Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04592/08
Secção:C- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/24/2016
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:EFEITOS DA NÃO PRONÚNCIA PELO PARQUE NATURAL DA ARRÁBIDA (PNA) SOBRE PEDIDO DE LICENCIAMENTO E NATUREZA E LIMITES DA MESMA. COMPETÊNCIA DA CÂMARA PARA O LICENCIAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO. PRINCÍPIO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA ERRO DE JULGAMENTO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
Sumário:I – Se o silêncio do Parque Natural da Arrábida (PNA) sobre licenciamento tivesse a força da concordância obrigatória, ficaríamos perante uma situação jurídica incongruente porquanto e na senda da sentença recorrida:-nos casos em que o parecer do Parque (ou outra entidade) não é vinculativo, por não se levantarem especiais questões de protecção ambiental ou outras, após o silêncio do Parque, o Município poderia ainda indeferir a construção por outras razões legais e, nos casos em que o parecer do Parque é vinculativo, por se levantarem especiais questões de protecção ambiental ou outras, após o silêncio do Parque, porque este silêncio passaria a valer como deferimento tácito vinculativo, o Município não poderia indeferir a construção.

II.- É patente que não foi esta a vontade do legislador, como decorre claramente do art° 12 do Decreto Regulamentar 23/98, ao estatuir que "sem prejuízo dos restantes condicionalismos legais, ficam sujeitos a parecer vinculativo do Parque Natural ", o que significa que o parecer do Parque só é vinculativo se for negativo, e acarreta, no reverso, que a Câmara tem o dever de indeferir se a construção violar outras normas legais.

III.- Indeferido pelo P. N. A. um projecto de alterações, proposto o indeferimento pela Câmara, se o requerente quiser tentar uma nova via para legalizar a sua construção, deve iniciar outra fase no processo administrativo tendente a fazer aprovar novas alterações. Não pode é com base em projectos de alterações impedir a prolação de uma decisão definitiva.

IV.- O acto de indeferimento é da competência da Câmara como flui cristalino do disposto no art° 5.1., art° 4.2.c), ambos do RJUE. conjugados com o art° 64.5.a) da Lei 169/99 de 18/09.

V.- E o acto está fundamentado já que, tendo o pedido sido indeferido por "o projecto reformulado não resolver todas as questões suscitadas no anterior parecer do P. N. A.", o seu sentido e alcance é perfeitamente perceptível pelo particular: pode-se é concordar ou não com o alegado, mas isso é matéria da bondade da decisão.

VI.- O A. apresentou um projecto de construção, que foi deferido, construiu sem obedecer ao projecto e, logo que foi detectada a infracção, apresentou um primeiro projecto de alterações, para tentar legalizar as obras ilegais, merecendo este projecto parecer desfavorável do P. N. A., sobre tudo isto tendo o A. sido ouvido em sede de audiência prévia e, podendo pronunciar-se sobre as razões do indeferimento, optou por apresentar um novo projecto de alterações em vez de se pronunciar sobre as razões do indeferimento, tem-se por respeitado o direito de audição prévia.

VII. – Não ocorre erro de julgamento sobre a matéria de facto a justificar a ampliação do probatório não só quando não passam de meramente conclusivas as asserções contidas na conclusão recursória em que se aponta tal vício, como porque nenhum relevo assumem para a correcta aplicação do direito aos factos levados ao probatório que são os únicos que a tanto importavam.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

António …………………….., com os sinais dos autos, intentou no TAF de Almada contra o Município de Setúbal uma acção administrativa especial, na qual pede a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação daquela Edilidade, tomada em 18-1-2006, que lhe indeferiu o pedido de licenciamento de alterações ao projecto de construção, formulado no âmbito do processo de obras nº 110/97, da C.M. de Setúbal, cumulado com o pedido de condenação do Réu a prática do acto devido, consubstanciado no deferimento da sua pretensão, em prazo não superior a 20 dias.

Por acórdão daquele Tribunal, datado de 20-12-2007, foi a acção julgada improcedente e o R., absolvido do pedido [cfr. fls. 65/75 destes autos].

