Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:967/17.0BESNT
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/19/2017
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:COIMAS
EXECUÇÃO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário:i) A execução das decisões administrativas proferidas no âmbito dos processos de contra-ordenação não se encontra tipificada em nenhuma das alíneas do artigo 4.º, n.º 1, do ETAF, designadamente nas alíneas l) e n), nem se enquadra no artigo 4º, n.º 1, al. o) do ETAF, para a qual também se remete, em matéria de execuções, no artigo 157.º, n.º 5, do CPTA, a respeito das execuções contra particulares fundadas em título que não seja uma sentença proferida pelos tribunais administrativos.

ii) As normas contidas nos artigos 61.º e 89.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo; redacção dada pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro), apenas prevêem regras de competência territorial – o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção, salvo quando a decisão tiver sido proferida pela Relação, caso em que a execução poderá promover-se perante o tribunal da comarca do domicílio do executado - e não material.

iii) O legislador da Revisão de 2015, marcadamente por razões de ordem funcional, consagrou assumidamente uma solução intermédia, apenas atribuindo aos tribunais administrativos a competência para as impugnações de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social e quando essa aplicação se fundar na violação de normas em matéria de urbanismo (art. 4.º, n.º 1, al. l), do ETAF).

iv) A jurisdição administrativa é materialmente incompetente para conhecer das acções de execução para pagamento de coima e custas relativas a decisões da Administração Pública que tenham aplicado coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

O MINISTÉRIO PÚBLICO (RECORRENTE), exequente na presente acção executiva para cobrança de coima e custas, não se conformando com a sentença proferida nos autos pelo TAF de Sintra, que julgou verificada a excepção de incompetência absoluta do tribunal, vem interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul, tendo as alegações de recurso apresentadas culminado com as seguintes conclusões:

“I. O Ministério Público vem interpor recurso da decisão proferida nos presentes autos de acção executiva para cobrança de coima e custas, por o tribunal a quo ter julgado verificada a excepção de incompetência absoluta do tribunal e, em consequência, ter indeferido liminarmente o requerimento executivo apresentado pelo Ministério Público ao abrigo do artigo 89º, n.º 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

II. A nossa discordância centra-se no erro de direito que originou tal decisão, com consequente violação do disposto nos artigos 61º e 89º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, sendo que, porque os tribunais administrativos e fiscais são materialmente competentes para a presente execução por coima e custas, deveria ter sido ordenada a penhora e posterior citação do executado, conforme requerido pelo exequente.

III. A questão a decidir no presente recurso é a de aferir qual o tribunal materialmente competente para as acções de execução para pagamento de coima e custas relativas a decisões da Administração Pública que tenham aplicado coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, face à competência atribuída aos tribunais da jurisdição administrativa, através do art.º 4º, n.º 1, al. l) do ETAF, para apreciação das impugnações judiciais de tais decisões administrativas.

IV. Sem qualquer dogma, e partilhando igualmente das dúvidas que possam existir acerca da melhor solução, vislumbramos, de forma puramente pragmática, três possibilidades para a tramitação dos processos de execução para pagamento de coima e custas relativas a tais decisões:

a. Atribuição de competência aos tribunais administrativos, como entendeu o Ministério Público no âmbito da presente acção, por força do disposto no artigo 89º do Regime Geral das Contra- Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (com referência, quanto ao tribunal competente, ao artigo 4º, n.º 1, al. l) do ETAF), no artigo 491º, n.º 2 do Código Processo Penal e no artigo 35º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais (que, por sua vez, remete para a tramitação do processo comum sumário para pagamento de quantia certa, a que aludem os artigos 550º, n.º 2 e 855º a 858º do Código de Processo Civil);

b. Atribuição de competência à Autoridade Tributária, nos termos dos artigos 10º, n.º 1, al. g), 148º e 151º do CPPT, estendendo-se analogicamente a estes processos o entendimento de que o meio processual adequado para a cobrança coerciva das custas e multas relativos a processos judiciais da área administrativa ser o processo de execução fiscal, na linha e com os argumentos do defendido pelo douto aresto do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2007, Processo n.º 01172/06 (disponível em www.dgsi.pt);

c. Atribuição de competência à jurisdição comum, por os tribunais judiciais terem competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, nos termos do art.º 40º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.

V. Esta última possibilidade, embora não dita de forma expressa (mas a cuja conclusão se pode chegar, desde logo por não ter sido indicada outra solução), foi a adoptada pelo tribunal a quo, ao negar a competência material dos tribunais administrativos, sendo que é a que, no nosso entendimento, seguramente não deve ser adoptada como solução para a questão em causa, desde logo por tal interpretação não ter na letra da lei o mínimo de correspondência, padecendo, assim, salvo o devido respeito, de erro de direito.

