dos Contratos de Concessão (artigo 28°), todos os bens incluídos no EFMA, incluindo os imoveis, reverterão para o Estado Português, no termo da Concessão;

6.ª Como tal, o custo suportado pela EDIA pela aquisição destes terrenos tem necessariamente que ser aceite como custo fiscal, porquanto o EFMA, enquanto um todo indivisível, é todo ele indispensável a manutenção da fonte produtora da EDIA, ao abrigo do disposto no artigo 23° do Código do IRC;

7.ª De qualquer forma, a IFRIC 12, referente a Contratos de Concessão prevê que os bens objeto de Contrato de Concessão sejam depreciados pelo método das quotas constantes, ao longo do período da concessão. A IFRIC 12 é aplicável ao Contrato de Concessão da EDIA conforme expressamente reconhecido pela Comissão de Normalização Contabilística em 20 de Janeiro de 2011;

8.ª Fiscalmente também se aplica o mesmo critério suportado no artigo 12° do Decreto-Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro, que prevê que "Os elementos do ativo imobilizado adquiridos ou produzidos por entidades concessionarias e que nos termos das cláusulas do contrato de concessão sejam revertíveis no final desta podem ser reintegrados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil";

9.ª De acordo com este artigo, todos os bens que integram o Contrato de Concessão e que revertem para o Estado no termo da Concessão são depreciados pelo método das quotas constantes, independentemente da sua natureza, porque integrantes do todo que é a Concessão, aplicando-se neste caso o artigo 12° do Decreto-Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro, que é o artigo referente ao tratamento fiscal das amortizações relativas a Contratos de Concessão e não qualquer outro.


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A recorrida FAZENDA PÚBLICA contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido, concluindo deste modo:

1.ª De acordo com a lei fiscal (artigos 23°, 29° e 34° do CIRC) apenas são aceites como gastos do exercício as depreciações e as amortizações de elementos do activo imobilizado sujeitos a deperecimento;

2.ª Por sua vez, dispõe o Decreto-Regulamentar n° 25/2009, de 14 de Setembro (no seu artigo 1°) como critério-regra que "Podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis e as propriedades de investimento contabilizadas ao custo histórico que, com caracter sistemático, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo." (sublinhando nosso).

3.ª Já no que respeita a "Depreciação de Imoveis" dispõe o artigo 10° do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 (a semelhança do que sucedia com o anterior Decreto-Regulamentar n.º 2/90) que "No caso de imoveis, do valor a considerar no termos do artigo 2°, para efeitos do cálculo das respectivas quotas de depreciação, é excluído o valor do terreno ou, tratando-se de terrenos de exploração, a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento." (sublinhado nosso).

4.ª Ora, os custos com a aquisição de terrenos submersos não podem ser amortizáveis ou reintegráveis para efeitos fiscais na medida em que os terrenos não são depreciáveis;

5.ª Isto é, os terrenos submersos não estão sujeitos a deperecimento porque não perdem gradualmente valor, em função da sua (ou não) utilização.

6.ª Na génese da depreciação, esta a vida útil do bem, que de um modo geral, corresponde ao período esperado de exploração e utilização desse bem - é assim que as tabelas anexas ao Decreto Regulamentar foram construídas tendo em conta o período de vida útil esperado dos diversos bens, em condições normais.

7.ª Como os terrenos submersos não sofrem desgaste, a amortização do valor dos referidos terrenos encontra-se excluída para efeitos fiscais;

8.ª No que respeita ao argumento invocado pela Recorrente de que o EFMA tem de ser entendido como um todo indivisível, no qual se compreendem também os terrenos submersos, que não podem ser desagregados para efeitos fiscais, uma vez que também concorrem para a obtenção dos proveitos, sublinhamos que a situação dos autos não é passível de se revelar distinta do caso de um empreendimento turístico ou da construção de qualquer outra infra-estrutura (eg. edifício da sede de uma empresa) em que o terreno adquirido se revela também indissociável da estrutura construída e indispensável para a obtenção dos proveitos;

9.ª Todavia, a lei fiscal, não admite, que as amortizações e reintegrações, ainda que registadas contabilisticamente, relativas a custos de aquisição de terrenos, fazendo eles parte integrante de uma barragem ou de qualquer outra infra-estrutura, sejam relevadas fiscalmente.

10.ª Acresce que, o facto de ter sido atribuído a Recorrente a concessão da gestão e exploração do EFMA e a concessão da utilização privativa do domínio público hídrico do EFMA e de ter sido estipulado que os bens afectos a Concessão (nos quais se incluem os terrenos submersos) revertem para o Estado Português no final do período da concessão (75 anos) não altera a natureza dos terrenos submersos como bens não amortizáveis para efeitos fiscais.

11.ª Com efeito, o critério em que assenta o não reconhecimento fiscal das amortizações contabilísticas praticadas relativas aos terrenos não se encontra dependente de critério voláteis, como a natureza do proprietário dos terrenos, do tipo de contrato celebrado ou das condições impostas pelo mesmo.

12.ª Assenta sim, exclusivamente na natureza não depreciável dos terrenos, a qual, como já referimos, é imutável.

13.ª No que concerne a norma contabilística IFRIC 12, importa referir que o legislador adoptou o modelo da dependência parcial do direito fiscal face ao direito da contabilidade o que implica que o ponto de partida para a determinação do lucro fiscal é o resultado contabilístico, desempenhando a Contabilidade uma função instrumental, mas o resultado contabilístico está sujeito a correcções fiscais decorrentes das regras que o CIRC impõe, como resulta do artigo 17° do mesmo diploma legal.

14.ª Quanto aos activos revertíveis, a lei fiscal estabelece no seu artigo 12° do Decreto­-Regulamentar n °25/2009 que apenas «Os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias» podem ser depreciados ou amortizados.

15.ª Pois bem, como se referiu e demonstrou supra, os terrenos submersos não são depreciáveis.

16.ª Pelo que, ainda que a norma contabilística IFRIC 12 preveja que os bens objecto do contrato de concessão sejam depreciados pelo método das quotas constantes, ao longo do período da concessão, a norma fiscal (artigo 12° do Decreto-Regulamentar n°25/2009) não prevê a aceitação da amortização relativa a custos com a aquisição dos terrenos submersos, ainda que objecto de contractos de concessão e revertíveis no final do contrato, na medida em que estes, como se referiu, não são depreciáveis.

17.ª Deste modo, perante divergências entre as normas contabilísticas e a lei fiscal (refira-se que uma das matérias em que é bastante notória a existência de divergências é, precisamente, a matéria das reintegrações e amortizações) incumbia ao recorrente proceder aos necessários ajustamentos positivos ao seu lucro tributável em face do não reconhecimento fiscal dos custos com a aquisição dos terrenos submersos.

18.ª Também não tem razão a recorrente quando invoca que não pode ser prejudicada do ponto de vista fiscal, somente pela forma jurídica/empresarial que o Estado Português lhe atribuiu para o desenvolvimento da sua actividade no âmbito do EFMA, uma vez que tais considerações não têm, contrariamente ao pretendido, qualquer implicação na situação vertente.

