Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:331/07.9BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
CUSTOS
INDISPENSABILIDADE
DOCUMENTAÇÃO
Sumário:
I. Para efeitos de aferição da indispensabilidade de um determinado custo, cabe, em primeira linha, à AT o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade, sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição.

II. Não tendo sido posta em causa a existência de um determinado custo, ainda que sustentado em fatura emitida em nome de terceiro (cujo original estava na posse da Impugnante), tal circunstância, per se, não afasta a possibilidade de consideração do custo enquanto tal para efeitos de IRC.

III. Não podem ser ponderados, para efeitos de indispensabilidade de um determinado custo, critérios de oportunidade ou razoabilidade.

Votação:MAIORIA - VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 15.06.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por M....., SA (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinentes aos exercícios de 2002 e 2003.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença a quo, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que foi produzida prova que demonstra ter a Impugnante incorrido no exercício da sua actividade e relativamente aos anos de 2002 e 2003, em custos atinentes a “deslocações e estadas” e “despesas de formaçãocom colaboradores, determinando, nesta parte, pela anulação das liquidações adicionais de IRC.

II – Porém, ressalvada a devida vénia, entende esta RFP que as correcções efectuadas em sede de procedimento inspectivo se encontram devidamente fundamentadas e, como tal, deverão manter-se na ordem jurídica, incorrendo assim a douta sentença a quo em erro de julgamento.

III – Com efeito, estando em dúvida a indispensabilidade de um custo, e portanto a sua dedutibilidade nos termos do art.º 23.° do CIRC, como no caso em apreço, no que tange aos custos contabilizados como “deslocações e estadas”, apuraram os SIT que a empresa pagava deslocações e estadas com base em quilómetros constantes de boletins de itinerários aos seus sócios e gerentes, mas suportava igualmente despesas com combustíveis, portagens, estacionamentos, conservação e reparação de veículos

IV – Neste conspecto, é pois manifesto que as viaturas da sociedade eram utilizadas pelos sócios, pelo que se justificava plenamente a pretensão dos serviços de inspecção tributária de esclarecimento sobre quem utilizou efectivamente as viaturas a fim de apurar se os montantes contabilizados como quilómetros afinal não constituíam uma duplicação de custos (ou benefício indevido)

V – Pelo que, não se encontrando provado/comprovada a circunstância da utilização indiscriminada por todas as pessoas ligadas à Impugnante dos veículos desta, não poderiam deixar de ser mantidas as correcções efectuadas.

VI – Assim a correcção efectuada relativamente às despesas com quilómetros efectuadas pelos sócios justifica-se plenamente face à inexistência de comprovação de efectiva indispensabilidade do custo para a actividade da sociedade.

VII – No que respeita às correcções relacionadas com “despesas de formaçãocom colaboradores, por os documentos comprovativos destes custos terem sido emitidos em nome de terceiros (dos próprios colaboradores da Impugnante) não podem ser aceites como custo fiscal tal como foi demonstrado no relatório de inspecção dado que, se por um lado não respeitam a forma legal (o titular da despesa é um terceiro), por outro revelam claramente a existência de um interesse essencialmente pessoal na formação, sem que se descortine de forma directa e inequívoca onde está o interesse da Impugnante nestas mesmas formações.

VIII – Ora, tais factos vêm assim confirmar que os recibos foram emitidos em nome pessoal dos formandos e que tal aconteceu porque de facto correspondia a um interesse pessoal dos próprios no enriquecimento do seu currículo e de progressão profissional, revelando assim que, ao contrário do que sustenta a douta sentença a quo, as referidas despesas não eram indispensáveis para a manutenção da actividade da impugnante.

IX – Tanto mais que nem sequer ficou demonstrado que o verdadeiro beneficiário das formações dos funcionários em causa fosse a ora Impugnante, dado que alguns funcionários também exerciam concomitantemente funções noutras sociedades, mormente de revisores oficiais de contas, para as quais as formações obtidas seriam directamente aproveitáveis.

X – Decidindo em sentido diverso, incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, tendo sido violados, entre outros, o disposto nos art.ºs 23° e 42° do CIRC”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

1.ª O presente recurso foi deduzido pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública contra a sentença proferida no processo em epígrafe, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida;

2.ª O Ilustre Representante da Fazenda Pública apenas imputa à decisão recorrida erro de julgamento de direito;

3.ª Pelo que, tendo o presente recurso por fundamento exclusivo a matéria de direito, o Tribunal Central Administrativo Sul é incompetente para o seu conhecimento, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT;

4.ª Ainda que se entenda que a questão controvertida não se resolve mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas e que versam, portanto, igualmente matéria de facto, no que não se concede, sempre se dirá que a Fazenda Pública incumpriu com o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, com a cominação de rejeição do recurso, na medida em que não especifica os pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo, que, em sua opinião, impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

5.ª No que se refere à correção relacionada com as “despesas de formação” o Ilustre Representante da Fazenda Pública insurge-se contra a sentença por considerar que o Tribunal recorrido incorreu em errada valoração da matéria de facto por não se encontrarem preenchidos os requisitos para a contabilização e consideração daquelas despesas como gasto fiscal à luz do artigo 23.º do Código do IRC, entende a Recorrida que o recurso deve ser julgado improcedente;

6.ª Contrariamente ao que se alude nas alegações de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública, o Tribunal a quo analisou os requisitos previstos no artigo 23.º do Código do IRC à luz do caso em apreço, concluindo que não é necessário demonstrar que os cursos de formação de funcionários produzam efetivamente um resultado positivo para que possa ser atribuída relevância fiscal às despesas efetuadas;

7.ª Como ficou demonstrado nos presentes autos, as despesas em apreço configuram gastos respeitantes à valorização e formação profissional dos seus quadros, os quais a ora Recorrida assumiu suportar dada a manifesta relevância daquelas ações de formação para a prossecução da sua atividade;

8.ª Como destacado pelo Tribunal a quo, não se questiona no caso vertente – nem sequer o faz a própria administração tributária – a efetiva realização e comprovação de tais gastos, nem tão pouco, a natureza dos mesmos, porquanto e conforme provado, a ora Recorrida suportou de facto aqueles gastos;

9.ª Contrariamente ao que se alude nas alegações de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública, o facto de os documentos de suporte às despesas terem sido emitidos em nome pessoal dos formandos não pode ser motivo válido para afastar a sua relevância fiscal;

10.ª Não é o formalismo do documento que determina a indispensabilidade do gasto, não sendo, também, fundamento válido o facto desses funcionários serem os diretos beneficiários dos cursos de formação já que a valorização académica dos funcionários é, de facto, um meio de influenciar positivamente os resultados de uma empresa;

11.ª Foi dado como provado que existe uma correlação entre a despesa suportada e os proveitos que da mesma resultam para a Recorrida, e que, incompreensivelmente, passaram despercebidos à administração tributária mas não ao Tribunal a quo;

12.ª O argumento invocado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública desrespeita, em absoluto, o princípio da prevalência da substância sob a forma (cuja fundação assenta no princípio da tributação pelo lucro real, consagrado no artigo104, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa);