VI. De acordo com a interpretação que nos parece ser a mais adequada, a concretização do tribunal materialmente competente terá que ser feita através do critério previsto no referido art.º 89º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e, in casu, com referência ao artigo 4º, n.º 1, al. l) do ETAF, por o Tribunal material e territorialmente competente para executar uma decisão proferida por uma autoridade administrativa que aplicou uma coima (título executivo) em processo contra-ordenacional ser aquele que seria competente para a impugnação dessa mesma decisão, nos termos do artigo 89.° do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (vide, neste sentido, entre outros, Ac. da Relação de Lisboa de 09.10.2012, Processo n.º 1040/12.2YRLSB-5, disponível em www.dgsi.pt).

VII. Aliás, no que respeita à jurisdição comum, na sequência da criação pela Lei da Organização do Sistema Judiciário de inúmeras instâncias centrais de execução, esta questão vem sendo recorrentemente suscitada por via de recurso e, tanto quanto sabemos, decidida pelos tribunais superiores sempre em sentido concordante com a posição do ora recorrente, ou seja, de que o tribunal competente para a execução é aquele que seria competente para a impugnação dessa mesma decisão.

VIII. Tal raciocínio deve igualmente ser aplicado às decisões da Administração Pública que tenham aplicado coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, para concluir pela atribuição de competência aos tribunais administrativos para a execução de tais decisões, desde logo porque a regra de competência territorial prevista no art.º 61º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas pressupõe, logicamente, a definição de tribunal materialmente competente com jurisdição nessa área (vide, neste sentido, Ac. da Relação de Lisboa de 24.09.2015, Processo n.º 133/15.9T9LNH.L1-2, disponível em www.dgsi.pt).

IX. Acresce, ainda, que em situação similar à dos presentes autos, em contra-ordenação nos domínios laboral e da segurança social, já decidiu igualmente o Supremo Tribunal de Justiça que, nesses casos, o tribunal competente para a execução com vista à cobrança do pagamento de uma coima imposta em processo de contra-ordenação nesses domínios é o tribunal de trabalho e não o tribunal judicial (vide, neste sentido, Ac. do STJ de 23.01.1997, Processo n.º 96P745, disponível em www.dgsi.pt).

X. Neste mesmo sentido, foi absolutamente claro o Professor Licínio Lopes Martins, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na dissertação sobre o tema “A execução das contraordenações urbanísticas”, realizada em 26.05.2017 no âmbito da acção de formação contínua de “Temas de Direito Administrativo”, organizada pelo Centro de Estudos Judiciários, ao expressamente considerar, após apreciar a argumentação em sentido contrário, que “conjugando o disposto nos artigos 89.º, n.º 2, e 61.º do RGCO, relativo ao Tribunal competente, com o artigo 4.º, n.º 1, alínea l) do ETAF” (…) “o Tribunal material e territorialmente competente para executar uma decisão proferida por uma autoridade administrativa que aplicou uma coima (titulo executivo) em processo contra-ordenacional é aquele que seria competente para a impugnação dessa mesma decisão” (vide a respectiva apresentação disponível em https://elearning.cej.mj.pt/course/view.php? id=475).

XI. Em conclusão, a competência material para as acções de execução para pagamento de coima e custas relativas a decisões da Administração Pública que tenham aplicado coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo deve ser atribuída aos tribunais administrativos, por força do disposto no art.º 61º e 89º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, face à competência atribuída aos tribunais da jurisdição administrativa, através do art.º 4º, n.º 1, al. l) do ETAF, para apreciação das impugnações judiciais de tais decisões administrativas.

XII. Não ignoramos os argumentos invocados no referido Ac. do Pleno do STA de 27.06.2007, Processo n.º 01172/06, nomeadamente:

a. O facto dos tribunais administrativos e fiscais não terem unidades de serviço externo para as diligências inerentes à cobrança coerciva das quantias em dívida, e do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, que definiu a sede, organização e a área de jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, concretizando o respectivo estatuto, nos artigos 5.º e 6.º ter excluído essa possibilidade;

b. O facto de no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro – que, na ocasião, procedeu à reforma do então vigente Código das Custas Judiciais, introduzindo um regime especial para as custas devidas nos processos tramitados nos Tribunais Administrativos e Fiscais – o legislador ter destacado, além do mais, como razão de ser da reforma o alcance do objectivo de libertar os oficiais de justiça e os Tribunais para outras tarefas.

XIII. Daí que, com base nessa argumentação de índole prática, admitamos a possibilidade de ser entendido dever ser competente para tais processos de execução a Autoridade Tributária, tal como, na senda de tal aresto do STA, tem sido prática na cobrança coerciva das custas e multas relativos a processos judiciais da área administrativa.