19.ª E isto porque no âmbito do regime fiscal em análise, a qualidade do proprietário (Estado Português, a Recorrente ou qualquer outra entidade publica ou privada) não tem qualquer relevância uma vez que o que importa para aquele regime é a natureza depreciável (ou não) do activo.

20.ª E, como amplamente se demonstrou, os terrenos submersos não são depreciáveis a luz do Decreto Regulamentar n° 25/2009.

21.ª Deve ainda salientar-se que, a situação invocada pela Recorrente (em que, caso assumisse antes a natureza de concessionaria, o valor pago pelo direito a concessão, onde estaria incluído o valor do terreno, já seria aceite como custo fiscal) nao se distingue da figura do arrendamento em que na contrapartida acordada com o arrendatário também se inclui o valor do terreno, sendo a renda aceite como custo fiscal.

22.ª Todavia em ambas as situações, os custos com a aquisição dos terrenos por parte dos seus proprietários não são aceites fiscalmente.

23.ª Importa referir que na sentença na parte relativa a responsabilidade pelo pagamento das custas, nada foi dito relativamente ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto no n° 7 do art.º 6° do Regulamento das Custas Processuais solicitado pela recorrida;

24.ª No entanto, entendemos que, atendendo a simplicidade da causa e a conduta das partes, deve ser dispensando o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, ou pelo menos, a referida dispensa ser parcial.

25.ª Pelo que, em suma, deve manter-se a sentença na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial e corrigida na parte em que não atendeu ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça efectuado pela recorrida.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao Recurso e, consequentemente ser mantida a sentença recorrida na parte relativa a impugnarão e corrigida na parte relativa a parte em que não dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça solicitado pela recorrida, com as devidas consequências legais, assim se fazendo a Costumada Justiça.

Mais se requer que em virtude do valor da causa ser superior a € 275,000.00, desde já se requer, a V. Ex.ª que, nos termos do n° 7 do artigo 6° do Regulamento das Custas Processuais, determine a dispensa do pagamento da taxa de justiça ali prevista no âmbito deste Recurso.


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Neste TCAS o M.º P.º, emitiu parecer em que suscitou a questão da incompetência do tribunal (em razão da hierarquia).

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1.2. - Questões a decidir

As questões a dirimir são as seguintes:

1.2.1. Averiguar se o tribunal é competente, a título de questão prévia;

1.2.2. Averiguar do destino ou afectação dos terrenos submersos da barragem do A….;

1.2.3. Determinar o regime contabilístico a aplicar;

1.2.4. Apurar se esse regime contabilístico permite a depreciação ou amortização de tais terrenos;

1.2.5. Face à resposta obtida, apurar se em função do regime fiscal aplicável é ou não possível tal depreciação ou amortização.


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2. Fundamentação

2.1. - De facto

Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

a) A Impugnante é uma sociedade anonima de capitais exclusivamente públicos apresentando-se como a entidade gestora do Empreendimento de Fins Múltiplos do A….

b) Independentemente do objeto social da Impugnante, encontra-se a mesma com a atividade declarada em termos fiscais de engenharia hidráulica, esta com o CAE 42….

c) Encontra-se, como tal, enquadrada como sujeito passivo de imposto.

d) Em 18/10/2012 deu entrada na Direcção de Finanças de Beja, do ofício do n.º … da DSIRC, anexando cópia da informação n° …./2012 da DSIRC, relativa ao pedido de autorização de utilização de um método de depreciação diferente do estipulado no Decreto-Regulamentar n° 2/90, de 12/01, informação essa que contém a seguinte conclusão:

“Face ao exposto ao longo desta informação, somos de parecer que, ao abrigo, do n° 3 do art.º 30° do CIRC conjugado com o n° 3 do art.º 4° do Decreto Regulamentar n° 25/2009, de 14 de setembro, poderá ser reconhecido, para efeitos fiscais, um método de reintegração que terá por base o perfil de geração de proveitos de acordo com o plano apresentado pela requerente.

No entanto há que considerar que nem todos os investimentos efectuados pela EDIA são passiveis de amortização ao abrigo da lei fiscal pelo que se exclui desta autorização a amortização fiscal do valor dos terrenos submersos por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento.";

e) Na sequência da ordem de serviço n.o 0120…. determinada por despacho do Chefe de Divisão de Inspecção Tributaria datado de 11/08/2014, foi realizada acção de inspecção a Impugnante com o objectivo de observar a sua realidade tributária, incidindo em IRC sobre o ano de 2013.

f) Na sequência desta acção de inspecção interna foi elaborado relatório definitivo em 25/11/2014 concluindo da seguinte forma:

Da consulta aos elementos de contabilidade veneficámos que a empresa depreciou e considerou como gasto do exercício do ano de 2013 relativamente aos terrenos submersos o montante de € 2.225.121,17 ( ... ) Face ao exposto, a amortização dos terrenos submersos não tem relevância em termos fiscais e não há qualquer apoio na lei fiscal que permita o seu acolhimento. Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento salvo os terrenos de exploração destinados a entulheiras os quais perdem valor respectivamente em função do esgotamento ou em função da superfície degradada pelo que os terrenos em apreço (submersos) não configuram nenhuma daquelas excepções, ou seja, estas depreciações não são aceites como custos para efeitos fiscais por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento nos termos da alínea b) do n° 1 do art.º 33° do CIRC. Deste modo, e devida uma correcção positiva ao lucro tributável da empresa no montante de € 2.225.121,17.

g) Notificada que foi quanto ao projecto do relatório a Impugnante não exerceu o direito de audição,

h) Na sequência do relatório elaborado e conclusões descritas em f), em 22/12/2014 foi emitida a liquidação com o n° 201489100…… referente a IRC do exercício de 2013 apurando imposto a pagar pela Impugnante respectivamente no valor de 62.292,66 €.

i) Não se conformando com esta nota de liquidação apresentou, em 17/04/2015, reclamação graciosa contra a mesma

j) Sobre esta recaiu despacho, em 08/05/2015, pelo Director de Finanças em regime de substituição, de indeferimento do reclamado;

k) No se conformando com a mesma apresentou, em 21/07/2015, petição inicial que deu origem aos presentes autos;

l) Contabilisticamente a Impugnante enquadrou a generalidade dos bens afetos ao Empreendimento de Fins Múltiplos de A… enquanto ativos fixos tangíveis até 01/01/2010;

m) Apos essa data tais bens foram reclassificados como ativos intangíveis conforme previsto na IFRIC 12 (I…F…R…I…C… nº 12).


