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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06011/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/27/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO.
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO.
CITAÇÃO. NOÇÃO.
PRAZO PARA DEDUZIR OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL É UM PRAZO JUDICIAL.
CITAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS SUBSIDIÁRIOS DEVE SER PESSOAL.
CITAÇÃO PESSOAL QUANDO O AVISO DE RECEPÇÃO HAJA SIDO ASSINADO POR TERCEIRO.
DILAÇÃO.
Sumário:1. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.

2. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário).

3. O princípio da investigação traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir. Este princípio somente é vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário).

4. O princípio do inquisitório está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da L. G. Tributária, de acordo com o qual deve a A. Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material. Porém, tal dever de diligência, não pode estar desligado do pedido formulado pelo contribuinte, atento o princípio da decisão que impende sobre a mesma A. Fiscal (cfr.artº.56, nº.1, da L.G.Tributária).

5. A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.228, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário). Presentemente, a regulamentação nuclear da matéria relativa à citação, e respectivas formalidades a respeitar, no âmbito dos processos de execução fiscal, acha-se vertida nos artºs.188 a 194, do C.P.P.T. (cfr.artºs.272 a 278, do anterior C.P.Tributário).

6. O prazo para deduzir oposição a execução fiscal é um prazo judicial, atento o disposto no artº.20, nº.2, do C.P.P.Tributário. Com efeito, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na sua globalidade, apesar de haver uma parte do mesmo que é processada perante órgãos da Administração Tributária (artº.103, nº.1, da L.G.T.). Tratando-se de prazo de natureza judicial, aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil, pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr.artº.144, nºs.1, 2 e 3, do C.P.C.).

7. Entre os casos de citação pessoal previstos no processo de execução fiscal incluiu-se o chamamento dos responsáveis subsidiários, como expressamente se refere no artº.191, nº.3, do C.P.P.T. Por sua vez, as citações pessoais devem ser realizadas de acordo com o preceituado no C.P.C. (cfr.artº.192, nº.1, do C.P.P.T.).

8. Tanto nos casos em que a carta é entregue ao citando como naqueles em que a entrega é feita a terceiro, a citação por via postal considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (cfr.artº.238, nº.1, do C.P.C.) e só ocorrendo falta de citação se o destinatário alegar e demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação, por motivo que não lhe seja imputável, conforme resulta do artº.190, nº.6, do C.P.P.T.

9. Ao prazo para o citado exercer os seus direitos de oposição à execução fiscal, pagamento em prestações e dação em pagamento, acresce uma dilação de cinco dias quando a citação tenha sido efectuada em pessoa diversa do executado (cfr.artºs.236, nº.2, e 252-A, nº.1, ambos do C.P.C.). A dilação (prazo dilatório é o que difere para certo momento a possibilidade de realização dum acto) visa garantir a possibilidade de defesa efectiva e plena em tempo útil, nos casos em que a distância geográfica entre o Tribunal da acção e o local da citação, ou modalidade desta, tornam (ou podem tornar) insuficiente o prazo peremptório que se inicia com a mesma citação. Por outras palavras, a dilação visa colocar em igualdade de circunstâncias o citado que reside na área do Tribunal e o que vive fora dessa área, tendo por fim garantir ao citado a integridade do dito prazo peremptório.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
PATRÍCIA ………………………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.119 a 127 do presente processo, através da qual julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da p.i. de oposição que originou os presentes autos, mais absolvendo a Fazenda Pública da presente instância.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.188 a 198 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Ao considerar, sem mais, que a recorrente se presume pessoalmente citada, no âmbito do processo executivo em causa, em 23/03/2010, por carta registada com aviso de recepção expedida para a morada do seu domicílio, cujo aviso de recepção foi assinado por um terceiro a quem foi entregue a citação, incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento da matéria de facto;
