Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07165/13
Secção:CT
Data do Acordão:03/22/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores:INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
VÍCIOS FORMAIS E PROCEDIMENTAIS
MÉTODOS INDIRECTOS
ÓNUS DE PROVA
FUNDADA DÚVIDA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:1. As pessoas colectivas podem ser citadas/notificadas com hora certa;
2. No regime do CPC/61, na redacção do DL 38/2003, de 8 de Março, a citação/notificação com hora certa por afixação era classificada expressamente como notificação pessoal (art.240/6 CPC/61);
3. Observado pela AT o formalismo legal atinente à notificação pessoal do início da acção de inspecção externa, o ónus de alegação e prova de que não teve conhecimento do acto por facto que não lhe é imputável é do destinatário do acto.
4. A notificação para exibição da escrita e demais documentos contabilísticos, pode ser efectuada por carta registada, ainda que não se demonstre a impossibilidade da notificação por contacto pessoal, pois o n.º2 do art.º38.º do RCPIT estabelece, não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos actos, mas uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços, sendo que a notificação pessoal é aí prevista por exclusivas razões de ordem prática (o funcionário encarregado da inspecção estará nas instalações do sujeito passivo) e não em ordem a prosseguir uma forma mais solene de comunicação.
5. Os critérios pelos quais o contribuinte foi seleccionado para a acção inspectiva embora devam estar referenciados ao PNAIT na ordem de serviço do início da acção inspectiva podem ser revelados ao contribuinte só após concluídas as actuações inspectivas quando possam comprometer a eficácia da inspecção, sem que daí advenha qualquer prejuízo para a defesa do contribuinte, que pode, ainda em sede procedimental, impugnar a aplicabilidade do critério de selecção à sua situação.
6. Constando da ordem de serviço que determinou o procedimento de inspecção, a identificação dos funcionários afectos à concreta acção inspectiva, nela assenta a válida credenciação desses funcionários (art.º46.º, n.ºs 1 e 2 do RCPIT).
7. A sentença, ao levar ao probatório circunstâncias de facto por transcrição de excertos do relatório da acção inspectiva, remetendo para esse mesmo documento, mostra-se devidamente fundamentada, pela apropriação de tal circunstancialismo, considerando-o demonstrado com apoio no referido relatório, evidenciando, por um lado, a respectiva ponderação pelo decisor e possibilitando, por outro, uma cabal reacção contenciosa contra tal julgamento;
8. O relatório da acção inspectiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objectivas, nele atestadas, com base na percepção directa do seu autor.
9. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação – art.º74/3 da LGT.
10. A “recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos” prevista no art.º88.º, alínea b) da LGT, constitui motivo da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, legitimadora do recurso à avaliação indirecta.
11. Não tendo a impugnante/Recorrente produzido, ou sequer ensaiado, qualquer prova visando a demonstração do excesso de quantificação da matéria tributável, a sua pretensão anulatória da liquidação está condenada ao insucesso.
12. De acordo com o n.º2 do art.º100.º do CPPT, “em caso da quantificação da matéria tributável por métodos indirectos não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e de mais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais”.
13. Como assim, a existir dúvida sobre a matéria do excesso de quantificação sempre tal se teria de revelar desfavorável à pretensão da impugnante/Recorrente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I.RELATÓRIO

... – Sociedade de Desenvolvimento de Empreendimentos e Construções, Lda, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra decisão que indeferiu o recurso hierárquico apresentado na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa que intentou contra o acto de liquidação adicional de IRC, do ano de 2003, no valor de €163.536,56, veio dela interpor o presente recurso jurisdicional, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
III - Conclusões:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 14 de Agosto de 2013, nos autos do processo de impugnação judicial n°1055/12. OBELRS, que correu termos na 2ª Unidade Orgânica, daquele Tribunal, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida pela ora Recorrente, ... -Sociedade de Desenvolvimento de Empreendimentos e Construções Lda.

B) Ora, salvo o devido respeito, entende a ora Recorrente que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter assim decidido e com os fundamentos ali alegados, razão pela qual deve a mesma ser revogada por este Tribunal e substituída por outra que faça uma correcta interpretação do Direito aplicável à factualidade dada como assente.

C) Com efeito, entende a ora Recorrente, salvo o devido respeito, que há na douta sentença recorrida normas jurídicas violadas, assim como uma errada subsunção dos factos ao Direito aplicável, as quais impunham outra decisão.

D) Na verdade, da matéria de facto dada como provada dos autos não consta que a Administração Tributária e Aduaneira (AT) haja em qualquer momento contactado com um qualquer funcionário da Recorrente, pese embora, se tenha a AT - na pessoa dos seus funcionários - deslocado por diversas vezes à sede da Recorrente.

E) Ora, atendendo ao artigo 4° alínea d) da matéria de facto dada como assente, sempre teria o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, que ter retirado a conclusão que em 07 de Novembro de 2007 não se encontrava ninguém nas instalações da sede da Recorrente.

F) Facto esse que atesta a versão da Recorrente no sentido de se encontrar a mesma em processo de reestruturação, à data da realização do procedimento inspectivo, o que a teria levado a encerrar temporariamente as suas instalações.

G) Da conjugação da factualidade dada como assente nos artigos 6°, 9° e 11° da matéria de facto provada, sempre teria o Tribunal a quo que ter concluído que, em 11 de Dezembro de 2007 e em 20 de Março de 2008, também não se encontrava ninguém nas instalações da Recorrente.

H) Da sentença sub judice não resulta que tenha sido produzida prova sobre a pessoa, funcionário da Recorrente, a quem tenha sido alegadamente transmitido o aviso a que se reporta o artigo 3° da matéria de facto dada como assente.

l) Da sentença recorrida não consta qualquer menção à pessoa que, em 06 de Novembro de 2007, recebeu o alegado aviso da AT que voltaria no dia 07 de Novembro de 2007 para proceder à notificação em causa.

J) E não sendo produzida prova sobre essa matéria, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provado que o sujeito passivo haja sido, em 06 de Novembro de 2007, avisado pela AT - na pessoa dos seus funcionários - que, no dia 07 de Novembro de 2013, seria tentada novamente a notificação sub judice.

K) E essa é uma factualidade que releva nos presentes autos, porquanto, no dia 06 de Novembro de 2007, as instalações da Recorrente estariam fechadas em virtude da alegada reestruturação que implicou o encerramento das instalações da sede da Recorrente. O que, sempre redundaria na falta de notificação dos actos tributários em questão nestes autos.

L) Atenta a matéria dada como assente, designadamente nos pontos 6°, 9° e 11° (da matéria de facto dada como provada), mal andou o Tribunal a quo quando entendeu que não resultaram provado nos autos, os pontos A), B) e C).

M) Pelo contrário, impunha-se ao Tribunal a quo dar como provado: A. Que a sociedade aqui Recorrente se encontrava em processo de profunda reestruturação, à data da realização do procedimento inspectivo por parte dos serviços da Administração Tributária e que esse facto a levou a encerrar temporariamente as suas instalações.
B. A impossibilidade de colaboração da Recorrente no decurso da acção inspectiva;
C. Que a Impugnante não recebeu as notificações que lhe dão conta, quer do início da acção inspectiva, quer da necessidade de apresentação dos elementos contabilísticos.

N) Do mesmo modo que, salvo o devido respeito, não podia o Tribunal a quo limitar-se a dar como matéria assente transcrições dos documentos trazidos aos autos pela AT - e produzidos por aquela mesma parte - de forma acrílica como, no caso, sucedeu.

O) Como resulta do artigo 3° da matéria de facto dada como assente, é a própria AT quem refere que a carta de notificação do início do procedimento não foi devidamente reclamada pela Recorrente na estação dos correios.

P) Sendo que, conforme resulta da conjugação dos artigos 6° e 9° da matéria de facto dada como assente, ficou estabelecido que as cartas contendo os pedidos de exercício do dever de colaboração por parte da ora Recorrente não foram reclamadas na estação dos correios, tendo sido devolvidas.

Q) Ao longo dos presentes autos, a Impugnante alegou que não recebeu as notificações referidas, porque quando lhe foram endereçadas, a Recorrente encontrava-se em profunda reestruturação, o que determinou o encerramento temporário das suas instalações.

R) A Recorrente nunca se recusou a colaborar com a AT, nem expressa, nem tacitamente, o que sucedeu outrossim foi que a Impugnante se viu impossibilitada de colaborar com a AT, mas impossibilidade essa que se deveu ao facto de nunca ter recebido as notificações em causa nos presentes autos.

S) A respeito desta matéria sempre se dirá que se, por um lado, deveria o Tribunal a quo ter dado como provada a referida impossibilidade de colaboração da Recorrente no decurso da acção inspectiva, por outro lado, ainda, sempre esse mesmo Tribunal a quo teria que ter retirado daí as necessárias consequências, designadamente, no que se reporta à aplicação de métodos indirectos (que foi alicerçada pela AT no fundamento da recusa de exibição de contabilidade por parte da Recorrida).

T) A Recorrente não pode ter-se recusado a exibir aquilo que não sabia ter-lhe sido solicitado que exibisse.

U) Sobre a matéria da (i)legalidade do procedimento inspectivo não existe qualquer factualidade que haja sido dada como assente sentença recorrida.

V) O despacho que ordenou a realização de procedimento de inspecção externa constitui um verdadeiro acto administrativo com efeitos externos e assim sendo deve conter todas as menções obrigatórias e elementos essenciais que a lei - desde logo, o Código do Procedimento Administrativo (CPA) - exige para que se considere válido, designadamente, aquelas a que se reporta o artigo 123°, n°1, alínea a) e n°2, do CPA. O que dos autos resulta não ter ocorrido na ordem de serviço em causa,

W) A falta destes elementos constitui vício procedimental com evidentes reflexos no processo de determinação da matéria tributável, designadamente, porquanto invalida a notificação da liquidação.

X) Por outro lado, do conteúdo da ordem de serviço resulta uma absoluta indeterminação do âmbito do procedimento de inspecção externa, o que equivale à falta de menção ou determinação concreta do âmbito do procedimento, determinadora da respectiva ilegalidade.

