Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:78/17.8BEPDL-S1
Secção:CA
Data do Acordão:05/10/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:VALOR DA ACÇÃO; ADJUDICAÇÃO;
Sumário:I– Pedindo o A. para que seja excluída a proposta da Contra-interessada, adjudicado a si o concurso em questão e celebrado o correspondente contrato, o valor da causa não se reconduz ao critério supletivo previsto no art.º 34.º do CPTA, mas, antes, é avaliável pecuniariamente, correspondendo ao benefício pecuniário, à vantagem que advirá para o A. da adjudicação e celebração do contrato;
II-Suscitada oficiosamente a questão do valor da causa, incumbe às partes, querendo que sejam efectuadas quaisquer diligências visando o apuramento daquele valor, requerê-las nessa data, conforme determina o 308.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA;
III-Se notificado pelo Tribunal para vir explicitar como calculou aquele valor da acção, o A. se mantém a afirmar que a causa deve ser considerada de valor indeterminável e não alega que tal valor deve ser fixado pelo lucro líquido estimado nem requer quaisquer diligências de prova tendentes à fixação do valor da acção por esse lucro, não é errado o despacho pelo qual o juiz fixou o valor da acção como equivalente ao preço da proposta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

M. – O. M. do A. EIM, SA, interpôs recurso da decisão do TAF de Ponta Delgada, que fixou o valor da causa em €53.720.000,00.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”1) A decisão que fixou o valor da presente causa, proferida na audiência prévia de 12/01/2018 (cfr. páginas 4 a 6 da respectiva acta) é susceptível de recurso autónomo de apelação, nos termos previstos no art.° 142, n.° 5, parte final, do CPTA, e do art.° 644.°, n.° 1, alínea a), parte final, do CPC
2) Na audiência prévia de 12/01/2018, não foi lida a decisão de fixação do valor da presente causa, não tendo as partes, nessa ocasião, sido notificadas nem tornado conhecimento da fundamentação dessa decisão, pelo que não estavam em condições de interpor recurso da mesma, a partir daquela data;
3) Por esse mesmo motivo, o Tribunal determinou expressamente que tal decisão, constante da acta da audiência prévia de 12/01/2018, fosse notificada às partes, conforme, aliás, consta da parte final de tal decisão, onde se pode ler o seguinte: "Notifique." (cfr. pág. 6 da acta da audiência prévia);
4) A Ré foi notificada da acta da audiência prévia de 12/01/2018 através de notificação postal registada sob o n.° RG11…….PT, com aviso de recepção, recebida no dia 22/01/2018;
5) O prazo de 15 dias, previsto no art.° 147.°, n.° 1, do CPTA, para a interposição do presente recurso de apelação, apenas começou a correr a partir da mencionada notificação ocorrida em 22/01/2018 — pois só nessa data é que a Ré teve conhecimento da fundamentação da decisão ora recorrida — pelo que o presente recurso de apelação é tempestivo;
6) Na presente causa, a Autora pretende fazer valer o direito à aplicação das normas legais e procedimentais que, na sua perspectiva, deveriam levar à exclusão da proposta das Contrainteressadas CME/ S. e à adjudicação da proposta da Autora, no Concurso Limitado por Prévia Qualificação em apreço;
7) Tal significa que o presente processo respeita a bens e interesses imateriais, dos gpais não é possível atender ao respectivo conteúdo económico, pelo que o valor da presente causa é indeterminável e deve ser fixado por apelo ao critério previsto no art.° 34.°, n.°s 1 e 2, do CPTA;
8) Por esse mesmo motivo, na acção dos presentes autos, deveria ter sido aplicado o mesmo critério, devendo à presente causa ter sido fixado o valor de € 30.000,01, nos termos do art.° 34.°, n.°s 1 e 2, do CPTA.