13.ª A administração tributária não pode deixar de atender à substancia económica dos factos tributários uma vez que o que releva para efeitos fiscais é a situação real que demonstra a capacidade contributiva do contribuinte (neste sentido vai o acórdão do TCA do Sul de 19.02.2015, proferido no processo n.º 07918/14);

14.ª Face à realidade empresarial da Impugnante, ora Recorrida, a qualificação profissional dos funcionários é a forma mais segura de contribuir para a obtenção de resultados positivos a médio e longo prazo, pelo que aquele gasto deve ser considerado como indispensável para a obtenção de proveitos e por isso dedutível para efeitos fiscais;

15.ª Não se controvertendo que as referidas despesas foram realizadas e pagas, bem andou o Tribunal recorrido quando concluiu que face à atividade desenvolvida pela ora Recorrida todos os cursos de formação não se poderiam considerar desenquadrados da realidade empresarial da empresa, devendo ser considerada a dedutibilidade fiscal dessas despesas;

16.ª Razão pela qual deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida;

17.ª No que concerne à alegação do Ilustre Representante da Fazenda Pública constante do artigo 12.º das alegações, as mesmas deverão ser desconsideradas na medida em que da análise ao relatório de inspeção tributária não resulta que os serviços de inspeção tributária tenham indicado quais os supostos funcionários beneficiários das formações que alegadamente exerciam funções noutras sociedades, pelo que não se acolhe a afirmação segundo a qual não se conhece o verdadeiro beneficiário das ações de formação dadas as circunstâncias ora descritas pelo Representante da Fazenda Pública;

18.ª Existindo uma presunção natural de que essas despesas suportadas com a formação profissional são suscetível de incrementar os rendimentos da sociedade, e tendo a Recorrida apresentado os esclarecimentos, no decurso da inspeção tributária, no sentido de evidenciar a conexão entre os gastos suportados e a atividade da empresa, caberia à administração tributária o ónus da prova da falta dessa ligação;

19.ª No que se refere à correção relativa às “despesas com deslocações e estadas”, relativamente à qual o Ilustre Representante da Fazenda Pública entende que o Tribunal incorreu em erro de julgamento de facto, também o recurso deve ser julgado improcedente;

20.ª De facto, andou bem o Tribunal recorrido ao considerar que a fundamentação substancial da correção é contraditória, uma vez que a argumentação dos serviços de inspeção tributária não permite apreender a verdadeira motivação da correção sub judice;

21.ª A contraditoriedade é visível já que os serviços de inspeção tributária tanto invocam circunstâncias relacionadas com os mapas de suporte dos encargos, como posteriormente ignoram tais circunstâncias, assim como invocam, por um lado, a contabilização de despesas com combustíveis, portagens, estacionamentos, manutenção e conservação dos veículos e, por outro lado, que as despesas em causa foram inicialmente suportadas pelos sócios e posteriormente reembolsadas pela ora Recorrida, assim como, a não especificação do nome dos utilizadores das viaturas;

22.ª Não se poderá reprovar o entendimento do Tribunal a quo quando considera que a administração tributária não só não logrou demonstrar essa eventual duplicação de custos como não logrou concretizar o seu entendimento, proferindo, tão-só, afirmações conclusivas e genéricas e “desgarrada de qualquer apoio documental” para desconsiderar os gastos em apreço;

23.ª Merecem censura as alegações do Ilustre Representante da Fazenda Pública quando aponta que as correções efetuadas relativamente à desconsideração das despesas com quilómetros realizadas pelos sócios justificam-se uma vez que inexiste comprovação de efetiva indispensabilidade do custo para a atividade da sociedade (neste sentido, vai o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.06.2006, proferido no processo n.º 00253/04);

24.ª Como demonstrado nos presentes autos, todas as despesas de deslocação estão suportadas por mapas que identificam os clientes visitados e serviços prestados pela Recorrida nas instalações do cliente, razão pela qual se impõe a deslocação dos sócios àqueles;

25.ª A qualidade de sócio de alguns funcionários não é fundamento suficiente e não pode relevar para efeitos de desconsideração de um gasto, sendo certo que, no caso em apreço nos autos, os sócios (como qualquer outro funcionário) utilizavam os seus veículos para deslocações ao serviço da Impugnante, ora Recorrida, estando essas deslocações documentadas por boletins de itinerário;

26.ª A alegação do Ilustre Representante da Fazenda Pública quanto ao facto de não se encontrar provada a circunstância da utilização indiscriminada por todas as pessoas ligadas à ora Recorrida dos veículos registados no seu imobilizado não merecem consideração tendo em conta que cabia à administração tributária o ónus da prova, como bem entendido pelo Tribunal a quo nos termos da sentença recorrida;

27.ª As alegações do Ilustre Representante da Fazenda Pública são contrárias ao espírito e letra do artigo 42.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC, na redação à data aplicável;

28.ª Do artigo 42.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRC, na redação à data aplicável, não resulta que o legislador tenha tido a pretensão de obstar que as despesas referentes a deslocações e estadias incorridas ao serviço da entidade patronal, reportando-se as mesmas a combustíveis, portagens ou estacionamentos, sejam inicialmente suportadas pelo utilizador da viatura e só posteriormente reembolsadas pela empresa;

29.ª Por todas as razões acima invocadas, deve ser julgado improcedente o recurso apresentado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão prévia suscitada pela Recorrida:
a) É este TCAS incompetente para conhecimento do recurso, em razão da hierarquia?

Questões suscitadas pela Recorrente:
b) Existe erro de julgamento, relativamente à correção atinente a deslocações e estadas, dada a inexistência de comprovação de efetiva indispensabilidade do custo para a atividade da sociedade?
c) Existe erro de julgamento, relativamente à correção respeitante a despesas de formação, em virtude de os titulares das despesas serem terceiros e de tais despesas revelarem a existência de um interesse pessoal, não estando sequer demonstrado que o verdadeiro beneficiário das formações fosse a Impugnante?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Impugnante tem como atividade principal a prestação de serviços de auditoria e consultoria legal e de gestão incluindo, nomeadamente a consultoria de impostos e a elaboração de pareceres (acordo).

B) Em cumprimento das ordens de serviço nºs ..... e ....., ambas de 01.02.2005, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa realizaram à Impugnante, ação de inspeção de âmbito geral aos exercícios de 2002 e 2003 (cfr. fls. 41 dos autos).

C) Em 14.09.2006 foi concluído o Relatório Final da ação inspetiva, constando do mesmo, designadamente o seguinte:

“3.2 - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável

No decurso das presentes acções de inspecção detectaram-se as situações passíveis de correcção que a seguir se enumeram:

3.2.1 - Em sede de IRC:

3.2.1.1 - Deslocações e Estadas:

Despesas com Deslocação em Viatura Própria:

Na conta 6222701012 - Deslocações no País, foram contabilizadas as despesas com quilómetros percorridos em viatura própria efectuados por trabalhadores e por sócios da empresa.