Y) E a definição do âmbito do procedimento inspectivo releva não só como garantia imediata dos sujeitos passivos, mas de igual modo como garantia mediata destes, uma vez que impõe o âmbito do procedimento como um limite à actuação inspectiva da administração tributária.

Z) Também o critério de selecção da Recorrente, para o procedimento de inspecção, apenas lhe foi transmitido a posteriori, no âmbito do recurso hierárquico, em evidente violação do preceituado nos artigos 23° e 27°, n°1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT).

AA) Sendo certo que as justificações dadas pela AT, a posteriori, não podem considerar-se como fundamentação do respectivo acto, na medida em que aquela tem necessariamente que ser contemporânea deste.

BB) A ordem de serviço viola o artigo 123°, n°1, alíneas c) e d) e n°2, do CPA.

CC) O despacho que determinou a realização do procedimento de inspecção externa não contém qualquer fundamentação.

DD) Por outro lado, o artigo 46°, do RCPIT, estabelece as formalidades essenciais a preencher quando a credenciação dependa de ordem de serviço, enquanto da redacção do artigo 47°, daquele mesmo Diploma, decorre uma enunciação não exaustiva das consequências da falta dessa credenciação.

EE) Retira-se do artigo 46°, n°1, do RCPIT, que a lei proíbe o início do procedimento externo de inspecção sem que, para tanto, ocorra a credenciação.

FF) A falta de credenciação ou de uma credenciação que se mostre válida impedem o início do procedimento externo de inspecção.

GG) Ora, sendo a prática de actos de inspecção proibida expressamente por lei nestes casos, importava ao Tribunal a quo concluir que tendo os mesmos tendo sido praticados, são ilegais.

HH) Os actos de inspecção praticados ao abrigo da ordem de serviço em causa não se mostrem idóneos para fundar a prática dos actos impugnados, os quais, por isso, não poderão subsistir na ordem jurídica.

II) O despacho que ordenou a realização do procedimento de inspecção contém, sob a epígrafe "O Responsável”, uma assinatura ilegível, o que determina a impossibilidade de determinação de quem foi o autor do despacho que ordenou a realização do procedimento de inspecção.

JJ) No caso sub judice, o Tribunal a quo ignorou que a AT não deu cumprimento às normas legais que a obrigam a determinar expressamente a extensão do âmbito do procedimento de inspecção, a fundamentá-lo e a notificar tal extensão ao sujeito passivo inspeccionado.

KK) O conteúdo da ordem de serviço em causa, constante do respectivo processo administrativo, não permite aferir da conformidade legal do critério de selecção da Recorrente para o procedimento inspectivo, pelo que ao decidir como decidiu mal andou o Tribunal a quo.

LL) O despacho de 20 de Março de 2008 que determinou a realização do procedimento de inspecção externa não contém qualquer fundamentação, nem quaisquer elementos individualizadores, nomeadamente no que se refere a valores, faltando-lhe, ainda, uma conclusão concreta e individualizadora.

MM) Provinda do autor dos actos impugnados a Recorrente não recebeu qualquer fundamentação, nem lhe foi dado conhecimento sobre quem praticou ou fundamentou os actos sub judice.

NN) Os actos impugnados foram presumivelmente praticados por um órgão administrativo, mas a autoria da respectiva fundamentação não pertenceu a tal órgão.

OO) Os motivos e factos que implicaram o recurso a métodos indirectos no exercício em questão não se mostram suficientes para fundar a opção pela determinação da matéria tributável através de avaliação indirecta.

PP) A sentença recorrida deu como provado que do relatório de inspecção consta a transcrição enunciada no artigo 3° da matéria de facto dada como assente.

QQ) Mas, salvo o devido respeito, o facto de se dar como assente que no relatório de inspecção consta aquela factualidade é realidade juridicamente distinta e inconfundível com o facto de se dar como provado que a matéria que integra o relatório de inspecção é verdadeira e como tal deve integrar a matéria de facto dada como assente. E isso o Tribunal a quo não fez.

RR) Mas, ainda assim, o Tribunal a quo apreciou e decidiu os presentes autos como se a factualidade que integra o PAT fosse verdadeira.

SS) Sucede que ao fazê-lo, o Tribunal a quo decidiu sem matéria de facto que haja sido dada como provada e que se mostre passível de sustentar o decidido.

TT) Nessa medida, mal andou o Tribunal a quo que ao dar como assente que aquela matéria consta e integra o relatório de inspecção, sem que no entanto dê aquela mesma matéria como provada, retirou todas as conclusões e decidiu como se a mesma fosse verdadeira e nessa medida matéria assente, mas, ainda que assim não fosse, os factos alegados pela AT não são susceptíveis de provar qualquer facto que indicie que a contabilidade da ora Recorrente não merece credibilidade.

UU) Nem sobre essa matéria foi dada como provada qualquer factualidade que permita a aplicação do Direito conforme feita na sentença recorrida.

W) A AT bastou-se com meras "declarações" dos sujeitos passivos das operações em causa, mas declarações essas que em momento algum foram tipificadas ou identificadas ao longo do procedimento, por forma a aferir da respectiva veracidade.

WW) A sentença recorrida não esclarece como obteve e quando obteve a AT tais "declarações" ou, por exemplo, se as mesmas foram reduzidas a escrito.

XX) Por outro lado, nem a sentença recorrida, nem o processo administrativo, fazem referência a qualquer meio de prova que haja sido produzido no sentido de relacionar a sociedade ... Limited, com o NIPC ... e a Recorrente.

YY) É que, não tendo sido demonstrada a ligação entre a Recorrente e a dita sociedade ... Limited, os alegados meios de pagamento (também alegadamente) apresentados pelos adquirentes das fracções em questão não têm, nesta situação, qualquer validade.

ZZ) Pelo exposto, mal andou o Tribunal a quo quando deu decidiu que o recurso a métodos indirectos de tributação se encontrava, no caso, legitimado.

AAA) Como decorre do despacho de fixação da matéria tributável constante do respectivo processo administrativo, não se sabe quem efectuou a sua determinação, em evidente violação do preceituado no artigo 39°, n°9, do CPPT.

BBB) Não consta do acto notificado qualquer acto de delegação, qual o seu sentido e alcance, que o referido funcionário invocou para a prática do acto, bem como a respectiva data e, assim sendo, nos termos do artigo 39°, n°9, do CPPT, «o acto de notificação será nulo».

CCC) Nulo o acto de notificação, não pode a Recorrente considerar-se notificada dos actos (objecto das alegadas notificações), pelo que a fixação da matéria tributável não se encontra efectuada, já que depende de notificação válida.

DDD) A notificação de liquidação impugnada é pois ilegal, já que tem por referência valores ainda não definitivamente fixados.

EEE) Constituindo a determinação do valor tributável um pressuposto do acto de liquidação, na falta daquela não poderá praticar-se o acto de liquidação e, assim sendo, porque ilegal, não poderá manter-se a impugnada notificação da liquidação.

FFF) A impugnação expressa da qualidade mencionada no despacho de fixação da matéria tributável, determina a incompetência do respectivo autor e, consequentemente, a ilegalidade do acto, bem assim como das notificações das liquidações impugnadas.

GGG) Ao decidir pela correcta fundamentação dos actos, o Tribunal a quo decidiu em violação disposto nos artigos 77°, e seguintes, da Lei Geral Tributária (LGT), assim como do artigo 135°, do CPA, aplicável por remissão da alínea d), do artigo 2°, do CPPT.

HHH) A AT não invocou a norma ou os factos que nos termos da posição por si assumida, legitimavam que fossem realizadas correcções ao rendimento tributável, sendo que por aplicação do n°1, do artigo 74°, da LGT - que constitui uma transposição do n°1, do artigo 342°, do Código Civil (CC) - a AT não cumpriu o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito de efectuar correcções, o que além de constituir um vício substancial, constitui igualmente um vício de forma, por falta de fundamentação do acto.

III) Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo o acto de fixação, notificação e liquidação não podem considerar-se fundamentados nem de facto, nem de Direito, uma vez que, estando a AT vinculada ao respeito pelo princípio da legalidade previsto no nº1, do artigo 104°, da Constituição da República Portuguesa (CRP), caberia a esta na fundamentação substancial do acto tributário invocar as normas jurídicas que legitimam a sua actuação, sob pena de a Recorrente ficar sem saber com base em que norma a AT actuou.

JJJ) Entende a Recorrente que a (pretensa) fundamentação do acto de fixação, notificação e subsequente liquidação, não existe, pelo que os actos em causa nos presentes autos são manifestamente ilegais.

KKK) O facto de a Recorrente ter que fazer uso de presunções por forma a conseguir exercer o seu Direito de defesa relativamente aos actos em questão, não legitima - nem pode - a falta de fundamentação dos mesmos,

LLL) Porque nos termos do artigo 125°, n°2, do CPA, aplicável ex vi artigo 2°, alínea d), do CPPT, a insuficiência da fundamentação equivale à sua falta, sempre cabia ao Tribunal a quo determinar a anulação dos actos em causa nestes autos, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 135°, do CPA, aplicável ex vi artigo 2°, al. d), do CPPT.

MMM) Por outro lado, os motivos e factos que implicaram o recurso a métodos indirectos não se mostram suficientes para fundar aquela opção.

NNN) Nos termos do artigo 87°, da LGT, a avaliação indirecta só poderá efectuar-se em caso - no que aqui releva - de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável ou do imposto.

OOO) Por outro lado, nos termos do artigo 88°, alínea b), da LGT, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, pode resultar da recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação.

PPP) A isto acresce que tais factos apenas serão relevantes quando sejam adequados e causais da inviabilização do apuramento da matéria tributável por avaliação directa.

QQQ) No caso em apreço, não se verificou nenhuma das circunstâncias previstas nos artigos 87° e 88°, da LGT.

RRR) A AT não invocou factos concretos susceptíveis de conduzir à conclusão de que era impossível no caso em apreço a avaliação directa da matéria tributável.

