Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02435/08
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/29/2009
Relator:Rogério Martins
Descritores:RECLAMAÇÃO CONTRA A LIQUIDAÇÃO; RECURSO HIERÁRQUICO; IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
Sumário:Cabe impugnação judicial, a deduzir no prazo referido no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, da decisão do recurso hierárquico que recaiu sobre o indeferimento da reclamação deduzida contra o acto de liquidação do IMI, se na reclamação se apreciou o acerto da liquidação e ainda que a decisão do recurso hierárquico se tenha limitado a indeferi-lo por extemporaneidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul:

P ...veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 12.03.2008, a fls. 54-60, pela qual foi julgada improcedente a impugnação deduzida contra a Fazenda Pública da liquidação de IMI para o ano de 2004.

Invocou para tanto que a sentença incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.


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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

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São estas as conclusões das alegações de recurso e que definem respectivo objecto:

1ª O recurso hierárquico foi interposto em tempo, pela impugnante, pelo que é valido, legítimo e tempestivo.

2ª O recurso hierárquico foi enviado, por fax, no dia 25 de Março de 2006 e também no dia 27 Março de 2006.

3ª O original do recurso hierárquico foi enviado, por correio registado, no dia 27 de Março de 2006.

4ª O Recurso Hierárquico foi enviado, via fax, para o n.º 282 768 903, ou seja, exactamente para o no de fax, pertencente ao Serviço de Finanças de Lagos, conforme indicado no site da DGCI, na parte respeitante aos contactos dos serviços periféricos: www.dgci.minfinancas.pt/pt/dgci/orgânica_dgci/servicosperifericos_locais/farol/lagos.

5ª Aliás, não pode sequer ser levantada qualquer dúvida do seu envio, quando na factura da PT, pertencente ao escritório e referente ao mês de Março de 2006, a chamada telefónica, respeitante ao envio do recurso, foi efectivamente efectuada e cobrada.

6ª À recorrente não pode ser imputada a responsabilidade de não recepção, pelo fax receptor, quando esta comprovadamente efectuou o envio do recurso, dentro do prazo, através dos meios de notificação permitidos por lei.

7ª Pelo exposto, o recurso hierárquico foi comunicado à entidade competente dentro do prazo, tanto via fax, como via correio registado.

8ª Assim, o argumento da extemporaneidade não poderá proceder e o recurso hierárquico apresentado deverá ser conhecido.

9ª Ao imóvel da impugnante foi aplicada uma taxa de 5%, sobre o valor patrimonial do prédio, nos termos do art.º 112°, n.º 3 do Código do IMI, no ano de 2004.

10ª A impugnante foi notificada, em Abril de 2005, através do documento n.º 2004080893103, para proceder ao pagamento do IMI, no valor de 1.191,88€; bem como em Setembro de 2005, através do documento n.º 2004 080893203, para proceder ao pagamento do IMI, novamente no valor de 1.191,88€.

11ª A impugnante alterou a sua sede, de Gibraltar para Delaware, em 27/08/2004.

12ª A impugnante, desde o ano de 2004, tem sede em país, que não faz parte da lista aprovada dos países, territórios ou regiões sujeitas a um regime claramente mais favorável, constante da Portaria no 150/2004, de13/02.

13ª A impugnante comunicou a alteração da sua sede social ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas, em 20/12/2004.

14ª Nos termos do art. 20° do CPPT: " Os prazos de procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do art. 279° do Código Civil".

15ª O art. 150° do CPC aplica-se ao caso em concreto por via, do art. 2° do CPPT, pelo que o envio de actos processuais e procedimentais podem ser feito ou por fax, correio registado, fazendo prova a data do registo do fax ou o dos correios.

16ª Não será de aplicar o CPA, nomeadamente, os art.ºs 79° e 80°, n.º 2, ao caso em concreto, visto que a aplicação destes artigos envolve a diminuição das garantias dos particulares; tal como prescreve, o art. 2º, n.º7, do mencionado Código.