Relativamente aos encargos efectuados pelos sócios constataram-se os factos a seguir descritos:

a) Em 2002 e 2003, os encargos com quilómetros apresentados pelos seis sócios da empresa representaram cerca de 85% (= 70.863,01183.551,14) e de 83% (= 66.259,20/80.002,08) do total dos encargos contabilizados como custos.

b) Todas as importâncias contabilizadas estão suportadas por mapas. No entanto, existem documentos de suporte relativos às despesas apresentadas por alguns dos sócios que não permitem efectuar um controlo rigoroso e preciso desses encargos.

c) É o caso dos mapas entregues pelos sócios A..... e J...... Os mapas apresentados pelo primeiro nunca indicam os dias do mês em que os quilómetros foram percorridos; o segundo apresenta os mapas duas vezes por ano, relativos ao ano inteiro. Mas a maioria dos quilómetros evidenciados apenas têm como indicação "Lisboa e Concelhos Limítrofes – Diversos Clientes" e o total, não sendo especificado por dia, o local, o(s) cliente(s) visitado(s) e o n.º de quilómetros percorridos.

d) Nos anos em análise, a empresa teve ao seu serviço, 9 (nove) e 7 (sete) viaturas ligeiras de passageiros. De acordo com os esclarecimentos prestados por escrito pelo sujeito passivo (ver anexo II, fls.1 a 10) estas viaturas foram utilizadas por gerentes, directores e técnicos de categoria profissional superior (dos quais não foi indicado o nome), não sendo nenhuma delas utilizada em regime de exclusividade por algum sócio ou funcionário.

e) Apesar de ter sido solicitado nas notificações efectuadas em 23/06/2006, a apresentação de algum documento que comprovasse que as viaturas eram utilizadas indiscriminadamente por todos ou por alguns dos sócios e funcionários da empresa, este pedido não foi satisfeito tendo o sujeito passivo alegado que "não conseguiu concretizar qual o documento que deveria apresentar para efectuar a demonstração pretendida" pela Administração Tributária.

f) Todas as despesas com combustível (registadas nas contas 6221202012 e 6221201012) foram apresentadas e suportadas pelos sócios. Os lançamentos contabilísticos efectuados nessas contas tiveram sempre como contrapartida o crédito na respectiva subconta 255 de cada sócio.

g) Se na realidade, as viaturas ao serviço da empresa não estão atribuídas exclusivamente a uma pessoa, a inexistência de elementos informativos sobre a utilização dessas mesmas viaturas não permite à empresa responsabilizar o utilizador em caso de ocorrência de acidente ou algum imprevisto.

Pelos motivos acima invocados e pelo facto do sujeito passivo não ter demonstrado de forma inequívoca, que as viaturas ao serviço da empresa não foram exclusivamente utilizadas pelos sócios (gerentes e não gerentes), as despesas com quilómetros apresentados por estes, no valor de € 70.863,01 (2002) e de € 66.259,20 (2003) não são aceites como custo fiscal, atendendo ao disposto no artigo 23° conjugado com o artigo 42º, ambos do CIRC, uma vez que não foi devidamente comprovada a indispensabilidade desses custos para a realização dos proveitos ou manutenção da actividade da empresa.

Como o sujeito passivo já acresceu 20% daquelas despesas - Campo 223 do Q.07 das declarações de rendimentos Modelo 22 - os montantes a corrigir para efeitos de determinação do lucro tributável dos exercícios em análise são de € 56.690,41 (2002) e de € 53.007,36 (2003).

Ver no anexo IV, fls. 1 a 134, a discriminação das despesas com quilómetros por sócio e cópia de todos os documentos justificativos (2002). Ver no anexo V, fls. 1 a 118, a discriminação das despesas com quilómetros por sócio referentes ao ano de 2003 e cópia de todos os documentos justificativos (excepto os respeitantes ao sócio F....., dos quais apenas se anexam alguns a titulo exemplificativo).

Despesas com Viagens e Estadias:

Na conta 6222702012 - Estadas no País foi contabilizado como custo de 2002 e 2003 respectivamente, os montantes de € 1.873,45 (doc. n.º 06-090154, no valor de € 1.755,00 e parte do doc. n.º 090153, no valor de € 118,45) e de € 2.106,20 (doc. n.º 06-090133). Os documentos indicados dizem respeito às despesas de alojamento e refeições do sócio F....., num empreendimento turístico do Algarve por um período de quinze dias (em 2002, entre os dias 12 e 26 de Julho e em 2003, entre os dias 21 de Julho e 3 de Agosto).

Questionado sobre a indispensabilidade daqueles custos para a realização dos proveitos (pontos 4) e 3) das notificações efectuadas em 23/06/2006 - anexo II, fls. 1 a 7), o sujeito passivo declarou por escrito que relativamente ao doc. 06-90154 de 2002, "ainda não foi possível identificar o cliente/projecto a que respeita o referido custo" e que o doc. 06-90133 de 2003 "respeita a estadia de F..... no Algarve para reuniões de acompanhamento de trabalhos de auditoria nos clientes V..... e S..... ".

Uma vez que na análise efectuada à contabilidade não foi detectado outro documento de alojamento, refeições ou deslocações a esta zona do país apresentado por outro(s) funcionário(s) da empresa para os mesmos períodos do ano, e como o sujeito passivo também não indicou e apresentou outros elementos comprovativos desse facto, nos termos do disposto no artigo 23° do CIRC não são aceites como custo as importâncias de € 1.873,45 (2002) e de € 2.106,20 (2003) por não ter sido comprovada a indispensabilidade dos mesmos para a obtenção dos proveitos.

Na conta 6222704012 - Estadas no Estrangeiro foi contabilizado como custo de 2002 o montante de € 174,00 (doc.n.006-90151) referente à estadia do sócio F..... no H..... entre os dias 12 e 13 de Janeiro. De acordo com os elementos anexos à respectiva factura, esta despesa é de carácter pessoal, razão pela qual nos termos do artigo 23° do CIRC não é aceite como custo fiscal.

Ver cópia dos documentos acima referenciados no anexo VI, fls.1 a 9.

(…)

3.2.1.5 - Custos De Formação:

Na conta 640802 - Custos de Formação, o sujeito passivo contabilizou como custo o valor de € 6.021,39 (2002) e de € 1.836,00 (2003), referentes a encargos com cursos efectuados por trabalhadores da empresa, cujos os documentos de suporte foram emitidos em nome desses trabalhadores e em nome de outra empresa "A.....". Ver cópia dos documentos no anexo X, fls.1 a 20:

Como os documentos comprovativos não estão emitidos em nome da empresa, não estão reunidos os pressupostos do artigo 23° do CIRC, razão pela qual os montantes acima indicados não são aceites como custo dos anos de 2002 e 2003.