SSS) Os "factos" referidos pela inspecção tributária, ainda que verificados, por um lado, não integram nenhuma das circunstâncias referidas nos (já aqui referidos) artigos 87° e 88°, da LGT e, por outro lado, não impossibilitam o apuramento da matéria tributável por avaliação directa.

TTT) Os motivos e factos que implicaram o recurso a métodos indirectos consistiram no alegado facto de a Recorrente se ter recusado a exibir os documentos da sua escrita que lhe haviam sido solicitados, quando resulta dos presentes autos que a Recorrente nunca recusou a exibição dos elementos da sua escrita.

UUU) O artigo 88°, alínea b), da LGT, não é (aqui) de aplicação automática, até porque a recusa de exibição de escrita tem de se traduzir numa acto positivo do contribuinte do qual se possa extrair a conclusão de que o mesmo recusa a cooperação que dele se pretende e nunca de uma omissão decorrente do facto de não ter recebido a notificação que lhe foi endereçada.

VVV) Por outro lado, sempre seria necessário que aquela omissão de apresentação ocasionasse a impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável. E isto a AT não alegou e, menos ainda, provou.

WWW) O recurso à avaliação indirecta apenas é possível quando não o for o recurso à avaliação directa (cfr. artigos 85° e 87°, da LGT), sendo que o ónus da prova da impossibilidade da quantificação pela via directa da matéria tributável incumbiria à AT que, no caso, não o cumpriu.

XXX) A tudo isto acresce que a AT apurou os proveitos da Recorrente por via directa - como disso são demonstração as escrituras de venda de fracções que a AT juntou ao procedimento mas calculou por via indirecta os custos que seriam necessários para a obtenção daqueles proveitos. Ou seja, a AT calculou custos a partir de proveitos por si fixados.

YYY) É que se a AT entendia que por não lhe terem sido exibidos documentos que titulassem os custos havia de intervir, então apenas lhe restava desconsiderar tout court os mesmos, ao invés de (re)calcular custos.

ZZZ) A avaliação indirecta é subsidiária em relação à avaliação directa, conforme resulta do artigo 85°, n°1, da LGT.

AAAA) O (re)cálculo pela AT de alegados custos suportados (pela Recorrente) implicou um recurso à avaliação indirecta quando a lei não o permite.

BBBB) A AT não alegou e menos ainda provou os custos incorridos pela Recorrente na obtenção de proveitos.

CCCC) A AT encontra-se estritamente vinculada ao princípio da legalidade, pelo que se a lei lhe impõe a desconsideração de custos, não pode a mesma ignorar tal imposição e substituir os custos da Recorrente por outros que no seu entender são ajustados.

DDDD) A tudo isto acresce que os alegados custos que a AT entendeu serem os adequados resultam de um denominado "rácio do sector" que nunca se apurou, em concreto, a que corresponde.

EEEE) Pelo que também por aqui o apuramento da matéria tributável, e subsequente imposto, efectuado à Recorrente se apresenta como completamente falho de fundamentação e violador do artigo 77°, da LGT.

FFFF) Impunha-se à AT (i) identificar em concreto que rácios do sector eram esses, (ii) onde se encontravam publicados, (iii) identificar a que exercícios respeitavam; (iv) assim como a que zona do país, (v) a que tipo de imóveis e, finalmente, (vi) a que tipo de construção se reportavam. Ora nada disso foi feito pela AT,

GGGG) Por mera cautela e dever de patrocínio, entende a Recorrente que sempre teria o Tribunal a quo que ter reconhecido a existência de fundada dúvida, quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário.

HHHH) Em qualquer caso, quando a prova não for possível ou se tornar muito difícil àquele que, segundo as regras do artigo 342°, do Código Civil (CC), teria de a fazer, o ónus da prova deixa de impender sobre ele, passando a recair sobre a outra parte.

IIII) É que o artigo 108°, n°3, do CPPT, ao impor a junção, à petição inicial, dos documentos de prova, obriga a juntar apenas os documentos relativos aos factos em relação aos quais recaia sobre a Recorrente, nos termos gerais, o ónus da prova.

JJJJ) A não ser feita tal interpretação do artigo 108°, n°3, do CPPT, ele violaria o disposto no artigo 268°, n°4, da CRP, pois traduzir-se-ia, na realidade, em esvaziar de conteúdo o direito dos interessados ao recurso contencioso.

KKKK) Não obstante o disposto no artigo 108°, n°3, do CPPT, caberia à AT alegar e provar (de forma cabal e desprovida de incertezas), facto a facto, em que consistiu a conclusão de que teria ocorrido facto tributário, recaindo no âmbito da incidência objectiva e subjectiva de IRC e em que consistiu a concreta quantificação efectuada.

LLLL) Não poderia o Tribunal a quo bastar-se com um mero juízo de probabilidade de omissão.

MMMM) Na ausência de tal certeza, a incerteza sobre o facto teria, necessariamente, de resolver-se a favor da Recorrente, não só por aplicação das regras gerais sobre a repartição do ónus da prova, mas também porque o brocardo in dúbio contra fiscum exprime um princípio estruturante, quer do processo administrativo tributário, quer do processo contencioso tributário, de que é, precisamente, expressão, o actual artigo 100°, n°1, do CPPT.

NNNN) E, em consequência, também por aqui se impunha ao Tribunal a quo resolver os presentes autos no sentido da procedência da pretensão jurídica da agora Recorrente, consistente na anulação total dos actos tributários colocados em crise.

IV - Pedido:

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser anulada a sentença proferida em 14 de Agosto de 2013, tudo com as necessárias consequências legais.”

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer concluindo pela improcedência do recurso.
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Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:
Como é jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Nesse entendimento, são estas as questões que, no essencial, importa conhecer: (i) vícios formais do procedimento de inspecção externa, nomeadamente, falta de notificação prévia do início da inspecção; (ii) erro de julgamento quanto aos factos dados como “não provados” vertidos nos pontos A), B) e C) do probatório; (iii) erro de julgamento da sentença ao concluir pela falta de colaboração do sujeito passivo impugnante com a A.T., nomeadamente, por recusa de exibição da contabilidade – fundamento do recurso a métodos indirectos – posto que não recebeu qualquer notificação da A.T. para o efeito; (iv) invalidade do despacho que ordenou o procedimento de inspecção externa por falta de elementos essenciais (art.º123.º do CPA); (v) falta de oportuna comunicação à impugnante do critério de selecção do sujeito passivo para o procedimento de inspecção, o que só lhe foi transmitido em sede de Recurso Hierárquico; (vi) falta de válida credenciação nos termos do art.º46.º do RCPIT; (vii) ilegibilidade da assinatura e não identificação do autor do acto que ordenou a realização do procedimento de inspecção e sua fundamentação; (viii) ilegalidade do recurso a métodos indirectos por falta de fundamentação material, nomeadamente, quanto à imputada ligação da sociedade “... Limited” com a impugnante e ora Recorrente; (ix) falta de fundamentação do acto de fixação da matéria tributável e da consequente liquidação; (x) falta de menção da autoria de quem efectuou a determinação/ fixação da matéria tributável e falta de menção, na respectiva notificação, do acto de delegação, em violação do disposto no art.º39.º, n.º9, do CPPT; (xi) errónea quantificação da matéria tributável e erro de julgamento da sentença ao não concluir pela “fundada dúvida” sobre a existência e quantificação do facto tributário.
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II.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual deixou-se consignado na sentença recorrida:

III.FUNDAMENTAÇÃO
Compulsados os autos e analisada a prova documental junta aos mesmos, dão-se como provados, e com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1. A impugnante, ... - Sociedade de Desenvolvimento de Empreendimentos e Construção, Lda., dedicava-se, à data dos factos, ao exercício, a título principal, da atividade de construção de edifícios (residenciais e não residenciais) com o CAE 41 200 e a titulo secundário à compra e venda de bens imobiliários com o CAE 68 100 - não contestado

2. A sociedade supra identificada, aqui Impugnante, foi objeto de ação inspetiva de carácter geral, pelos Serviços de Inspeção Tributária - Divisão II - Equipa 21 da Direção de Finanças de Lisboa, no cumprimento da ordem de serviço n°01200708152 de 16/11/2007, para o exercício de 2003, PNAIT 221,39 na sequência de ação especial "Mútuos Duvidosos" - cfr. consta do respetivo relatório (fls. 2).

3. No relatório elaborado no decurso da ação inspetiva supra, consta o que a seguir parcialmente se transcreve:
“(...)
I- CONCLUSÃO DA ACÇAO DE INSPECÇÃO

