Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05037/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:12/07/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. FALSIDADE DO TÍTULO. DUPLICAÇÃO DE COLECTA.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. O fundamento de oposição à execução fiscal fundado na falsidade do título dado à execução abrange, tão só a falsidade material do próprio título ou a sua eventual desconformidade com a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime, que não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na alegada desconformidade entre a realidade e o seu teor;
2. A duplicação de colecta, pela sua própria natureza, não poderá existir entre uma liquidação originária e uma liquidação adicional, sabido que esta se limita a tributar a matéria tributária não considerada naquela, e é a expressão do montante de ambas que perfazem o montante da colecta (total), legalmente devida naquele período de imposto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 3.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1. Os documentos que estiveram na base da avaliação do imóvel são falsos vide artigos 255º, 256º, 257º e 258º, todos do C. Penal - porquanto plasmavam que o imóvel tem 40 anos, o que é falso e facilmente comprovado, quer pela matriz, quer pela certidão da CRP, além de ser notório e, a ter havido, o que se questiona, uma avaliação, in loco, qualquer pessoa constaria que o imóvel possui cerca de 90 anos, tudo como melhor consta da exposição e documentos entregues no Serviço de Finanças 13°.
2. A avaliação do imóvel tem por base as plantas de arquitectura das construções correspondentes às telas finais aprovadas pela câmara municipal, e deve reportar-se à data do pedido de inscrição do prédio na matriz. - Artigo 37 CIMI
3. Acresce ainda que para se apurar o valor base dos prédios edificados tem de se ter por base o ano da construção. - Artigo 39º CIMI
4. No caso sub Júdice o perito, aquando da avaliação, não se reportou à data do pedido de inscrição do prédio na matriz, nem ao ano da construção do imóvel mas sim a data da licença para obras de alteração do imóvel (1964).
5. Esta situação, apesar de ser facilmente detectada pelos serviços de finanças, não foi verifica da pelos chefes daqueles serviços como era um seu dever (artigo 67º CIMI) e era do conhecimento oficioso do Fisco, que viciou a matriz para alterar a data de inscrição do imóvel.
6. A Recorrente jamais poderia ter usado do artigo 76º do CIMI, e consequentemente ter solicitando uma nova avaliação, porquanto não era a avaliação que estava em crise mas os documentos por detrás da mesma.
7. Caso se entenda que não estamos em sede própria para se opor ao valor devido estaremos a limitar o direito de defesa da Recorrente, havendo assim uma violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e do princípio da garantia da via judiciária, consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa
8. O direito fundamental de acesso aos tribunais integra, numa das suas vertentes, o princípio do contraditório, de cujo conteúdo faz parte a proibição da indefesa. Consistindo esta proibição na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhes dizem respeito. - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 6710/09,OTBBRG-A.G1
9. Como ensinam os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, a violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á, sobretudo, quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses.
10. Entendimento similar tem vindo a ser seguido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como sendo "um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras".
11. Os impostos que se encontram a ser exigidos pelo Serviço de Finanças não são devidos uma vez que parte dos mesmos já foi paga.
12. Ao serem pagos os valores como peticionado, referentes aos anos solicitados, estaremos perante uma situação de duplicação da colecta previsto na alínea g) do nº1 do artigo 204º do CPPT.
13. Não foi publicada qualquer Portaria com os coeficientes de actualização para os anos abrangidos pela avaliação, pelo que qualquer avaliação realizada com base em coeficientes de localização cujos valores não foram publicados em portaria é ilegal, como se plasma no Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, Acórdão 03232/09.

Termos em que, REVOGANDO A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA V.EXAS FARÃO JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por o conceito de falsidade do título executivo, para este efeito, não se poder reportar à eventual desconformidade entre o que nele se exara e a realidade subjacente (falsidade intelectual), e também não existir a invocada duplicação de colecta, para além de que a inexistência de Portaria a actualizar os coeficientes de localização constituir uma questão nova, logo fora do objecto do presente recurso.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se o título dado à execução padece do vício da sua falsidade; Se ao não considerá-lo, se nega o acesso ao direito à ora recorrente; Se existe duplicação de colecta; E se é de conhecer, em sede deste recurso, de invocado fundamento não articulado e nem conhecido na sentença recorrida que também não seja de conhecimento oficioso.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. Contra a oponente foi instaurada a execução fiscal nº 3271200801091263 por dívidas de IMI dos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 relativo ao artigo matricial U - 624 da freguesia de S. João, no montante de € 5.255,38 (informação a fls. 35);
2. A dívida exequenda resulta de liquidações adicionais de IMI para aqueles mesmos anos efectuadas em consequência da fixação de novo valor patrimonial do imóvel resultante de avaliação (fls. 13 a 27);
3. Do resultado da avaliação do imóvel foi a oponente notificada em Julho de 2008, não tendo requerido 2ª avaliação (facto não controvertido, vd artigos e 4 da p.i. e fls. 22);
4. A oposição deu entrada no Serviço de Finanças em 10/02/2009, conforme carimbo aposto a fls. 5.

Factos não provados: Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou de relevante.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos com destaque para a assinalada.