Inconformado, o recorrente interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:

"A - Deve a matéria de facto dado como provada ser ampliada introduzindo-se: "11 - Ter o Réu remetido o projecto reformulado ao PNA para parecer." "12 - Não ter sido recebido do PNA, até à data de 18/01/2006, o parecer respectivo." "13 - Não constar da decisão administrativa a fundamentação jurídica do acto do indeferimento."
B - Deve ser considerado o efeito cominatório positivo a pronúncia não expressa pelo PNA, termos do disposto no artigo 9º, nº9 do RJUE, porquanto:
É da competência do PNA a promoção de parecer sobre a realização de obras de construção civil, artº12º, alínea a) do Decreto Regulamentar nº23/98, de 14 de Outubro.
As competências legalmente definidas são irrenunciáveis, artº29º, nº1 do CPA, competindo ao PNA o dever legal de decidir sobre as matérias que se encontram nas suas competências.
• O PNA foi interpelado para pronúncia (facto dado por provado, artº8º da decisão impugnada).
• O PNA estava obrigado a pronunciar-se.
A legislação especial do PNA prevê apenas a espécie do parecer, é vinculativo, não distinguindo essa vinculatividade em termos de efeitos produzidos em face de conclusões positivas ou negativas.
O art-19º, nº 9 do RJUE comina efeito positivo à falta pronúncia, assim como o disposto no artº 108º, nº3, alínea a) do CPA.
Nos termos do CPA, artB2s, com a epígrafe "âmbito de aplicação", n1 e 5 as disposições e princípios plasmados no mesmo aplicam-se a todos os órgãos da Administração pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares, e nos termos do nº7, aplicam-se também aos procedimentos especiais, desde que não envolvam diminuição de garantias para os particulares.
C - Deve o acto de indeferimento ser anulado por não fundamentado, nos termos e para efeitos do disposto nos artº1243 e 135º do CPA, por não constar no mesmo factos e fundamentação jurídica que dê a conhecer o percurso da autoridade recorrida até ò decisão e as valorações feitas pela mesma, traduzindo-se a fundamentação do acto administrativo de indeferimento em mera conclusão.
D - Deve o acto de indeferimento ser anulado por não ter sido objecto de participação do interessado em sede deformação, violando o disposto nos artºs 4g, 8º, 3º e 100º do CPA.
E - Deve a Douta Decisão recorrida ser revogada por ilegal.
Nestes termos e nos demais de direito,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Decisão recorrida e proferindo-se acórdão que fixe toda a matéria de facto documentalmente provada, julgando-se procedente o pedido" [cfr. fls. 82/90 dos autos].

O Município de Setúbal contra -alegou pugnando pela manutenção do julgado sem, no entanto, formular conclusões.

Neste TCA Sul o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido do improvimento do recurso [cfr. fls. 123/124 dos autos].

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2. 1 DOS FACTOS

A decisão recorrida deu com assente, e, com interesse para a decisão, a seguinte factualidade:

“1ª. o A., no processo de obras nº110/97, obteve o licenciamento da construção de uma moradia na …………………., Vale do Pereiro, em Setúbal, na sequência do qual foi emitido o correspondente alvará de construção nº484/99 de 28/07/1999 - processo administrativo apenso.
2ª - Em 08/02/2002 o Parque Natural da Arrábida solicitou à C. M. de Setúbal o embargo da construção, por "ampliação dos alçados, desrespeitando assim o projecto aprovado" - doc. fls. 131 do processo administrativo apenso.
3ª- Em 08/03/2002 o A. apresentou um projecto de alterações - processo administrativo apenso.
4ª- A Câmara solicitou parecer ao P. N. A. em 26/04/2002 - processo administrativo apenso.
5ª - O P. N. A. pronunciou-se em 27/02/2003, emitindo parecer desfavorável em 6 aspectos e favorável em 2 aspectos -processo administrativo apenso.
6ª- Em 13/03/2004 o A. foi notificado pela Câmara para efeitos do art5100 do CPA, com a advertência do provável indeferimento do seu pedido - processo administrativo apenso.
7ª- O A. juntou novos elementos em 15/04/2004 -processo administrativo apenso.
. Em 26/05/2004 a Câmara remeteu os novos elementos ao P.N.A., que não se pronunciou - processo administrativo apenso.
. Em 06/10/2005 o A. requereu que fosse tomada decisão - processo administrativo apenso.
10ª- Em 18/01/2006 a pretensão do A. foi indeferida por deliberação tomada em reunião de Câmara, por o projecto reformulado não resolver todas as questões suscitadas no anterior parecer do P. N. A. - processo administrativo apenso".
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Não se provaram outros factos com interesse para a correcta decisão da causa.”
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2.2.- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Fixada a materialidade fáctica e tendo presente que, salvo questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem – v.g. artigos 635º e 639 do NCPC, «ex vi» do artigo 1º do CPTA-, atento o exposto, o objecto do presente recurso é a sentença do TAF de Almada, que julgou improcedente a acção administrativa especial por ter entendido que o
a não pronúncia pelo PNA não significa deferimento da pretensão, que o P. N. A. estava obrigado a pronunciar-se, que o acto de indeferimento era da competência da Câmara, que o acto está fundamentado e que foi respeitado o princípio da audiência prévia
O Recorrente reedita todas essas questões, trazendo apenas de novo a questão do erro de julgamento da matéria de facto que, segundo ele, impõe a ampliação da mesma introduzindo-se: "11 - Ter o Réu remetido o projecto reformulado ao PNA para parecer." "12 - Não ter sido recebido do PNA, até à data de 18/01/2006, o parecer respectivo." "13 - Não constar da decisão administrativa a fundamentação jurídica do acto do indeferimento."
Diga-se, porém, que o Recorrente não conseguiu descredibilizar com sucesso - como lhe incumbia - que o acervo de factos levados ao probatório não são suficientes para permitir uma conscienciosa decisão, desde logo porque não se tratam de “factos” mas de meras conclusões que em nada contendem com o bem fundado da decisão que, summo rigore, não é objecto de qualquer crítica válida e procedente que a inquine e torna ilegal e injusta.
Se não vejamos.