9) A decisão que fixou o valor da causa violou o disposto no art." 34.0, n.°s 1 e 2, do CPTA;
10) O Tribunal deveria ter interpretado e aplicado o critério decorrente do art.° 34.(), n.°s 1 e 2, do CPTA, no sentido de atribuir à presente causa o valor de € 30.00,01;
11) Caso assim se não entenda, importa ter presente que a quantia equivalente ao preço apresentado pela Autora na sua proposta, isto é, a quantia de € 53.720.000,00, em caso de eventual e hipotética procedência da acção e consequente adjudicação da referida proposta e celebração de contrato com a Autora, será, em grande medida, aplicada pela Autora no pagamento dos custos emergentes da actividade de concepção, construção e fornecimento da Central de Valorização Energética (CVE) de Resíduos na Ilha de São Miguel, designadamente, dos custos com projectos, materiais e equipamentos da referida CVE, e com remunerações dos trabalhadores e funcionários afectos à construção da mesma; 12) Por esse motivo, o benefício que a Autora pretende obter, para si, através da presente acção, não corresponde, em rigor, ao valor da sua proposta, mas sim ao lucro líquido (ou seja, deduzido dos montantes dos custos) que a Autora pretende obter através do pedido de condenação da Ré à prática do acto de adjudicação da sua proposta;
13) Por conseguinte, à luz do disposto no proémio do art.° 33.° do CPTA e do n.° 2 do art." 32.° do mesmo Código, à presente causa deveria ter sido fixado o valor correspondente ao lucro estimado pela Autora, e não o valor da proposta que a mesma apresentou;
14) Não tendo a Mma. Juíza a quo aceite o valor da causa indicado na petição inicial — com o qual a Ré concordou — deveria, à luz do disposto no art.° 308.° do CPC, aplicável nos termos previstos no art.° 31.°, n.° 4, do CPTA, ter promovido as diligências indispensáveis para determinação do lucro líquido estimado pela Autora, designadamente, determinando à Autora que viesse aos autos indicar o montante de tal lucro líquido estimado;
15) A decisão que fixou o valor da causa violou o disposto no corpo do art.° 33.° do CPTA e no n.° 2 do art.° 32.° do mesmo Código, na medida em que a aferição do conteúdo económico do acto de adjudicação e do valor do benefício que a Autora pretende obter através da presente acção, deveria ter sido efectuada com base no lucro líquido estimado pela Autora, em caso da eventual procedência da acção;
16) Caso não procedam as conclusões 6.' a 10.' supra, o Tribunal deveria ter interpretado e aplicado o critério decorrente do corpo do art.° 33.° do CPTA e no n.° 2 do art.° 32.° do mesmo Código, no sentido de atribuir à presente causa o valor correspondente ao lucro líquido estimado pela Autora com a adjudicação que a mesma pretende através da acção dos presentes autos;
17) A decisão recorrida violou o disposto no art.° 308.° do CPC, aplicável nos termos previstos no art.° 31.°, n.° 4, do CPTA, na medida em que, não tendo o Tribunal aceite o valor da causa indicado na petição inicial — com o qual a Ré concordou — deveria ter promovido as diligências indispensáveis para determinação do lucro líquido estimado pela Autora, designadamente, determinando à Autora que viesse aos autos indicar e justificar o montante de tal lucro líquido estimado.”
O Recorrido não contra-alegou
O DMMP não apresentou a pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório e da violação do art.º 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, porque foi fixado o valor da acção em €53.720.000,00, quando o mesmo havia de ter sido fixado em €30.000,01, por estarem em causa bens e interesses imateriais, por se impugnar a aplicação de normas que levariam à exclusão da proposta da Contra-interessada e à adjudicação à A. e ora Recorrente da proposta apresentada no Concurso Limitado por Prévia Qualificação para a Empreitada de Concepção, Construção e Fornecimento de uma Central de Valorização Energética de Resíduos na Ilha de São Miguel;
- ou da existência de um erro decisório e da violação dos art.ºs 32.º, n.º 2 e 33.º do CPTA, porque o benefício que a A. e Recorrente pretende obter com a presente acção corresponde ao lucro líquido estimado e não ao preço da proposta que apresentou, fixando-se o valor da acção naquele lucro, a vir a ser indicado e justificado pelo A. após despacho do juiz a convidá-lo para esse efeito.