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Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

n) Por contrato de concessão celebrado em 7 de Outubro de 2007 foi concessionada à recorrente, em regime de exclusivo, pelo prazo de 75 anos, a gestão do Empreendimento de Fins Múltiplos do A… (EFMA), bem como a utilização do domínio público hídrico afecto a tal empreendimento, para fins de rega e exploração hidroeléctrica.

o) Os imóveis integrantes da área geográfica do EFMA, que não integravam, na data referida na alínea anterior, o domínio público hídrico, foram expropriados, tendo a recorrente suportado os custos da expropriação;

p) Nos termos da cláusula 7.ª do contrato referido em n), consideram-se afectos à concessão os imóveis adquiridos pela recorrente por via do direito privado ou mediante expropriação.

q) Nos termos da cláusula 8.ª a água das albufeiras, os seus leitos e margens, assim como as infra-estruturas que integram o sistema primário do empreendimento de fins múltiplos de A…. integram o domínio público do Estado.

r) Nos termos do n.º 2 da cláusula 9.ª, os bens que não pertençam ao Estado revertem para este no termo da concessão, sem qualquer indemnização e livres de quaisquer ónus ou encargos;

s) Nos termos da cláusula 24.º, n.os 5, 6 e 9, as receitas da recorrente provêm da cobrança de taxas sobre a utilização privada dos recursos hídricos e das taxas administrativas devidas pela atribuição de títulos de utilização;

t) A recorrente solicitou à DGCI “autorização para utilizar um método de amortização diferente do estipulado no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro” (fls. 16 do P.A.)

u) Em relação a esse pedido foi prestada informação, transcrita no relatório de inspecção tributária ao exercício de 2013 e já referida supra em d);

v) Nessa informação consta, além do mais, o seguinte:

“9. Entre os bens a amortizar verifica-se que a requerente pretende incluir os terrenos submersos, pois entende que pela natureza da sua utilização perderam todo o valor comercial e não constituem, assim, um investimento recuperável num prazo controlável. Do mesmo modo, a Aldeia da L… constitui um investimento não recuperável, pelo que o seu custo deve ser amortizado ao longo da vida útil do empreendimento.

(…)

Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento, salvo os terrenos de exploração e os destinados a entulheiras os quais perdem valor, respectivamente, em função do esgotamento ou em função da superfície degradada, pelo que os terrenos em apreço, (submersos), não configuram nenhuma daquelas excepções.

Quanto à Aldeia da L… entendemos que o gasto incorrido com a sua construção foi necessário à execução do empreendimento, pelo que nos parece ser de aceitar a sua amortização.

w) A referida informação mereceu despacho de concordância da Subdirectora Geral de 04-10-2012;

x) No relatório de inspecção tributária ao exercício de 2013 é referido o seguinte:

“Da consulta aos elementos da contabilidade, verificamos que a empresa depreciou e considerou como gasto do exercício do ano de 2013, relativamente aos terrenos submersos, o montante de € 2.225.121,17 (…)

Face ao exposto, a depreciação dos terrenos não tem relevância em termos fiscais e não há qualquer apoio na lei que permita o seu acolhimento. Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento, salvo os terrenos de exploração e os destinados a entulheiras os quais perdem valor, respectivamente, em função do esgotamento ou em função da superfície degradada, pelo que os terrenos em apreço, (submersos), não configuram nenhuma daquelas excepções, ou seja, estas depreciações não são aceites como custos para efeitos fiscais por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Deste modo é devida uma correcção positiva ao lucro tributável da empresa no ano de 2013, no montante de € 2.225.121,17. (…)”

y) Por despacho do Director de Finanças de Beja de 12-12-2014 foi determinada a matéria colectável para o exercício de 2013 no montante de - € 6.310.986,96 “em resultado das correcções operadas por desconsideração do método de amortização diferente do estipulado no DRegulamentar n.º 2/90 de 12 de Janeiro, no que concerne ao valor dos terrenos submersos”.

z) Por carta de datada de 20-01-2011 a Comissão de Normalização Contabilística comunicou à recorrente que a IFRIC 12 é aplicável ao contrato de concessão (fls. 35 dos autos).

aa) Na liquidação referida supra em h) foi corrigido o prejuízo fiscal apresentado pela recorrente, para menos, no montante de € 2. 225.121,17, tendo sido apurado um prejuízo fiscal de € 6.310.986,96.

bb) A reclamação referida em i) supra constitui o doc. de fls. 4 e ss. do PA, (cujo teor se dá aqui por reproduzido), constando do artigo 23.º o seguinte: “Pelo exposto, nos termos do artigo 13.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro e das Cláusulas 8.ª e 9.ª do Contrato de Concessão, considerando que os terrenos amortizados, bem como todos os bens integrados no Empreendimento de Fins Múltiplos do A…. reverterão para o Estado no final do Contrato, estão cumpridos todos os requisitos legais para a aceitação da amortização como custo fiscal, não devendo ser efectuada qualquer correcção em sede de IRC”.

cc) Da informação que sobre essa reclamação recaíu não consta qualquer referência ao normativo referido na alínea anterior.


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2.2. - De Direito

2.2.1. - A questão essencial a abordar neste acórdão consiste em saber se os terrenos submersos da barragem do A…. relevam, contabilística e fiscalmente, para a depreciação ou amortização de activos intangíveis.

O que implica determinar, em primeiro lugar, o regime contabilístico a aplicar; e em segundo lugar, saber se esse regime contabilístico permite ou impõe essa depreciação ou amortização.

Face à resposta obtida, apurar se em função do regime fiscal aplicável é ou não possível tal depreciação ou amortização.

Mas em primeiro lugar impõe-se apreciar a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.


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2.2.2. – Questão prévia: da (in)competência do tribunal.

Arguiu o M.º P.º a incompetência deste tribunal, fundamentalmente por entender que se trata apenas da discussão de uma questão de direito e não de questões de facto.

Sucede que, como da fundamentação infra se conclui sem margem para dúvidas (e até em razão das questões de facto colocadas pela recorrida), pese embora a matéria de facto dada por adquirida na primeira instância não tenha sido questionada e sem embargo da mesma padecer de alguma insuficiência (daí o acrescento operado neste acórdão), o certo é que sobre a mesma é necessário formular juízos de facto, designadamente quanto aos terrenos que estão em causa, designadamente quanto ao seu aproveitamento no âmbito da Concessão e ao seu deperecimento ou desgaste físico.

Consequentemente, tal juízo é quanto basta para conferir competência em razão da matéria a este tribunal, nos termos do 280.º, n.º 1, do CPPT.

Improcede, pois, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público


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2.2.3. - O Empreendimento de Fins Múltiplos de A… (EFMA), foi implementado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/96, de 23 de Janeiro, tendo em vista desenvolver sustentadamente o Alentejo, implicando a concepção, execução e construção, pela recorrente, de um vasto programa de investimentos, durante um período temporal alargado.

O regime jurídico do EFMA foi revisto pelo Decreto-Lei n.º 42/2007, de 22 de Fevereiro, diploma que revogou os anteriores diplomas sobre a matéria.

Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, deste diploma, são consideradas infraestruturas do EFMA as seguintes componentes infraestruturais:

a) Barragem e central hidroeléctrica de A…;

b) Barragem e central hidroeléctrica de P…;

c) Sistema de adução A…-Álamos;

d) Rede primária, a qual integra as infraestruturas de captação, adução e distribuição de água cuja articulação com as componentes identificadas nas alíneas anteriores estabelece um sistema fisicamente integrado;

e) Rede secundária, a qual integra as infraestruturas de captação, adução e distribuição que se encontram posicionadas a jusante da rede primária e visam garantir o fornecimento de água à entrada das explorações agrícolas localizadas nos perímetros de rega do empreendimento ou beneficiadas por este;

f) Outras infraestruturas acessórias ou complementares das referidas nas alíneas anteriores e que visem a produção de energia.

