Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09689/16
Secção:CT
Data do Acordão:03/09/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:EFICÁCIA DO ATAQUE À SENTENÇA
Sumário:I - Se na sentença recorrida se decide não ser possível concluir ser a impugnante um sujeito passivo misto, considerando-se afastada a aplicação do pro rata de dedução, e se essa conclusão não é posta em causa pela Recorrente, não faz já sentido discutir que montantes, dos recebidos pela Impugnante, devem, ou não, constar do denominador da fracção utilizada para cálculo da apontada percentagem de dedução do IVA.
II - Nos termos em que o recurso vem gizado, é manifestamente ineficaz – enquanto forma de ataque à sentença recorrida – o percurso seguido pela Recorrente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela ASSOCIAÇÃO M..., a qual tinha por objecto as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, relativos ao ano de 2002, vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Nas suas alegações expende, a final, o seguinte quadro conclusivo:

1. Salvo o devido respeito, que é muito, o douto Tribunal a quo, no caso vertente, deveria ter dado maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 2º, n.º2, 9.º, 15º, 21º, 22º, 23º e 44º, todos do CIVA;; art. 9º, n.º 1, al. a) do CIRC; arts. 74.º, e 75.º da LGT.

2. Tudo conjugado com o princípio da legalidade, assim como o teor da Informação oficial de fls. 338 a 356 do PAT junto aos autos; fls. 241, 296 a 298 do PAT junto autos e fls. 168 a 243 do PAT (correspondentes ao Relatório da Inspecção Tributária), em especial o Anexo 6 do RIT, de fls. 214 e 215 do PAT.

3. Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO aduzida pelo Recorrido, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela improcedência de uma qualquer ilegalidade dos actos e liquidação adicionais impugnados pela Recorrida, mormente não se considerando as preditas liquidações inquinadas de quaisquer vícios, determinantes da sua anulação.

4. Pelo que, ao não ter sido assim preconizado pelo douto Tribunal recorrido, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante a matéria de facto dada como assente, devidamente conjugada com os elementos constantes dos autos, mormente do acervo probatório documental que foi apurado e sindicado e aqueloutro supra indicado e que não foi devidamente valorizado, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão a quo deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ao caso vertente.

5. A predita vicissitude, preconizada pelo respeitoso Tribunal a quo, a qual, humildosamente, se pretende que seja devidamente sindicada pelo respeitoso Areópago ad quem, foi, mutatis mutandis, causa adequada, para que fosse alvitrada pelo Tribunal recorrido,

6. uma errada valoração do acervo probatório documental constante dos autos e consequentemente, a errada interpretação e aplicação do direito aos factos do caso vertente, culminando em erro de julgamento.

7. Decidindo como decidiu, o respeitoso areópago a quo não considerou correctamente a prova documental produzida nos autos, assim como desconsiderou outra tanta, e não a tendo valorizado (pelo menos como o deveria), consequentemente, laborou em errada aplicação das normas legais supra vazadas, ao acervo factual do processo sub judice.

8. Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito aos factos, nos termos supra explanados, assim como não considerou nem valorizou como se impunha a documentação supra mencionada o que consubstancia erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada

JUSTIÇA!


*

Notificada das alegações de recurso, a Recorrida não apresentou contra-alegações.

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu Parecer onde concluiu no sentido da improcedência do recurso.

*

Colhidos os vistos, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

1) A impugnante foi constituída através de instrumento notarial outorgado a 04.06.1996, no quarto cartório notarial de Lisboa, no qual os outorgantes declararam constituir a impugnante, enquanto associação sem fins lucrativos para promoção da moda nacional (cfr. fls. 179 a 185, do processo administrativo).

2) Em 2002, a impugnante organizou os eventos “M...” (18.ª e 19.ª Edições), “Concurso ...”, “Showroom ...” e “+...”, nos quais não era cobrado o acesso (cfr. fls. 187, do processo administrativo).

3) Os eventos mencionados em 2) foram reconhecidos como tendo interesse cultural ao abrigo do Estatuto do Mecenato, por despacho do ministro da cultura, de julho de 2002 (cfr. fls. 187, do processo administrativo).

4) Foi proferido, a 01.06.2005, despacho conjunto, pelo secretário de estado dos assuntos fiscais e pela ministra da cultura, com o seguinte teor:

“…


“Texto no original”

…” (cfr. fls. 188, do processo administrativo).