Como decorre da decisão recorrida e das alegações de recurso, na presente acção o A. requer que (i) seja declarado nulo ou anulado o acto administrativo de adjudicação praticado a favor da Contra-interessada; (ii) para que seja declarado nulo ou anulado o acto de exclusão da sua proposta; (iii) para que seja anulado o contrato que eventualmente tenha sido celebrado com as Contra-interessadas e a Entidade Demandada e, em qualquer caso, (iv) para que seja condenada a Entidade demandada a praticar o acto de exclusão da proposta da Contra-interessada e (v) um acto de adjudicação a favor da sua proposta.
Com base nesta pretensão, o A. e Recorrente indicou na PI que a presente acção tinha um valor indeterminável, correspondente a €30.000,01, alegação que volta a invocar neste recurso, remetendo para o critério do art.º 34.º do CPTA.
O critério do art.º 34.º do CPTA é um critério supletivo, aplicável no caso de os restantes critérios específicos dos artigos 32.º e 33.º não deverem ter lugar.
No caso dos autos, o que a A. e Recorrente pretende que seja excluída a proposta da Contra-interessada e que o concurso em questão lhe seja adjudicado a si, também concorrente, nos termos da proposta que apresentou, sendo, consequentemente, celebrado o contrato consigo – e não com a Contra-interessada.
Portanto, no caso, de forma manifesta, não estão em causa bens imateriais, porque insusceptíveis de avaliação económica. Diversamente, o que a A. e Recorrente pretende através desta acção é alcançar um benefício pecuniário, correspondente à vantagem que advirá da adjudicação e contrato que quer que a Entidade Adjudicante consigo celebre.
Nos termos dos art.ºs. 31.º, n.º 1, 78.º, n.º 2. al. h), 97.º, n.º 1 do CPTA, 229.º, n.º 1, 306.º e 308.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, incumbe ao A. indicar – na PI - o valor da causa, competindo, depois, ao juiz proceder a tal fixação “em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requeiram ou os juiz ordenar” – cf. art.º 308.º do CPC.
No caso em apreço, o A. e Recorrente indicou na PI que a causa tinha o valor indeterminável, equivalente €30.000,01.
Suscitada pelo juiz do processo a questão do valor da acção, o A. manteve-se a indicar esse valor como indeterminável, não requerendo nos termos do art.º 308.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, qualquer diligência de prova.
Neste recurso, o A. e Recorrente alega que o valor fixado pelo Tribunal – o do preço da sua proposta – é errado, porque o benefício que terá é o relativo ao lucro líquido estimado, mas não indica, em momento algum, qual é esse concreto valor.
Como decorre dos autos, até a apresentação deste recurso o A. nunca veio aos autos indicar qualquer valor certo, expresso em moeda legal, que correspondesse ao lucro líquido estimado. O A. também nunca veio aos autos juntar qualquer prova que pudesse levar a que o valor da acção viesse a ser fixado por o equivalente ao lucro líquido estimado.
Ou seja, o A. indicou - na PI – erradamente, o valor da acção e quando notificado pelo Tribunal para vir explicitar como calculou aquele valor, manteve-se omisso na explanação ou na junção de quaisquer provas que pudessem levar à fixação do valor da acção pelo equivalente ao lucro líquido estimado, afirmando que o valor da acção devia ser considerado como indeterminado, porque estavam em causa bens imateriais. Nesse mesmo momento, o A. não requereu quaisquer diligências de prova, tendentes à fixação do valor da acção pelo lucro líquido estimado.
Consequentemente, em conformidade com o art.º 308.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, o juiz fixou o valor da acção considerando os “elementos do processo”, pelo valor equivalente ao preço da proposta. Porque dos autos constava tal indicação, entendeu o juiz que o valor da acção era o equivalente a esse preço, não havendo que fazer quaisquer outras diligências oficiosas.
Ora, atendendo a que o A. visa, com esta acção, que seja invalidada a adjudicação que foi feita ao Contra-interessado, que seja adjudicada a proposta que apresentou e que seja, com ele, celebrado o consequente contrato, o valor da mesma é susceptível de avaliação pecuniária, como se disse.
