Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:38/09.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores: PRESCRIÇÃO DE DÍVIDA DE IVA;
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
Sumário:A prescrição da obrigação tributária pode ser apreciada e decidida no processo de impugnação judicial, com vista à declaração de extinção da instância devido a inutilidade superveniente da lide, dado que estamos perante acto tributário ineficaz, porque inexigível.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

A…….., veio, nos termos do artigo 102.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), deduzir IMPUGNAÇÃO Judicial na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra actos de liquidação oficiosa de IVA.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 78 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 19 de Junho de 2018, julgou a impugnação improcedente, por não provada.
Nas alegações de fls. 113 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), o recorrente A……., formula as conclusões seguintes:
«1. A prescrição das obrigações tributárias são conhecidas oficiosamente pelo juiz, nos termos disposto no artigo 175.º do C.P.P.T.
2. No que respeita ao regime da prescrição, vigora o artigo 48.º, n.º 1 da LGT que dita que as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de 8 anos contados, no caso de imposto sobre o valor acrescentado, a partir do início do ano civil seguinte em que se verifica a exigibilidade do imposto.
3. O recorrente após tomar conhecimento da liquidação oficiosa de IVA n.º 073140…, respeitante ao período de 0312T, veio apresentar em 04/01/2008, Reclamação Graciosa.
4. Nessa data operou a interrupção da contagem do prazo prescricional que se encontrava em curso desde 1/1/2004, nos termos do artigo 49.º, n. º1 da LGT, inutilizando o prazo decorrido até então, conforme dispõe o artigo 326.º do C.C.
5. Ora no caso em apreço, o facto que se verificou em primeiro lugar foi a Reclamação Graciosa, requisito constante N.º 1 do artigo 48.º da LGT.
6. No processo em apreço, estamos perante uma interrupção da prescrição e não perante uma suspensão da prescrição, pois que sendo a reclamação um acto interruptivo, não é susceptível de ser suspensiva por não estar enquadrada no N.º 4 e 5 do artigo 49.º da LGT.
7. Se verificarmos também o artigo 327.º do C.C, a Reclamação Graciosa não consta dos motivos elencados para se fazer operar a suspensão do prazo.
8. A pendência de um processo executivo não tem qualquer efeito suspensivo a menos que seja deduzida oposição, impugnação, reclamação ou recurso hierárquico, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida, artigo 49. N.º 4 da LGT.
9. Ora, a Reclamação graciosa, apresentada nunca teve qualquer efeito suspensivo da execução, pois nunca foi apresentada qualquer garantia por parte do Recorrente, tanto que a Autoridade Tributária realizou penhoras ao imóvel descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o registo 702… da Freguesia de S. D. R…, Artigo matricial N.º 163.., fracção” I”, da mesma freguesia, cf. Doc. N.º 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.
10. Assim e reportando-nos aos presentes autos, o novo prazo de prescrição, (data da apresentação da Reclamação Graciosa) começou a contar em 04/01/2008, tendo o prazo de 8 anos iniciado a contagem nessa mesma data, pelo que tal prazo de prescrição terminou necessariamente em 05/01/2016.
11. Desta forma, não se pode concluir senão que estas dívidas fiscais constantes nestes autos se encontram prescritas, há pelo menos 2 anos e meio, motivo pelo qual se entende que o ora recorrente não é devedor de tais impostos.

Nestes termos e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento aos Recurso, e absolver-se o Recorrente, considerando que as alegadas dívidas fiscais se encontram prescritas.
Como é de inteira, JUSTIÇA.»
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A recorrida, FAZENDA PÚBLICA, tendo sido devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser julgada verificada a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, nos termos das disposições combinadas dos art. 280º nº 1 do C.P.P.T., 26º, al. a) do E.T.A.F. e 96º al. a), 97º nº 1, 98º, 99º nº 2, 576º nº 1 e 2, 577º, al. a), e 578º do C.P.C., estes aplicáveis por força do disposto no art. 2º, al. e), do C.P.P.T..