XIV. A solução preconizada pelo tribunal a quo é que – sendo uma das possibilidades que inicialmente se poderiam considerar – não é, salvo o devido respeito, admissível, sendo o despacho recorrido ilegal, por incorrer em erro de direito por violação do disposto nos artigos 61º e 89º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, atentando contra as elencadas regras de competência material.

II) Para a apreciação do presente recurso importa dar como assentes os seguintes factos (que a sentença recorrida não autonomizou)

A)
Por despacho proferido por Vereadora da Câmara Municipal de Cascais, em 10 de Abril de 2017, foi aplicada à recorrida coima no montante de 5.000 €, pela prática de contra-ordenação prevista e punida no artº 98º, nºs 1 alínea d) e 4 do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, quantia acrescida de custas no valor de 102 € - cfr. fls. 79/82 dos autos.
B)
O recorrente, face ao não pagamento das referidas quantias, instaurou no T.A.F. de Sintra a presente execução para pagamento de quantia certa – cfr. p.i.



III) Fundamentação jurídica

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações importa conhecer do mérito do mesmo, que visa a discordância com a sentença proferida pelo T.A.F. de Sintra que julgou no sentido da incompetência em razão da matéria para conhecer da pretensão formulada pelo ora recorrente na presente acção executiva para cobrança de coima e custas.