Não sendo a situação subsumível nos critérios especiais do art.º 33.º do CPTA, cair-se-á nos critérios gerais indicados no art.º 34.º do mesmo Código e designadamente no n.ºs 2 e 4, que fazem equivaler o valor da acção ao benefício que se pretende obter ou ao dano que se pretende evitar.
Admite-se, no entanto, que não obstante o A. formular na PI cinco pedidos em cumulação real, acima-referidos, estes diversos pedidos não devam ser todos eles somados para efeitos da determinação do valor da acção, como se indica no art.º 34, n.º 7, do CPTA, porquanto com a referida cumulação se pretende um único e benefício económico ou uma vantagem igual. Isto é, os pedidos estão formulados em cumulação real e não aparente, mas visam, todos eles, um mesmo benefício económico, não obstante, juridicamente, se pretender coisas diferentes.
Portanto, face aos elementos constantes do processo, não foi errada a decisão ora sob recurso, quando fixou o valor da acção como sendo o equivalente ao preço da proposta do A., a €53.720.000,00.
Realce-se, que por despacho de 22-09-2017 foi suscitada a questão do valor da acção e foi dada a oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a mesma. Nessa data, foi pedido ao A. para vir esclarecer aos autos o critério que utilizou para atribuir à acção o valor de €30.000,01. O A. respondeu em 04-10-2017, alegando que estavam em causa bens imateriais e nesse mesmo requerimento não requereu quaisquer diligências de prova. A contraparte respondeu em 23-10-2017 e também não requereu quaisquer diligências de prova.
Dos presentes autos decorria que o A. havia apresentado uma proposta pelo preço de €53.720.000,00. De forma clara e evidente não se defendiam nos autos bens imateriais, insusceptíveis de avaliação pecuniária. Assim, frente às alegações das partes e com base nos “elementos do processo”, considerando que tais elementos eram suficientes para a determinação do valor da causa, o juiz decidiu fixar o valor da mesma em €53.720.000,00.
Por conseguinte, frente à factualidade que deriva dos presentes autos decorre que foi dada ao A. a oportunidade de se pronunciar acerca da questão do valor da acção, que foi suscitada oficiosamente, assim como, foi-lhe dada a oportunidade de requerer quaisquer diligências de prova visando a indicação e justificação do valor da acção pelo lucro líquido estimado. Porque o A. nada requereu naquela data, mantendo-se a afirmar que a acção deveria ter o valor correspondente a€30.000,01, por visar a defesa de bens imateriais, não errou o Tribunal ao não encetar diligências de prova que não lhe foram requeridas e que não estava obrigado a efectuar, por não se mostrarem necessárias face ao que vinha alegado e demostrado nos autos.
O valor da acção, em casos similares, tem sido também fixado com base no preço das propostas, ou no valor da adjudicação, sendo esta a posição da jurisprudência maioritária, vg, a adoptada nos Acs. do STA n.º 0800/11, de 20-12-2011, do TCAS n.ºs. 7958/11, de 07-12-2011, 8300/11, de 12-01-2012, 9667/13, de 11-04-2013 ou 11522/14, de 06-11-2014 e do TCAN n.º 00608/06.0BEPNF-A, de 14-02-2007.
Em suma, atendendo aos pedidos formulados na presente acção há que considerar que estão em causa bens susceptíveis de avaliação pecuniária. Logo, o juiz não poderia aceitar o valor de €30.000,01 que vinha indicado pelo A., sem oposição do R. Assim, atendendo aos elementos constantes dos autos foi correcta a fixação do valor da acção pelo preço indicado na proposta do A., a saber, pelo valor de €53.720.000,00. Por fim, no que diz respeito à alegação de recurso relativa à omissão de diligências para aferir do lucro líquido estimado, referem-se tais diligências a uma matéria nova, nunca antes suscitada nos autos, sendo certo que o A. teve a oportunidade de se pronunciar sobre a questão do valor da acção que foi oficiosamente suscitada e de requerer quaisquer diligências de prova, nos termos do art.º 308.º do CPC, o que não fez naquele momento. Consequentemente, não poderá servir o presente recurso para o A. renovar um direito processual que não exerceu atempadamente, por mera opção ou estratégia processual.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 10 de Maio de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)