Nos termos do n.º 2 deste artigo o conjunto das infraestruturas identificadas nas alíneas a) a d) e f) é considerado como sistema primário.

De harmonia com o artigo 2.º, n.º 1, a gestão, exploração, manutenção e conservação das infraestruturas integrantes do sistema primário do empreendimento foi concedida à recorrente, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. Tal outorga concretizou-se mediante contractos de concessão, de resto como expressamente é referido no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do referido diploma, sendo que a exploração da componente hidroeléctrica das infraestruturas integrantes do sistema primário do empreendimento foi igualmente atribuída à recorrente (n.º 4 do art.º 3.º).

Nos termos do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 313/2007, de 17 de Setembro, de desenvolvimento daquele diploma:

1 - É atribuída à EDIA - Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do A…, S. A. (EDIA), nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei 311/2007, de 17 de Setembro, e da alínea a) do n.º 3 e do n.º 4 do artigo 68.º da Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, respectivamente, a concessão da gestão e exploração do empreendimento de fins múltiplos de A…. (EFMA) e a concessão da utilização privativa do domínio público hídrico do EFMA.

2 - A concessão compreende a administração das infra-estruturas hidráulicas e de outros bens do domínio público hídrico afectos ao empreendimento, a administração e gestão das utilizações principais e secundárias dos recursos hídricos afectos ao empreendimento, as competências para a atribuição de títulos de utilização dos recursos hídricos e a fiscalização da utilização por terceiros de tais recursos hídricos públicos, bem como a utilização privativa do domínio público hídrico para os seguintes fins:

a) Captação de água para rega;

b) Captação de água para produção de energia;

c) Exploração das centrais hidroeléctricas de A… e de P…;

d) Centrais mini-hídricas associadas ao EFMA;

e) Definição, construção e exploração dos reforços de potência de A… e P….;

f) Implantação e exploração das infra-estruturas hidráulicas destinadas aos fins referidos nas alíneas anteriores.

As infraestruturas hidráulicas acima referidas, segundo a definição do art.º 41º do Decreto-Lei n.º 46/94, compreendem as obras ou o conjunto de obras que, com carácter fixo nos leitos e margens, permitem a utilização dos recursos hídricos afectos ao EFMA.

Mas a concessão não integra apenas essas infraestruturas. De facto, os imóveis integrantes da área geográfica do EFMA, que não integravam, na data em que foi outorgado o contrato, o domínio público hídrico, foram expropriados, tendo a recorrente suportado os custos da expropriação, passando a ser considerados afectos à concessão nos termos da clásula 7.ª do respectivo contrato, não obstante não deverem ser considerados como infraestruturas, na acepção acima referida.

Tais imóveis, nos quais se compreendem os terrenos que são objecto do litígio, além de integrarem a concessão, integram também o domínio público do Estado, revertendo para este no termo daquela.

2.2.4. - Coloca-se então a seguinte questão: que tipo de tratamento contabilístico e fiscal deve ser dado aos terrenos submersos pelas águas da barragem do A…, que constituem a base do respectivo reservatório de água?

Como decorre do anteriormente exposto, estamos perante uma concessão de serviço público, visando o desenvolvimento, financiamento, operação e manutenção das infraestruturas supra referidas, as quais revertem para o Estado no fim do período da concessão.

Em relação às infraestruturas do sistema primário do EFMA, não foi prevista no diploma qualquer retribuição específica por parte do Estado, sendo a recorrente remunerada através de receitas de exploração baseadas em modelo tarifário aprovado pelo Conselho de Ministros (art.º 11.º). Trata-se, pois, de uma concessão do tipo BOT (build-operate-transfer) ou ROT (rehabilitate-operate-transfer).

Dado que as IFRS (I.F.R.S) não se debruçavam sobre o tratamento contabilístico a dar às infraestruturas do tipo daquelas aqui em causa, inicialmente o IFRIC (I.F.R.I.Committee) publicou notas interpretativas sobre esse tratamento e, posteriormente, em 30-11-2006, emitiu a IFRIC 12 - Service Concession Arrangements, que a União Europeia adoptou através do Regulamento (CE) n.º 254/2009, de 25 de Março.

Conforme decorre do considerando 2 deste Regulamento a “IFRIC 12 é uma interpretação que esclarece a forma como devem ser aplicadas as disposições das Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS) já aprovadas pela Comissão a acordos de concessão de serviços. A IFRIC 12 explica como deve ser reconhecida nas contas do concessionário a infra-estrutura subordinada ao acordo de concessão de serviços. Esclarece igualmente a distinção existente entre as diversas fases de um acordo de concessão de serviços (construção/ exploração) e a forma como o rédito e os gastos devem ser reconhecidos em cada caso. Distingue dois modos de reconhecer a infra-estrutura e o rédito e os gastos conexos («modelos» de activo financeiro e de activo intangível), em função do grau de incerteza a que se encontra exposto o rédito futuro do concessionário”.

A IFRIC 12 passou a ser obrigatoriamente aplicada pelas empresas, o mais tardar a partir da data de início do seu primeiro exercício financeiro que começou após a data de entrada em vigor do regulamento (art.º 2.º do Regulamento 254/2009), ou seja, a partir de 29 de Março de 2009.

A interpretação veiculada pela IFRIC 12 provocou emendas à Norma Internacional de Relato Financeiro n.º 1 (IFRS 1), Interpretação n.º 4 do IFRIC (IFRIC 4) e I.F.R.I. Committee n.º 29 (SIC 29).

Mas a IFRIC 12 não define o que seja um contrato de concessão de serviços públicos. Todavia, é possível do seu § 3 inferir as características típicas de tais contratos:

- Em primeiro lugar o contrato de concessão deve prever que a utilização da infraestrutura concessionada é destinada a fins de interesse geral.

- Depois, o contrato entre o concedente (grantor) e o concessionário (operator), deve prever as condições de remuneração deste, a sua própria duração e o tipo de serviços a prestar pelo concessionário, os fornecimentos a que este fica adstrito e prever o controlo residual da infraestrutura no final da concessão, usualmente através da sua devolução ao concedente a custo zero.

Em resumo, como referem Bruno Gonçalo Carvalho Gomes e Hélder Viegas da Silva, “[a] IFRIC 12 aplica-se aos acordos de concessão de serviços pelo sector público ao privado sempre que sejam cumpridos os requisitos do parágrafo 5 da interpretação:

a. A entidade concedente controla ou regulamenta os serviços que o concessionário deve prestar com as infra-estruturas, a quem os deve prestar e a que preço;

b. A entidade concedente controla – através da propriedade, de direitos de beneficiário ou de outro modo – qualquer interesse residual significativo nas infraestruturas no final da vigência do acordo”, ou como resumem, a aplicação da IFRIC 12 “depende de três pontos-chave, decorrentes da primeira alínea: controlo e regulamentação e a quem o serviço deve ser prestado e da segunda alínea: controlo através de interesse residual significativo”.

Portanto, o âmbito de aplicação da IFRIC 12 “é definido em função do controlo da infraestrutura concessionada por parte do concedente. Controlo de preços, controlo de serviços, controlo residual, constituem formas de controlo previstas pela IFRIC 12 e que servem para enquadrar, no âmbito da interpretação determinado contrato ou actividade”.