A questão – central - objecto do presente recurso foi, recentemente, decidida em Acórdão proferido por este Tribunal, em 01 de Junho de 2017, no âmbito do Proc. 413/17.9BESNT, do qual se transcreve a seguinte fundamentação:
(…)
“Podemos adiantar que, de iure condito – a bondade da solução de iure condendo é matéria sobre a qual não nos cumpre tomar posição -, a conclusão alcançada na decisão recorrida é a correcta.
Com efeito, não se discute que nos termos do previsto na alínea l) do nº 1 do art. 4º, do ETAF é atribuída competência aos tribunais administrativos para a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações Judiciais de decisões da administração pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
No caso dos autos, está sim em causa uma execução de uma decisão que aplica a coima e não a impugnação daquela decisão. E a execução vem requerida sob a invocação da alínea l) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, apesar de a referida alínea apenas contemplar a competência para o julgamento das impugnações das decisões administrativas proferidas no âmbito dos processos de contra-ordenação aí identificados, com exclusão das demais matérias respeitantes a contra-ordenações, designadamente execução das decisões proferidas pelas autoridades administrativas no âmbito desses processos.
Ora, a execução das decisões administrativas proferidas no âmbito dos processos de contra-ordenação não se encontra tipificada em nenhuma das alíneas do artigo 4.º, n.º 1, do ETAF, designadamente nas alíneas l) e n), nem se enquadra na previsão do mesmo artigo 4º, n.º 1, al. o), para a qual também se remete, em matéria de execuções, no artigo 157.º, n.º 5, do CPTA, a respeito das execuções contra particulares fundadas em título que não seja uma sentença proferida pelos tribunais administrativos, exigindo-se, nesse caso, que o título executivo tenha sido produzido no âmbito de uma relação jurídico-administrativa, que vimos já não ser o caso.
Por outro lado, contrariamente ao pretendido pelo RECORRENTE, a competência dos tribunais administrativos também não pode extrair-se das normas dos artigos 61.º e 89.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo; redacção dada pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro), pois que o artigo 61.º, para o qual se remete no artigo 89.º, contém claramente uma norma de competência territorial (e não material), quando se confere a competência para a execução ao tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção, salvo quando a decisão tiver sido proferida pela Relação, caso em que a execução poderá promover-se perante o tribunal da comarca do domicílio do executado. As normas aqui convocadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, salvo o devido respeito, são inaplicáveis para delas se retirar consequências ao nível da competência material.
Na verdade, na interpretação da lei o intérprete-aplicador tem que sustentar o sentido normativo que alcança na letra do texto legal, exigindo-se um mínimo de correspondência. Se é certo que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, certo é também que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º do CC). O intérprete, não pode, assim, substituir-se ao legislador, mas antes deve conformar a vontade deste expressa nas normas.
Ora, não só o pensamento do legislador vai no sentido contrário ao pretendido pelo RECORRENTE, como por recurso a lugares paralelos – as normas indicadas na sentença relativas à competência em matéria contra-ordenacional do Tribunal da Propriedade Intelectual e do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – não se suporta a conclusão de que a competência para execução da decisão que aplica a coima está implícita na competência para a impugnação daquela decisão.
No que se refere à mens legislatoris, haverá que ter presente, desde logo, o que se deixou escrito no preâmbulo da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro (diploma que aprovou a revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Código dos Contratos Públicos, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, da Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular, do Regime Jurídico da Tutela Administrativa, da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e da Lei de Acesso à Informação sobre Ambiente). Aí disse-se:
“(…) estende-se o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal às acções de condenação à remoção de situações constituídas pela Administração em via de facto, sem título que as legitime, e de impugnação de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. Entendeu-se, nesta fase, não incluir no âmbito desta jurisdição administrativa um conjunto de matérias que envolvem a apreciação de questões várias, tais como as inerentes aos processos que têm por objecto a impugnação das decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social noutros domínios. Pretende-se que estas matérias sejam progressivamente integradas no âmbito da referida jurisdição, à medida que a reforma dos tribunais administrativos for sendo executada [sublinhado nosso]”.
Neste ponto, refere Mário Aroso de Almeida (cfr. Manual de Processo Administrativo, 2.ª ed., 2016, p. 171-172) o seguinte:
“(…) a justiça administrativa portuguesa foi objecto, como vimos, , de uma transformação profunda, mas nem por isso deixam de se manter hoje, como então [em 1979, altura em que foi criado o ilícito de mera ordenação], razões que explicam a não atribuição, em bloco, dessa matéria à competência dos tribunais judiciais [terá querido dizer-se, tribunais administrativos]. E a principal razão continua a residir no reduzido número de tribunais e de juízes administrativos. É verdade que, desde 2004, existe, em Portugal, uma verdadeira rede de tribunais administrativos, constituída por um corpo próprio de juízes. Mas não é menos verdade que essa rede não seria, ainda hoje, capaz de dar resposta a todos os processos do ilícito de mera ordenação social.
Na revisão de 2015, o legislador do ETAF assumiu o reconhecimento da natureza administrativa dos litígios sobre o ilícito de mera ordenação social, reconhecendo aos tribunais administrativos o poder de fiscalizarem a legalidade desses actos, mas, ao mesmo tempo, continuou a assumir que as insuficiências de que enferma a rede dos tribunais administrativos não permite a atribuição, em bloco, àqueles tribunais da competência genérica na matéria [sublinhado nosso]. E nesse sentido, consagrou, na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º, uma solução de meio termo (…)”
Donde se poderá afirmar, com relativa segurança, que o legislador não pretendeu atribuir aos tribunais administrativos uma competência genérica nesta matéria.
Por outro lado, socorrendo-nos do foi dito pelo legislador em situações idênticas – lugares paralelos -, como se refere na sentença recorrida, “basta comparar a redacção das normas atributivas de competência em matéria contra-ordenacional aos tribunais administrativos, ao tribunal da propriedade intelectual e ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, para compreender o diferente alcance destas normas atributivas de competência”.
Com efeito, na alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF prescreve-se que “[compete aos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas – n.º 1] a impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”.
Enquanto na Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (na redacção dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro), consagra-se para o Tribunal da Propriedade Intelectual, no artigo 111.º, n.º 1, al. e) que a este compete conhecer das questões relativas a “recurso e revisão das decisões ou de quaisquer outras medidas legalmente susceptíveis de impugnação tomadas pelo INPI, I. P., em processo de contra-ordenação”, dispondo-se no n.º 2 do mesmo artigo que “a competência a que se refere o número anterior abrange os respectivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões”.
E no artigo 112.º da LOSJ estabelece-se no seu n.º 1 que ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão compete conhecer das questões relativas a recurso, revisão e execução das decisões, despachos e demais medidas em processo de contra-ordenação legalmente susceptíveis de impugnação da Autoridade da Concorrência (AdC), da Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-ANACOM), do Banco de Portugal (BP), da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), do Instituto de Seguros de Portugal (ISP) e das demais entidades administrativas independentes com funções de regulação e supervisão, dispondo-se também no n.º 3 que: “as competências referidas nos números anteriores abrangem os respectivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões”.
Como se verifica as soluções legalmente expressas são distintas, omitindo o legislador da Revisão do ETAF a menção, ao que aqui importa, à execução das decisões.
Por outro lado ainda, last but not least, necessário é não perder de vista que em causa estão normas atributivas de competência e neste campo vale o princípio de que a competência não se presume, tendo que resultar expressa na lei. E do texto da lei, essa competência – para os processos executivos conexos às decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo - não resulta expressa.
Assim, não pode senão concluir-se que a jurisdição administrativa é materialmente incompetente para conhecer das acções de execução para pagamento de coima e custas relativas a decisões da Administração Pública que tenham aplicado coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo; como decidido no Tribunal a quo. Para tanto, são competentes os tribunais da jurisdição comum ou ordinária (art. 40.º da LOSJ).”
O Tribunal acolhe na íntegra a fundamentação vertida no Acórdão supra transcrito, pelos que com os fundamentos supra transcritos, que faz seus, decide no sentido da improcedência da pretensão recursiva formulada.

IV) Decisão
Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em negar provimento ao recurso.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2017

Nuno Coutinho


José Gomes Correia


Paulo Vasconcelos