17ª De acordo com o art. 2° do DL 129/98, de 13/05, referente ao Regime Jurídico do Registo Nacional Pessoas Colectivas (RJRNPC): "O ficheiro central de Pessoas Colectivas (FCPC) é constituído por uma base de dados informatizados, onde se organiza informação actualizada sobre as pessoas colectivas necessária aos serviços da Administração Pública, para o exercício das suas atribuições".

18ª Existe troca de informação, referente às pessoas colectivas, entre a Direcção Geral do Registo e Notariado e a Direcção Geral de Impostos.

19ª Não admira que o art.19°, n.º 6 da LGT, preveja a obrigação da Administração Tributária em rectificar oficiosamente o domicílio dos sujeitos passivos, se tal decorre dos elementos ao seu dispor.

20ª O mesmo acontece com o art. 43°, no 3 do CPPT, que prevê a " (...) possibilidade legal de a administração tributária proceder oficiosamente à sua rectificação.

21ª No despacho, emitido em 11/07/05, pelo Digníssimo Sudirector-Geral dos Impostos, com referência a um processo de objecto idêntico, que lhe foi apresentado, considera-se que «o incumprimento do contribuinte se refere apenas à comunicação fora de prazo da nova morada, tendo, no entanto, havido comunicação ao RNPC, em 27/12/04, dever-se-à aplicar o disposto no n.º 1 do art. 112° CIMI».

22ª As decisões fiscais, em causa, violaram os princípios da igualdade e não discriminação, previstos no art. 13° CRP e do art. 5° CPA e os princípios da legalidade e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, previstos nos art.ºs 3° e 4° do CPA.

23ª De acordo com o art. 8° do CIMI, a situação do contribuinte, alterada até ao dia 31 de Dezembro de cada ano, é aplicável, retroactivamente, ao ano em causa.

24ª A recorrente podia ter deduzido impugnação judicial, com base no indeferimento expresso de recurso hierárquico, no prazo de 90 dias após a notificação do mesmo indeferimento.

25ª. Pelo que, a alegada excepção peremptória de caducidade do direito de impugnar não vinga no processo, em causa.

26ª A douta decisão judicial deverá ser revogada e a impugnação apresentada deverá ser conhecida, com a emissão de uma decisão demérito, sobre a matéria de facto e de direito em causa.

27ª O despacho de rejeição liminar, com o ofício no 01761, deverá ser anulado e a matéria de facto e de direito em causa no recurso hierárquico deverá ser conhecida e em consequência deverá ser emitida uma decisão de mérito, que desde 2004, anda para ser decidida pela DGCI.

28ª Ao IMI devido pela recorrente, respeitante ao ano de 2004, deverá ser aplicada a taxa determinada, por decisão camarária, para o ano em causa, entre o valor mínimo de 0.4% e 0.8%, nos termos e para os efeitos do art. 112°, n.º1 CIMI.

29ª O Serviço de Finanças competente deverá enviar o processo à Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis para a correcção de taxa aplicável em sede de IMI, ao caso concreto, de acordo com a Informação n.º 799/2004, da Direcção de Serviços da Contribuição Autárquica, exarada do despacho do Subdirector -Geral, transmitida pelo Ofício no 16209, de 12/10/04 daquela entidade.


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I – Matéria de facto.

A Recorrente invoca que antes de enviar o original recurso hierárquico por carta registada no dia 27.03.2006, e recepcionado no dia 28.3.2006, enviou cópia por fax para o Serviço de Finanças de Lagos nos dias 25 e 27.03.2006, data em que deve ser considerado interposto o recurso.

E, efectivamente, consta dos autos documentos que comprovam, inequivocamente, que foi enviado um fax com o recurso hierárquico pelo menos no dia 27.03.2006 – ver fls. 94 verso e 121.

O facto de a Administração Tributária não ter considerado esta entrada por fax deve-se à circunstância, absolutamente alheia à Recorrente, de ter sido inscrita em nome de Verónica Pinto e não de Verónica Pisco, representante da Recorrente, como deveria ter sido – ver fls. 121.

Assim deverá ditar-se este facto, relevante e comprovado nos autos, decisivo para o destino da impugnação e do presente recurso jurisdicional.