5) De documento escrito designado de “Contrato Programa entre o Icep Portugal – Investimento, Comércio e Turismo, a DGI – Direcção Geral da Indústria, o IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento e a Associação M..., no âmbito das alíneas a), b) e g) do n.º 1 do artigo 3º da Portaria n.º 680-A/2000 de 29 de Agosto”, no qual o Icep, a DGI e o IAPMEI surgem, respetivamente, como primeiro, segunda e terceiro outorgantes, e a impugnante como quarta outorgante, datado de 09.05.2002, consta designadamente o seguinte:

“…

“Versão integral do texto disponível no original”

...” (cfr. fls. 115 a 132).

6) Na sequência do mencionado em 2) e 5) e de contactos com outras entidades, a impugnante recebeu quantias pecuniárias do Icep, da DGI, do IAPMEI, da Câmara Municipal de Lisboa e do Estado e outros entes públicos, registadas na sua contabilidade como subsídio de exploração, no valor total de 1.940.922,41 Eur. (cfr. fls. 79, dos autos, e fls. 214, 291, 297 a 307, do processo administrativo).

7) Foram elaborados em 2002 documentos escritos, designados de “contrato”, onde surgem como partes a impugnante e diversas sociedades comerciais e nos quais estas declaram conceder à primeira patrocínios sujeitos a IVA durante o ano de 2002 e a impugnante declara comprometer-se a conceder contrapartidas, tais como inclusão de logotipos, menções ao patrocinador, divulgação junto da comunicação social (cfr. fls. 133 a 141).

8) Na sequência do mencionado em 7), foram pagos à impugnante, em 2002, os valores totais de 437.436,79 Eur., registados na sua contabilidade enquanto prestações de serviços (cfr. fls. 214 e 291, do processo administrativo).

9) A impugnante, durante o exercício de 2002, suportou despesas relativas a serviços de catering, consubstanciados em fornecimento de alimentação e bebidas, e receção, nomeadamente no âmbito dos eventos mencionados em 2), com IVA suportado no valor total de 7.998,87 Eur. (cfr. o documento 11, junto com a petição inicial, constante de fls. 142 a 147, bem como os extratos de conta, constantes de fls. 216, 217, 225, 228 a 230, do processo administrativo, e as faturas constantes de fls. 218 a 224, 226, 227, 231 a 234, do processo administrativo; quanto ao valor o mesmo não é posto em causa pela impugnante, como resulta do art.º 235.º, in fine, da petição inicial).

10) A impugnante, entre 01.01.2001 e 01.01.2005, estava enquadrada no regime normal trimestral de IVA não isenta (cfr. fls. 309, do processo administrativo).

11) Por referência a 31.12.2002, no sistema informático da administração tributária (AT) de registo de contribuintes, constava que a impugnante realizava, para efeitos de IVA, operação “misto com afect. real de todos os bens” (cfr. fls. 310, do processo administrativo).

12) A impugnante apresentou declaração periódica de IVA, relativa ao primeiro trimestre de 2002, na qual declarou:

Base Tributável
Valor
Campo 01
Taxa reduzida
-
Campo 03
Taxa normal
26.603,41
Campo 05
Taxa intermédia
-
Campos 07 a 09
Operações isentas
-
Campo 10
Aquisições intracomunitárias
-
Campo 20
Imposto dedutível
330,06
Campo 24
4.842,08
(cfr. fls. 312, do processo administrativo).

13) A impugnante apresentou declaração periódica de IVA, relativa ao segundo trimestre de 2002, na qual declarou:

Base Tributável
Valor
Campo 01
Taxa reduzida
-
Campo 03
Taxa normal
194.560,59
Campo 05
Taxa intermédia
-
Campos 07 a 09
Operações isentas
-
Campo 10
Aquisições intracomunitárias
-
Campo 20
Imposto dedutível
379,43
Campo 24
68.923,30
(cfr. fls. 315, do processo administrativo).

14) A impugnante apresentou declaração periódica de IVA, relativa ao terceiro trimestre de 2002, na qual declarou:

Base Tributável
Valor
Campo 01
Taxa reduzida
-
Campo 03
Taxa normal
143.536,42
Campo 05
Taxa intermédia
-
Campos 07 a 09
Operações isentas
-
Campo 10
Aquisições intracomunitárias
-
Campo 20
Imposto dedutível
104,32
Campo 24
95.046,34
(cfr. fls. 318, do processo administrativo).