2-Efectivamente, tal presunção só se poderia dar por verificada no caso de ter sido repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção à citanda e advertindo-a da cominação constante do nº.2, do artº.238, nos termos do disposto no nº.4, do artº.237, do C.P.C., e do nº.2, do artº.1, da Portaria 953/2003, de 9 de Setembro;
3-Não obstante, a citação em causa nunca chegou a ser entregue à recorrente, pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter, desde logo, ordenado a inquirição do Senhor Jacinto José Silva, ao abrigo do princípio do inquisitório, já que se encontra vedado à recorrente, pelos princípios gerais do direito, fazer prova de um facto negativo;
4-A recorrente só teve conhecimento de que o processo executivo em causa corria contra si em 9/07/2010, data em que tomou conhecimento da primeira penhora através de uma carta que lhe foi remetida pelo seu banco “Millennium BCP”;
5-Face ao exposto, não tendo a recorrente sido citada pessoalmente, o prazo para deduzir oposição à execução só se conta a partir da primeira penhora, nos termos da al.a), do nº.1, do artº.203, do C.P.P.T.;
6-A sentença recorrida fez uma errada aplicação do direito, violando, entre outras, as disposições legais contidas nos artºs.189, 191, nº.3, e 192, nº.1, do C.P.P.T., bem como do 233, nº.2, al.b), 236, 237-A e 238, do C.P.C.;
7-A oposição à execução apresentada deverá ser apreciada na sua plenitude, por tempestiva, e a final considerada procedente, por provada, visto que nem o património da sociedade é insuficiente para fazer face às dívidas exequendas, nem a recorrente teve culpa por não terem sido pagas as prestações tributárias subjacentes a este processo, nem foi responsável por qualquer diminuição do património da sociedade devedora originária, uma vez que não foi gerente de facto no período a que respeitam as dívidas e que a reversão de dívidas pela falta de pagamento de coimas não pode ocorrer no processo fiscal;
8-Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que, julgando tempestiva a oposição deduzida, proceda à apreciação dos respectivos fundamentos, os quais deverão ser considerados procedentes por provados, a bem da JUSTIÇA!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao recurso e se manter a decisão recorrida na ordem jurídica (cfr.fls.214 a 216 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.218 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.121 e 122 dos autos):
“…Tendo sido suscitada a intempestividade da presente oposição, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito dos autos, procede-se, desde já, ao seu conhecimento.
Para decisão da presente excepção, dão-se como provados os seguintes factos:
1-Em 8/01/2004, foi instaurado pelo 2º. Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira, contra a sociedade “S…………. - Construção, ………………………, L.da.”, o processo de execução fiscal nº……………….., por dívidas de I.V.A. do 4º. trimestre de 2002, no montante de € 2.415,75 (cfr.capa do processo de execução e certidão de dívida, a fls.1 e 2 da certidão do processo executivo apensa);
2-Ao processo de execução fiscal identificado no nº.1 foram apensados os processos de execução fiscal nºs…………., ………………, …………., ……………, ………………., ……………….., ……………, ………………., ……………. e ………….., relativos a dívidas de I.V.A. dos períodos de 2003-01 a 2004-12, 2006-04, 2006-09, 2006-12, 2007-02 e 2007-03, bem como os nºs……………, …………., ………………, …………. e ………………., relativos a I.R.C. dos exercícios de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, os nºs…………… e ……………, relativos a I.R.S. dos exercícios de 2006 e 2007, e os processos nºs…………., …………………., ………………, ……………….., ………………………, …………………., ………………………, …………………., ………………, …………………,………………, ……………….., ……………….., ……………………, ………………, …………….., ……………….., relativos a coimas, totalizando o processo principal com os apensos o montante de € 70.980,05 de dívida exequenda (cfr.documentos juntos a fls.52 a 55 dos presentes autos; documentos de fls.66 a 118 da certidão do processo executivo apensa);
3-Por despacho datado de 28/02/2010 foi determinada a reversão da execução identificada nos nºs.1 e 2 supra contra a ora oponente (cfr.informação exarada a fls.62 e 63 dos presentes autos; documento junto a fls.133 da certidão do processo executivo apensa);
4-Pelo ofício com cópia junta a fls.133, remetido para o domicílio fiscal da oponente por carta registada com aviso de recepção, que se mostra assinado em 23/03/2010, foi comunicado à oponente de que contra a mesma foi revertido o processo de execução fiscal identificado no nº.1 supra (cfr.documentos de fls.133 e 134 da certidão do processo de execução apensa);