(…)

3.2.1.8 - Calculo do imposto:

Tributação Autónoma:

O sujeito passivo não considerou para o calculo da Tributação Autónoma respeitante a encargos com viaturas ligeiras de passageiros os seguintes valores:

1) ano de 2002, o total de € 4.793,41 correspondente ao somatório das seguintes contas/rubricas:

6229802 - Portagens de Veículos - € 3.459,12;

6229803 - Estacionamento de Veículos - € 908,32;

6229809 - Outros Custos Não Especificados - € 425,97 (inerentes às rendas de ALD das viaturas ligeiras de passageiros);

2) ano de 2003, o total de € 4.714,86 correspondente ao somatório das seguintes contas/rubricas:

6221905 - Aluguer de Viaturas s/ Condutor - € 483,80;

6229802 - Portagens de Veículos - € 3.149,69;

6229803 - Estacionamentos de Veículos - € 674,85;

6229809 - Outros Custos Não Especificados - € 406,52 (inerentes às rendas de ALD das viaturas)

Nos termos do n.º3 e n.º4 do artigo 81° do CIRC o sujeito passivo não declarou no campo 365 do Q.10 das declarações de rendimentos Mod.22 dos anos de 2002 e 2003, respectivamente as verbas de € 287,60 (= 20% * 30% * 4.793,41) e de € 282,89 (=20% * 30% * 4.714,86).

(…)

VII - Infracções Verificadas

8.1 - Exercício de 2002:

Em sede de IRC:

Correcções ao Imposto (Q.10 - Tributação Autónoma) = € 287,60

(…)

8.2 - Exercício de 2003:

Em sede de IRC:

Correcções ao Imposto (Q.10 - Tributação Autónoma) = € 2.867,50

(…)

VIII - Direito de audição – Fundamentação

Nos termos do artigo 60° da L.G.T. e do artigo 60° do R.C.P.I.T., o sujeito passivo foi notificado para exercer, no prazo de quinze dias, o direito de audição sobre o projecto de correcções do relatório da inspecção tributária, através do N/ Oficio n.º .....de 04/08/2006.

A notificação com o projecto foi enviada por encomenda postal (n.º .....) tendo a entrega sido efectuada junto do sujeito passivo a 22 de Agosto de 2006.

O direito de audição foi exercido no prazo concedido e entregue pessoalmente, no dia 06/09/2006 na Direcção de Finanças de Lisboa, na Alameda dos Oceanos, Lote 1.06.1.2 em Lisboa.

Conforme declarado no direito de audição (ver anexo XVIII), o sujeito passivo não concorda com algumas das correcções incluídas nas rubricas:

1) Deslocações e Estadas - Quilómetros efectuados pelos sócios;

2) Custos de Formação;

3) Calculo do Imposto: Tributação Autónoma;

4) Rendimentos Pagos a Entidades Não Residentes;

5) Imposto sobre o Valor Acrescentado.

1) Deslocações e Estadas - Despesas com quilómetros efectuados pelos sócios:

Para a aceitação destas despesas como custo fiscal o sujeito passivo alega que:

- não é relevante para a confirmação da indispensabilidade do custo que os mapas existentes na contabilidade devam incluir a data e a identificação de todos os clientes visitados da região de Lisboa - situação verificada nos mapas apresentados pelos sócios J..... e A.....;

- apesar desses mapas não cumprirem rigorosamente com os formalismos aludidos no projecto pelos serviços de inspecção no projecto de correcções, não é aceitável que o fundamento invocado para aquela situação especifica, seja alargado e utilizado para corrigir a totalidade das despesas com quilómetros apresentadas por todos os sócios;

- a alegada inexistência de documentos que atestem que as viaturas afectas ao serviço da empresa foram utilizadas indistintamente por todos ou alguns sócios e funcionários também não tem fundamento à luz do disposto nos artigos 23º e 42º do CIRC.

A questão defendida no presente relatório não se prende especificamente com os mapas apresentados por dois dos sócios da empresa e também não é esse o fundamento invocado para corrigir a totalidade das despesas com quilómetros apresentados pelos sócios. A questão principal centra-se no facto de que, para além das despesas com quilómetros (apresentadas pelo sócios) a sociedade também suportou despesas com combustíveis, rendas, reintegrações, manutenção e conservação, portagens, estacionamentos e seguros respeitantes a várias viaturas ligeiras de passageiros afectas ao seu serviço nos anos em causa (no total de nove em 2002 e sete em 2003).

Acresce ainda, que todas as despesas com combustíveis (contabilizadas como custo na B.....) foram inicialmente suportadas pelos sócios e só posteriormente é que foram reembolsadas pela empresa. Como só são aceites como custo as despesas com combustíveis respeitantes a bens pertencentes ao activo da empresa ou por ela utilizadas em regime de locação, a situação detectada, por si só, indicia que as viaturas foram utilizadas pelos sócios da empresa.

Por outro lado, também se constatou que nas contas correntes dos sócios foram contabilizadas despesas com portagens e estacionamentos e conservação e reparação. Estas foram inicialmente suportadas pelos sócios e posteriormente reembolsadas pela empresa. A titulo meramente exemplificativo, salientam-se as despesas com portagens pagas pelo sócio A..... respeitante à viatura ..... (pertencente ao activo da empresa) e as despesas com conservação e reparação suportadas pelo sócio F..... respeitante à viatura ..... (ano de 2003) - ver anexo XIX.

Neste contexto, afigura-se de extrema importância para a empresa, que os mapas de quilómetros existentes na contabilidade devem cumprir certos formalismos e transmitir a máxima informação, pois só assim é possível controlar e justificar as despesas suportadas pela empresa e concluir que não há uma duplicação de custos.

Por terem sido detectadas as situações atrás referidas, o sujeito passivo foi notificado para indicar o nome do utilizador habitual de cada uma das viaturas ligeiras de passageiros utilizadas pela empresa, bem como, caso não fosse esse o procedimento, foi questionado como é que a empresa poderia comprovar a utilização das viaturas por parte dos sócios e outros funcionários.

Na resposta dada apenas foi declarado que as viaturas eram utilizadas por gerentes, directores e técnicos de categoria profissional superior, sem terem sido especificados nomes. Tanto no decorrer da análise efectuada à contabilidade como no direito de audição, o sujeito passivo não indicou o nome das pessoas que utilizaram as viaturas afectas à sua actividade, nem apresentou qualquer elemento ou documento comprovativo de que essa utilização não foi realizada exclusivamente pelos sócios da empresa.

Em face do exposto anteriormente mantêm-se as correcções referidas no capitulo 3.2.1.1.

2) Custos de Formação;

Quanto às correcções propostas nesta rubrica, o sujeito passivo refere que:

a) concorda com a não aceitação como custo fiscal das importâncias suportadas por facturas emitidas em nome da sociedade "A..... - SROC";

b) mas não concorda com a correcção proposta no que respeita às despesas que estão suportadas por facturas emitidas em nome de funcionários da empresa, fundamentando que estes encargos são relevantes fiscalmente ao abrigo do artigo 23º do CIRC e que estão suficientemente documentados, uma vez que a empresa "ficou na posse do original do documento emitido pela entidade responsável pelos cursos de formação" e também "dispõe do respectivo documento comprovativo". Justifica que estes encargos têm subjacente a valorização e formação profissional dos quadros, motivo pelo qual são relevantes para a actividade e são suportados na totalidade pela empresa.