15) A impugnante apresentou declaração periódica de IVA, relativa ao quarto trimestre de 2002, na qual declarou:

Base Tributável
Valor
Campo 01
Taxa reduzida
-
Campo 03
Taxa normal
217.135,00
Campo 05
Taxa intermédia
-
Campos 07 a 09
Operações isentas
-
Campo 10
Aquisições intracomunitárias
-
Campo 20
Imposto dedutível
582,10
Campo 24
112.747,70
(cfr. fls. 321, do processo administrativo).

16) A impugnante declarou, na declaração anual de informação contabilística e fiscal relativa ao exercício de 2002, os seguintes valores:

Conta
Valor
Conta 72
Prestações de serviços
437.436,79
Conta 76
Subsídios à exploração
1.940.922,41
Conta 78
Proveitos e Ganhos Financeiros
850,85
Conta 79
Proveitos e Ganhos Extraordinários
30,50
(cfr. fls. 174 e 201, do processo administrativo).

17) A impugnante, na declaração periódica de IVA, relativa ao período 0305T, efetuou pedido de reembolso de IVA, no valor de 275.000,00 Eur. (cfr. fls. 75).

18) A impugnante foi objeto de ação inspetiva, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ..., pela Direção de Finanças de Lisboa, sobre a qual foi proferido despacho a 05.12.2005 (cfr. fls. 69, dos autos, e fls. 274, do processo administrativo).

19) No âmbito da ação inspetiva mencionada em 18), foi remetido ofício, designado de “Carta Aviso”, dirigido à impugnante, datado de 09.03.2006, remetido via correio postal registado a 10.03.2006 (cfr. fls. 72 a 74, dos autos, e fls. 272 e 273, do processo administrativo).

20) Foi aposta, na ordem de serviço mencionada em 18), no campo para preenchimento pelo sujeito passivo, assinatura do TOC da impugnante e a data 14.11.2006 (cfr. fls. 69 e 70, dos autos, e fls. 274, do processo administrativo).

21) Foi emitida nota de diligência n.º … e relativa à ordem de serviço mencionada em 18), em cujo campo para preenchimento pelo sujeito passivo consta assinatura e a data de 13.12.2006 (cfr. fls. 71, dos autos, e fls. 275, do processo administrativo).

22) No decurso da ação inspetiva mencionada em 18), a impugnante apresentou declarações de IVA de substituição, das declarações mencionadas de 12) a 14) relativas aos primeiro, segundo e terceiro trimestres de 2002, constando das mesmas designadamente o seguinte:

a) Primeiro trimestre:

Base Tributável
Valor
Campo 01
Taxa reduzida
-
Campo 03
Taxa normal
25.374,00
Campo 05
Taxa intermédia
-
Campos 07 a 09
Operações isentas
-
Campo 10
Aquisições intracomunitárias
1.229,41
Campo 20
Imposto dedutível
330,06
Campo 24
4.842,08
b) Segundo trimestre:
Base Tributável
Valor
Campo 01
Taxa reduzida
-
Campo 03
Taxa normal
172.029,92
Campo 05
Taxa intermédia
-
Campos 07 a 09
Operações isentas
-
Campo 10
Aquisições intracomunitárias
22.530,65
Campo 20
Imposto dedutível
379,43
Campo 24
68.923,30
c) Terceiro trimestre:

Base Tributável
Valor
Campo 01
Taxa reduzida
-
Campo 03
Taxa normal
27.547,89
Campo 05
Taxa intermédia
-
Campos 07 a 09
Operações isentas
-
Campo 10
Aquisições intracomunitárias
115.988,53
Campo 20
Imposto dedutível
104,32
Campo 24
95.046,34
(cfr. fls. 199, 200, 213, 241 a 243, 313, 316 e 319, do processo administrativo).

23) Da ação inspetiva referida em 18) resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 02 de fevereiro de 2007, do qual consta designadamente o seguinte:

“…

“Versão integral do texto disponível no original”

(…)


…” (cfr. documento junto de fls. 168 a fls. 243, do processo administrativo).

24) Foi remetido, via correio postal registado com aviso de receção, ofício, dirigido à impugnante, dando-lhe a conhecer o RIT mencionado em 23) (cfr. o ofício constante de fls. 278 e 279, do processo administrativo, bem como as cópias do talão de registo e do aviso de receção, constantes de fls. 280 a 282, do processo administrativo).