De acordo com o mapa "Conclusões da Acção de Inspecção" que se antecede, os valores a corrigir relativamente à sociedade ... - SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO DE EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÃO, LDa., com o NIPC: ..., doravante denominada ..., Lda., com sede declarada na Rua de ..., cuja fundamentação se encontra descrita no ponto III do presente relatório, resumem-se nos seguintes:
»Correcções a favor do Estado:
Em sede de IRC Montante (€)
Face à não apresentação dos registos contabilísticos, ainda que notificada para tal, procedeu-se ao apuramento do lucro tributável, por aplicação de métodos indirectos, conforme previsto nos art.87° e 88° als. b) da Lei Geral Tributária (LGT), conjugados com os artº52º a 54º do Código do IRC (CIRC).
447.333,73
II - OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA
(...)
2.5 - DILIGÊNCIAS EFECTUADAS
(...)
Notificação do início do procedimento de Inspecção
Foi efectuada, em 2007.11.06, uma deslocação à Rua ..., sede da empresa, par proceder ao início do procedimento externo de inspecção, nos termos do disposto na al. b) do n° 1 do art. 14° do RCPIT, diligência essa que não foi possível levar a efeito, em virtude de não ter sido encontrado nenhum dos gerentes da empresa no referido local.
Nesse mesmo dia foi o sujeito passivo avisado de que seria procurado nesse mesmo local, no dia 07 de Novembro de 2007, tendo ainda sido avisado que, se nesse dia não se encontrasse presente, considerar-se-ia a notificação efectuada, por afixação.
Em 2007.11.07, dia designado por Notificação Marcando Hora Certa, tendo sido efectuada nova deslocação à sede da sociedade, não foi possível encontrar o notificado, por o mesmo não se encontrar presente, pelo que se procedeu à notificação, por afixação na porta da sede social do sujeito passivo, da "Nota de Notificação", acompanhada da "Verificação de Hora Certa".
Em 2007.11.09, foi remetido ao sujeito passivo o ofício nº92200 (registo n°RO 3022 3275 1 PT), a comunicar ao mesmo que se procedeu à sua notificação, nos termos do nº3 do art°240° do Código de Processo Civil, do início do procedimento externo de inspecção tributária. Em anexo ao referido ofício foram remetidos os seguintes elementos: fotocópia da "Certidão marcando Hora Certa", da "Certidão de Verificação de Hora Certa", da "Nota de Notificação", da "Certidão de Diligências" e da Ordem de Serviço n°01200708152, bem como o ofício n°90658, de 2007.11.06 (Carta Aviso - al. L) do n°3 do art-° 59° da Lei Geral Tributária e do art°49° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária). Das notificações mencionadas neste ponto, juntam-se fotocópias como anexo l
Notificação para exibição de escrita
Foram notificados em 2007.12.11, a sociedade (oficio n°101582, registo nºRO 3023 8219OPT) e os seus sócios gerentes (Joaquim ..., oficio nº101579 - registo n° RO3023 8222 6 PT-, e José ..., oficio nº101578 - registo nº RO 3023 8223 O PT), para proceder:
- à apresentação, no dia 02 de Janeiro de 2008, às quinze horas, nos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, dos livros de escrita obrigatória referenciados no Código Comercial (inventário, balanços, diário e razão) e documentos de suporte, referentes ao exercício de 2003.
E, 2007.12.19, foram notificados, para o mesmo efeito, o sócio da empresa, Manuel ... (oficio n°103771, registo n°RO 3023 8233 1 PT) e o técnico Oficial de Contas, José ... (oficio n°103772, registo n°RO 3023 8232 8 PT).
Das notificações mencionadas neste ponto, juntam-se fotocópias como anexo II
(...)
IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

4.1. - Análise no âmbito do IRC e IVA
A sociedade ... Sociedade de Desenvolvimento de Empreendimentos e Construções Lda, face à actividade exercida e ao disposto legalmente - art.°s 1.°, 2°, n°1 al. a) e 20°, todos do CIRC bem como art°s 1° n°1 al. a), 3° n°1, 6 n°1, todos do CIVA - é sujeito passivo não isento, em sede de IRC, abrangido pelo regime geral de determinação do lucro tributável, por opção, e isento, em sede de IVA, nos termos do art°9°do CIVA.
Da consulta à declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC e à declaração anual de informação contabilística e fiscal entregues pelo sujeito passivo, verifica-se que nas mesmas, não foram reveladas quaisquer vendas de produtos ou custos de matérias consumidas. Por sua vez, e conforme mencionado no ponto 2.5.1 – Notificações/formalidades -, a sociedade e os respectivos sócios foram notificados para apresentar os livros de escrita obrigatória referenciados no Código Comercial e documentos suporte.
Não tendo a sociedade, nem os seus representantes, cumprido o exigido mediante notificação, concluímos não ser possível apurar os rendimentos nos termos do art.17° e seguintes do CIRC, razão pela qual consideramos estarem reunidas as condições previstas nos art°52° a 54° do CIRC e art°87° al b) e 88° al. b), ambos da LGT, para se proceder à determinação do lucro tributável por métodos indirectos.
(…)
V- CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

5.1..- Determinação da matéria colectável
5.1.1 - Omissão de proveitos
Apesar de ter cumprido com as suas obrigações declarativas, em sede de IRC, o sujeito passivo apenas declarou, tanto na declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC como na declaração anual de informação contabilística e fiscal, proveitos no montante total de € 53.227,96, destes, somente € 12.770,48 dizem respeito a venda de mercadorias, (...), sendo que não foram declaradas quaisquer venda de produtos.
No entanto, dos elementos recolhidos na sequência da acção "Mútuos Duvidosos" referida no ponto 2.1 do presente relatório, verifica-se que o sujeito passivo procedeu à venda de várias fracções de um imóvel sito na freguesia de Algés, imóvel este inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .... Mais se verifica que os adquirentes, após terem sido notificados para se pronunciarem sobre o valor real da aquisição de fracções adquiridas no ano de 2003 vieram inclusivamente declarar valores superiores aos valores escriturados. Alguns deles apresentaram inclusivamente meios de pagamento utilizados na respectiva aquisição que foram emitidos à ... Limited, NIPC …, entidade não residente sem estabelecimento estável, os quais se encontram no processo de evidência de trabalho.
Das averiguações então realizadas, foi possível apurar que, no exercício de 2003, foram efectuadas as seguintes vendas de bens imóveis:
Freguesia Art. Matriz Andar Fracção Adquirente NIF Valor escritura
... ... 1°Dt° C ...(...) €137.169,42
...(...)
1.°Esq. D(a) ...(...) €125.000.00
...(...)
2° Esq F ...(...) €124.699,47
...(...)
4 ° Dt° l ...(...) €124.699,47
...(...)
2° DP E ...(...) € 124.699,47
...(...)
3.°Dt° G ...(...) €124.699,47
...(...)
Total
€ 760.987,30
(a) Valor patrimonial de€ 186.050,00
Estas vendas ascenderam ao montante total de € 1.375.988,09, assim discriminadas
Freguesia Art. Matriz Fracção Valor das escrituras não contabilizadas (a) Valor real regularizado pelos adquirentes Diferença
... ... C
137.139,42
224.459,00
87.289,58
D
125.000,00
230-000.00
105.000,00
F
124.699,47
231.941,02
107.241.55
I
124.699,47
234.435,00
109.735,53
E
124.699,47
225.706,04
101.006,57
G
124.699,47
229.447,03
104.747,56
Total
760.967,30
1.375.988,09
615.020,79
(a)No anexo A da declaração anual de informação contabilística e fiscal, o sujeito passivo apenas declarou o montante de f 12.770.48, a titulo de vendas de mercadorias.

Junta-se cópias das escrituras de compra e venda e os termos de declarações de Sisa em anexo V.
(...)
5.1.2 - Custos presumidos
Porque ao normal exercício da actividade estão associados custos e não nos foi possível saber a sua quantificação ou, inclusive, se existiu contabilização dos mesmos, face ao não cumprimento das notificações efectuadas, procedemos à sua determinação face aos valores do rácio do sector.
Desta forma, considerando o valor total das vendas de imóveis efectuadas em 2003, no montante de €1.375.988,09, apurar-se-ão os custos considerando o valor resultante da aplicação de rácio R02 - Margem Bruta da Venda de Produtos (média) - da tabela de rácios, por unidade orgânica, cujo valor para o sector de actividade em que a sociedade se insere - CAE 45211, construção de edifícios, actual 41200 -, para o exercício de 2003, é de 32,51 (...)
(…)

5.2. - Correcção ao prejuízo fiscal declarado
Face aos valores omitidos pelo sujeito passivo a título de vendas de produtos, o valor do prejuízo fiscal declarado pelo mesmo deverá ser corrigido em conformidade, conforme os cálculos que se apresentam de seguida:
      Demonstração de resultados
      Declarado A corrigir
      Corrigido
      Venda de mercadorias
      12.770,48 0,00
      12.770,48
      Venda de produtos (valor da omissão)
      0,00 1.375.988,09
      1.375.988,09
      Proveitos e ganhos financeiros
      130,25 0,00
      130,25
      Proveitos e ganhos extraordin.
      40.327,23 0,00
      40.327,23
      Total dos proveitos
      53.227,96
      1.429.216,05
      Custo das mercadorias vendidas e
      Matérias consumidas (presumidos)
      0,00 938.654,36
      928.654,36
      Outros custos
      56.325,89 0,00
      56.325,89
      Total dos custos
      56.325,89
      984.981,25
      Resultado liquido do exercício
      -3.097,93
      444.235,80
      Campo 224 quadro 07 M22
      20,00
      20,00
      Prejuízo fiscal declarado
      -3.077,93
      Lucro Tributável fixado por
      Métodos indirectos
      444.255,80
(…)
Tudo conforme fls. 182 e seguintes do PA aqui em anexo

4.Do anexo l ao relatório de Inspecção consta:
a) Em 12/11/2007 foi remetida carta a ... SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO DE EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES LDa - RUA ..., pela Direcção de Finanças de Lisboa - Inspecção Tributária - Divisão II Alameda dos Oceanos - Lote 1.06.1.2 1998- 027 com o registo n°RO 3022 3275 1 PT, dando-lhe conta de que, cito:
"(...) se procedeu à sua notificação, nos termos do nº3 do art°240° do CPC, no dia 07/11/2007, do inicio do procedimento externo de inspecção tributária, ao ano de 2003, referente a IRC, IVA e outro, correspondente à Ordem de Serviço n.°OI200708152, de 2007/11/06, por afixação, em virtude de não ter encontrado nenhum dos administradores da empresa no local da sede, sito na Rua ..., Lote PQ, AP, Lisboa, na data e hora marcada quando o procurava para realizar esta diligência.
A nota objecto da notificação ficou afixada na porta da sede acima identificada, acompanhada da "Certidão de Verificação de Hora Certa".
(…)
Tudo conforme fls.. 202/203 do PA aqui em anexo
b) A carta supra foi devolvida ao remetente em 22/11/2007, com a informação de "Objecto não reclamado" - cfr. fls. 202/205 do PAS aqui em anexo
c) Em 06/07/2007 foi elaborada "Certidão marcando Hora Certa", assinada pelos funcionários: Mª ..., Anabela ... e Henrique ..., com os seguintes dizeres:
"(...)
Certifico que tendo vindo hoje pelas 17,47 horas à Rua ..., LT PQ, Ap. 107 em Lisboa, a fim de notificar o sujeito passivo: ... Soc. de Des.de Empreendimentos e Construções LDa (...), para proceder ao inicio da inspecção subjacente à Ol 200708152 (...), não pude levar a efeito essa diligência, em virtude de não o ter encontrado no lugar indicado.
Por esse motivo deixo-lhe Hora Certa, (...), ficando deste modo avisado(a) que, no próximo dia 27/11/07 pelas 17,45 horas o(a) procurarei neste local, para levar a efeito o início do procedimento de inspecção, que hoje me propunha faze (...) Tudo conforme fls. 206 do PA que aqui dou por integralmente reproduzido.
d) Em 07/11/2007 foi lavrada "Certidão de Verificação de Hora Certa", pela funcionária Mª ... da qual consta aquela se deslocou no dia e hora marcada no documento que antecede à sede da sociedade supra identificada para dar inicio ao procedimento de inspecção também ali referido, não tendo, contudo logrado efectuar a referida notificação em virtude de não se encontrar o notificado e/ou seu representante, nem qualquer outra pessoa, consta ainda que, cito “ ... verifique a notificação por afixação à porta da sua residência / sede, da Nota onde consta objecto de notificação.”
Assinaram como testemunhas, Anabela ... e Henrique ... - cfr. fls. 207 do PA que aqui dou por integralmente reproduzido.