A sentença fundou ainda a improcedência da impugnação na intempestividade desta, para além da extemporaneidade do recurso hierárquico. A tempestividade da impugnação deve, no entanto, aferir-se pela notificação ou conhecimento do acto impugnado em sede judicial e não de outro qualquer acto praticado em sede graciosa, como seja o acto objecto de recurso hierárquico.

Deverá por isso ser aditada a matéria pertinente ao acto impugnado e respectiva notificação.

Devemos assim dar por assentes os seguintes factos:

A) - A Impugnante foi notificada, em Abril de 2005, através do documento n.º 2004 080893103, para proceder ao pagamento do IMI, no valor de 1.191,88€; bem como em Setembro de 2005, através do documento n.º 2004 080893203, para proceder ao pagamento do IMI, referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana, sob o art. 4472°, da freguesia de São Sebastião, cfr. fls. 64 e 65 do processo administrativo apenso.

B) - Foi aplicada uma taxa de 5%, sobre o valor patrimonial do prédio, no ano de 2004, cfr. fls. 64 e 65 do processo administrativo apenso.

C) - Em 13/05/2005, a Impugnante reclamou graciosamente, cfr. informação de fls. 9 do processo administrativo apenso.

D) - Por despacho de 20/02/2006 foi indeferida a reclamação graciosa, cfr. fls. 67 do processo administrativo apenso.

E) - O despacho a que se refere a alínea anterior foi notificado à Impugnante, em 24/02/2006, por carta regista com aviso de recepção.

F) - Em 28/03/2006 foi apresentado, por carta registada, recurso hierárquico contra indeferimento da reclamação graciosa, cfr. informação de fls. 9 do processo administrativo apenso.

F1) - A Recorrente tinha enviado o mesmo recurso em 27/03/2006, por telecópia recebida nos Serviços de Finanças de Lagoa nesse mesmo dia – fls. 95 verso e 121.

G) - O Chefe do Serviço de Finanças de Lagos informou o seguinte (fls. 9 do processo administrativo apenso):

«(...) 7. Neste Serviço de Finanças, não consta o registo da entrada do fax em 25 de Março de 2006, referente ao envio do recurso hierárquico, conforme é referido pela impugnante; e o ofício que acompanhou o recurso enviado pelo correio não faz referência ao envio anterior do fax (doc junto); (...)»G1) - Com a data de 16.03.2007 foi proferido o seguinte despacho: “Indefiro a petição de recurso hierárquico, por extemporâneo” – fls. 11 e seguintes do processo administrativo.

G2) - Este despacho, ora impugnado, foi notificado à ora Recorrente por ofício de 28.3.2007 (ver penúltima folha do processo administrativo), recebido em 5.04.2007 (ponto 1 das alegações de recurso jurisdicional, não contestado).

H) - A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 02/07/2007, cfr. fls. 3 destes autos.


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II - O enquadramento jurídico:

1. A extemporaneidade da impugnação judicial.

Fundamenta-se a sentença recorrida, para além da extemporaneidade do recurso hierárquico, na intempestividade da impugnação judicial, para a julgar improcedente.

Sucede que sem razão.

A (in) tempestividade da impugnação deve aferir-se pelo respectivo objecto, o acto impugnado, e não por qualquer outro.

Ora o acto impugnado, conforme decorre claramente dos art.ºs 1º e 2º do articulado inicial, é a decisão de rejeição do recurso hierárquico, por extemporaneidade.

Este acto data de 16.03.2007 e foi notificado em 05.04.2007 (factos assentes em G1) e G2)).

O prazo para impugnação deste acto não é o prazo de 15 dias previsto no n.º 2 do art.º 102º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, como se sustenta na sentença recorrida, uma vez que não se trata aqui de uma decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Trata-se antes da decisão que apreciou o recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Para a impugnação judicial deste acto proferido em sede de recurso hierárquico vale antes o prazo de 90 dias – art.º 102º, n.º1, al. b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (ver neste sentido os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15.02.2002, recurso 1460/02, de 04.02.2003, recurso 7214/02, de 17.03.2004, recurso 1651/03, de 20.04.2004, recurso 2031/03, de 08.06.2005, recurso 0201/05, de 22-06-2005, recurso 515/05, de 11.04.2007, recurso 99/07, e de 01.10.2008, recurso 0467/08; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, ed. 2006, vol. I. p. 733).

