Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:706/11.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRC
PROVA DO PREÇO EFETIVO DA VENDA
INIMPUGNABILIDADE
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
CONVOLAÇÃO REVISÃO
INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA
Sumário:I-Sempre que nas transmissões onerosas o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para efeitos de determinação do correspondente lucro tributável. Isto, naturalmente, caso não tenha sido utilizado o procedimento contemplado no artigo 139.º do CIRC, ou tendo, o mesmo não tenha logrado provimento.
II-O que significa que a apresentação atempada do pedido para demonstração do preço efetivo (instauração do procedimento), previsto no n.º 3 artigo 139.º do CIRC, é condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis
III-Não obstante seja legítima a expetativa dos cidadãos em obter uma decisão material que conheça da pretensão suscitada ao Tribunal, a verdade é que para se obter esse desiderato é curial que sejam cumpridos os pressupostos e requisitos consignados na lei.
IV-A convolação da petição apresentada ao abrigo do artigo 139.º do CIRC, em pedido de revisão do ato tributário, não tem o alcance que lhe é conferido pela Recorrente, porquanto existindo procedimentos específicos próprios para a demonstração das realidades em contenda, os mesmos não podem ser desvirtuados a pretexto da convocação da injustiça grave e notória, sob pena inclusive da violação do princípio da igualdade das partes.
V-No domínio dos benefícios e das isenções ter-se-á de observar o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, que, como é consabido, veda a sua integração analógica, pese embora consinta a sua interpretação extensiva.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

U..... Limitada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a exceção da impropriedade do meio processual e procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2008, no montante global de €86.803,11, com a consequente absolvição da instância.

A Recorrente formula as conclusões que infra se reproduzem:

CONCLUSÕES:

“I – Da delimitação do âmbito e objecto do presente recurso

a) Vem o presente recurso interposto da aliás douta sentença proferida em 26 de Setembro de 2020, a qual decidiu que “Em face ao supra exposto e considerando que a falta de apresentação da reclamação graciosa implica a consequente inimpugnabilidade do acto de liquidação aqui em causa com fundamento no vício invocado pela Impugnante respeitante à alegada aplicação analógica do art.º 268.º do CIRE, e não à alegada caducidade do direito de acção invocada pela Fazenda Pública, deverá absolver-se a Fazenda Pública da instância, nos termos do disposto no artigo 89.º n.º 1 do CPTA”.

b) A recorrente entende, salvo o devido respeito, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por vários motivos, quanto à aduzida excepção da impugnabilidade do acto de liquidação, os quais se passam a demonstrar.

II- Da impugnação/alteração da decisão da matéria de facto dada como provada, com o fundamento na sua insuficiência/Do aditamento de outros factos ao probatório.

c) Considera a recorrente que existem factos que deveriam constar do probatório por serem relevantes para a pronúncia por este Venerando Tribunal quanto a questões por si suscitadas na petição inicial de Impugnação, e quanto à impugnabilidade do acto de liquidação aqui em causa, que poderão conduzir a uma decisão diversa da prolatada pela sentença recorrida, e daí a impugnação da decisão da matéria de facto.

d) Devia o Tribunal a quo, no modesto entendimento da recorrente, ter dado como provados os seguintes factos, os quais se revelam importantes, para efeitos de determinar, ao invés, a impugnabilidade do acto de liquidação, razão pela qual, devem os mesmos ser aditados ao probatório, com a sequência numérica, ali constante, designadamente que:

14) A Declaração de Rendimentos inicial foi apresentada pela recorrente em 13 de Maio de 2009 (vide doc. n.º 17 da p.i).

15) A petição inicial de Impugnação deu entrada no Tribunal no dia 07 de Abril de 2011. (registo no SITAF).

e) Os factos cujo aditamento ao probatório, ora se requer, encontram-se estribados, um deles, no documento 17 junto à da petição inicial, e o outro no registo do SITAF, os quais impõem assim o pretendido aditamento, requerendo-se assim a V.ªs Exas. se dignem proceder à alteração da decisão da matéria de facto de modo a aditar ao probatório, os aludidos factos.