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Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A. Em 09.12.1996, o Impugnante apresentou a declaração de início de actividade, declarando exercer a actividade de músico, com o código 030…, da tabela anexa ao CIRS (cfr. declaração de início de actividade, a fls. 27 a 30 do PAT apenso, que se dá por reproduzida);
B. O Impugnante inscreveu, na respectiva declaração, estar enquadrado no “regime geral” de tributação, ter um volume de negócios esperado de 50 contos e praticar transmissões de bens e ou prestações de serviços que conferem o direito à dedução (cfr. declaração de início de actividade);
C. O Impugnante foi enquadrado, pelos serviços da Administração Tributária, no regime especial de isenção previsto no art. 53.º do CIVA (cfr. declaração de início de actividade);
D. Em 04.02.2002, o Impugnante apresentou a declaração modelo 3 de IRS na qual declarou ter auferido rendimentos de 2.004.800$00, referentes ao exercício fiscal de 1999 (cfr. informação, a fls. 32 do PAT apenso);
E. Através do ofício n.º 237…, de 21.03.2007, a Direcção de Finanças de Lisboa notificou o Impugnante nos seguintes termos:
“1. Estando a decorrer uma verificação à situação tributária de V. Exa., constata-se que, não obstante estar enquadrado no regime especial de isenção do artigo 53.º do CIVA (…), declarou no anexo B da Declaração Modelo 3 do IRS rendimentos superiores a 10.000€ (…).
2. Neste termos, (…) considera-se V. Exa. notificada para, no prazo de 15 dias, proceder à regularização da situação mediante:
2.1. Entrega de declaração de alterações, para enquadramento no regime normal de tributação do IVA, com efeitos ao momento em que reuniu os respectivos pressupostos (…)”.
(cfr. ofício a fls. 14 do PAT apenso, que se dá por reproduzido);
F. Na falta de apresentação da declaração, os Serviços de Inspecção Tributária procederam à alteração oficiosa dos elementos da actividade do Impugnante, em 30.10.2007, ficando o mesmo enquadrado no regime normal, de periodicidade trimestral, a partir de 01.02.2003 (cfr. informação a fls. 32 do PAT apenso);
G. Notificado da liquidação oficiosa de IVA n.º 073140…, respeitante ao período de 031…T, em 04.01.2008, o Impugnante deduziu reclamação graciosa (cfr. reclamação, a fls. 3 a 15 do PAT apenso, que se dá por reproduzida);
H. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Director de Finanças adjunto de Lisboa, em 05.12.2008, com os seguintes fundamentos:
“(…) 5.3.2. (…) tendo o sujeito passivo declarado que ia exercer transmissões de bens e ou prestações de serviços que conferem o direito à dedução, nunca poderia enquadrar-se no art. 9º do CIVA, uma vez que as prestações de serviços elencadas no artº 9º encontram-se isentas e como tal não conferem direito à dedução (…).
6 – PROPOSTA DE DECISÃO
Por não ter cumprido com as obrigações decorrentes do seu enquadramento previstas nos artºs 28º, 31º e 58º do CIVA e 60º da LGT (Lei Geral Tributária) e RCPIT, foram efectuadas oficiosamente as correcções devidas depois de validamente notificadas.
Em altura alguma poderia o reclamante invocar o desconhecimento, pelo que as suas pretensões não deverão ser atendidas. (…).”
(cfr. despacho e informação, a fls. 42 a 46 do PAT apenso, que se dá por reproduzido).
*

Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se:

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
No exercício da sua actividade de músico, o Impugnante apenas prestou serviços a promotores de espectáculos.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A decisão da matéria de facto provada baseou-se nos documentos juntos aos autos e ao PAT apenso, não impugnados, conforme remissão feita em cada alínea do probatório.
Quanto à matéria de facto não provada: Por falta de apresentação de prova, documental ou testemunhal, quanto à natureza dos serviços prestados.»


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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
I) Em 04.03.2008, o Serviço de Finanças de Cascais-2 instaurou processo de execução fiscal, com o n.º 3433200801020…, contra o recorrente por dívida de IVA, referida na alínea G. supra – fls. 2 do pef.
J) Em 08.09.2008, o pef foi suspenso, dado ter sido efectuada penhora sobre o imóvel inscrito na matriz n.º 163…, fracção I, da freguesia de S. D. R…, em nome de A......., que garante a dívida – fls. 13, do pef.
K) Através do ofício 97229, de 16.12.2008, recebido em 17.12.2008, o recorrente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida em H). – fls. 49/50, do p.a.
L) Em 29.12.2009, o recorrente deduziu a presente impugnação judicial – fls. 5 dos autos.
M) Por meio de despacho do Chefe do Serviço de Finanças, de 20.11.2017, foi aceite a substituição de garantia oferecida pelo recorrente – fls. 64/65, do pef.