5. Da Ordem de Serviço n°01200708152, conta que por despacho do Chefe de Divisão, proferido em 06/11/2007, foi determinada Inspeção Externa à sociedade ... Sociedade de Desenvolvimento de Empreendimentos d Construções Lda, com sede em -Rua ..., Lote PQ, AP 107 - Lisboa, de carácter Geral, ao IRC, lVA e RFC e RFS, ao exercício de 2003 - PNAIT 221,39, sendo os funcionários responsáveis: Maria de Fátima V. ... - Chefe de Equipa; Maria ..., José ... e Anabela, todos técnicos - cfr. fls. 210 do PA aqui em anexo.

6. Em 11/12/2007 foi remetida carta a ... SOCIEDADE DE DESENVOLVIMENTO DE EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES LDa - RUA ..., LOTE PQ, AP. 107 ..., pela Direcção de Finanças de Lisboa - Inspecção Tributária - Divisão II Alameda dos Oceanos - Lote 1.06.1.2 1998-027 com o registo n.° RO3022 3275 1 PT, fixando hora e data para exibição de escrita - cfr, fls. 214/215 do PA aqui em anexo

7. Na mesma data e com o mesmo teor foram remetidas, pela mesma entidade, cartas a: Joaquim ..., José ... e Manuel ..., os dois primeiros na qualidade de gerentes da sociedade Impugnante (..., Lda) e o terceiro na qualidade de sócio - cfr. fls. 218/219, 222/223 e 226/227 do PA aqui em anexo

8. Ainda na mesma data, pela mesma entidade e com o mesmo teor foi remetida carta a José ..., na qualidade de Técnico Oficial de Contas da sociedade impugnante - cfr. fls. 230/231 do PA aqui em anexo

9. As cartas enunciadas nos pontos 6. e 7., deste probatório foram todas devolvidas ao remetente em 31/12/207, 24/12/2007 e 04/01/2008, respectivamente, com a informação de "Objecto não reclamado" - cfr. fls. 214 a 229 do PA aqui em anexo.

10. A correção apurada pelos Serviços de Inspeção tributária da DDF de Lisboa e enunciada no ponto 3., deste probatório e as demais conclusões do relatório da Inspeção, obtiveram concordância do Chefe de Divisão dos Serv. Insp. Tributária da DFL, por subdelegação do Diretor de Finanças Adjunto (DR. II série n.° 61 de 27/03/2006), por despacho proferido em 18/03/2008, tendo a matéria colectável do exercício sido fixada no montante proposto - cfr. fls. 180 do PA aqui em anexo.

11. O teor do relatório da Inspeção e da decisão de fixação da matéria colectável de IRC dará o exercício de 2003, foi remetido à sociedade agora Impugnante, por carta registada com aviso de recepção em 20/03/2008 (RO 9294 5038 5 PT) e repetida em 04/04/2008, por a primeira ter vindo devolvida ao remetente - cfr. fls. 306 e seguintes do PA aqui em anexo.

12. A correção mencionada no ponto 10. supra, deu origem á liquidação adicional n°2008 3810033380 efetuada em 23/05/2008, no montante de € 131.418,10, a que acrescem em movimento de compensação juros compensatórios e estorno da liquidação 20042500086432, no total de € 163.536,56 - cfr. fls. 60 dos autos.

«»

Factos não provados
Neste âmbito, importa registar como não provados os factos enunciados nos pontos 7 a 11 do articulado inicial, ou seja dos autos não resulta provado:
A. Que a sociedade impugnante se encontrasse em processo de profunda reestruturação, à data da realização do procedimento inspetivo por parte dos serviços da Administração Tributária e que esse facto a tivesse levado a encerrar temporariamente as suas instalações.
B. Inexistência de falta de colaboração da Impugnante no decurso da acção inspectiva e/ou impossibilidade;
C. Que a Impugnante não tenha recebido as notificações que lhe dão conta, quer do início da acção inspectiva, quer da necessidade de apresentação dos elementos contabilísticos.

Não se provaram outros factos que em face das possíveis soluções de direito importe registar como não provados.
«»
A convicção do Tribunal no estabelecimento deste quadro factológico fundou-se, na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra, com relevância para os elementos constantes do Relatório da Inspeção Tributária, não contestados.
Quanto aos factos dados por não provados, resultam desde logo e no que se reporta ao enunciado no ponto A., supra, da falta de prova que o ateste, já que a Impugnante se limita a fazer referência à realização 'de profunda reestruturação' e 'à necessidade de encerrar temporariamente as suas instalações' sem contudo especificar que reestruturação foi essa e sem apresentar qualquer tipo de prova quer da reestruturação quer do período de tempo em que as referidas instalações se terão encontrado encerradas.
Quanto ao ponto B. (Inexistência de falta de colaboração), resulta da falta de prova do facto referido no ponto C., da materialidade elencada como não provada, já que não logrando o Impugnante ilidir a presunção de notificação levada a efeito pela fixação de edital na sede da empresa (ponto 4. do probatório) e bem assim a decorrente da notificação efectuada na pessoa do seu Técnico Oficial de Contas (Art.° 54° n°1 al. c) e 55.° n°1 a. b) do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas Aprovado por Dec. Lei n°452/99 de 05/11 - em vigor à data dos factos) (ponto 7. do probatório), não pode agora vir arguir a impossibilidade de colaboração por desconhecimento de que esta lhe estava a ser solicitada, já que o Técnico Oficial de Contas tem o dever legal, ou de dar resposta ao solicitado ou na impossibilidade de dar conhecimento à sociedade da solicitação que lhe foi feita pelos Serviços da Administração Tributária
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como decorre dos autos, a Recorrente impugnou judicialmente a liquidação oficiosa de IRC n.º2008 8310033380, de 20/10/2008, relativa ao exercício de 2003, no montante de 163.536,56€.

A liquidação impugnada, originada em procedimento de inspecção externa, padece, na óptica da Recorrente, de vícios formais e materiais, que a sentença recorrida não relevou, por manifesto erro de julgamento, de facto e de direito, na apreciação das questões que lhe foram colocadas no petitório e que agora pretende ver reapreciadas por este tribunal de recurso.

Começa a Recorrente por invocar preterição de formalidade do procedimento na medida em que não chegou a ser notificada do início do procedimento externo de inspecção.

De acordo com o disposto no art.º59.º, n.º3 da LGT, a colaboração da administração tributária com os contribuintes compreende, designadamente, nos termos da sua alínea l), A comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo”.

Como decorrência desse princípio de colaboração, o art.º49.º do Regime Complementar de Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro, veio a consagrar no seu art.º49.º, o seguinte (vd. matéria vertida no ponto 4 do probatório):
«Artigo 49.º
Notificação prévia para procedimento de inspecção
1 - O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.
2 - A notificação prevista no número anterior efetua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, contendo os seguintes elementos:
a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção;
b) Âmbito e extensão da inspecção a realizar.
3 - A carta-aviso conterá um anexo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspecção.
4 - À notificação prevista nos números anteriores é aplicável o n.º 10 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

No que respeita à forma da notificação, estabelece o n.º1 do art.º38.º do RCPIT (redacção ao tempo vigente), que “as notificações podem efectuar-se pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada”, dispondo o seu n.º2 que “no procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de realização da notificação pessoal” (vd. matéria vertida no ponto 4 do probatório).

Por outro lado, o n.º6 do art.º38.º do CPPT, de aplicação subsidiária (cf. art.º4.º alínea b) do RCPIT), dispõe que “às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal” (vd. matéria vertida no ponto 4 do probatório).

Reveste especial interesse o disposto no art.º192.º do CPPT, segundo o qual, “as citações pessoais são efectuadas nos termos do Código de Processo Civil…”.

As notificações pessoais de actos tributários ou em matéria tributária, a realizar de acordo com as regras das citações pessoais, poderão ser efectuadas de acordo com qualquer das modalidades de citação pessoal previstas no CPC, designadamente a citação através de contacto pessoal do funcionário com o citando e a citação com hora certa ou através de afixação com posterior advertência (artigos 239°, 240° e 241° do CPC) – vd. Ac. do STA, de 21/09/2011, tirado no proc.º0305/11.

Importará referir que a jurisprudência deste tribunal já se tem pronunciado pela aceitação da citação/ notificação com hora certa de uma sociedade – vd. Ac. deste TCAS, de 10/11/2016, tirado no proc.º09606/16 – sendo que a mesma se efectua na pessoa do representante legal da pessoa colectiva ou, não sendo este encontrado, na pessoa de qualquer empregado – art.º231.º, n.ºs 1 e 3 do CPC e 41.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT.

Vertendo aos autos, constata-se pela certidão de diligências datada de 07/11/2007 e inserida a fls.209 do PA, que em 06/11/2007 foi tentada a notificação “do início do procedimento de inspecção subjacente à OI 200708152” à sociedade impugnante por contacto pessoal do funcionário com o representante legal do notificando (art.º233.º, n.º2 alínea c), do CPC), no local da sede; frustrando-se a diligência por ali não ter sido encontrado, foi deixada nota com indicação de hora certa (“certidão marcando hora certa”), mediante afixação na porta da sede social, designando o dia “07 de Novembro de 2007, pelas 17,47 horas”.