5-Encontra-se assinalado no aviso de recepção referido no nº.4 ter o mesmo sido assinado por “pessoa a quem for entregue a carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao destinatário”, de nome Jacinto …………., bem como o número de bilhete de identidade deste (cfr.documento de fls.134 da certidão do processo de execução apensa);
6-Pelo ofício nº.3591, datado de 29/03/2010, foi enviada carta registada ao citando, comunicando-lhe, segundo consta, “de harmonia com o disposto no artº.241, do Código de Processo Civil”, nomeadamente a data e o modo por que o acto de citação mencionado no nº.5 supra se considera realizado, a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada, o prazo para oposição e a advertência de que se não efectuar o pagamento do montante em dívida, deduzir oposição, ou requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento se procederá de imediato à penhora de bens (cfr. documentos de fls.135 e 136 da certidão do processo de execução apensa);
7-Em 23/06/2010, foi efectuada, no âmbito do processo de execução fiscal identificado no nº.1 supra, a penhora da conta bancária que a ora oponente detém no banco “……………..”, no valor de € 547,66 (cfr.documentos de fls.137 a 139 da certidão do processo de execução apensa);
8-Pelo ofício com cópia junta a fls.25 dos presentes autos, datado de 23/06/2010, o banco “………………” comunicou à oponente a penhora mencionada no nº.7 que antecede;
9-Em 1/09/2010, foi interposta a presente oposição (cfr.registo de envio por fax a fls.9 e 11 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a excepção dilatória de intempestividade da p.i. de oposição que originou os presentes autos, mais absolvendo a Fazenda Pública da presente instância.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do julgado, alegando em primeiro lugar e como supra se alude, que ao considerar, sem mais, que o apelante se presume pessoalmente citado, no âmbito do processo executivo em causa, em 23/03/2010, por carta registada com aviso de recepção expedida para a morada do seu domicílio, cujo aviso de recepção foi assinado por um terceiro a quem foi entregue a citação, incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento da matéria de facto (cfr.conclusão 1 do recurso).
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício (erro de julgamento da matéria de facto).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A. Sul, 17/5/2011, proc.4745/11).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, especificamente quanto à concreta factualidade deficientemente julgada e constante do probatório supra exarado ou dos autos e que não terá sido levado ao probatório.
Apesar de tudo o acabado de referir, sempre se dirá que a factualidade constante dos nºs.4 a 6 da matéria de facto provada (materialidade relativa à citação do recorrente no âmbito do processo de execução fiscal nº.3573-2004/100380.1 e apensos) se encontra devidamente fundamentada em prova documental constante da certidão do processo de execução apensa.
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso.
Aduz, igualmente, o apelante que a presunção de citação no âmbito da execução fiscal só se poderia dar por verificada no caso de ter sido repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção à citanda e advertindo-a da cominação constante do nº.2, do artº.238, nos termos do disposto no nº.4, do artº.237, do C.P.C., e do nº.2, do artº.1, da Portaria 953/2003, de 9 de Setembro. Que, não obstante, a citação em causa nunca chegou a ser entregue à recorrente, pelo que deveria o Tribunal “a quo” ter, desde logo, ordenado a inquirição do Senhor Jacinto José Silva, ao abrigo do princípio do inquisitório, já que se encontra vedado à recorrente, pelos princípios gerais do direito, fazer prova de um facto negativo. Que a recorrente só teve conhecimento de que o processo executivo em causa corria contra si em 9/07/2010, data em que tomou conhecimento da primeira penhora através de uma carta que lhe foi remetida pelo seu banco “Millennium BCP”. Que não tendo a recorrente sido citada pessoalmente, o prazo para deduzir oposição à execução só se conta a partir da primeira penhora, nos termos da al.a), do nº.1, do artº.203, do C.P.P.T. Pelo que a sentença recorrida fez uma errada aplicação do direito, violando, entre outras, as disposições legais contidas nos artºs.189, 191, nº.3, e 192, nº.1, do C.P.P.T., bem como dos artºs.233, nº.2, al.b), 236, 237-A e 238, do C.P.C. (cfr.conclusões 2 a 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Comecemos por fazer uma breve referência aos princípios que regem o procedimento e processo tributários.
