Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11238/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2014
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL – JUIZ SINGULAR – RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário:I - A acção do contencioso pré-contratual prevista nos artigos 100º e segs. do CPTA, de valor superior à alçada do tribunal, e que segue a forma de acção administrativa especial, deve ser decidida em formação de três juízes [artigo 31º, nº 2, alínea b) do CPTA], ou por juiz singular, de acordo com a previsão do artigo 27º, nº 1, alínea i) do CPTA.
II - Se decidida por juiz singular, dessa decisão cabe reclamação para a conferência, nos termos do nº 2 do artigo 27º do CPTA, e não recurso jurisdicional.
III - Interposta tempestivamente reclamação para a conferência, é ilegal o despacho que convola tal reclamação em recurso.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
"C…… – S……, SA”, com os sinais dos autos, intentou no TAC de Lisboa contra “L…… – A……., SA uma acção do contencioso pré-contratual, nos termos dos artigos 100º e segs. do CPTA, na qual peticionou a anulação do acto que determinou a adjudicação do contrato objecto do concurso limitado por prévia qualificação nº C.../L.../001/2012, referente à aquisição de “Serviços de Comunicações Electrónicas e de Gestão de Infraestruturas de Tecnologias de Informação” à proposta apresentada pelo contra-interessado constituído pelo “A……., SA” e “T… – T……, SA”, bem como o pagamento duma indemnização por todos os prejuízos sofridos.
Por sentença datada de 12-3-2014, o Senhor Juiz do TAC de Lisboa julgou a acção improcedente e absolveu a entidade pública demandada e os contra-interessados dos pedidos formulados [cfr. fls. 385/403 dos autos].
Inconformada, a autora apresentou reclamação para a conferência, nos termos do nº 2 do artigo 27º do CPTA [cfr. fls. 413/421 dos autos].
A “L…. – A…….., SA e os contra-interessados “A.……., SA” e “T… – T……., SA” responderam, pugnando pela confirmação do decidido em conferência [cfr. fls. 461/464 e 448/453 dos autos].
O Senhor Juiz do TAC de Lisboa, porém, por despacho datado de 14-4-2014, entendendo que “a decisão dos litígios discutidos nos processos de contencioso pré-contratual é da competência do juiz singular, titular do processo”, considerou que da decisão proferida cabia recurso e não reclamação, tendo convolado a reclamação em recurso, que admitiu, convidando as partes a adaptarem, querendo, as alegações/contra-alegações da reclamação em alegações/contra-alegações de recurso [cfr. fls. 471/476 dos autos].
A autora aderiu ao convite formulado, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
1. Foi violado o princípio da transparência, na medida em que não foi dado a conhecer o teor dos esclarecimentos suscitados pela entidade contratante no decurso da audiência prévia.
2. Este princípio é relevante e prevalecente, independentemente dos seus supostos efeitos práticos imediatos.
3. Foi também violado o princípio da intangibilidade das propostas, fundamentado este no pressuposto – inexistente – de que houve lapso na indicação do prazo.
4. Conforme resulta do esclarecimento, a proposta continha efetivamente prazos divergentes, por ter como pressuposto uma continuidade nos serviços prestados.
5. Na verdade, a proposta do concorrente contra-interessado, tendo em conta que é o adjudicatário anterior, considera erradamente que as diversas fases de execução se podem sobrepor.
6. O que desde logo fere também o princípio da igualdade, pois o direito a apresentar uma proposta em tais termos diverge do direito conferido aos demais concorrentes.
7. Também o princípio da concorrência fica ferido, por permitir que uma proposta contenha condições divergentes das estabelecidas no caderno de encargos do procedimento.
8. Ademais, não podem relevar-se condições divergentes de uma proposta com o simples entendimento de que foi apresentada declaração permite que sejam tomadas como não escritas.
9. Uma vez que o princípio da intangibilidade não pode ser afastado, a proposta do concorrente contra-interessado tem de ser excluída à luz dos artigos 70º, nº 2, alínea b), e 146º, nº 1, alínea o), ambos do CCP.