No dia e hora designados, ninguém se encontrando no local da sede (“tendo batido à porta da sede social do sujeito passivo, ninguém atendeu”), procedeu-se à notificação mediante afixação na porta da sede social “da «nota de notificação», acompanhada da «verificação de hora certa», tendo deixado indicado que, de todas as diligências e do correspondente ofício de notificação lhe seriam enviadas cópias em carta registada, nos termos do art.º241.º do CPC, designadamente, fotocópia da “Certidão marcando hora certa”, fotocópia da “Certidão de Verificação de Hora Certa”, fotocópia da “Nota de notificação”, fotocópia da “Certidão de diligências”, fotocópia da Ordem de Serviço n.º OI 200708152 e ofício n.º90658, de 2007/11/06”.

Através de carta registada, foi enviada para o local da sede da impugnante a advertência a que se refere o art.º241.º do CPC (cf. ofício n.º092200, de 09/11/2007, a fls.202 do PA), tendo a mesma sido devolvida à Direcção de Finanças de Lisboa em 22/11/2007 com indicação postal de “não atendeu”, “não reclamado” (cf. fls. 202 a 212 do PA).

Cumpriu-se pois o formalismo exigido para as notificações com hora certa (arts. 239.º e 240.º do CPC), sendo classificada de modo expresso como notificação pessoal a que é feita mediante afixação, como no caso ocorreu – cf. art.º240.º, n.º6 do CPC, na redacção do DL n.º38/2003, de 8 de Março.

Assim e de acordo com o que vem provado nos autos, cumpriu-se o formalismo legal atinente à notificação pessoal do início do procedimento de inspecção externa, ainda que sem contacto directo do funcionário encarregado da diligência com o notificando, posto que, como se viu, a lei processual admite que a notificação se faça, nos preditos termos, sem esse contacto, quando ele não seja possível, sendo que, nesse caso, a data da notificação é a da afixação da respectiva nota, ou seja, 07/11/2007.

A certidão da citação/notificação é um documento autêntico – artigos 363.º, n.º2 e 369º, do Código Civil.

Nos termos do n.º1 do art.º371 do Código Civil, “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”.

E nos termos do n.º1 do art.º372.º do mesmo Código Civil “a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.

Ora, o que vem descrito no RIT sobre as diligências de notificação com hora certa do início do procedimento de inspecção externa e foi transcrito no ponto 3 do probatório, está apoiado em certidões emitidas pelos funcionários do Serviço de Finanças, cuja força probatória não foi ilidida pela impugnante, ora Recorrente, demonstrando a sua falsidade.

Observado pela AT o formalismo legal atinente à notificação pessoal do início do procedimento de inspecção externa, o ónus de alegação e prova de que não teve conhecimento do acto por facto que lhe não é imputável é do destinatário do acto.

No caso dos autos, nada tendo a Recorrente demonstrado a tal respeito, como se alcança dos pontos A), B) e C) dos factos «não provados», há que considerar-se validamente notificada do início do procedimento de inspecção externa.

Nem venha a Recorrente apontar à sentença erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como «não provada», pois, contrariamente ao que alega, da circunstância de não ter havido contacto directo do funcionário das finanças com o gerente ou qualquer empregado da impugnante não decorre, nem lógica, nem necessariamente, que a empresa se encontrasse temporariamente encerrada por virtude de reestruturação e sem acesso às notificações que lhe dão conta do início do procedimento de inspecção.

Por outro lado e no que em particular respeita à notificação para exibição de escrita, refere o RIT (segmento transcrito no ponto 3 da matéria assente), que em 11/12/2007 foram notificados a sociedade e os seus sócios gerentes para proceder “à apresentação, no dia 02 de Janeiro de 2008, às quinze horas, nos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, dos livros de escrita obrigatória referenciados no Código Comercial (inventário, balanços, diário e razão) e documentos de suporte, referentes ao exercício de 2003”.

Posteriormente, em 19/12/2007, foram notificados, para o mesmo efeito, o sócio da impugnante, Manuel ... e o Técnico Oficial de Contas da impugnante.

O que se refere no RIT está suportado documentalmente a fls.214/231 do PA, de que constam os ofícios registados enviados àqueles destinatários, bem como a informação postal transversal de “não atendeu”, “não reclamado”, salvo no que respeita ao ofício dirigido ao TOC, este entregue ao destinatário, que respondeu não poder satisfazer o solicitado (pontos 6 a 9 do probatório e fls.232/233 do PA).

De acordo com o disposto no n.º1 do art.º38.º do RCPIT, as notificações podem efectuar-se pessoalmente ou por via postal através de carta registada e embora no seu n.º2 estabeleça que “no procedimento externo de inspecção a notificação postal só deve efectuar-se em caso de impossibilidade de realização de notificação pessoal”, jurisprudência do STA tem vindo a entender que “…o n.º2 do art.º38.º do RCPIT estabelece, não uma regra imperativa quanto à forma a que deve obedecer a notificação dos actos, mas uma mera regra ordenadora, destinada aos serviços, sendo que a notificação pessoal é aí prevista por exclusivas razões de ordem prática (o funcionário encarregado da inspecção estará nas instalações do sujeito passivo) e não em ordem a prosseguir uma forma mais solene de comunicação” – vd. Ac. do STA, de 13/03/2013, proferido no proc.º01394/12.

Nos termos do n.º1 do art.º43.º do RCPIT, “Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.
Só assim não seria, admitimos, caso não se demonstrasse que foi deixado o aviso ao destinatário, mas da matéria assente (pontos 6 a 9) e dos elementos probatórios dos autos e apensos resulta que a ora Recorrente foi avisada para esse efeito.

Na verdade, a fórmula estandardizada “não reclamado” aposta nos sobrescritos de remessa, significa que foi deixado aviso para levantamento da correspondência na estação dos correios, e ignorado, no prazo concedido, pelo avisado. O não recebimento da correspondência é, pois, imputável ao destinatário.

De acordo com o disposto no n.º1 do art.º9.º do RCPIT, “a inspecção tributária e os sujeitos passivos ou demais obrigados tributários estão sujeitos a um dever mútuo de cooperação”.

Estabelece o art.º10.º do mesmo diploma que “A falta de cooperação dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspecção pode, quando ilegítima, constituir fundamento de aplicação de métodos indirectos de tributação, nos termos da lei”.

Não pode, por conseguinte, a Recorrente, em vista da presunção de notificação constante da norma do n.º1 do art.º43.º do RCPIT, pretender subtrair-se à colaboração que lhe foi pedida para exibição da escrita (e aos efeitos legalmente previstos dessa falta de colaboração) alegando unicamente o não recebimento da notificação mas sem nada demonstrar quanto à não imputabilidade desse não recebimento.

Salienta-se, por último, que a sentença recorrida não se limitou a transcrever acriticamente o que, a propósito, consta do RIT; como se alcança dos pontos 6 a 9 da matéria assente a sentença apreciou os elementos de prova que integram os autos e apenso administrativo e, em particular, os anexos I e II ao RIT que a inspecção expressamente refere (e de que consta o expediente relativo àquelas notificações), referindo-se na motivação de facto que A convicção do Tribunal no estabelecimento deste quadro factológico fundou-se, na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra, com relevância para os elementos constantes do Relatório da Inspeção Tributária, não contestados”.

Como impressivamente e a propósito se deixou consignado no Acórdão deste TCAS, de 13/04/2010, tirado no proc.º02800/08, «A sentença, ao levar ao probatório circunstâncias de facto por transcrição de excertos do relatório da acção inspectiva, remetendo para esse mesmo documento, mostra-se devidamente fundamentada, pela apropriação de tal circunstancialismo, considerando-o demonstrado com apoio no referido relatório, evidenciando, por um lado, a respectiva ponderação pelo decisor e possibilitando, por outro, uma cabal reacção contenciosa contra tal julgamento.
O relatório da acção inspectiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objectivas, nele atestadas, com base na percepção directa do seu autor».

Com o alegado fundamento na falta de notificação do início do procedimento de inspecção externa e na falta de notificação para exibição da escrita, não logra provimento o recurso.

Alega também a Recorrente não constarem da ordem de serviço que determinou o procedimento de inspecção elementos essenciais previstos na lei e que constituem uma garantia dos contribuintes quanto aos limites da actividade inspectiva.

Mas salvo o devido respeito, carece de razão legal.

Estabelece o n.º1 do art.º51.º do RCPIT que “da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário, excepto nas situações previstas no n.º 6 do artigo 46.º”.

Salienta-se, desde já, que conforme o objectivo do procedimento será emitida ou a ordem de serviço ou o despacho, não havendo lugar à emissão dos dois actos a determinar a abertura do procedimento, como se alcança do disposto nos n.ºs 4, 5 e 6 do art.º46.º do RCPIT.

No caso dos autos, foi emitida uma ordem de serviço.

Estabelece o nº3 do art.º46.º do RCPIT:

«3 - A ordem de serviço deverá conter os seguintes elementos:
a) O número de ordem, data de emissão e identificação do serviço responsável pelo procedimento de inspecção;
b) A identificação do funcionário ou funcionários incumbidos da prática dos actos de inspecção, do respectivo chefe de equipa e da entidade a inspeccionar;
c) O âmbito e a extensão da acção de inspecção».

Sendo esse o conteúdo obrigatório da ordem de serviço e regressando aos autos, como se alcança do ponto 5 do probatório e informam os autos (cf. fls.210 do PAT), foi emitida no modelo aprovado, a “OI 200708152”, com data de emissão de “2007/11/06” identificando como serviço responsável pelo procedimento, os “Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa”; da mesma ordem de serviço, consta também a identificação dos funcionários incumbidos dos actos de inspecção, respectiva categoria profissional e ainda, a identificação do respectivo chefe de equipa e da entidade a inspeccionar identificada pela forma, NIPC e morada e o CAE em que se encontra enquadrada; e no espaço reservado a “âmbito e extensão da acção inspectiva, consta assinalado na quadrícula respectiva: “Parcial”, “IRC”, “IVA”, “Outro – RFC; RFS”; PNAIT “221,39”; Exercício “2003”. Outrossim, no espaço reservado a “despacho” no superior direito da ordem de serviço consta a menção de se tratar de inspecção “externa” e a indicação da autoridade que praticou o acto, “João J. ... – Chefe de Divisão”, seguida da assinatura do autor do acto (cf. art.º123.º, nº1, alíneas a) e g), do CPA então vigente).