O princípio da investigação traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir. Este princípio, vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P. Tributário), não deve ser confundido com o princípio do inquisitório, dado ser uma directiva que se revela apenas na fase da prossecução processual, ou seja, possui um âmbito de aplicação mais reduzido do que o princípio do inquisitório (cfr.André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.103 e seg.).
Este, o princípio do inquisitório, está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da L. G. Tributária, de acordo com o qual deve a A. Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material. Porém, tal dever de diligência, não pode estar desligado do pedido formulado pelo contribuinte, atento o princípio da decisão que impende sobre a mesma A. Fiscal (cfr.artº.56, nº.1, da L.G.Tributária; Pedro Vidal Matos, O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário, Coimbra Editora, 2010, pág.45 e seg.)
No caso “sub judice”, atenta a factualidade constante do probatório e a que se alude acima (cfr.nºs.4 a 6 do probatório), deve concluir-se que o Tribunal “a quo” não tinha necessidade de efectuar diligências complementares de prova, assim não tendo violado o nomeado princípio da investigação vigente no processo judicial tributário.
O prazo fixado para a dedução da acção, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjectivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de um certo direito, é um prazo de caducidade. E a caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade de actos praticados no âmbito de processo judicial) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr.artº.333, do C.Civil) e determina o indeferimento liminar da petição. É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma excepção peremptória que, nos termos do artº.493, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” e a consequente absolvição oficiosa do pedido.
Concretamente, o prazo para deduzir oposição a execução fiscal é um prazo judicial, atento o disposto no artº.20, nº.2, do C.P.P.Tributário. Com efeito, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na sua globalidade, apesar de haver uma parte do mesmo que é processada perante órgãos da Administração Tributária (artº.103, nº.1, da L.G.T.). Tratando-se de prazo de natureza judicial, aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil (cfr.art.20, nº.2, do C.P.P.Tributário), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr.artº.144, nºs.1, 2 e 3, do C.P.C.).
Mais se dirá que o prazo para dedução de oposição é de trinta dias computado da data da citação pessoal (cfr.artº.203, nº.1, al.a), do C.P.P.T.).
A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.228, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul, 24/5/2011, proc.4478/11; ac.T.C.A.Sul, 12/8/2011, proc.4880/11).
Presentemente, a regulamentação nuclear da matéria relativa à citação, e respectivas formalidades a respeitar, no âmbito dos processos de execução fiscal, acha-se vertida nos artºs.188 a 194, do C.P.P.T. (cfr.artºs.272 a 278, do anterior C.P.Tributário).
Fora dos casos de “citação por via postal” consagrados no artº.191, do C.P.P.T., a citação deve ser pessoal, fazendo-se, em regra, por carta registada com aviso de recepção. Entre os casos de citação pessoal (em que se abrange a citação por transmissão electrónica de dados, a partir da entrada em vigor da Lei 67-A/2007, de 31/12 - cfr.artºs.191, nºs.4 e 5, e 192, nº.1, ambos do C.P.P.T.), incluiu-se o chamamento dos responsáveis subsidiários, como expressamente se refere no artº.191, nº.3, do C.P.P.T. Por sua vez, as citações pessoais devem ser realizadas de acordo com o preceituado no C.P.C. (cfr.artº.192, nº.1, do C.P.P.T.).
As citações em processo civil estão reguladas nos artºs.233 a 252-A, do C.P.C.
A citação por via postal por meio de carta registada com aviso de recepção é feita com base em modelos oficialmente aprovados, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho (a portaria 953/2003, de 9/9, aprovou os modelos oficiais de carta registada e de aviso de recepção para citação pessoal, a efectuar por via postal).
No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando (cfr.artº.236, nº.2, do C.P.C.). Em qualquer dos casos, antes da assinatura do aviso de recepção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação (cfr.artº.236, nº.3, do C.P.C.). Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando (cfr.nº.4, do artº.236).
Nestes casos, de entrega da carta a terceiro, será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada (cfr.artº.241, do C.P.C.).