III – Da Impugnabilidade do acto de liquidação ao abrigo do disposto no art.º 131.º do CPPT

f) Ao contrário do que decidiu a sentença recorrida, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a recorrente deu cumprimento à condição de impugnabilidade do acto de liquidação aqui em causa, pois, deduziu prévia reclamação graciosa, o que resulta dos factos provados. Senão vejamos:

g) A presente impugnação foi deduzida nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 131.º do CPPT, na redacção em vigor em 2011.

h) Estamos perante um caso de autoliquidação.

i) Nos termos da factualidade apurada em sede de matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, a recorrente foi notificada por ofício de 10 de Janeiro de 2011 para, no prazo de 15 dias “(…) proceder a entrega da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC, de substituição, do ano de 2008, efectuando a correcção do valor correspondente a essas diferenças positivas prevista na alínea a) do n.º 3 do art. 58 A do CIRC, no quadro 07, campo 257 (…). (facto dado como provado em 9)).

j) Em resposta ao referido ofício, a recorrente apresentou, em 26 de Janeiro de 2011 a referida Declaração de substituição, dando assim cumprimento à notificação da recorrida. (facto provado em 10)).

k) E, em 28 de Janeiro de 2011, a recorrente apresentou reclamação que visou a autoliquidação de 13 de Maio de 2009 e em consequência, a autoliquidação consubstanciada na Declaração de Substituição de 26 de Janeiro de 2011.

l) Em 07 de Abril de 2011, a recorrente apresentou neste Tribunal a presente Impugnação, (vide registo SITAF da petição inicial) nos termos da qual, visou a autoliquidação do imposto, consubstanciada na Declaração de Substituição de 26 de Janeiro de 2011, assim como o despacho de indeferimento do seu requerimento de 28 de Janeiro de 2011, proferido pelo Chefe de Serviço de finanças de 04 de Março de 2011.

m) Considera a Recorrente que o requerimento de 28 de Janeiro de 2011, configura uma reclamação graciosa deduzida dentro do prazo previsto no art.º 131.º do CPPT, quer se considere que tal requerimento visa a declaração inicial de rendimentos (apresentada em 13 de Maio de 2009 - vide doc. n.º 17 da p.i), quer se considere que visa a Declaração de Substituição apresentada em 26 de Janeiro de 2011.

n) Julgamos que a questão que aqui se coloca é a de saber, antes de mais, se os fundamentos insertos no requerimento da recorrente, de 28 de Janeiro de 2011, podem configurar ou não fundamentos para a reclamação graciosa.

o) E entendemos que a resposta apenas poderá ser positiva.

p) E em sede da interpretação do que foi peticionado pela recorrente, não se pode olvidar o entendimento que tem vindo a ser adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, segundo o qual, na interpretação do pedido não deve o juiz ficar-se pela redacção que lhe foi dada; há que ir um pouco mais longe, não olvidando que nesta tarefa hermenêutica não podem ignorar-se as concretas causas de pedir invocadas, na medida em que permitam descortinar a verdadeira pretensão de tutela jurídica, ainda que com recurso à figura do pedido implícito (Dando conta desta posição e subscrevendo-a, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, últimos três parágrafo da anotação 10 d) ao art. 98.º, pág. 92.).

q) A nossa lei processual procura desde sempre evitar, sempre que possível, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais – que a forma prevaleça sobre o fundo (Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.) – e essa preocupação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes tem vindo, cada vez mais, a encontrar expressão na lei adjectiva, que procura afastar o rigor formalista na interpretação das peças processuais (Cfr. art. 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que dispõe: «Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas».).

r) E nessa interpretação das peças processuais são aplicáveis, por força do disposto no art.º 295.º do Código Civil os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, o art. 236.º, n.º 1, do CCivil.

s) (Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- de 15 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 154/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Abril de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2013/32220.pdf), págs. 2010 a 2012, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9fd626d6071ea 7780257b7f0054b163;- de 8 de Janeiro de 2014, proferido no processo n.º 32/13, publicado no Apêndic ao Diário da República de 15 de Setembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32210.pdf), págs. 2 a 9, também disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/05f925c2f9dbfb7 e80257c62005ae50a.).

t) A recorrente deduziu, de forma tempestiva a reclamação graciosa prévia a que alude o art.º 131.º do CPPT, e com fundamentos admitidos por lei, devendo se decidir pela impugnabilidade do acto de liquidação aqui em causa.

u) Razão pela qual, deve ser revogada a sentença recorrida, e determinar-se a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de se conhecer do mérito da causa.