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2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 78 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 19 de Junho de 2018, julgou a impugnação, deduzida na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra actos de liquidação oficiosa de IVA, improcedente, por não provada.
2.2.2. A sentença julgou improcedente a impugnação, considerando que o recorrente não observou o ónus da prova que sobre si recai de que preenche os pressupostos de aplicação da norma de isenção do artigo 9.º, n.º 16, b); do CIVA.
2.2.3. Antes de entramos na apreciação dos fundamentos do recurso e uma vez observado o contraditório prévio, cumpre aferir da excepção da incompetência absoluta deste TCAS para dirimir o litígio, suscitada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste TCAS.
Nos termos do artigo 280.º/1, do CPPT, «Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de dez dias a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».
«O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos. (…) // O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso[1].
No caso em exame, cotejando o teor das alegações de recurso, verifica-se que as mesmas incidem sobre a alegada prescrição da dívida emergente ao acto tributário impugnado, pelo que a mesma implica o apuramento de factualidade relevante com vista à aferição da mesma.
Em face do circunstancialismo relatado, impõe-se concluir que «para solucionar a matéria alegada e controvertida pelas partes [torna-se] necessário fazer juízos sobre questões probatórias ou averiguar da materialidade alegada como eventualmente interessando a outras plausíveis soluções de direito»[2].
Donde resulta que o objecto do recurso jurisdicional em exame não versa exclusivamente sobre questões de direito, pelo que assiste competência, em razão da hierarquia, a este tribunal para dele conhecer.
Termos em que se julga improcedente a presente excepção dilatória da incompetência absoluta do TCAS para conhecer do objecto do recurso.
2.2.4. No que respeita à invocada prescrição, cumpre referir que: «[a]prescrição da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (cfr. artº.176, al.d), do C.P.C.Impostos; artº.286, nº.1, al.d), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.d), do C.P.P.Tributário), consubstanciando excepção peremptória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário (cfr.artº.27, §2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.259, do C.P.Tributário; artº.175, do C.P.P.Tributário). // No que diz respeito ao processo de impugnação judicial, vem entendendo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, à qual se adere, que a prescrição da obrigação tributária pode ser do conhecimento do Tribunal no âmbito da identificada espécie processual, embora para retirar do eventual provimento da mesma excepção não a procedência da impugnação e consequente anulação da liquidação objecto do processo (vertente dos requisitos de validade do acto), mas antes a declaração de extinção da instância devido a inutilidade superveniente da lide, dado que estamos perante acto tributário ineficaz, porque inexigível»[3].
No caso em exame, está em causa dívida de 2003[4], pelo que o prazo de prescrição tem início em 01.01.2004 (artigo 48.º/1, da LGT, versão conferida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro[5]). O prazo de prescrição é de 8 anos (artigo 48.º/1, da LGT). Em 04.01.2008[6], o recorrente deduziu reclamação graciosa contra o acto tributário em apreço. Em 08.09.2008, o pef foi suspenso, dado ter sido efectuada penhora sobre imóvel, propriedade do recorrente[7]. De onde se retira que o prazo de prescrição se mostra suspenso até à presente data e assim ficará até ao trânsito em julgado da presente sentença, dado que a execução encontra-se suspensa, em razão da existência de garantia prestada e aceite pelos serviços[8], associada ao meio impugnatório de escrutínio da legalidade do acto tributário que lhe confere o título[9]. Recorde-se que, nos termos do artigo 49.º, n.º 4, da LGT, «O prazo de prescrição suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinam a suspensão da execução». É que, «[a] paragem da execução fiscal por motivo de suspensão requerida pela executada é-lhe imputável, pois a sua actuação impede o órgão da execução fiscal de prosseguir com ela. // Assim sendo, nos termos do disposto nos artigos 49.º, n.º 3 da LGT e 169.º do CPPT, suspenso o processo de execução, na sequência da interposição de impugnação judicial e da prestação de garantia bancária, o prazo de prescrição manter-se-á suspenso enquanto durar aquela suspensão»[10].
De onde se impõe concluir que a dívida em causa nos autos não se mostra prescrita, pelo que não deve ser declarada a inutilidade da lide, porquanto é de julgar improcedente a excepção peremptória em apreço.
Na falta de outros fundamentos da presente intenção recursória, impõe-se negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.
Termos em que se procederá no dispositivo.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)
(2º. Adjunto)

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[1] Acórdão do TCAS, de 04.06.2013, P. 06465/13.
[2] Acórdão do TCAS, de 22.09.2009, P. 3314/09.
[3] Acórdão do TCAS, de 19-05-2016, P. 09523/16
[4] Alínea G), do probatório.
[5] «Estando em causa dívidas de IVA referentes ao ano de 2002 e sendo este imposto de obrigação única (e não um imposto periódico) o termo inicial do prazo de prescrição (de 8 anos) que se contava, à luz da inicial redacção do nº 1 do art. 48º da LGT, a partir da data da ocorrência dos respectivos factos tributários e não a partir do início do ano civil seguinte, passou a contar-se, por via da alteração que o art. 40º da Lei nº 55-B/2004 introduziu neste nº 1, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, ou seja, no caso, a partir de 1/1/2003», Acórdão do STA, 14.01.2015, P. 01684/13.
[6] Alínea G), do probatório.
[7] Alínea J), do probatório.
[8] Alíneas J) e M), do probatório.
[9] Alíneas G) e L), do probatório.
[10] Acórdão do STA, de 23.11.2011, P. 0993/11.