Atendendo ao facto que estas despesas não têm uma natureza eminentemente empresarial, mas também um cariz pessoal (particular) porque proporcionam a valorização pessoal e profissional do individuo, é requisito essencial, que os documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos efectuados pelo sujeito passivo, se encontrem emitidos em nome da empresa por forma a serem comprovadamente aceites como custos nos termos do disposto no artigo 23° do CIRC.

Em face do exposto mantêm-se as correcções propostas no valor de € 6.021,39 (2002) e de € 1.836,00 (2003).

3) Calculo do Imposto - Tributação Autónoma;

Para refutar os fundamentos invocados para a correcção proposta nesta rubrica, o sujeito passivo começa por transcrever o n. ° 5 do artigo 81 ° do CIRC. Alega que com tal preceito, "o legislador fiscal visou tributar autonomamente todas as despesas directamente conexas com os veículos automóveis e já não todas as que possam estar associadas à sua utilização” acrescentando que "o que se pretende "penalizar" nestas situações... é a "propriedade" e a "utilização" do veículo".

Assim, considera que uma coisa são os custos decorrentes da propriedade e da utilização directa de qualquer veiculo automóvel, como sejam as reintegrações, rendas e seguros, e outra coisa são despesas com serviços, como as portagens e o parqueamento, que embora relacionadas com os veículos automóveis não decorrem directamente da propriedade ou utilização destes.

Quanto às despesas contabilizadas na conta 6229809 - Outros Custos Não Especificados, o sujeito passivo explica que formalmente se reportam a rendas de ALD mas são gastos relacionados com a gestão administrativa dos dossiers compreendendo, fundamentalmente, o Imposto sobre Veículos pelo que também não devem ser tributadas autonomamente.

O n.º 4 do artigo 81° do CIRC, que passou a n.º 5 com a Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, dispõe que "consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas de manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização".

Como se pode verificar a referência ao tipo de despesas naquele preceito é meramente exemplificativa, pelo que não houve a preocupação do legislador em elencar todos os encargos relacionados com viaturas. Por outro lado, o artigo é especifico na questão em que devem ser tributados autonomamente os impostos incidentes sobre a utilização das viaturas, nos quais está incluído o Imposto sobre Veículos.

Pelo referido depreende-se, que tanto as despesas com estacionamentos e portagens como as despesas contabilizadas na rubrica de Outros Custos Não especificados, estão intrinsecamente relacionadas com a posse e a utilização das viaturas ligeiras de passageiros afectas à actividade da empresa, pelo que as mesmas devem ser tributadas autonomamente.

Em face do exposto mantêm-se as correcções propostas no valor de € 287,60 (2002) e de € 282,89 (2003).

(…)” (cfr. fls. 37 a 58 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

D) Em concretização do relatório de ação de inspeção referido na alínea antecedente, foi em 25.09.2006 emitida a liquidação de IRC do exercício de 2002, com o nº ....., que gerou uma nota de compensação no montante a pagar de 31.798,31€, incluindo juros compensatórios (cfr. fls. 60 a 62 dos autos).

E) Em concretização do relatório de ação de inspeção referido na alínea antecedente, foi em 25.09.2006 emitida a liquidação de IRC do exercício de 2003, com o nº ....., que gerou uma nota de compensação no montante a pagar de 44.650,90€, incluindo juros compensatórios (cfr. fls. 64 a 66 dos autos).

F) A Impugnante contabilizou nos anos de 2002 e 2003 despesas com deslocação em viatura própria efetuadas pelos seus sócios e por trabalhadores, nos montantes totais de 83.551,14€ e 80.002,08€, sendo os montantes de 70.863,01€ e 66.259,20€, tudo respetivamente, respeitantes apenas aos seus sócios (acordo).

G) Os custos referidos na alínea antecedente encontram-se suportados em mapas preenchidos pelo sócio ou trabalhador em causa, sendo que, com exceção dos mapas preenchidos por A..... e J....., todos os restantes se encontram preenchidos numa base mensal, com indicação do percurso e Kms percorridos, o cliente/assunto em causa, o dia da deslocação e o valor a pagar pela Impugnante (cfr. fls. que constituem o Anexo IV e V ao Relatório Inspetivo constante do PAT).

H) Os mapas mensais de deslocações em viatura própria ao serviço da Impugnante, apresentados por A....., possuíam todos os elementos referidos na alínea antecedente, com exceção da indicação do dia do mês a que cada uma das deslocações neles indicada se referida, perfazendo o montante de 13.370,80€ em 2002, e o montante de 12.887,28€ em 2003 (cfr. fls. 135, 137 a 158, 269 e 271 a 292 do PAT).

I) No que respeita aos mapas apresentados por J....., os mesmos foram apresentados numa base semestral, contendo a indicação do percurso e Kms percorridos, o cliente/assunto em causa, o dia da deslocação e o valor a pagar pela Impugnante, constando todos os meses a indicação genérica e global das deslocações efetuadas em Lisboa e concelhos limítrofe a diversos clientes, o global dos Kms percorrido e o valor a pagar (cfr. fls. 252 a 256 e 381 a 386 do PAT).

J) A indicação genérica e global das deslocações efetuadas em Lisboa e concelhos limítrofe, constante dos mapas apresentados por J....., conforme referido na alínea antecedente, perfaz 17.873 Kms em 2002 e 17.742 Kms em 2003, que ao valor de 0,28€/Km pago pela Impugnante, perfaz os valores de custos suportados de 5.004,44€ em 2002, e 4.967,76€ em 2003 (cfr. fls. 253, 256, 382 e 386 do PAT).

K) A Impugnante contabilizou nos anos de 2002 e 2003, na conta 640802, como custos de formação, os montantes de 3.025,00€ e 1.500,00€, respetivamente, suportados em documentos emitidos exclusivamente em nome dos seus funcionários S..... (Curso – Seg. Higiene Trabalho, no ISLA – Lisboa), S..... (Curso de Preparação para ROC 2002/2003 – Porto, na Ordem dos ROC), A..... (Curso de Preparação para ROC 2002/2003, na Ordem dos ROC) e C..... (5º Programa para Executivos de Gestão por Processos e Criação de Valor, no Overgest ISCTE) (cfr. fls. 418 a 437do PAT).

L) A Impugnante contabilizou nos anos de 2002 e 2003, os montantes de 4.793,41€ e 4.714,86€, respeitantes a Portagens de Veículos, Estacionamento de Veículos e Outros Custos Não especificados, que não sujeitou a tributação autónoma no campo 365 do Quadro 10 das respetivas Modelo 22 dos exercícios de 2002 e 2003 (acordo).

M) A presente impugnação judicial foi remetida através de postal registado em 05.02.2007 (cfr. fls. 68 dos autos)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“1 – Não foi provado que os valores contabilizados em 2002 e 2003 na conta 6229809 – “outros custos não especificados” se refiram a gastos com a gestão administrativa dos dossiers ou impostos sobre os veículos”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo, do qual faz parte o Relatório da Ação Inspetiva e os seus anexos.