10. Caso contrário, existe violação do dever de excluir a proposta que, a vários títulos, fere o disposto no CCP.” [cfr. fls. 482/494 dos autos].
Os contra-interessados “A……., SA” e “T.. – T……., SA” e a ré “L… – A……. SA” contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido [cfr. fls. 525/533 e 542/550 dos autos].
A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste TCA Sul não emitiu parecer.
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.
* * * * * *
Porém, antes de entrar na apreciação do mérito do recurso, importa conhecer duma questão prévia que obsta à sua apreciação, isto porquanto a decisão que admite o recurso, fixa a sua espécie e determina o efeito que lhe compete, não vincula este TCA Sul [cfr. o disposto no artigo 641º, nº 5 do CPCivil, aplicável “ex vi2 artigo 1º do CPTA].
Vejamos.
A decisão proferida a fls. 385/403, primeiramente objecto de reclamação para a conferência e depois, após convolação, como recurso, julgou improcedente a acção e absolveu a ré e os contra-interessados do pedido.
Acontece, porém, que a decisão ora sob censura, foi proferida pelo relator em acção do contencioso pré-contratual – a qual segue a forma de acção administrativa especial –, de valor superior à alçada do tribunal, pese embora não tenha sido expressamente invocado que o foi ao abrigo da faculdade concedida pelo artigo 27º, nº 1, alínea i) do CPTA.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 40º, nº 3 do ETAF, a presente acção, considerando o respectivo valor [€ 993.032,40], é da competência do TAC, mas em formação colectiva, uma vez que excede a alçada daquele tribunal e não, como entendeu o despacho de fls. 471/476, da competência do juiz singular, titular do processo, determinando a convolação da reclamação em recurso.
Com efeito, a competência fixa-se no momento da propositura da acção e é pela distribuição que, nomeadamente, se designa o juiz que irá exercer as funções de relator, nos termos do artigo 5º, nº 1 do ETAF, e do artigo 203º do CPCivil, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA, ou seja, o juiz a quem a acção foi distribuída intervém nela na qualidade de relator e não na qualidade de juiz singular, e nessa qualidade compete-lhe exercer os poderes previstos no artigo 27º do CPTA relativamente à direcção e instrução do processo e, em particular, à decisão de questões simples, nos termos da respectiva alínea i).
Assim sendo, daquela decisão cabia reclamação para a conferência, nos termos do nº 2 do artigo 27º do CPTA, como acertadamente considerou a autora, e não recurso jurisdicional, tal como vindo a ser entendimento uniforme neste TCA Sul e no STA [cfr., neste sentido, o acórdão do STA – Pleno, de 5-6-2012, proferido no âmbito do processo nº 0420/12, cuja espécie era exactamente uma acção do contencioso pré-contratual; e, deste TCA Sul, os acórdãos de 12-1-2012, proferido no âmbito do processo nº 08262/11, e de 20-9-2012, proferido no âmbito do processo nº 08384/12].
Significa isto que o Senhor Juiz do TAC de Lisboa deveria ter mandado os autos aos vistos dos respectivos adjuntos – como aliás foi feito [cfr. fls. 469] –, deixando que a conferência se pronunciasse sobre os termos da reclamação deduzida, e não convolar a reclamação apresentada em recurso, por tal consubstanciar a opção por um meio processual inadequado, uma vez que os respectivos pressupostos, nomeadamente a sua tempestividade, se mostravam reunidos.
Consequentemente, não é possível conhecer do recurso, devendo os autos baixar ao TAC de Lisboa, a fim de aí ser apreciado o mérito da reclamação para a conferência tempestivamente deduzida a fls. 413/421.
* * * * * *
Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em não conhecer do recurso, e ordenar a baixa dos autos ao TAC de Lisboa para aí ser apreciado o mérito da reclamação para a conferência deduzida pela autora a fls. 413/421.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Novembro de 2014


[Rui Belfo Pereira – Relator]


[Esperança Mealha]


[Helena Canelas]