2.2.5. As características supra aludidas permitem dizer que a IFRIC 12 é aplicável ao caso presente, em que existe um controlo ou regulamentação, pelo concedente, da forma de prestação dos serviços das infraestruturas concessionadas, que residualmente lhe serão atribuídas/devolvidas no final do contrato sem qualquer contrapartida, e em relação às quais a recorrente incorreu em despesas relacionadas com a sua aquisição, construção, modificação ou reabilitação, das quais é reembolsada a partir do momento em que estas ficaram disponíveis para serem utilizadas e através das receitas geradas com a aplicação do tarifário definido pelo concedente, que assim controla os preços dos serviços prestados.

Mas, tendo em conta a distinção operada pela cláusula 8.ª do contrato de concessão e atenta a definição legal de infraestrutura (art.º 41º do Decreto-Lei n.º 46/94), é evidente que os terrenos em causa não podem ser considerados como fazendo parte da infraestrutura “barragem” nem eles próprios podem ser classificados como tal.

Portanto, a pergunta que se coloca é a de saber se a IFRIC 12 deve ser aplicada ao tratamento contabilístico desses terrenos.

2.2.6. O reconhecimento do terrenos submersos

A IFRIC 12 “aplica-se aos acordos de concessão de serviços do sector público ao privado, se:

(a) A entidade concedente controla ou regulamenta os serviços que o concessionário deve prestar com as infraestruturas, a quem os deve prestar e a que preço;

(a) b) A entidade concedente controla — através da propriedade, de direitos de beneficiário ou de outro modo qualquer interesse residual significativo nas infra-estruturas no final da vigência do acordo (cfr. § 5).

No caso presente verificam-se estas duas condições: o Estado fixa as condições de exploração do EFMA e as tarifas a cobrar pela recorrente e, no final da concessão, recebe sem dar quaisquer contrapartidas, as infraestruturas e demais imóveis integrantes da concessão.

Portanto, e como de resto já se salientou, a conclusão óbvia a extrair é de que a IFRIC 12 é aplicável à concessão dos autos, como de resto foi reconhecido pela Comissão de Normalização Contabilística.

Sendo assim, como devem ser contabilisticamente reconhecidos os terrenos submersos, que como já se viu não podem nem devem ser considerados como infraestruturas nem integrando as mesmas?

Embora não integrando a infraestrutura “barragem”, tais imóveis são imprescindíveis ao funcionamento desta, dado que sendo terrenos submersos pelas águas das barragens, constituem o leito e as margens das respectivas albufeiras [cfr. supra, 2.1, al. q)].

Isto é, tais terrenos constituem o leito e as encostas do reservatório da barragem, onde se acumulam as massas de águas que são essenciais para fazer funcionar as turbinas da mesma e, portanto, para a produção de energia eléctrica, bem como para o aproveitamento da água para fins de rega.

Como tais terrenos integram o domínio público hídrico e como, no final da concessão, revertem para o Estado sem qualquer contrapartida da parte deste, então o reconhecimento contabilístico de tais terrenos deve ser feito nos mesmos termos das infraestruturas, as quais, que de harmonia com o § 11 da IFRIC 12, não devem ser reconhecidas pelo concessionário como seus activos fixos tangíveis “dado que o acordo de prestação contratual de serviços não confere ao concessionário o direito de controlar o uso das infraestruturas de serviço público. O concessionário tem [apenas] acesso às infra-estruturas, a fim de prestar o serviço público por conta da entidade concedente, de acordo com as condições especificadas no contrato”.

Ora, o § 12 da IFRIC 12 prevê:

Nos termos dos acordos contratuais concluídos, abrangidos pela presente interpretação, o concessionário actua como um prestador de serviços. O concessionário constrói ou valoriza as infra-estruturas (serviços de construção ou de valorização) utilizadas para prestar um serviço público e opera e mantém essas infra-estruturas (serviços operacionais) durante um período especificado

Por sua vez o § 13 da IFRIC 12 estipula:

O concessionário deve reconhecer e mensurar o rédito, de acordo com as IAS 11 e 18, relativamente aos serviços que presta. Caso o concessionário preste mais do que um serviço (ou seja, serviços de construção ou de valorização e serviços operacionais) no quadro de um único contrato ou acordo, a retribuição recebida ou a receber deve ser imputada por referência aos justos valores relativos dos serviços prestados, quando as quantias forem identificáveis separadamente. A natureza da retribuição determina o seu tratamento contabilístico subsequente. A contabilização subsequente da retribuição recebida como um activo financeiro e como um activo intangível encontra-se descrita em pormenor nos parágrafos 23–26(negrito nosso).

No caso em apreço a recorrente presta mais do que um serviço (ou seja, presta serviços de construção ou de valorização e serviços operacionais) no quadro de um único contrato ou acordo, recebendo réditos provenientes das taxas de recursos hídricos que cobra aos particulares.

Atendendo à sua própria natureza, tais réditos não podem ser imputados, separadamente, a cada um dos serviços acima referidos. Consequentemente o seu tratamento contabilístico deve ser unitário.

Dispõe quanto a este aspecto o § 15 da IFRIC 12:

Caso o concessionário preste serviços de construção ou de valorização, a retribuição recebida ou a receber pelo concessionário deve ser reconhecida pelo seu justo valor. A retribuição pode corresponder a direitos sobre:

(a) Um activo financeiro;

(b) Um activo intangível.

Corresponderá a um activo financeiro se o concessionário tiver “um direito contratual incondicional de receber dinheiro ou outro activo financeiro relativamente aos serviços de construção, da parte da entidade concedente, ou segundo as instruções desta” (§ 16).

Como decorre da matéria de facto a retribuição da concessionária, no caso presente, provém da cobrança de taxas a particulares, pelo que não tem qualquer direito contratual incondicional a receber dinheiro ou outro activo financeiro. Donde, o reconhecimento dos réditos como ativos financeiros não ser o adequado.

A retribuição corresponderá a um activo intangível se ao concessionário lhe for “conferido o direito (licença) de cobrar um preço aos utentes do serviço público. O direito de impor um pagamento aos utentes do serviço público não é um direito incondicional de receber dinheiro, dado que as quantias dependem da medida em que o público utiliza o serviço” (§ 17).

Ora, como já se salientou, a retribuição da concessionária provém da cobrança de taxas, cujo montante global pode ser variável em função do número de utentes, do grau de pluviosidade, etc.

Aplicando ao caso presente verifica-se que a retribuição deve ser reconhecida como um ativo fixo intangível, na medida em que a recorrente apenas tem o direito, contratual e legalmente reconhecido, de cobrar um preço aos utentes pelos serviços que presta, segundo as tarifas aprovadas pelo concedente.

Os réditos devem então ser reconhecida pelo justo valor. Contabilisticamente, o justo valor equivale à quantia pela qual um activo pode ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes suficientemente informadas e independentes entre si, dispostas a efectuar a correspondente transacção, ou, como definido na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 6 (NCFR 6), “a quantia pela qual um activo pode ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transacção em que não exista relacionamento entre elas”.