Não se fez relevar a prova testemunhal de Edmundo José dos Santos porquanto o seu testemunho, para além de opiniões técnicas e considerações genéricas sobre o modo de funcionamento da empresa a nível da consideração dos custos, em nada acrescentou em termos de factos provados, para além da prova resultante dos documentos juntos aos autos e ao PAT”.

II.D. Considerando o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

N) No âmbito do procedimento inspetivo mencionado em B) e na sequência de notificação da administração tributária (AT), datada de 23.06.2006, foi remetido pelo Impugnante ofício, do qual consta designadamente o seguinte:

“… 2. Indicar o nome do utilizador habitual de cada uma das viaturas ligeiras de passageiros que se encontram ao serviço da empresa e apresentar documento justificativo do acordo celebrado entre a B..... e cada um desses utilizadores. Caso não seja esse o procedimento adoptado, apresentar o documento que demonstre que essas viaturas são utilizadas por vários ou por todos os sócios e ou trabalhadores da empresa

No ano de 2002, a B..... tinha ao seu serviço nove (9) viaturas ligeiras de passageiros, com as seguintes matrículas: ..... (marca BMW 320), ..... (marca Saab 95), ..... (marca BMW 318), ..... (marca Opel Astra); ..... (marca VW Passat); ..... (marca ML 270); ..... (marca BMW 523); ..... (marca Audi 4) e ..... (BMW 320).

As referidas viaturas eram utilizadas por gerentes, directores e técnicos de categoria profissional superior. A referida utilização era indistinta das pessoas, pois nenhuma daquelas viaturas era utilizada em regime de exclusividade por algum dos gerentes, directores ou técnicos de categoria profissional superior. Por essa exacta razão, não é possível falar em utilizador habitual de cada uma daquelas viaturas.

Nunca existiram, pelas razões explicitadas no parágrafo anterior, acordos escritos celebrados entre a B.....e algum dos seus gerentes ou trabalhadores, regulando a utilização das viaturas ligeiras de passageiros que estavam ao serviço da B..... em 2002.

Em síntese, o procedimento adoptado pela B..... quanto à utilização das viaturas ligeiras que estavam ao seu serviço em 2002, não é aquele sugerido na Notificação que nos foi enviada por V. Exas., pois nunca houve utilização de viaturas em regime de exclusividade ou com afectação personalizada e exclusiva, regulada por acordo escrito.

No segundo período da Vossa Notificação é-nos solicitado que apresentemos documento que demonstre que as viaturas são utilizadas por vários ou por todos os sócios gerentes e ou trabalhadores da empresa.

Temos todo o interesse e queremos satisfazer este Vosso pedido, todavia não conseguimos concretizar qual o documento que devemos apresentar para efectuar a demonstração pretendida pedida por V. Exas. Caso Vos seja possível, agradecemos que nos informem qual o tipo de documentos que Vos devemos enviar” (cfr. fls. 119 a 127 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da competência em razão da hierarquia

Cumpre, antes de mais, apreciar a (in)competência em razão da hierarquia deste TCAS, suscitada pela Recorrida nas suas contra-alegações, em virtude de, na sua perspetiva, estarem apenas em discussão questões de direito.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF – redação vigente à época):

“Compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:

(…) b) Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários com exclusivo fundamento em matéria de direito”.

Por seu turno, prescreve o art.º 38.º, al. a), do mesmo diploma que:

“Compete à Secção de Contencioso Tributário de cada tribunal central administrativo conhecer:

a) Dos recursos de decisões dos tribunais tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º”.

Por outro lado, nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do CPPT (na redação então vigente):

“Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

Assim, compete ao Supremo Tribunal Administrativo o conhecimento de recursos, quando a matéria for exclusivamente de direito, competindo aos TCA o conhecimento dos demais.

Nos termos do art.º 16.º, n.º 1, do CPPT, a infração das regras de competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do Tribunal.

Para a aferição da competência em razão da hierarquia é fundamental atentar nas alegações e conclusões do recurso.

In casu, não se acompanha o entendimento da Recorrida, atento o teor das conclusões, do qual resulta a alegação de uma errónea apreciação da matéria de facto.

Face ao exposto, improcede a exceção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia.

Passando à apreciação do mérito do recurso.

III.B. Do erro de julgamento relativo à correção atinente a deslocações e estadas

Considera, a este respeito, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que a AT apurou que a empresa pagava deslocações e estadas com base em quilómetros constantes de boletins de itinerários aos seus sócios e gerentes, mas suportava igualmente despesas com combustíveis, portagens, estacionamentos, conservação e reparação de veículos, não tendo ficado demonstrada a indispensabilidade do custo para a atividade da sociedade.

O Tribunal a quo, a este respeito, concluindo pela inexistência de falta de fundamentação formal da correção, considerou que, do ponto de vista da fundamentação substancial, a correção padecia de vício, referindo que “o que se entende do discurso da AT é que o facto de existirem veículos no ativo imobilizado da empresa, de existirem despesas com combustíveis, portagens, estacionamento, manutenção desses veículos, indicia a existência de duplicação de custos. // Mas não se entende como chega a AT a essa conclusão, apenas com base nessas circunstâncias e no facto da Impugnante não ter chegado a indicado os nomes das pessoas que utilizaram as viaturas afetas à sua atividade, nem apresentado qualquer elemento ou documento comprovativo de que essa utilização não foi realizada exclusivamente pelos sócios da empresa. // Na verdade, a AT não produz qualquer mínima prova ou indício válido que permita chegar à conclusão de que existe duplicação de custos. Com efeito, o facto de uma empresa deter veículos no seu imobilizado não é impedimento de que os seus funcionários (e aqui em nada releva a qualidade de sócios de alguns desses funcionários) utilizem viaturas suas para deslocações ao serviço da entidade patronal, relativamente às quais existe justificação plausível constante dos correspondentes boletins de itinerário. // Por outro lado, a AT não logrou sequer tentar demonstrar essa eventual duplicação de custos, seja pela análise dos documentos contabilizados como combustíveis, como portagens, estacionamentos e outros, cruzando-os com os boletins itinerários constantes da contabilidade da Impugnante, seja ainda pela análise à estrutura de atividade da Impugnante designadamente ao nível do número de funcionários e dos seus clientes. // Ora, a AT limita-se a proferir uma afirmação meramente conclusiva, genérica e desgarrada de qualquer apoio documental, para retirar custos considerados pela Impugnante, bem sabendo que é a si que lhe cabe o ónus da prova da verificação dos indícios ou pressupostos da tributação - pressupostos constitutivos de direitos que legitimam a sua actuação, neste caso de que a Impugnante praticou uma ilegalidade na contabilização desses custos, o que não fez, ou tentou sequer fazer. // Mas ainda se dirá que, se é a própria AT a aceitar que o fundamento da correção não reside nos boletins itinerários, nem colocando em causa a veracidade das deslocações neles evidenciadas, então a não aceitar alguns custos teriam de ser outros que não estes, designadamente esses outros custos a que faz referência de modo genérico”.