Tanto nos casos em que a carta é entregue ao citando como naqueles em que a entrega é feita a terceiro, a citação por via postal considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (cfr.artº.238, nº.1, do C.P.C.) e só ocorrendo falta de citação se o destinatário alegar e demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação, por motivo que não lhe seja imputável, conforme resulta do artº.190, nº.6, do C.P.P.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/1/2004, proc.1053/03; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.378 e seg.).
Por último, refira-se que ao prazo para o citado exercer os seus direitos de oposição à execução fiscal, pagamento em prestações e dação em pagamento, acresce uma dilação de cinco dias quando a citação tenha sido efectuada em pessoa diversa do executado (cfr.artº.236, nº.2, do C.P.C.), ou quando a citação tenha tido lugar fora da área da comarca em que se situa o serviço da administração tributária onde corre o processo (cfr.artº.252-A, nº.1, do C.P.C.). Quando, a citação foi feita em terceiro e fora da área da comarca em que se situa o serviço da administração tributária em que pende o processo, cumulam-se as duas dilações (cfr.artº.252-A, nº.4, do C.P.C.).
A dilação (prazo dilatório é o que difere para certo momento a possibilidade de realização dum acto) visa garantir a possibilidade de defesa efectiva e plena em tempo útil, nos casos em que a distância geográfica entre o Tribunal da acção e o local da citação, ou modalidade desta, tornam (ou podem tornar) insuficiente o prazo peremptório que se inicia com a mesma citação. Por outras palavras, a dilação visa colocar em igualdade de circunstâncias o citado que reside na área do Tribunal e o que vive fora dessa área, tendo por fim garantir ao citado a integridade do dito prazo peremptório (cfr.Prof.José Alberto dos Reis, Comentário ao C.P.Civil, II, 1945, Coimbra Editora, pág.265 e 266; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil Anotado, I, 1999, Coimbra Editora, pág.439).
Voltando ao caso “sub judice”, conforme resulta do probatório (cfr.nºs.4 a 6 da matéria de facto provada), deve concluir-se que a citação pessoal do recorrente, enquanto responsável subsidiário, no âmbito do processo de execução fiscal nº.3573-2004/100380.1 e apensos ocorreu efectivamente no pretérito dia 23/03/2010. Assim é, porquanto, o recorrente foi citado por carta registada com a.r., assinado por terceiro no mencionado dia 23/03/2010, tendo-se cumprido todas as formalidades do mesmo acto consagradas no artº.236, do C.P.Civil. Após o que foi dado cumprimento ao disposto no artº.241, do aludido diploma, pelo que nada obsta à perfeição do mesmo acto de citação, contrariamente ao que defende o apelante. Por último, sempre se dirá que o recorrente, ao limitar-se a afirmar, genericamente, nunca ter recebido o acto de citação na execução fiscal em referência, não logra ilidir a presunção ínsita no artº.238, nº.1, do C.P.C., de que teve oportuno conhecimento do mesmo. O mesmo se diga quanto à ilisão da presunção prevista no artº.190, nº.6, do C.P.P.T., esta relativa à alegada falta de citação.
Finalizando, o recorrente foi pessoalmente citado no dia 23/03/2010, no âmbito do processo de execução fiscal nº…………………… e apensos, tendo o prazo de trinta dias (prazo judicial) para deduzir a presente oposição, ao qual acresce a dilação de cinco dias, dado que a citação foi efectuada em pessoa diversa do executado (cfr.artº.252-A, nº.1, do C.P.C.).
Levando em consideração a regra de contagem de prazos prevista no artº.279, al.b), do C.Civil, o termo inicial da contagem de tal prazo de trinta e cinco dias ocorreu no pretérito dia 24/3/2010. O termo final do mesmo verificou-se em 4/5/2010, uma terça-feira (cfr.artº.144, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.20, nº.2, do C.P.P.T.). Como a p.i. relativa ao presente processo somente foi interposta em 1/09/2010, deve considerar-se intempestiva (cfr.nº.9 da matéria de facto provada).
Nesta medida, confirma-se a decisão recorrida.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente também este fundamento do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, embora com a presente fundamentação.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 27 de Novembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)
(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)