4. Para julgar improcedente a oposição à execução fiscal deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não ocorria a invocada falsidade do título dado à execução, a qual não abrange a eventual desconformidade entre o seu teor e os factos que lhe deram origem, citando jurisprudência do STA que no mesmo sentido tem decidido e que também não ocorria a duplicação de colecta, por a dívida ora exequenda resultar de liquidação adicional, resultante de aumento do valor patrimonial do imóvel, desta forma não podendo constituir a unicidade do facto tributário, base de tal duplicação.

Para a oponente e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra estes dois fundamentos que vem esgrimir argumentos tendentes a reapreciar a sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação ou alteração, e ainda, a pugnar que outro entendimento lhe nega o acesso ao direito e que não foi publicada a Portaria a actualizar os coeficientes de localização dos prédios.

Vejamos então.
A "falsidade do título" subsumível à alínea c) do n.º1 do art.º 286.º do CPT e hoje do art.º 204.º n.º1 alínea c) do CPPT, fundamento de oposição à execução fiscal, não abrange a eventual desconformidade entre a realidade e os pressupostos de facto em que haja assente a liquidação. Ao conceito de falsidade daquele normativo é subsumível tão só a falsidade material do próprio título ou a sua eventual desconformidade com a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime, que não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na alegada desconformidade entre a realidade e o teor do título executivo, não podendo em sede de oposição à execução fiscal e a pretexto da discussão da falsidade do título, discutir-se a bondade e acerto da respectiva liquidação exequenda(1), como antes se dispunha na norma do art.º 145.º § único do CPCI, depois na alínea h) do n.º1 do mesmo art.º 286.º do CPT e hoje na alínea i) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT. A não ser, que a lei não assegure ...meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (cfr. sua alínea h) do mesmo art.º 204.º), o que no caso, se não coloca.

Para integrar tal falsidade do título executivo, continua a oponente e ora recorrente reportar, que a liquidação adicional subjacente a tal título dado à execução, repousa ou assenta em diversos erros, como seja quanto à idade do imóvel e quanto o reportar a avaliação não ao ano em que tal ocorreu mas sim ao ano em que teve lugar a licença para obras da sua alteração, como se vê da matéria dos art.ºs 4.º a 6.º da sua petição inicial de oposição e suas conclusões 1. e segs, o que, nunca pode configurar a citada falsidade do título, como acima se fundamentou, mas sim uma eventual errada liquidação adicional (no caso), pelo que a oposição não pode deixar de improceder e de se confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu(2).

E nem esta interpretação das normas em causa podem configurar uma denegação do acesso ao direito, com assento constitucional na norma do art.º 20.º, n.º1 da CRP, como a mesma vem agora a invocar na matéria das suas conclusões 7. a 10., já que tal comando não impõe uma duplicação dos meios processuais para a tutela efectiva dos direitos e interesses legítimos dos particulares(3), tutela efectiva que no caso se não coloca em causa, quer através de uma 2.ª avaliação, quer da impugnação judicial com fundamento em qualquer ilegalidade de tais liquidações adicionais, ora exequendas – cfr. art.º 99.º do CPPT – pelo que se a ora recorrente, em tempo, não aproveitou tais meios processuais colocados à sua disposição pelo ordenamento jurídico em ordem à apreciação desses imputados vícios e para defender o que entende serem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, só de si própria se poderá queixar.

Também a invocada duplicação de colecta, como igualmente bem se decidiu na sentença recorrida, não pode ter ocorrido, desde logo tendo em conta a colecta que a mesma terá pago e as ora exequendas - cfr. matéria do ponto 2. do probatório e art.º 205.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

É que as quantias exequendas resultam de liquidações de IMI do mesmo prédio resultantes do seu aumento de valor resultante da avaliação a que foi submetido, logo liquidações adicionais que, pela sua própria natureza, apenas exprimem a colecta resultante desse aumento do seu valor patrimonial, desta forma constituindo um facto tributário diverso daquele outro, assente no primitivo valor do prédio, e sendo que ambos os actos de liquidação é que constituirão a colecta devida na sua totalidade, desta forma improcedendo igualmente o recurso enquanto ancorado neste fundamento.

Na matéria da sua conclusão 13., vem ainda a recorrente a esgrimir com o fundamento de não terem sido publicados por Portaria os coeficientes de actualização para os anos abrangidos pela avaliação, questão que jamais invocara até então na presente oposição, sendo por isso uma questão nova, não conhecida na sentença ora sob recurso e como também não é de conhecimento oficioso por parte deste Tribunal, da mesma se não pode conhecer, sabido do âmbito do objecto dos recursos, consistentes no reexame das questões colocadas a decisão ao tribunal recorrido.


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 07/12/2011
EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO




1- Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 9.12.1998, 13.1.1999, 3.2.1999, 10.2.1999, 24.3.1999 e 22.6.1999 com os n.ºs 18 133, 22 619, 22 329, 23 034, 22 762 e 23 581, respectivamente, no que traduzem jurisprudência pacífica, quer daquele Tribunal, quer deste TCA. Na doutrina, em igual sentido, cfr. A. José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário - Comentado e Anotado - 4.ª Edição, págs. 612/613.
2- Cfr. neste sentido, entre outros, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª edição, pág. 612, nota 24, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado, 2.ª Edição, 2000, VISLIS, pág. 917, nota 35 e João António Valente Torrão, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 2005, Almedina, pág. 788, nota 5.
3- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 26-4-2000, recurso n.º 24936.