Daí que a impugnação judicial, interposta em 02.07.2007 (al H) dos factos provados), de um acto notificado em 05.04.2007, seja tempestiva e não extemporânea como se decidiu na 1ª Instância.

2. A validade do acto impugnado; a extemporaneidade do recurso hierárquico.

Nos termos do artigo 66.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário os recursos hierárquicos são dirigidos ao mais elevado superior hierárquico do autor do acto e interpostos, no prazo de 30 dias a contar da notificação do acto respectivo, perante o autor do acto recorrido.

Tal prazo, como decorre do artigo 20.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conta-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil.

Do artigo 79.º, do Código do Procedimento Administrativo, aplicável “ex vi” do artigo 2.º, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não decorre, ao contrário do que resulta da sentença recorrida, a obrigatoriedade de, salvo disposição em contrário, os requerimentos dirigidos a órgãos administrativos serem remetidos pelo correio, com aviso de recepção.

O que aí se diz, literalmente, é que os requerimentos podem ser remetidos pelos correio, e não que devem ser remetidos por essa via. Trata--se portanto de uma faculdade e não de um dever ou ónus.

E o artigo 80.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo, também invocado na sentença recorrida, não consagra tal obrigatoriedade, antes regula a forma de registo dos requerimentos apresentados pelo correio.

A lei apenas impõe, por regra, que o requerimento assuma a forma escrita, por evidentes razões de certeza e segurança quanto ao respectivo conteúdo – art.º 74º, n.º1, do Código de Procedimento Administrativo.

Já quanto ao meio de apresentação a lei prevê que o requerimento seja apresentado por “qualquer … modo”, embora esteja sempre sujeito a registo, também por evidentes razões de certeza e segurança quanto ao momento da apresentação – art.º 80º, n.º1, do Código de Procedimento Administrativo.

Interpretação diversa destes preceitos constituiria uma compressão dos direitos dos contribuintes, inadmissível face ao disposto no art.º 2º, n.º7, do Código de Procedimento Administrativo.

Deve-se por isso concluir que o recurso contencioso foi apresentado em 27.03.2006.

Dentro, portanto, do aludido prazo de 30 dias, uma vez que o termo do prazo, 26.03.2006, foi um domingo – al. e) do art.º 279º do Código Civil.

O que significa que o acto ora impugnado errou ao indeferir o recurso hierárquico por extemporaneidade, pelo que padece de erro nos respectivos pressupostos.

3. O mérito da impugnação judicial.

Sendo tempestivos o recurso hierárquico bem como a presente impugnação judicial, e inexistindo qualquer outro obstáculo processual inultrapassável, designadamente quanto à forma de processo, impõe-se conhecer de mérito.

Este Tribunal de recurso não dispõe, no entanto, de todos os elementos necessários e suficientes para o conhecimento de mérito da impugnação judicial.

Assim, e face ao disposto no art.º 715º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a contrario, impõe-se ordenar a baixa do processo para aí se conhecer de mérito da impugnação.


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Pelo exposto, os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, pelo que revogam a sentença recorrida determinam a baixa do processo à primeira Instância para aí se conhecer do mérito da impugnação.

Não é devida tributação, dado não terem sido apresentadas contra-alegações - art. 2.º, n.º 1, alínea g), do Código das Custas Judiciais.


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Lisboa, 29 de Setembro de 2009


(Rogério Martins)

(José Correia)

(Pereira Gameiro) –( vencido por entender que a impugnação não é o meio idóneo para atacar o despacho de indeferimento do recurso hierárquico com base só na sua extemporaneidade. Do despacho de indeferimento do recurso hierárquico que não apreciou a legalidade da liquidação cabia, in casu, acção administrativa especial e não impugnação judicial como se entende no acórdão que fez vencimento. A seguir-se a impugnação judicial sempre seria de conhecer da legalidade da liquidação, pois que os autos contêm elementos para tal. Ao mandar-se baixar os autos, in casu, deveria referir-se quais os elementos em falta para que não se possa conhecer da legalidade da liquidação).