25) No aviso de receção mencionado em 24) foram apostas as datas 02.03.2007 e 05.03.2007 pela entidade fornecedora de serviços postais (cfr. a cópia do aviso de receção, constante de fls. 282, do processo administrativo)

26) Na sequência do RIT mencionado em 23) foram emitidas, pela AT, em nome da impugnante, as seguintes liquidações, tendo como data limite para pagamento voluntário 31.05.2007:

Liquidação
Período
Valor
IVA0203T
1.499,92
Juros compensatórios0203T
318,15
IVA0206T
22.174,87
Juros compensatórios0206T
4.308,00
IVA0209T
29.236,16
Juros compensatórios0209T
5.169,59
IVA0212T
180.552,22
Juros compensatórios0212T
28.670,70
(cfr. fls. 61 a 68, dos autos, e fls. 158 a 161, do processo administrativo).

27) As liquidações mencionadas em 26) foram comunicadas à impugnante e por ela conhecidas pelo menos a 16.04.2007.

28) Na sequência do não pagamento das liquidações mencionadas em 26) dentro do prazo aí mencionado, foi instaurado contra a impugnante o processo de execução fiscal (PEF) n.º ... (cfr. fls. 332, do processo administrativo).

29) A quantia exequenda do PEF mencionado em 28) foi paga em 14.10.2007 [275.000,00 Eur., por compensação do reembolso mencionado em 17)] e em 15.11.2007 (13.618,19 Eur.) (cfr. fls. 333 e 335, do processo administrativo).

30) Na sequência do mencionado em 29) o PEF referido em 28) foi extinto por pagamento (cfr. fls. 333, do processo administrativo).


*

Dos Factos não Provados

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.


*

Motivação da Matéria de Facto

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.

No tocante ao facto 2), trata-se, aliás, de facto não controvertido, como resulta da posição da impugnante na sua petição inicial (cfr. art.º 13.º) e do ponto B.1. do RIT. O mesmo resultou ainda do depoimento da testemunha J..., contabilista da impugnante, que confirmou o facto de não haver pagamento no acesso aos eventos em causa.

Quanto ao facto 8), trata-se igualmente de facto não controvertido, sendo a sua natureza de patrocínio tributável assumida quer pela impugnante, quer pela própria AT, no ponto B.1, do capítulo II, do RIT.

Quanto ao facto 27), o mesmo extrai-se da própria posição da impugnante, constante do art.º 53.º, da petição inicial, não sendo controvertido.


*

2.2. De direito

Está em causa no presente recurso a sentença do TT de Lisboa que, julgando parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela Associação M..., relativamente às liquidações adicionais de IVA (e juros compensatórios) do ano de 2002, determinou o que se segue:


a. Anulam-se os atos impugnados, na parte relativa à correção respeitante à aplicação do método do pro rata de dedução, mantendo-se quanto ao demais, com as necessárias consequências, designadamente em termos de reembolso do valor pago indevidamente;

b. Condena-se a Fazenda Pública no pagamento dos juros indemnizatórios relativos à parte anulada mencionada em I.a., desde a data do pagamento até à data em que vier a ser emitida a respetiva nota de crédito;

c. Absolve-se a Fazenda Pública do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, na parte em que os atos impugnados se mantêm”.

Lidas as alegações e conclusões de recurso, percebe-se que a sentença é atacada pela Fazenda Pública em tudo quanto lhe foi desfavorável, incluindo a condenação em juros indemnizatórios, tal como resulta da afirmação “(…) sendo considerado pelo respeitoso areópago ad quem o sufragado nesta peça recursória, deixa, consequentemente de existir fundamentação para a atribuição de quaisquer juros indemnizatórios à Recorrida”.

Vejamos, então, o recurso que nos vem dirigido.

Ainda que as conclusões não sejam um exemplo de linearidade na sua formulação, da sua leitura conjugada com o corpo da alegação de recurso é possível afirmar que a Recorrente considera que a sentença errou no julgamento da matéria de facto e no julgamento de direito.

Começando pelo alegado erro de julgamento da matéria de facto, deve dizer-se que, segundo a Recorrente, o Tribunal a quo procedeu a “uma errada valoração do acervo probatório documental constantes dos autos”, “assim como desconsiderou outra tanta” prova documental.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito.