Compulsado o relatório de inspeção tributária (RIT), verifica-se que a AT considerou não estar devidamente comprovada a indispensabilidade dos custos, de forma mais clara em resposta ao exercício do direito de audição. Aí, não valorizando a questão do preenchimento dos mapas (questão que o Tribunal a quo considerou ultrapassada, o que não é posto em causa no presente recurso), a AT conclui que, além das despesas com quilómetros, a Recorrida suportou igualmente despesas com combustíveis, rendas, reintegrações, manutenção e conservação, portagens, estacionamentos e seguros relativos a várias viaturas afetas ao seu serviço. Refere ainda que, uma vez que a Impugnante apenas informou que as viaturas da empresa eram utilizadas por gerentes, diretores e técnicos de categoria profissional superior, sem especificar nomes, não foi demostrada a indispensabilidade do custo.

Vejamos.

Em termos de disciplina atinente especificamente aos custos (gastos), há que desde logo atentar no art.º 23.º do CIRC, nos termos do qual:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora …”.

Decorre, pois, que entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente”[1].

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal[2].

Como referido por António Moura Portugal[3], “… para efeitos de IRC, a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de factura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno (…), acompanhada por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção que a operação material teve lugar e que efectivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos”.

Neste contexto é ainda de ter em conta o disposto no então art.º 42.º, n.º 1, al. g), do CIRC, que previa que não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos indevidamente documentados ou encargos confidenciais.

Nessa sequência, carece de justificação documental a realização de custos, para que os mesmos sejam fiscalmente relevantes.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);

¾ No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis”[4].

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal)[5], abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

Em termos de ónus da prova, há ainda que sublinhar que, sendo certo que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade[6], sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição[7].

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Desde já se adiante que se acompanha o entendimento do Tribunal a quo, transcrito supra.

Com efeito, compulsado o RIT, verifica-se que, do ponto de vista dos pressupostos da correção (fundamentação substancial), o mesmo é parco, limitando-se a fazer referências genéricas à circunstância de existirem outro tipo de despesas com veículos, sendo certo que daí não se pode, inexoravelmente, concluir que esteja cabalmente posta em causa a indispensabilidade do custo apresentado.

Como refere o Tribunal a quo, a este propósito, o RIT fundou-se em afirmações meramente conclusivas, não consubstanciadas nem circunstanciadas.

Por outro lado, como refere o Tribunal a quo, o facto de uma empresa ter no seu imobilizado veículos não é impeditivo de que os respetivos colaboradores utilizem as suas viaturas ao serviço da entidade patronal.

Ademais, não se pode considerar que a AT não pudesse / devesse ter ido mais longe na apreciação da situação concreta, o que não fez, escudando-se na circunstância de “o sujeito passivo não [ter indicado] (…)o nome das pessoas que utilizaram as viaturas afectas à sua actividade, nem [ter apresentado] qualquer elemento ou documento comprovativo de que essa utilização não foi realizada exclusivamente pelos sócios da empresa”.

É certo que, num primeiro momento, como resulta do RIT, a AT solicitou ao Recorrido que “indicasse o nome do utilizador habitual de cada uma das viaturas ligeiras de passageiros que se encontram ao serviço da empresa”, pedindo o envio de documento escrito onde constasse acordos celebrados a esse propósito ou documento relativo à sua utilização indiscriminada. No seguimento do solicitado, a Recorrida respondeu à AT, referindo, a este propósito, que a utilização dos veículos não era feita em regime de exclusividade por ninguém na empresa, sendo indistintamente utilizada por gerentes, diretores e técnicos de categoria profissional superior (situação perfeitamente compreensível, atento o objeto social da sociedade, que implica a prestação de serviços de auditoria e consultoria legal e de gestão, incluindo consultoria de impostos e elaboração de pareceres). Ademais, a própria Recorrida solicita, no final do seu esclarecimento, que a AT a informe sobre qual o tipo de documentação pretendida, por ela mesma não conseguir concretizar que documentação que a AT entendia pertinente. A este pedido a AT nada disse. Ou seja, ainda que a Impugnante não tenha respondido à AT com o nível de detalhe que esta pretendia, aquela solicitou que fosse esclarecido que tipo de documentos seriam os pertinentes, ao que a AT nada disse.

Ora, o dever de colaboração é recíproco, como decorre do art.º 59.º, n.º 1, da LGT, não podendo ser o contribuinte penalizado por não haver por parte da AT uma densificação da tipologia de documentos pretendida, tal como sucedeu. Ou seja, o sujeito passivo cumpriu com o seu dever de colaboração, de uma forma mais ampla e solicitando esclarecimentos para poder responder às pretensões da AT, não tendo como contraponto o cumprimento do dever de colaboração por parte da AT, que se escusou a quaisquer esclarecimentos.

Por outro lado, sempre cumpriria à AT, pela análise objetiva dos documentos que sustentam quer as despesas com automóvel próprio quer as despesas com as viaturas constantes do imobilizado, de alguma forma caraterizar duplicações detetadas (v.g., através da análise das datas dos documentos de suporte), o que de modo algum é feito. São simplesmente desconsiderados todos os custos suportados.

Ou seja, caberia à AT ter ido mais além, quer respondendo ao esclarecimento pedido pelo Recorrido, quer caraterizando, pela análise documental que tinha ao seu alcance, duplicações detetadas, o que não sucedeu.

Assim, a relação causa/efeito defendida pela AT no RIT carece de sustentação.

Ora, cabendo, num primeiro momento, à AT o ónus de fundadamente pôr em causa a indispensabilidade do custo, e não tendo tal ocorrido, in casu, nunca se chegou a inverter o ónus da prova, pelo que, ao contrário do referido pela Recorrente, não cabia à Impugnante demonstrar a indispensabilidade dos custos em causa.

Como tal, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.C. Do erro de julgamento relativo à correção atinente a formação

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo errou o seu julgamento, no que respeita à correção referente a formação, na medida em que, de um lado, os documentos comprovativos dos custos foram emitidos em nome de terceiros e, de outro, revelam claramente a existência de um interesse essencialmente pessoal na formação.

Atento o RIT, verifica-se que, num primeiro momento, foram elencados os custos de formação, cujas faturas foram ou emitidas em nome de uma SROC ou em nome de trabalhadores da Impugnante, considerando a AT que os mesmos não seriam de aceitar por não estarem tais documentos emitidos em nome da Impugnante. Na sequência do exercício do direito de audição (no qual a Impugnante aceitou a parte da correção relativa aos documentos emitidos em nome da SROC), referiu a AT, face ao facto de a Impugnante ter alegado ter ficado na posse do original dos documentos em causa e dispor do documento comprovativo, que, no entanto, as despesas não seriam de aceitar porque, para além do mais, têm um cariz pessoal.