Sobre se a não pronúncia pelo PNA significa deferimento da pretensão de licenciamento da construção de uma moradia na Quinta de Santo António, Vale do Pereiro, em Setúbal, na sequência do qual foi emitido o correspondente alvará de construção nº484/99 de 28/07/1999, pronunciou-se a sentença recorrida em termos que merecem a nossa inteira concordância.
No ponto, sustenta o ora recorrente que a falta de emissão do Parecer pelo PNA no prazo de 20 dias de que dispunha configura deferimento tácito, por força do art° 19.9. do RJUE.
Preceitua-se nesse inciso legal sob a epígrafe "Consultas a entidades exteriores ao município”:
“1- Compete ao presidente da câmara municipal promover a consulta às entidades que, nos termos da lei, devam emitir parecer, autorização ou aprovação relativamente às operações urbanísticas sujeitas a licenciamento.
2-.O interessado pode solicitar previamente os pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos junto das entidades competentes, entregando-os com o requerimento inicial do pedido de licenciamento, caso em que não há lugar a nova consulta desde que, até à data da apresentação de tal pedido na câmara municipal, não haja decorrido mais de um ano desde a emissão dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos e não se tenha verificado alteração dos pressupostos de facto ou de
direito em que os mesmos se basearam.
3- Para os efeitos do número anterior, caso qualquer das entidades consultadas não se haja pronunciado dentro do prazo referido no n.° 8, o requerimento inicial pode ser instruído com prova da solicitação das consultas e declaração do requerente de que os mesmos não foram emitidos dentro daquele prazo.
4- O presidente da câmara municipal promove as consultas a que haja lugar em simultâneo, no prazo de 10 dias a contar da data do requerimento inicial ou da data da entrega dos elementos solicitados nos termos do n.°4 do artigo 11.°
5- No prazo máximo de 10 dias a contar da data de recepção do processo, as entidades consultadas podem solicitar, por uma única vez. a apresentação de outros elementos que considerem indispensáveis à apreciação do pedido, dando desse facto conhecimento à câmara municipal.
6-No termo do prazo fixado no n.° 4, o interessado pode solicitar a passagem de certidão da promoção das consultas devidas, a qual será emitida pela câmara municipal no prazo de oito dias.
7- Se a certidão for negativa, o interessado pode promover directamente as consultas que não hajam sido realizadas ou pedir ao tribunal administrativo que intime a câmara municipal a fazê-lo, nos termos do artigo 112.° do presente diploma.
8- O parecer, autorização ou aprovação das entidades consultadas deve ser recebido pelo presidente da câmara municipal ou pelo requerente, consoante quem houver promovido a consulta, no prazo de 20 dias ou do estabelecido na legislação aplicável a contar da data da recepção do processo ou dos elementos a que se refere o n.°5.
9- Considera-se haver concordância daquelas entidades com a pretensão formulada se os respectivos pareceres, autorizações ou aprovações não forem recebidos dentro do prazo fixado no número anterior, sem prejuízo do disposto em legislação específica.
10- As entidades exteriores ao município devem pronunciar-se exclusivamente no âmbito das suas atribuições e competências.
11- Os pareceres das entidades exteriores ao município só têm carácter vinculativo quando tal resulte da lei, desde que se fundamentem em condicionamentos legais ou regulamentares e sejam recebidos dentro do prazo fixado no n.° 8, sem prejuízo do disposto em legislação específica.
12- O presidente da câmara municipal pode delegar nos vereadores ou nos dirigentes dos serviços municipais as competências referidas nos nºs. 1 e 4. "
Nos termos do art° 12.a) do Decreto Regulamentar 23/98 de 1410, a realização de obras de construção civil na área do P. N. A. depende de parecer vinculativo do Parque. Encontram-se ainda em vigor as normas dos arts° 8 a 16 da Portaria n° 26-F/80 de 09/01 por força do art° 20 do referido Decreto Regulamentar, sendo que o art° 14 desta portaria fixa princípios a que devem obedecer as construções e o art° 12 permite entender que a cominação do art° 19.9. do RJUE não se aplica. É o seguinte o teor deste preceito:
"1 - Zonas de paisagem protegida são áreas onde se propõe salvaguardar zonas rurais ou urbanas onde subsistem aspectos característicos na cultura e hábitos do povo, bem como nas construções e na concepção dos espaços, promovendo-se a continuação de determinadas actividades (agrícolas, florestais, pastoreio, artesanato, etc.) apoiadas num recreio controlado e orientado para a promoção social, cultural e económica das populações residentes e em que estas participem activa e conscientemente.
2- São susceptíveis de demolição, retirada ou desmantelamento de todas as construções de qualquer tipo, explorações industriais, mineiras, agrícolas ou florestais que, já estabelecidas, comprometam a existência da paisagem protegida.
3- São proibidos nesta área quaisquer trabalhos, obras ou actividades sem autorização da direcção do Parque, ou em inobservância das condições impostas ou dos projectos aprovados".
Aduz o juiz recorrido contra a tese do deferimento tácito a violação do art° 2.2.c) do Dec-Lei nº380/99 de 22/09 que determina que "Os planos especiais de ordenamento do território, compreendendo os planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas e os planos de ordenamento da orla costeira", concatenado com o que dispõe o art° 103 do mesmo diploma que declara "nulos os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável".