Importa ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas.
Em tal preceito se dispõe que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
A leitura da citada disposição legal, no confronto com as conclusões da alegação de recurso (e até do teor das alegações), leva-nos a dizer o seguinte: na medida em que a Recorrente pudesse pretender que este Tribunal tivesse em consideração (dando como provados) outros factos com base em documentação junta aos autos e que foi desconsiderada, é evidente que o recurso está, nessa medida, votado ao insucesso.
Como é patente da leitura do recurso jurisdicional, não são aí expressamente autonomizados factos e indicados os meios probatórios correspondentes que possam levar este Tribunal, ao abrigo da disposição legal supra citada, a aditar factos não tidos em conta na decisão e relevantes para a apreciação do mérito da causa.
Aliás, a única menção concreta feita nas alegações de recurso reporta-se ao facto de a impugnante ter contabilizado determinadas verbas como subsídios à exploração (com indicação dos documentos correspondentes), factualidade esta, porém, que já se mostra acolhida na sentença, em concreto no ponto 6) dos factos provados.
Já quanto à alegação concernente à “errada valoração do acervo probatório documental constantes dos autos”, entendemos que aí se aponta um erro na apreciação crítica da prova feita pelo TT de Lisboa.
Ora, como se deixou dito no acórdão deste TCA, de 10/07/15, proferido no recurso nº 8473/15, “Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.)”
O TCA pode alterar a matéria de facto fixada dentro do respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1.ª instância e dentro do restrito papel desta instância de recurso, em sede de reapreciação da matéria de facto, em casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto, o que no caso, além não vir concretamente alegado, também não se vislumbra.
Concluindo, considera o Tribunal ad quem que a sentença recorrida não sofre do apontado erro de julgamento de facto, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso.

*
Passemos ao invocado erro de julgamento de direito.
Vejamos, começando por esclarecer o seguinte para que mais facilmente se perceba o percurso de análise que vamos aqui seguir.
Em sede de impugnação judicial, a impugnante, ora Recorrida, havia invocado (para além do mais, mas naquilo que para o caso presente importa) que o pro rata de dedução calculado pela AT padece de incorrecção, considerando valores no denominador que não deveriam ser considerados, e que, por outro lado, uma vez que só praticara operações tributadas, não havia sequer lugar à aplicação deste método, sendo o IVA integralmente dedutível.
Ora, foi por esta última questão que o Tribunal a quo iniciou a sua apreciação e foi com base nesse fundamento que a impugnação judicial veio a ser decidida e, em consequência, anuladas as liquidações de IVA sindicadas, nos termos já antes explicitados.
Vejamos, então, aquele que foi, em parte, o percurso argumentativo seguido na sentença, a este propósito.
Aí se lê que:
“(…)
Nos termos do art.º 19.º, do CIVA (redação em vigor à época), especificamente do seu n.º 1, al. a), decorre que os sujeitos passivos de IVA podem deduzir, ao imposto incidente sobre as suas operações tributáveis, o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos de IVA.
Por seu turno, o art.º 20.º, n.º 1, al. a), do mesmo código, determina igualmente que só é dedutível o imposto suportado relativo a bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados para a transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a IVA e dele não isentas.
No caso de sujeitos passivos mistos, ou seja, que pratiquem operações sujeitas e operações isentas de IVA, a dedução de IVA pode ser determinada por recurso a dois métodos (em alternativa ou em simultâneo): o da afetação real e o do pro rata (global ou parcial).
O método da afetação real pressupõe a possibilidade de determinar concretamente os inputs afetos às atividades tributadas, deduzindo-se integralmente o IVA suportado.
Já o método do pro rata implica o cálculo da percentagem correspondente ao montante anual de operações que dão direito à dedução, sendo que é apenas deduzido o IVA dos inputs na percentagem que seja determinada.
Assim, é fundamental demarcar que operações são consideradas no numerador e no denominador da fração de cálculo do pro rata de dedução.
Considerando o disposto no art.º 23.º, do Código do IVA, especificamente no seu n.º 4:
“A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento” (sublinhados e negritos nossos).
Assim, o pro rata de dedução, considerando tal critério, seria calculado nos seguintes termos:
Operações que conferem o direito à dedução
(tributadas e isentas com direito à dedução)
________________________________________
Operações consideradas no numerador +
Operações que não conferem direito à dedução +
Subvenções não tributadas