Entendeu a este respeito o Tribunal a quo que, nunca tendo sido posta em causa a efetividade do custo, o seu efetivo pagamento e mesmo a sua relevância para o desenvolvimento da atividade da empresa, não se pode considerar o custo desfasado da realidade empresarial. Por outro lado, considerou não ser suficientemente ponderosa a circunstância de as faturas estarem emitidas em nome dos trabalhadores, dado não ser esse motivo que determina a não indispensabilidade do custo.

Vejamos.

Como referido no RIT, a correção em causa foi feita ao abrigo do art.º 23.º do CIRC, cujo âmbito já foi explanado supra, em III.B., para onde se remete.

O que se trata, pois, de aferir, in casu, é, em primeiro lugar, se é suficiente, para a desconsideração de um custo ao abrigo do art.º 23.º do CIRC, o facto de a fatura respetiva ter sido emitida não em nome da Impugnante, mas em nome de terceiros, seus trabalhadores.

Ora, essa circunstância, per se, não é suscetível de afastar um custo ao abrigo do art.º 23.º do CIRC [cfr. neste sentido o Acórdão deste TCAS, de 26.01.2017 (Processo: 20006/16.7BCLSB)], desde logo porque nunca foi de modo algum posto em causa que o mesmo custo foi suportado nem que a Impugnante detinha os originais de todas as faturas, tal como alegado em sede de direito de audição.

Como referimos supra, sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento e até por meios complementares de prova documental e testemunhal[8].

Ou seja, do ponto de vista documental, as exigências para efeitos de IRC são menores do que as exigências para efeitos de outros impostos, designadamente para efeitos de IVA, pelo que a não consideração de um custo, em situações como a dos autos, só poderia relevar se efetivamente se considerasse que o mesmo inexistia ou não tinha sido suportado. É certo que, numa situação ideal, a fatura deverá existir e emitida em nome do sujeito passivo (o que não impede, v.g., que haja custos suportados por documentos que não sejam necessariamente faturas). Neste caso a fatura existe (não estamos perante custos não documentados, ainda que a documentação possa não ser a ideal), ainda que emitida em nome de trabalhadores da empresa e não em nome da Recorrida, como seria desejável, e o seu original está nas mãos da Recorrida.

No entanto, esta menos adequada documentação do custo por si só não é suscetível de pôr em causa a sua indispensabilidade, uma vez que o mesmo se encontra documentado e a sua efetividade não é controvertida.

Por outro lado, quanto ao caráter eminentemente pessoal dos mencionados custos, verifica-se que tal se encontra evidenciado no RIT de forma estritamente conclusiva, baseada exclusivamente na circunstância de os beneficiários da formação serem pessoas individuais (trabalhadores da Recorrida).

Ora, atenta a factualidade assente (designadamente considerando as temáticas das formações frequentadas pelos trabalhadores e, bem assim, o objeto social da Recorrida) e a importância que reveste a formação dos trabalhadores para o desempenho de funções, como resulta das regras da experiência, o Tribunal a quo andou bem na sua decisão, ao considerar que tal custo é subsumível ao disposto no art.º 23.º do CIRC.

Por outro lado, apelando ao já expendido quanto ao alcance desta mesma disposição legal, de facto não podem ser ponderados, para efeitos de indispensabilidade de um determinado custo, critérios de oportunidade ou razoabilidade, como parece defender a AT no RIT, ao concluir, sem mais, que formações frequentadas por trabalhadores têm caráter pessoal.

Quanto ao invocado, no sentido de os funcionários beneficiários das formações exercerem funções noutras sociedades, tal não resulta do RIT, carecendo de materialidade o alegado, uma vez que não é admissível fundamentação a posteriori do ato.

Assim sendo, tendo sido efetivamente suportados os custos em causa e sendo certo que, como resulta das regras da experiência, a formação de funcionários constitui uma vantagem para os respetivos empregadores, não há por que não aceitar fiscalmente tais custos.

Como tal, também nesta parte, não assiste razão à Recorrente.

V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Negar provimento ao recurso;
b) Custas pela Recorrente;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 16 de dezembro de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(António Patkoczy)

(Mário Rebelo – vencido, conforme declaração de voto junta)


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, tem voto de conformidade com o presente Acórdão o Senhor Desembargador António Patkoczy]

Tânia Meireles da Cunha

Voto de vencido:

Vencido quanto à decisão relativa aos custos com as ações de formação, com os fundamentos que sinteticamente alinho de seguida.

Os custos foram contabilizados pela Impugnante tendo como suporte uma fatura emitida em nome de terceiro (formandos).

Uma vez que é a Impugnante a contabilizar os custos, a faturação deveria ter sido emitida em seu nome. Tendo sido emitida em nome de terceiro, significa que em nome da Impugnante o custo não está documentado (cfr. art.ºs 23º/1 em articulação com o art.  42º/1g) ambos do CIRC).

Dizer-se que está documentado em nome de terceiro significa precisamente que não está documentado em relação à Impugnante.

O facto de o original da fatura estar na posse da Impugnante não lhe confere aptidão para justificar o lançamento. O critério legal (art.º 23º CIRC) não é o da “posse” do documento.    

Mas poder-se-ia argumentar que o custo está documentado por “constar de documento”.

Nesta linha de raciocínio, não se pode ignorar que o documento comprova a realização da operação, nos exatos termos nele contidos, até prova em contrário (J. L. Saldanha Sanches, “Quantificação da Obrigação Tributária”, Lex, 2000, pp. 243).

A fatura emitida em nome “alheio” significa que o emitente não prestou qualquer serviço à Impugnante, facto, que, neste caso, temos por assente.

Admitindo-se a sua contabilização cauciona-se, com aprovação legal, uma operação que nunca existiu.

Mesmo que se superassem estes problemas, a contabilização com base em fatura de terceiro desonera a AT do encargo de provar quaisquer outros fundamentos para a sua desconsideração como custo.

Por ter perdido o benefício da presunção de veracidade (art. 75º/1 LGT), recai sobre o utilizador – Impugnante – o ónus de provar todos os requisitos para a sua admissibilidade como custo (art. 74º/1 LGT), com referência ao enunciado legal (do art. 23º/1 do CIRC na redação aplicável).

Não é a AT que tem de provar que estes não se verificam, mas sim o contribuinte que tem o ónus da prova positivo, podendo, depois a AT contrariar a prova carreada pelo interessado.

Dos factos provados não consta, salvo melhor juízo, qualquer prova mobilizada pela Impugnante demonstrativa dos requisitos legais em que funda o seu direito, a não ser meros juízos conclusivos, sem qualquer densificação.

Assim, com o devido respeito pela fundamentação que fez vencimento, daria, nesta parte, provimento ao recurso.

Lisboa, 16 de dezembro de 2020

(Mário Rebelo)

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[1] Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).
[2] Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.
[3] A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 204.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).
[5] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.
[6] V., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.11.2004 (Processo: 07375/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2007 (Processo: 00070/01 – PORTO).
[7] Sobre o ónus do contribuinte, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.10.2012 (Processo: 05014/11).
[8] Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.