Resulta do exposto que a ordem de serviço que determinou o procedimento de inspecção conforma-se com o disposto no n.º3 do art.º46.º do RCPIT, não lhe faltando as menções obrigatórias aí exigidas, nem as impostas no art.º123.º do CPA então vigente, aplicável ex vi do art.º4.º alínea e) do RCPIT.

Alega depois a Recorrente que o critério da sua selecção para o procedimento de inspecção, apenas lhe foi transmitido a posteriori, já no procedimento do recurso hierárquico.

Como referimos já, foi creditada a inclusão da Recorrente no PNAIT “221,39” e tal consta da ordem de serviço.

Salientando o carácter reservado do PNAIT (Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária – vd. art.º26.º, n.º1 do RCPIT), refere Paulo Marques, “O Procedimento de Inspecção Tributária”, Coimbra ed., a pág.185: «…não está claro se a Administração deve motivar e comunicar ao interessado os critérios pelos quais foi seleccionado. Na prática não é hábito fazer-se, e entendemos que a motivação pode ser necessária mas não assim a sua revelação ao contribuinte, ao menos até uma vez concluídas as actuações inspectivas».

Concordando com o entendimento doutrinário expresso, a circunstância de apenas ter sido revelado à Recorrente o critério de selecção em sede de recurso hierárquico não consubstancia qualquer fundamentação a posteriori; essa informação foi dada ao contribuinte inspeccionado no momento procedimental certo – após concluída a acção inspectiva – mas a decisão de creditar a sua inclusão no PNAIT já estava tomada e referenciada na ordem de serviço que determinou o procedimento de inspecção, pelo que o interessado sempre poderia impugnar esclarecidamente a decisão de selecção, ficando desse modo assegurado o equilíbrio entre a eficácia da actividade inspectiva e as garantias de defesa dos contribuintes contra actuações desproporcionais e abusivas, isto é, desconformes aos limites programáticos fixados no PNAIT (cf. art.º23.º, n.º4 e 27.º do RCPIT).

Improcede também este segmento do recurso.

Prossegue a Recorrente invocando a falta de credenciação ou de válida credenciação, o que impede o início do procedimento externo de inspecção. Uma vez mais, sem razão legal.

De acordo com o n.º1 do art.º46.º do RCPIT, “O início do procedimento externo de inspecção depende da credenciação dos funcionários e do porte do cartão profissional ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam”.

Estabelece o n.º2 do mesmo preceito (na redacção então vigente) que “Consideram-se credenciados os funcionários da Direcção-Geral dos Impostos munidos de ordem de serviço emitida pelo serviço competente para o procedimento ou para a prática do acto de inspecção ou, no caso de não ser necessária ordem de serviço, de cópia do despacho do superior hierárquico que determinou a realização do procedimento ou a prática do acto”.

Constando da ordem de serviço n.º OI 200708152, de 2007/11/06 (cf. fls.210 do PA), que determinou o procedimento de inspecção, a identificação dos funcionários afectos à concreta acção inspectiva, nela assenta a credenciação desses funcionários, cumprindo lembrar que a ordem de serviço foi junta com a notificação do início do procedimento de inspecção, de que a impugnante, ora Recorrente, se considera pessoalmente notificada, como acima se concluiu.

Improcede também este segmento do recurso.

Invoca a Recorrente que do despacho de fixação da matéria tributável por métodos indirectos não consta quem efectuou a determinação dos valores apurados, assim como não consta da respectiva notificação qualquer referência ao acto de delegação, o que acarreta a nulidade do acto de notificação, de acordo com o disposto no n.º9 do art.º39.º do CPPT, segundo o qual, “o acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data” (vd. ponto 11 do probatório). Vejamos.

Em causa está o IRC/2003. Nos termos do art.º54.º do CIRC (à data vigente), “A determinação do lucro tributável por métodos indirectos, salvo em caso de aplicação do regime simplificado, e sem prejuízo do disposto no n.º11 do artigo anterior, é efectuada pelo director de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue, e baseia-se em todos os elementos que a administração tributária disponha, de acordo com o art.º90.º da lei geral tributária e demais normas legais aplicáveis”.

Por outro lado, estabelece o n.º1 do art.º77.º da LGT, que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

Dispõe o nº2 daquele preceito que “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Tratando-se de tributação por métodos indirectos, a lei impõe especiais requisitos de fundamentação, dispondo o n.º4 do art.º77.º da LGT que “A decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável”.

O STA tem vindo a decidir reiteradamente que “O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art.º487º nº2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto” – vd. Acórdãos daquele alto tribunal, de 12/03/2014, proc.º01674/13; de 23/04/2014, proc.º01690/13; de 09/09/2015, proc.º01173/14.

Pois bem, compulsados os autos, constata-se que a Recorrente foi notificada do relatório de inspecção tributária, de 14/03/2008 (cf. fls.310 do PA), dele constando nomeadamente e, entre o mais que se dá por reproduzido, o seguinte (vd. ponto 11 do probatório):
Fica V. Exª. por este meio notificado nos termos do art.º77.º da LGT e artigo 62.º do RCPIT, do Relatório de Inspecção Tributária e do teor do despacho que sobre ele recaiu, que se anexa como parte integrante da presente notificação, relativamente ao seguinte:
Foi fixada matéria tributável de IRC, por métodos indirectos nos termos dos artigos 87.º a 90.º da LGT, por remissão do artigo 52.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, nos exercícios seguintes:
Ano/Exercício Matéria Tributável Fixada
2003 444.255,8EUR

A decisão de avaliação indirecta tem por base os factos, motivos e fundamentos constantes do Relatório de Inspecção, tendo os valores sido fixados de acordo com os critérios e cálculos mencionados no referido Relatório.
(…)”.

O RIT e o despacho que o sancionou constam de fls.180 a 200 do PA apenso.

E analisado o RIT, aliás transcrito no segmento pertinente no ponto 3 do probatório, logo se constata que estão explicitadas de modo claro, congruente e acessível a um homem médio, as razões factuais e jurídicas do recurso a métodos indirectos, bem como os critérios e cálculos dos valores corrigidos.

Como se apreende do RIT, a declaração de rendimentos do contribuinte não revelava quaisquer vendas de produtos ou custos de matérias consumidas. Notificado o contribuinte para apresentar os livros de escrita obrigatórios, não o fez. Concluiu a inspecção não ser possível apurar os rendimentos nos termos do art.º17.º do CIRC, tendo determinado o lucro tributável com recurso a métodos indirectos, nos termos do disposto nos artigos 52.º a 54.º do CIRC e 87.º alínea b) e 88.º alínea b), da LGT.

Na explicitação da quantificação da matéria tributável, vêm discriminadas as vendas/ proveitos omitidos e como se apuraram os valores respectivos (vd. quadro integrante do RIT, a fls.188 do PA) bem como quais os custos presumidos associados aos proveitos omitidos, apurados “…considerando o valor resultante da aplicação de rácio R02 - Margem Bruta da Venda de Produtos (média) - da tabela de rácios, por unidade orgânica, cujo valor para o sector de actividade em que a sociedade se insere - CAE 45211, construção de edifícios, actual 41200 -, para o exercício de 2003, é de 32,51 (anexo VI)”.

Como consta do quadro 5.2 do RIT o lucro tributável fixado com recurso a métodos indirectos, corrigido do prejuízo fiscal declarado, foi de 444.255,80€.

Sobre o RIT, recaiu despacho de 18/03/2008, nos termos que constam de fls.180 do PA, nele expressamente se referindo nomeadamente e, entre o mais que se dá por reproduzido:
“Concordo com o parecer da Chefe de Equipa, bem como, com o relatório da acção inspectiva, em anexo.
(…)
Determino, ainda, a fixação da matéria colectável referente ao exercício em referência, nos montantes propostos.
Proceda-se à tramitação do DC – Único por forma adequada à liquidação e cobrança do imposto em dívida nele quantificado.
(…)
O Chefe de Divisão
(assinatura ilegível)
João de ...
Por subdelegação do Director de Finanças Adjunto
(DR II Série n.º61 de 27/3/2006)”.

Como se vê, o acto de notificação da matéria tributável fixada indica, embora por remissão para os documentos que o acompanham, a identidade do autor do acto de fixação e a menção de que o praticou no uso de competência subdelegada, não ocorrendo violação do disposto no n.º9 do art.º39.º do CPPT.

Por outro lado, o autor do despacho de fixação da matéria tributável remete expressamente para os fundamentos do relatório, quer quanto à decisão do recurso a métodos indirectos, quer quanto aos valores de correcção ali propostos pela inspecção e validados pela chefe de equipa.

Não se verifica, pois, no procedimento, qualquer vício formal invalidante da liquidação impugnada, improcedendo este segmento do recurso.

Por último, não se conforma a Recorrente com a sentença na medida em que validou a decisão da AT de lançar mão dos métodos indirectos no apuramento do lucro tributável. Vejamos.

O regime da avaliação indirecta é apenas aplicável quando não for possível proceder à avaliação directa, ou com base na contabilidade (art.º85.º, n.º1 da LGT).

Os casos em que é possível à AT recorrer à avaliação indirecta no IRC estão taxativamente previstos nas alíneas a) a f), do art.º87.º da LGT, por remissão expressa do art.º52.º, n.º1, do CIRC.

A avaliação indirecta, nos termos da alínea b), daquele art.º87.º da LGT, em que se apoiou de direito a decisão correctiva, pode efectuar-se em caso de “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável de qualquer imposto”.