Feito este intróito, resulta, desde logo, que são de sublinhar dois aspetos:
a) Em primeiro lugar, para que se aplique o método do pro rata de dedução é necessário que estejamos perante sujeitos passivos mistos, ou seja, sujeitos passivos que pratiquem operações tributadas e operações isentas;
b) Em segundo lugar, ainda que sejam sujeitos passivos mistos, o método a utilizar deverá ser o que assegure a maior neutralidade do imposto.
(…)

No caso dos autos, no RIT que consubstancia o fundamento das liquidações impugnadas, a AT afirma, de forma conclusiva, que a impugnante é um sujeito passivo misto de IVA, baseada em elemento constante do sistema de registo de contribuintes, abstraindo da efetiva atividade levada a cabo. Ademais, esse elemento cadastral faz referência à aplicação do método da afetação real.

Ora, in casu, pela análise das declarações periódicas de IVA apresentadas, verifica-se que a impugnante, no ano de 2002, declarou unicamente operações tributadas. Logo, não resulta evidenciada a existência de operações isentas que não confiram o direito à dedução para que possamos concluir ser a impugnante um sujeito passivo misto.

Aliás, atento o facto de a impugnante apenas ter declarado em sede de IVA operações tributadas à taxa normal, o que não é de modo algum posto em causa pela AT, implica, consequentemente, que todas as despesas suportadas confiram, face a esse quadro, direito à dedução, não tendo sido trazido, aos elementos coligidos em sede de ação inspetiva, qualquer facto que permita extrair conclusão distinta.

Reitera-se, pois, que não há qualquer evidenciação da existência dos chamados “inputs promíscuos”, ou seja, os inputs que são indiferenciadamente respeitantes a operações tributadas e a operações isentas, resultando precisamente o contrário dos elementos coligidos.
(…)

Assim, tendo a impugnante apenas praticado operações tributadas, o que, reitera-se, não é posto em causa pela AT, e não resultando de forma alguma evidenciado que o IVA suportado não respeite a tal atividade, decorre que não se reúnem as circunstâncias para a aplicação do pro rata de dedução, uma vez que sendo apenas praticadas operações tributadas há direito à dedução integral do IVA suportado.
Como tal, assiste razão à impugnante nesta parte, assistindo-lhe direito, em consequência, ao reembolso do imposto indevidamente pago (quer por pagamento voluntário, quer por compensação)…”
Em abono do seu entendimento, a Mma. Juíza a quo convocou doutrina e jurisprudência, nacional e comunitária, concretamente os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) Comissão vs. Espanha (C-204/03), de 06/10/05 e Caso Varzim Sol (C-25/11), de 16/02/12 e, bem assim, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13/12/14, processo nº 06226/13.
Ora, em sede de recurso jurisdicional, a Fazenda Pública defende, quanto ao erro de julgamento de direito, que a Mma. Juíza, na decisão proferida, não deu a devida acuidade ao disposto nos “artigos 2º, n.º2, 9.º, 15º, 21º, 22º, 23º e 44º, todos do CIVA; art. 9º, n.º 1, al. a) do CIRC; arts. 74.º, e 75.º da LGT”.
Concretizando, e lançando mão do teor das contra-alegações de recurso, sustenta a Recorrente que o cálculo do pro-rata, tal como apurado pela Inspecção, é correcto, pois que do denominador da fracção subjacente ao seu apuramento devem constar os montantes recebidos pela Impugnante com origem na CML, no ICEP, no EAPMEI e na DGI, todos subsídios à exploração.
E, no essencial, esta é a posição defendida no recurso jurisdicional.
Sucede, porém, como está bem de ver – em face daquele que foi o percurso argumentativo e decisório seguido na sentença recorrida e que, oportunamente deixámos transcrito – que o ataque à decisão nos termos em que se mostra efectuado não é, de nenhum modo, apto a pô-la em causa. É, dir-se-á, um ataque ineficaz para os propósitos visados.
Com efeito, a posição seguida no presente recurso não afronta directamente o decidido, ou seja, não ataca a sentença na sua apreciação e decisão quanto à circunstância de, no caso, a Mma. Juíza ter podido concluir que:

- a AT afirma, de forma conclusiva, que a impugnante é um sujeito passivo misto de IVA, baseada em elemento constante do sistema de registo de contribuintes, abstraindo da efectiva actividade levada a cabo;

- que esse elemento cadastral faz referência à aplicação do método da afectação real;

-a impugnante, no ano de 2002, declarou unicamente operações tributadas, não resultando evidenciada a existência de operações isentas que não confiram o direito à dedução;