2.2.7. A depreciação dos ativos fixos intangíveis numa perspectiva contabilística

Aqui chegados, a questão a que importa dar resposta é a seguinte: podem ou não tais activos intangíveis ser depreciados ao longo dos anos até que se esgote o seu valor no termo da concessão, quando as infraestruturas são devolvidas ao concedente, como pretende a recorrente?

Vejamos, primeiro, de um ponto de vista contabilístico.

De harmonia com o § 26 da IFRIC 12, “[a] IAS 38 aplica-se aos activos intangíveis reconhecidos de acordo com os parágrafos 17 e 18”.

Nos termos do § 8 da NCFR 6, relativa aos activos intangíveis e que tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 38 – Activos Intangíveis, adoptada pelo Regulamento (CE) n.º 2236/2004, da Comissão, de 29 de Dezembro, com as alterações dos Regulamentos (CE) n.º 211/2005, da Comissão, de 4 de Fevereiro e n.º 1910/2005, da Comissão, de 8 de Novembro, e a SIC 29 – Divulgações de Acordos de Concessão de Serviços, adoptada pelo Regulamento (CE) n.º 1725/2003, da Comissão, de 21 de Setembro, o activo é um recurso:

(a) controlado por uma entidade como resultado de acontecimentos passados; e

(b) do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros para a entidade

Sendo que activo intangível é um activo não monetário identificável sem substância física.

A mesma NCFR 6 define amortização como “a imputação sistemática da quantia depreciável de um activo intangível durante a sua vida útil”. Significa, portanto, que um activo intangível é (pode) ser depreciado ao longo da sua vida útil. Com efeito, de harmonia com § 89 da NCFR 6 “[a] contabilização de um activo intangível baseia-se na sua vida útil. Um activo intangível com uma vida útil finita é amortizado (…), e um activo intangível com uma vida útil indefinida não o é”.

O termo da vida útil do ativo intangível coincide, no caso presente, com o termo da concessão, quando as infraestruturas são transferidas ao concedente e deixa de existir direito ao recebimento da remuneração (cobrança das tarifas) pelos serviços prestados. Valem neste caso as regras contidas nos §§ 97 a 99 da NCFR 6, ou seja, a quantia depreciável deve ser imputada numa base sistemática durante a vida útil, devendo a amortização começar quando o activo estiver disponível para uso, i.e. quando estiver na localização e condição necessárias para que seja capaz de operar da forma pretendida e deve cessar na data em que findar a concessão, devendo a amortização ser reconhecida nos resultados.

2.2.8. A depreciação dos terrenos submersos numa perspectiva fiscal

Para a recorrida Fazenda Pública não é possível que os terrenos submersos das barragens do A… e P… sejam objecto de depreciação, porquanto o art.º 10.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 estipula que “No caso de imóveis, do valor a considerar nos termos do artigo 2.º, para efeitos do cálculo das respectivas quotas de depreciação, é excluído o valor do terreno ou, tratando-se de terrenos de exploração, a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento”.

Esta argumentação parte de uma premissa que se nos afigura errada: a de que se trata de meros terrenos sem afectação quando, na verdade, se trata de terrenos afectos à exploração industrial de energia hidroeléctrica e ou de aproveitamento de água para rega.

Em regra, um imóvel deve ser classificado como um activo fixo tangível. No caso de um edifício, por exemplo, a contabilização deve ser feita de forma separada, visto que o valor do edifício propriamente dito está sujeito a depreciação (cfr. § 50 da NCRF 7), enquanto o respectivo terreno não, conforme aliás se prevê no § 58 da NCRF 7.

Mas, como já vimos, o caso dos autos é um caso particular, porque todas as infraestruturas e terrenos, designadamente os submersos, não podem ser abatidos (por natureza) nem alienados. Como revertem para o Estado no termo da concessão, sem que a concessionária tenha direito a receber qualquer contrapartida financeira ou avaliável em dinheiro, não é realizado qualquer valor nesse momento.

É por isso que a IFRIC 12 determina que as infraestruturas não devem ser reconhecidos como activos fixos tangíveis, visto que a concessionária não tem poder de disposição sobre eles nem os pode colocar no mercado no termo da concessão.

Donde, o reembolso do respectivo custo através da cobrança das tarifas pela concessionária corresponder a um activo intangível, na acepção do § 17 da IFRIC 12. E como tal, depreciável nos termos já explanados.

O artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, prevê, sobre a epígrafe “Activos revertíveis” que:

Os elementos do activo imobilizado adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que nos termos das cláusulas do contrato de concessão sejam revertíveis no final desta podem ser reintegrados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil.

O art.º 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, que revogou e substituiu o anterior, prevê, sob a epígrafe “Activos revertíveis” que:

Os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que, nos termos das cláusulas do contrato de concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil.

Quer o artigo 13.º do Dec.-Reg. n.º 2/90, quer o artigo 12.º do Dec.-Reg. n.º 25/2009, só se compreendem, quando comparados com o art.º 1.º do respectivo diploma, que tratam das “Condições gerais de aceitação das depreciações e amortizações”, numa relação de especialidade, introduzindo um desvio à regra de que só podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento em função da sua vida útil.

É que a aplicação, quer do primeiro quer do segundo não depende do deperecimento mas tão-somente da depreciação ou amortização dos elementos do activo. Como a depreciação significa o registo contabilístico da redução do valor dos bens pelo desgaste ou perda de utilidade por uso e a amortização o reconhecimento da perda do valor do ativo ao longo do tempo, não se confundem com deperecimento, cujo significado, para utilizar a argumentação da informação que precedeu o despacho que indeferiu a reclamação graciosa da recorrente, é o seguinte: “deperecer, v. intr. significa “Perecer pouco a pouco, definhar (De de+perder) e deperecimento, s.m. ato ou efeito de deperecer, desfalecimento gradual, consumpção”.

Portanto, não existindo equivalência entre deperecimento, por um lado, e depreciação ou amortização, por outro, para que o n.º 12.º, n.º 1, do Dec.-Reg. n.º 2/90 se aplique ao caso dos autos basta que os elementos do activo sejam depreciáveis ou amortizáveis, ainda que não sejam deperecíveis.

Por outro lado, o art.º 12.º, n.º 1, não faz depender a depreciação ou amortização da vida útil do elemento quando esta é mais longa que o prazo da concessão, mas sim deste prazo se os elementos do ativo da concessionária reverterem para o concedente no termo da concessão.

Cremos, por isso, que foi de caso pensado que o legislador do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 editou esta norma, pois não podia desconhecer a realidade subjacente à maioria, senão mesmo à totalidade, das concessões, em que os bens que as integram revertem no seu termo para a entidade concedente sem quaisquer contrapartidas e livres de ónus ou encargos.

Aliás, não é irrelevante que a informação a que supra se aludiu nem sequer se refira à norma equivalente do Dec.-Reg. n.º 2/90, apesar de expressamente invocada pela recorrente na sua reclamação graciosa.

Donde, a depreciação ou amortização dos terrenos submersos em causa ser possível ao abrigo do disposto no art.º 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.

De resto, como se acima se referiu, tais terrenos não podem ser encarados como meros terrenos sem afectação, mas antes como terrenos destinados a exploração, uma vez que são essenciais para o funcionamento das barragens e, consequentemente, à produção de energia eléctrica e ao aproveitamento de água.