Estabelece o art.º88.º da LGT que “A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a)……………….;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c)………………;
d)………………”.


Por seu lado, estabelece o n.º2 do art.º52.º do CIRC que “O atraso na execução dos livros e registos contabilísticos, bem como a sua não exibição imediata, a que se refere o artigo 88.º da lei geral tributária, só dá lugar à aplicação de métodos indirectos após o decurso do prazo fixado para a sua regularização ou apresentação sem que se mostre cumprida a obrigação”.

Acrescenta o n.º3 daquele preceito que “O prazo a que se refere o número anterior não deve ser inferior a 5 nem superior a 30 dias e não prejudica a aplicação da sanção que corresponder à infracção eventualmente praticada”.

Regressando aos autos e relembrando o que acima se deixou dito, a impugnante/Recorrente foi (ou considera-se) notificada – bem como os seus sócios e gerentes e o respectivo TOC – em 14/12/2007 (fls.217 do PA), para proceder à apresentação, no dia “02 de Janeiro de 2008”, “dos livros de escrita obrigatória referenciadas no Código Comercial (inventários e balanço, diário e razão) e documentos de suporte, referentes ao exercício de 2003” (cf. pontos 6 a 9 do probatório).

Não mostram os autos que a Recorrente tenha cumprido, no prazo indicado, a obrigação de apresentação dos documentos solicitados pela inspecção tributária, nem a Recorrente, de resto, diz o contrário.

O que ele afirma repetidamente é que não foi efectivamente notificado para exibir a escrita, mas como vimos, considera-se notificado nos termos do art.º43.º, n.º1 do RCPIT. E se assim é, nos termos da lei, não pode subtrair-se aos efeitos decorrentes dessa notificação, bem que presuntiva.

Está assim preenchido o pressuposto da “recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos” previsto no art.º88.º, alínea b) da LGT, enquanto motivo da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, legitimadora do recurso à avaliação indirecta.

Com efeito, se o contribuinte não exibe os elementos de contabilidade e escrita legalmente obrigatórios que lhe são solicitados, logo fica comprometida a possibilidade de avaliação do seu lucro tributável com base na contabilidade, preconizada no art.º17.º do CIRC.

A decisão de recurso a métodos indirectos, no caso em apreço, não merece qualquer censura, não se vendo como poderia a AT actuar diferentemente.

Salienta-se que mesmo que o recurso a presunções se tenha limitado ao apuramento dos custos – tendo a AT recorrido a elementos documentais e/ou declarativos de terceiros para o apuramento dos proveitos omitidos (cf. ponto 5.1 do RIT, a fls.187/189 do PA) – tanto basta para a caracterização das correcções como indirectas (art.º83.º, n.º2 da LGT), pois os custos (art.º23.º do CIRC) são componentes negativas do lucro tributável que, afinal, importa determinar (art.º85.º, n.º2 da LGT).

No que concerne ao critério de quantificação da matéria tributável, pretende a Recorrente atacá-lo alegando que nenhuma relação sua com a “... Limited” a AT comprovou, nem lhe deu a conhecer elementos para ajuizar da credibilidade do rácio aplicado no apuramento dos custos associados aos proveitos omitidos, a saber e como fez constar das conclusões: “(i) identificar em concreto que rácios do sector eram esses, (ii) onde se encontravam publicados, (iii) identificar a que exercícios respeitavam; (iv) assim como a que zona do país, (v) a que tipo de imóveis e, finalmente, (vi) a que tipo de construção se reportavam”.

Do ponto 5.1 do RIT (transcrito no probatório – vd. supra, fls.18) consta, nomeadamente e entre o mais que se dá por reproduzido, o seguinte: “…dos elementos recolhidos na sequência da acção "Mútuos Duvidosos" referida no ponto 2.1 do presente relatório, verifica-se que o sujeito passivo procedeu à venda de várias fracções de um imóvel sito na freguesia de Algés, imóvel este inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .... Mais se verifica que os adquirentes, após terem sido notificados para se pronunciarem sobre o valor real da aquisição de fracções adquiridas no ano de 2003 vieram inclusivamente declarar valores superiores aos valores escriturados. Alguns deles apresentaram inclusivamente meios de pagamento utilizados na respectiva aquisição que foram emitidos à ... Limited, NIPC ..., entidade não residente sem estabelecimento estável, os quais se encontram no processo de evidência de trabalho”.

Como se apreende desta passagem do RIT, nenhuma relevância assume a comprovação de que a impugnante e ora Recorrente tenha, ou tivesse, qualquer tipo de ligação com a “... Limited”, quer para efeitos da decisão do recurso a métodos indirectos, quer para efeitos da decisão de quantificação, pois aquela motivou-se na recusa de exibição da escrita obrigatória e elementos de suporte contabilístico e, esta última, na declaração dos adquirentes das fracções quanto ao preço que efectivamente pagaram pela aquisição, superior ao escriturado e por eles regularizado ao Fisco pela diferença, ainda que o valor dessa diferença tenha sido liquidada através de meios de pagamento a favor de terceiro que não a impugnante.

De resto, num juízo de normalidade, se uma empresa construtora vende bens imóveis por valor superior ao escriturado, não vai depois facturar e contabilizar a diferença em proveitos, nem escriturar a contrapartida dessa diferença nas contas da empresa e, coerentemente, não aceitará meios de pagamento a seu favor. Nessa medida, pode dizer-se que o declarado pelos compradores das fracções quanto à sua aquisição por valor superior ao escriturado se mostra consistente com o declarado quanto ao pagamento da diferença a um terceiro, que identificaram como sendo a “... Limited”, o que tem de creditado à formação da base indiciária em que assenta o regime da avaliação indirecta, dito de outro modo, ao juízo feito pela AT sobre a aplicabilidade em concreto do regime da avaliação indirecta à situação dos autos.

Quanto à alegada falta de elementos que permitam ajuizar da credibilidade dos rácios que serviram de base à quantificação da matéria tributável, salienta-se que o RIT informa que recorreu à tabela de rácios assente na margem bruta na venda de produtos (média) para o sector de actividade em que a sociedade impugnante se insere (cf. print anexo ao RIT, a fls.284 do PA) – CAE 45.211 Construção de Edifícios, actual 41.200 – para o exercício de 2003, achando o valor de 32,51.

Não pode, por conseguinte, sustentar-se a falta ou insuficiente fundamentação do critério de quantificação ou que tal critério tenha sido arbitrário.

E neste entendimento, se a impugnante entende que o rácio elegido pela AT não tem qualquer aderência à realidade da sua empresa, sobre si recaia o ónus da prova do excesso, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão.

Com efeito, dispõe o n.º3 do art.º74.º da LGT que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.

Ora, o que se verifica é que a Recorrente não produziu, ou sequer ensaiou, qualquer prova visando a demonstração do excesso de quantificação da matéria tributável

Nesta medida, e porque a ora Recorrente não alegou e provou nos autos a existência de um ou vários elementos susceptíveis de afastar o enquadramento feito pela AT, apontando critérios mais credíveis de quantificação, propiciando uma certeza (exigível) como meio de prova, é manifesto que tem de entender-se que a ora Recorrente não foi capaz de desincumbir-se do ónus da prova que nesta matéria do excesso de quantificação sobre si impendia, em ordem à anulação da liquidação impugnada, nos termos do citado artigo 74.º, n.º3 da LGT, o que determina a improcedência do presente recurso também por este fundamento.

Outrossim, pretende a Recorrente prevalecer-se do regime do art.º100.º do CPPT. Vejamos.

Como referimos já, dispõe o n.º3 do art.º74.º da LGT que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.

Podemos então daqui concluir que em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.

Produzida a respectiva prova, e sempre que dela resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado – art.º100.º, n.º1 do CPPT.

Porém, de acordo com o n.º2 daquele preceito, “em caso da quantificação da matéria tributável por métodos indirectos não se considera existir dúvida fundada, para efeitos do número anterior, se o fundamento da aplicação daqueles consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa de exibição, da contabilidade ou escrita e de mais documentos legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais”.

E bem se compreende que assim seja, pois, como salienta Jorge Lopes de Sousa – “CPPT Anotado”, 5ª edição, pág. 723 “Nestas situações em que é impossível determinar directamente a matéria tributável, há sempre dúvidas sobre a sua quantificação real, pois os métodos indirectos tomam em consideração indicadores que apenas podem fornecer uma indicação aproximada do valor que a matéria tributável provavelmente teria.
Assim, nos casos de determinação indirecta da matéria tributável, a aplicação da regra do ónus da prova prevista no n.°1, poderia traduzir-se na anulação de grande parte dos actos de liquidação baseados em determinação indirecta da matéria tributável com o consequente desatendimento das razões que justificam o uso deste meio procedimental“.

Uma vez que, no caso dos autos, o fundamento para o recurso a métodos indirectos foi o da alínea b) do art.º88º da LGT – “recusa de exibição da contabilidade ou escrita e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação” – verifica-se obstáculo legal à aplicação do nº 1 do citado art.º100.º.

Pelo que, a existir dúvida sobre a matéria do excesso de quantificação sempre tal se teria de revelar desfavorável à pretensão da Recorrente.

Com interesse e a propósito, pode ver-se o AC. do STA, de 01/06/2011, proferido no proc.º0211/11, cuja linha doutrinária acompanhamos.

Nem venha a Recorrente esgrimir com a violação do art.º268.º n.º4 da CRP, pois salvo casos extremos de impossibilidade prática de provar os factos – que o legislador, dentro da sua margem de conformação entendeu restringir ao previsto no art.º344.º, n.º2 do Código Civil – daquele preceito da Lei Fundamental e do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (art.º20.º da CRP), não se consegue retirar nenhuma imposição de que deva existir uma inversão do ónus da prova por razões de dificuldade probatória da parte onerada, que a ser sistemática, ofenderia de forma intolerável a posição da parte contrária.

Concluindo, na improcedência da totalidade dos vícios assacados à sentença recorrida, que não merece qualquer censura, nega-se provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Termos em que, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 22 de Março de 2018.

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(Vital Lopes)


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(Anabela Russo)

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(Joaquim Condesso)