- daí que não se possa concluir ser a impugnante é um sujeito passivo misto;

- tendo a impugnante apenas declarado em sede de IVA operações tributadas à taxa normal, o que não é de modo algum posto em causa pela AT, isso implica que todas as despesas suportadas conferem direito à dedução;

- pelo que, tendo a impugnante apenas praticado operações tributadas, e não resultando de forma alguma evidenciado que o IVA suportado não respeite a tal actividade, decorre que não se reúnem as circunstâncias para a aplicação do pro rata de dedução, uma vez que sendo apenas praticadas operações tributadas há direito à dedução integral do IVA suportado.
Ou seja, o que o Tribunal decidiu, nos termos expostos, é que no caso não há lugar à aplicação do pro rata de dedução e isto - esta conclusão - não vem de modo algum atacada.
Assim sendo, tal apreciação e conclusão - não posta em causa, nem afrontada - há-de ter-se como questão decidida e já inatacável.
Assim sendo, como é, tendo-se considerado afastada a aplicação do pro rata de dedução, não faz já sentido discutir que montantes, dos recebidos pela Impugnante, devem, ou não, constar do denominador da fracção utilizada para cálculo da apontada percentagem de dedução do IVA.
Por conseguinte, repete-se, é manifestamente ineficaz – enquanto forma de ataque à sentença recorrida – o percurso seguido no presente recurso.
Há, pois, que concluir pela improcedência das conclusões atinentes ao erro de julgamento de direito, quanto à (i)legalidade das liquidações de IVA impugnadas, mantendo-se, em conformidade, o que vem decidido pelo TT de Lisboa.

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Naturalmente, em face da anulação do imposto, tal como determinada, não pode deixar de manter-se a anulação das liquidações dos juros compensatórios correspondentes, já que não podem subsistir juros que, nos termos da lei, se destinam a compensar o atraso na liquidação de imposto que, no caso, se decidiu definitivamente que não é devido.
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Passemos, por último, à questão dos juros indemnizatórios cujo direito foi reconhecido pela Mma. Juíza a quo e com os quais a ora Recorrente discorda, por entender que inexiste fundamentação para atribuição dos mesmos.
Lê-se na sentença, a este propósito, que “atendendo ao disposto no supracitado n.º 1 do art.º 43.º, da LGT, tem a impugnante direito à reposição da situação atual e hipotética, havendo, pois, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, sendo este direito desde a data em que ocorreu o pagamento indevido (uma vez que são atos impugnados as liquidações e não o pedido de reembolso, reitera-se, e parte do pagamento corresponde à aplicação do valor do reembolso em causa) até à data em que vier a ser emitida nota de crédito respeitante ao imposto em causa”.
Vejamos, pois, se a Recorrida tem direito aos ditos juros ou se, como defende a Recorrente, inexiste fundamentação para atribuição dos mesmos.
Como é sabido, os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos (artigo 43º da LGT).
Dispõe o artigo 43º da LGT, no que para aqui importa que:
1- São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
(…)
4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
Ora, no caso, e tendo presente o decidido quanto à ilegalidade das liquidações de IVA sindicadas, dúvidas não restam que as mesmas foram anuladas, na parte contestada, por resultarem de um erro imputável aos serviços, ou seja, a AT procedeu a correcções e consequente liquidação de imposto em violação da lei.
Por outro lado, também ficou demonstrado, como resulta da matéria de facto provada, que o imposto adicionalmente liquidado foi pago, nos termos e datas que resultam do ponto 29 dos factos provados.
Trata-se, pois, de uma quantia (sublinhe-se, aquela que foi impugnada e anulada) indevidamente entregue ao Estado.
Assim, entende este Tribunal – com o Tribunal recorrido - estarem, no caso concreto, preenchidos todos os pressupostos dos quais a lei faz depender o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Nos termos dos preceitos legais supra invocados, os juros em causa serão contados desde a data do pagamento indevido do imposto, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, sendo a sua taxa a mesma prevista para os juros compensatórios. (cfr. artigos 61º do CPPT e 43º da LGT).
Tanto basta, sem necessidade de mais, para concluir que, também quanto a esta última questão, o recurso não merece provimento, mantendo-se inalterado o decido quanto ao direito a juros indemnizatórios.
Improcedem, assim, na totalidade as conclusões da alegação de recurso, negando-se provimento ao mesmo e mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.

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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 09/03/17


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)