E dúvidas não podem subsistir acerca da qualificação do regulamento do Parque como instrumento de gestão territorial, o que não é desconforme com o art° 42.3. do Dec-Lei nº380 99 de 22/09, nomeadamente por força do art° 154 do mesmo Dec-Lei e, por isso mesmo e por estarmos perante um plano de ordenamento, qualquer acto contrário a este plano é nulo, pelo que não pode haver deferimento tácito.
Assim, a existir um tal acto, sempre será nulo não podendo jamais produzir efeitos dado que, como bem refere o julgador, estaremos aqui, no mínimo, perante a tal legislação especial de que fala o art° 19.9 do RJUE, sendo em face desta legislação especial que deve ser avaliada a possibilidade de autorização de construção, citando, em abono desta tese, o Ac. do STA de 01/02/2001, proc. n° 46851, Ac. do T. C. A. Sul de 20/12/1996, proc. n° 02133/06, consultável in www.dgsi.pt.
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Sobre a questão de saber se o P. N. A. estava obrigado a pronunciar-se, dir-se-á que se fosse certo que o silêncio do Parque tivesse a força da concordância obrigatória, como pretende o A. e ora recorrente., ficaríamos perante uma situação jurídica incongruente porquanto e inda na senda da sentença recorrida:
-nos casos em que o parecer do Parque (ou outra entidade) não é vinculativo, por não se levantarem especiais questões de protecção ambiental ou outras, após o silêncio do Parque, o Município poderia ainda indeferir a construção por outras razões legais.
-nos casos em que o parecer do Parque é vinculativo, por se levantarem especiais questões de protecção ambiental ou outras, após o silêncio do Parque, porque este silêncio passaria a valer como deferimento tácito vinculativo, o Município não poderia indeferir a construção.
Por isso, é forçoso concluir que não foi esta a vontade do legislador, como decorre claramente do art° 12 do Decreto Regulamentar 23/98, ao estatuir que "sem prejuízo dos restantes condicionalismos legais, ficam sujeitos a parecer vinculativo do Parque Natural ".
Significa isto que o parecer do Parque só é vinculativo se for negativo. O que acarreta, no reverso, que a Câmara tem o dever de indeferir se a construção violar outras normas legais.
Apesar deste quadro legal e das antecedentes conclusões, ainda se pode forçar a conclusão de que no caso concreto o P. N. A. nem tinha que se pronunciar, porque já o havia feito em termos negativos e, o A. não tinha no projecto de substituição satisfeito as objecções anteriormente apresentadas.
Analisando essa objecção, também aqui é de subscrever a resposta dada à mesma na sentença sob censura na medida em que o A. apresentou um projecto de construção, que foi deferido; construiu sem obedecer ao projecto; detectada a infracção, apresentou um primeiro projecto de alterações, para tentar legalizar as obras ilegais; este projecto teve parecer desfavorável do P. N. A.; o A. foi ouvido em sede de audiência prévia e em vez de se pronunciar sobre as razões do indeferimento, optou por apresentar um novo projecto de alterações.
Ora, se se entendesse que o P. N. A. tinha de se pronunciar sobre o novo projecto de alterações, ficava nas mãos do A. permitir ou não que a administração tomasse uma decisão definitiva sobre a eventual demolição das obras ilegais, bastando-lhe que, de cada vez que fosse proposto o indeferimento, apresentasse novo projecto, com uma nova alteração, mesma que ela fosse insignificante.
Aferiu bem a sentença recorrida sobre esta problemática: indeferido pelo P. N. A. um projecto de alterações, proposto o indeferimento pela Câmara, se o requerente quiser tentar uma nova via para legalizar a sua construção, deve iniciar outra fase no processo administrativo tendente a fazer aprovar novas alterações. Não pode é com base em projectos de alterações impedir a prolação de uma decisão definitiva.
A essa luz, é improcedente, o fundamento da acção.
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É também certo que o acto de indeferimento é da competência da Câmara como flui cristalino do disposto no art° 5.1., art° 4.2.c), ambos do RJUE. conjugados com o art° 64.5.a) da Lei 169/99 de 18/09.
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E o acto está fundamentado como se demonstra no bloco discursivo da sentença que se excerta:
“4.4. No que respeita ao dever de fundamentar, diz o Ac. do STA de 1/4/03, proc. n° 0323/03: "há que ter presente que o nosso ordenamento jurídico não consagra uma concepção estritamente substancialista coincidente "com a justificabilidade ou com a conformidade ao direito" (VIEIRA DE ANDRADE, "O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos ", p. 11). "A exigência de fundamentação diz respeito ao modo de exteriorização formal do acto administrativo e não à validade substancial do respectivo conteúdo ou pressupostos" (acórdão STA de 2001.12.19 — rec° n° 47 774), sendo que o que importa é o "esclarecimento das razões da decisão, no sentido da sua determinabilidade e não o sentido da sua indiscutibilidade ou da sua convincência" ( VIEIRA DE ANDRADE, ob.cit., p. 236 e acórdão STA de 2002.07.04 - rec° n° 616/02-11). Nesta perspectiva instrumentalista a suficiência da fundamentação afere-se pelo critério da compreensibilidade do destinatário médio. Fixados estes parâmetros, importa saber se, no caso concreto, a fundamentação contextualmente externada é de natureza a esclarecer o interessado do percurso da autoridade recorrida até à decisão, das valorações que fez e do que conheceu, de molde a que este fique informado das razões do acto e do seu conteúdo.'"
Provado que está que o pedido foi indeferido por "o projecto reformulado não resolver todas as questões suscitadas no anterior parecer do P. N. A.", o seu sentido e alcance é perfeitamente perceptível pelo A.. Pode-se é concordar ou não com o alegado, mas isso é matéria da bondade da decisão.
Logo, não se verifica o vício de falta de fundamentação.”