Aliás, tal como foi reconhecido pela própria AT quanto à Aldeia da L...: “Quanto à Aldeia da L... entendemos que o gasto incorrido com a sua construção foi necessário à execução do empreendimento, pelo que nos parece ser de aceitar a sua amortização”.

Parece evidente, como de resto se referiu no acórdão de 31-01-2012, deste tribunal, em que se afirma que «os custos com a submersão da “antiga” Aldeia da L…, a reconstrução de uma “nova” Aldeia da L… (…) fazem parte integrante do empreendimento do A…», que há total semelhança (e no caso presente até por maioria de razão) entre os gastos incorridos pela recorrente com a “reconstrução” da Aldeia da L… e os gastos em que incorreu com a aquisição dos terrenos submersos por via de direito privado e por expropriação, os quais não pode transaccionar no termo da concessão.

O que sempre imporia um tratamento fiscal diferente daquele que a AT adoptou. Nesta óptica, ao contrário do sustentado pela recorrida, não há qualquer contraditoriedade entre as normas contabilísticas e as normas fiscais, sendo a interpretação que se nos afigura correta plenamente compatível com o disposto no artigo 17.º do Código do IRC.

2.2.9. Em resumo, por todo o exposto o recurso merece provimento. O que implica revogar a sentença recorrida e, atento o disposto no art.º 665.º do CPC, julgar em substituição, concedendo procedência à impugnação e, em consequência, julgando ilegal o despacho que indeferiu a reclamação graciosa, anular a liquidação de IRC da recorrente relativa ao ano de 2013 n.º 2014 89100…-12-2014.

Quanto ao segundo segmento do pedido da recorrente, relativo aos prejuízos fiscais desconsiderados pela correcção que deu origem à Liquidação acima referida, não há necessidade de emitir um juízo de procedência sobre o mesmo, já que a sua integral satisfação é decorrência da anulação da Liquidação.

2.2.10. Por fim, quanto à questão da tributação processual, suscitada pela Fazenda Pública:

Alega esta que a sentença omitiu decisão quanto ao que requereu, porque entende que deve haver “dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto no n° 7 do art.º 6° do Regulamento das Custas Processuais” atendendo à “simplicidade da causa e à conduta das partes”.

Nos termos dessa norma “Nas causas de valor superior a € 275. 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Sucede que embora a conduta das partes não seja merecedora de censura, o certo é que a causa é, inegavelmente, juridicamente complexa. E também de um ponto de vista fáctico, pese embora o acervo factual convocado não seja especialmente denso e extenso.

Não se vê razão, pois, para que tal dispensa seja concedida, pelo menos em toda a sua extensão.

De facto, atendendo ao valor da causa afigura-se-nos exagerado o valor a pagar de taxa de justiça pelo serviço jurisdicional prestado.

Assim, defere-se parcialmente ao requerido, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 75% do seu valor.


*

3 - Dispositivo:

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação, anulando a liquidação de IRC do ano de 2013 n.º 2014 89100…., de 19-12-2014.

Custas pela recorrida, em ambas as instâncias, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na proporção de 50%.

D.n.

Lisboa, 2018-09-27

(Benjamim Barbosa, Relator)

(Anabela Russo - Com voto de vencida)

(José Vital)


Voto de Vencida:

Constitui objecto da presente impugnação judicial a decisão proferida pelo Director de Finanças que indeferiu a reclamação graciosa deduzida pela ora Recorrente à liquidação de IRC relativa ao exercício fiscal de 2013.

O fundamento da referida liquidação adicional consta da matéria de facto e do documento para que esta remete, tendo sido, em síntese, o seguinte: “após consulta dos elementos contabilísticos verificou-se que a impugnante depreciou e considerou como gasto do exercício do ano de 2013 relativamente aos terrenos submersos o montante de € 2.225.121,17 ( … ) Face ao exposto, a amortização dos terrenos submersos não tem relevância em termos fiscais e não há qualquer apolo na lei fiscal que permita o seu acolhimento. Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento salvo os terrenos de exploração destinados a entulheiras os quais perdem valor respectivamente em função do esgotamento ou em função da superfície degradada pelo que os terrenos em apreço (submersos) não configuram nenhuma daquelas excepções, ou seja, estas depreciações não são aceites como custos para efeitos fiscais por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 33.º do CIRC. Deste modo, e devida uma correcção positiva ao lucro tributável da empresa no montante de € 2.225.121,17.".

Em 1.ª Instância foi não foi reconhecida razão à impugnante e ora Recorrente, em síntese, pelos mesmos fundamentos de facto e de direito constantes da fundamentação supra.

A Impugnante, em recurso, insurgiu-se contra a decisão com os fundamentos constantes das conclusões transcritas no relatório do acórdão, os quais se podem sintetizar em três vectores ou argumentos:

• primeiro, o teor contrato de concessão celebrado com o Estado Português - Contrato de Concessão EFMA, a necessidade de o seu objecto dever ser considerado como um todo indivisível no qual os terrenos submersos se incluem e, consequentemente, como parte integrante e indispensável à manutenção da fonte produtora, a permitir, conclui, que lhe seja dado relevo para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do CIRC;

• segundo, a IFRIC 12, prevê que os bens objeto de Contrato de Concessão sejam depreciados peto método das quotas constantes, ao longo do período da concessão;

• terceiro, a aplicação do mesmo critério também se encontra suportado no artigo 12.º do Decreto-Regulamentar 25/2009, de 14 de Setembro (que prevê que "Os elementos do ativo imobiliário adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que nos termos das cláusulas do contrato de concessão sejam revertíveis no final desta podem ser reintegrados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil”), por força do qual todos os bens que integram o Contrato de Concessão e que revertem para o Estado no termo da Concessão são depreciados pelo método das quotas constantes, independentemente da sua natureza, porque integrantes do todo que é a Concessão, aplicando-se neste caso o artigo 12° do Decreto-Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro, que é o artigo referente ao tratamento fiscal das amortizações relativas a Contratos de Concessão e não qualquer outro.

Na tese que obteve vencimento, embora se encontre sublinhado que os terrenos não fazem parte da infraestrutura "Barragem", acolhe-se o entendimento de que fazem parte da concessão e, consequentemente, em resumo nosso, lhe é aplicável o IFRIC 12, devendo aqueles ser considerados "activos fixos intangíveis", susceptíveis de depreciação quer numa perspectiva contabilística quer numa perspectiva fiscal, partindo de uma distinção entre "deperecimento" e "depreciação" e, julgando verificada a primeira à luz do enquadramento legal que do acórdão consta, conclui-se pela admissibilidade da depreciação ou amortização dos terrenos submersos ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.