IV- Sem prescindir

a) Da convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa

v) Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite à cautela de patrocínio, sempre se dirá que, se impunha que a Autoridade Tributária convolasse a declaração de substituição referente ao exercício de 2008 em reclamação graciosa da autoliquidação de IRC desse exercício, razão pela qual, a sentença, que decidiu em sentido diverso, enferma de erro de julgamento.

w) Dispõe o n.º 1 do art.º 122.º do CIRC, e para o que aqui interessa, que

“Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efectivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efectuado o pagamento do imposto em falta”.

x) A declaração de substituição que a ora recorrente apresentou em 26 de Janeiro de 2011 foi apresentada dentro do prazo legal para o efeito.

y) Daí que, competia à Administração Tributária, convolar essa declaração de substituição em reclamação graciosa ao abrigo do disposto nos art.ºs 52.º, 59.º, n.º 5 e 131.º, todos do CPPT.

z) O n.º 1 do art. 131.º do CPPT fixa em dois anos o prazo para a reclamação graciosa (prévia e necessária à impugnação judicial) em caso de autoliquidação, e sendo também certo que art.º 59.º, n.º 3, alínea b), II), do mesmo Código, prevê a possibilidade de apresentar declaração de substituição até ao termo do prazo da reclamação graciosa – o que prima facie leva à conclusão de que a declaração de substituição poderia ser apresentada no prazo de dois anos.

aa) No caso vertente tendo sido apresentada a declaração inicial foi em 13 de Maio de 2009 (vide doc. n.º 17 da p.i), é por demais evidente que aquando da apresentação da declaração de substituição, em 26 de Janeiro de 2011, e do requerimento em 28 de Janeiro de 2011, a recorrente estava ainda em tempo de apresentar a reclamação graciosa prevista no art.º 131.º do CPPT.

bb) O artigo 52º do CPPT estatui que «Se, em caso de erro na forma de procedimento, puderem ser aproveitadas as peças úteis ao apuramento dos factos, será o procedimento oficiosamente convolado na forma adequada.»

cc) Por sua vez, o art.º 98º do mesmo CPPT, referindo as nulidades em processo judicial tributário, estabelece no seu nº 4 que «Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei.»

dd) E o nº 3 do art.º 97º da LGT dispõe: «Ordenar-se-á a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei.».

ee) O n.º 5 do art. 59.º do CPPT dispõe: «Nos casos em que os erros ou omissões a corrigir decorram de divergência entre o contribuinte e o serviço na qualificação de actos, factos ou documentos invocados, em declaração de substituição apresentada no prazo legal para a reclamação graciosa, com relevância para a liquidação do imposto ou de fundada dúvida sobre a existência dos referidos actos, factos ou documentos, o chefe de finanças deve convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa da liquidação, notificando da decisão o sujeito passivo».

ff) Em face do supra exposto, tinha a Autoridade Tributária o dever de convolar a declaração de substituição apresentada pela recorrente dentro do prazo legal para o efeito, em reclamação graciosa.

b) Ainda do dever de convolação do requerimento da recorrente em pedido de revisão do ato de autoliquidação

gg) E mais, existe ainda uma linha jurisprudencial de acórdãos do STA, nomeadamente, os acórdãos de 07 de outubro de 2009, processos n.ºs 0475/09 e 0476/2009 e de 02 de novembro de 2011, processo n.º 0329/11, mais precisamente, o acórdão do STA de 14 de dezembro de 2011, processo n.º 0366/11, que julgou que: “I - Apesar de não ter sido deduzida reclamação contra o ato de autoliquidação no prazo previsto no artigo 131.º do CPPT, o interessado podia ainda solicitar à Administração Tributária a revisão oficiosa do ato ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, uma vez que a lei ficciona que os erros da autoliquidação são imputáveis à Administração e esta não pode demitir-se de tomar a iniciativa de revisão quando demandada para o efeito pelo interessado, estando mesmo obrigada a proceder à convolação nesse meio procedimental quando conclui que a reclamação apresentada é intempestiva – artigo 52.º do CPPT.”