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Outrossim, foi respeitado o princípio da audiência prévia já que, tendo o A. apresentado um projecto de construção, que foi deferido, construiu sem obedecer ao projecto e, logo que foi detectada a infracção, apresentou um primeiro projecto de alterações, para tentar legalizar as obras ilegais, merecendo este projecto parecer desfavorável do P. N. A., havendo o A. sido ouvido em sede de audiência prévia.
E, podendo pronunciar-se sobre as razões do indeferimento, optou por apresentar um novo projecto de alterações em vez de se pronunciar sobre as razões do indeferimento.
Portanto, se optou por fazer uma nova alteração, então, deve iniciar outra fase no processo administrativo tendente a fazer aprovar novas alterações, não sendo admissível que, ancorado no direito de audição prévia venha a impedir a prolação de uma decisão definitiva.
Nesse sentido, vale mesmo a questão prévia que o EPGA suscita no seu parecer:
“Consigne-se que o ora recorrente se limita, em sede de alegações de recurso, a repetir, sem qualquer inovação ou aditamento, (salvo quanto a uma pretendida ampliação da matéria de facto), a argumentação de fundo utilizada nas suas peças processuais que antecederam a prolação da douta decisão recorrida, e traduzidas, afinal, no valor a dar à pronúncia/não pronúncia, m casu, pelo Parque Natural da Arrábida (PNA) sobre a pretensão concretamente formulada, e nas pretensas violações da necessidade de fundamentação do acto aqui em apreço e do respeito pelo princípio da audiência prévia.
Sucede, porém, que aquela douta decisão rebateu, de modo que se pode caracterizar como categórico e inabalável, tal argumentação tornando-a, pois, inócua e, assim, não merecedora de qualquer acolhimento.
Relativamente àquela pretendida ampliação da matéria de facto, deverá considerar-se, contudo, que tal pretensão não pode proceder pois que, para além de a pretendida factualidade se mostrar meramente conclusiva, tão pouco a mesma se revela evidente nos autos, antes, é controversa,( concretamente, quanto à fundamentação de facto) a que acresce a circunstância de que não é susceptível de infirmar as conclusões extraídas na referida decisão.”
Destarte, improcedem in totum os fundamentos da acção que o recorrente se limitou a reeditar neste recurso, em que, face ao supra aquilatado, não logra procedência mesmo no atinente ao erro de julgamento sobre a matéria de facto não só por serem meramente conclusivas as asserções contidas na conclusão recursória em que se aponta tal vício, como porque nenhum relevo assumem para a correcta aplicação do direito ao factos levados ao probatório que são os únicos que a tanto importam.
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3.- DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 24-11-2016

(José Gomes Correia) _____________________________________

(António Vasconcelos) _____________________________________

(Pedro Marchão) _________________________________________