Discordámos. Na essência, diga-se, por subscrevermos integralmente o raciocínio ou argumentação de facto e de direito vertido nas conclusões das contra­ alegações da Fazenda Pública, em resumo:

• A lei fiscal apenas aceita como gastos do exercido as depreciações e as amortizações de elementos do activo imobilizado sujeitos a deperecimento (artigos 23º, 29º e 34º do CIRC);

• O Decreto-Regulamentar n º 25/2009, de 14 de Setembro (no seu artigo 1º) estabelece um critério - regra, qual seja, o de que só "Podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis e as propriedades de investi contabilizadas ao custo histórico que, com carácter sistemático, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo.”;

- Em matéria de "Depreciação de Imoveis” dispõe o artigo 10.º do Decreto­ Regulamentar n.º 25/2009 que "No caso de imóveis, do valor a considerar no termos do artigo 2.º, para efeitos do cálculo das respectivas quotas de depreciação, é excluído o valor do terreno ou, tratando-se de terrenos de exploração, a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento.”.

Destas normas, resulta, assim, em nosso entender, desde logo uma primeira conclusão: os custos com a aquisição de terrenos submersos não podem ser amortizáveis ou reintegráveis para efeitos fiscais na medida em que os terrenos não são depreciáveis, ou seja, não estão sujeitos a deperecimento porque não perdem gradualmente valor, em função da sua (ou não) utilização.

Por outro lado, a lei fiscal não admite que as amortizações e reintegrações, ainda que registadas contabilisticamente, relativas a custos de aquisição de terrenos, e mesmo que se entendesse que fazem parte integrante de uma barragem ou de qualquer outra infra-estrutura (e não fazem, como na tese que obteve vencimento se concedeu), sejam relevadas fiscalmente, nem da atribuição à Recorrente da concessão da gestão e exploração do EFMA ou da concessão da utilização privativa do domínio público hídrico do EFMA, ou mesmo de ter ficado estipulado que os bens afectos a Concessão (nos quais se incluem os terrenos submersos) revertem para o Estado Português no final do período da concessão (75 anos) resulta alterada a natureza dos terrenos submersos como bens não amortizáveis para efeitos fiscais - o critério em que assenta o não reconhecimento fiscal das amortizações contabilísticas praticadas relativas aos terrenos assenta exclusivamente na natureza não depreciável dos terrenos e esta é imutável.

No que concerne à norma contabilística IFRIC 12, importa referir que o legislador adaptou o modelo da dependência parcial do direito fiscal face ao direito da contabilidade, o que implica que o ponto de partida para a determinação do lucro fiscal é o resultado contabilístico, desempenhando a Contabilidade uma função instrumental, mas o resultado contabilístico está sujeito a correcções fiscais decorrentes das regras que o CIRC impõe, como resulta do artigo 17º do mesmo diploma legal.

Quanto aos activos revertíveis, a lei fiscal estabelece no seu artigo 12º do Decreto-Regulamentar nº 25/2009 que apenas «Os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias» podem ser depreciados ou amortizados e os terrenos submersos não são depreciáveis.

Ou seja, ainda que a norma contabilística IFRIC 12 preveja que os bens objecto do contrato de concessão sejam depreciados pelo método das quotas constantes, ao longo do período da concessão, a norma fiscal (artigo 12º do Decreto­ Regulamentar nº 25/2009) não prevê a aceitação da amortização relativa a custos com a aquisição dos terrenos submersos, ainda que objecto de contractos de concessão e revertíveis no final do contrato, na medida em que estes, como se referiu, não são depreciáveis.

Em suma, como claramente expressa a Recorrida, "perante divergências entre as normas contabilísticas e a lei fiscal (e uma das matérias em que é bastante notória a existência de divergências é, precisamente, a matéria das reintegrações e amortizações) incumbia ao recorrente proceder aos necessários ajustamentos positivos ao seu lucro tributável em face do não reconhecimento fiscal dos custos com a aquisição dos terrenos submersos" e não, como ocorreu, "adaptar" a lei substantiva, na parte que fiscalmente o beneficiava.

Note-se, aliás, que a tese que obteve vencimento se suporta, quase maioritariamente, em normas contabilísticas, mais concretamente na norma contabilística IFRIC 12. Mas, salvo melhor entendimento, esta norma é completamente inadequada para fundar uma decisão fiscal pela simples razão de que os standards contabilísticos IFRS não relevam fiscalmente. É o que resulta do artigo 14.º, n.º 1, do DL 35/2005 de 17/02, como, de resto, nos é referido por Tomás Cantista Tavares na sua tese de doutoramento «IRC e Contabilidade - Da Realização ao Justo Valor", onde nos é explicado que os IAS/IFRS têm uma função meramente informativa, e não performativa. Isto é, servem para Informar os investidores (predominantemente os investidores internacionais) da situação económica, financeira e patrimonial da empresa e não para determinar a base tributária. E embora o autor defenda a incorporação fiscal destas regras, fá-lo, inquestionavelmente, numa perspectiva de futuro a concretizar legalmente e não numa perspectiva de direito constituído que até hoje não existe, designadamente de uma sobreposição das normas contabilísticas, mesmo que integradas no Direito da União Europeia, por esta nunca ter assumido, em qualquer Regulamento mais do que uma unificação de normas contabilísticas e apenas para suportar o que cada Estado membro decidi fiscalmente relevar.

Salientamos, por fim, que assume extremo relevo na sustentação da decisão a afirmação de que não existe equivalência entre deperecimento, por um lado, e depreciação ou amortização, pelo outro. Porém, tal afirmação (e suporte da decisão) é, quanto a nós, destituída de fundamento, porque inconciliável com o preceituado no artigo 29.º, n.º 1, do CIRC, segundo o qual são aceites como depreciações e amortizações os elementos do activo sujeitos a deperecimento…

Em conclusão, para nós, só podem originar amortizações ou reintegrações bens que estejam sujeitos a deperecimento (perda de valor). O que não sucede precisamente com os terrenos, face ao artigo 34.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código.

Neste contexto, manteríamos, pois, a sentença recorrida e, com ela, a decisão impugnada.

Lisboa, 11-10-2018

Anabela Russo

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(1) Não obstante o § 29 da IFRIC 12 estipular que “Sem prejuízo do parágrafo 30, as alterações das políticas contabilísticas são contabilizadas em consonância com a IAS 8, ou seja, retrospectivamente”.

(2) CONTRATOS DE CONCESSÃO: OS EFEITOS CONTABILÍSTICOS DA ADOPÇÃO DA IFRIC 12, doc. disponível in http://www.aeca1.org/xvencuentroaeca/cd/10a.pdf

(3) Edgar Alberto Marques Torrão, Revisores Auditores, Revista dos Revisores Oficiais de Contas, Nº 48, JANEIRO_MARÇO 2010, p. 28.

(4) De resto como foi reconhecido pela Comissão de Normalização Contabilística no doc. de fls. 36 [al. q) dos factos provados].

(5) Não se consideram as alterações introduzidas na IAS 38 [Regulamento (UE) 2015/28 da Comissão de 17 de Dezembro de 2014, e Regulamento (UE) 2015/2231 da Comissão de 2 de Dezembro de 2015], dada a sua natureza prospectiva

(6) A reclamação e a informação referidas em 2.1.i) , 2.1.bb) e 2.1.cc) invocam apenas o Dec.-Reg. n.º 2/90. Mas, tratando-se do exercício fiscal de 2013, o diploma aplicável é o Dec.-Reg. n.º 25/2009, como claramente impõe o seu artigo 24.º.

(7) Cfr. supra 2.1.v).

(8) Rec. n.º 05144/11.