hh) Tendo em conta a linha jurisprudencial de acórdãos do STA, que considera o dever que a Administração Tributária tem de proceder à convolação da reclamação em pedido de revisão do ato de autoliquidação, certificando-se, naturalmente, se na data em que é apresentada a reclamação ainda não se encontra esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa pode ser requerida, a reclamação graciosa de autoliquidação não pode ser indeferida por intempestividade.

ii) O n.º 1 do art.º 78.º da LGT preceitua que “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”

jj) Por força do art.º 1 do 70.º do CPPT, o prazo para deduzir a reclamação graciosa é de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do art.º 120.º da LGT.

kk) No entanto e por força da parte final do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, tem a doutrina entendido que “(…) o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a administração tributária a pode efectuar, previstos no artº 78º da LGT. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas erro imputável aos serviços (parte final do nº 1 deste artº 78.º), ...injustiça grave e notória (n.º 4 , a que corresponde o n.º3 na redacção inicial)” in Lei Geral Tributária, comentada e anotada de Diogo Leite de Campos /Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa 4ª edição 2012 p. 714, nota 15.

ll) Neste mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STA (cfr. acórdão n.º 065/09 de 15.04.2009 (…) Na redacção infeliz do n.º 1 deste artigo [78.º da LGT] distinguem-se dois tipos fundamentais de revisão dos actos tributários, com iniciativas, prazos e fundamentos autónomos: – por iniciativa sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade; – por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. Porém, apesar da aparente repartição dos dois tipos de revisão do acto tributário em função da «iniciativa» do procedimento, constata-se que no também infeliz n.º 7 se faz referência a «pedido do contribuinte» para realização de «revisão oficiosa». «Revisão oficiosa» é a realizada por iniciativa dos serviços, sendo esse o alcance natural da expressão «oficiosa» na terminologia jurídica. Mas, é inequívoco pela referência a «pedido do contribuinte» «para a sua realização» que, afinal, essa revisão não tem de ser de iniciativa da administração tributária, podendo ser assentar também em iniciativa do contribuinte. Das infelizes redacções dos n.ºs 1e 7, conclui-se assim, que os dois tipos fundamentais de revisão do acto tributário são afinal os seguintes: – há um em que a revisão é pedida pelo contribuinte no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade;

– há outro em que a revisão é da iniciativa dos serviços ou é pedida pelo contribuinte, que se denomina sempre «revisão oficiosa», que pode ser efectuada no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. Ao afirmar que mesmo quando oficiosa, a revisão do acto tributário pode ser impulsionada por pedido dos contribuintes, tendo a administração tributária o dever de proceder a ela, caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais ou ainda ao referir (cfr. STA 2-4-2003, Rec. 1771-02) que os contribuintes podem pedir à Administração a revisão oficiosa dos actos tributários dentro do prazo para essa revisão oficiosa abrindo o indeferimento desse pedido a via contenciosa.(…)”. (Cfr. ainda Acórdão do STA n.º 01533/14 de 05.02.2015).

mm) E no presente caso, não se pode descurar que estamos perante uma “injustiça grave e notória”, pelos fundamentos que a recorrente invocou no seu requerimento de 28 de Janeiro de 2011. (Facto dado como provado em 11)).

nn) Ademais, atendendo ao que ali a recorrente invocou, para além daquilo que foi transcrito na sentença recorrida.

oo) Trata-se de um caso de injustiça grave que impunha a revisão oficiosa da matéria tributável por erro dos serviços, o que se impunha à autoridade tributária, e que a recorrente peticionou in fine no seu requerimento de 28 de Janeiro de 2011.

pp) Revisão essa que poderia ter sido também efectuada ex officio pela autoridade tributária, aqui recorrida.

qq) É assim jurisprudência reiterada e pacífica do STA, segundo a qual, tal como a administração tributária pode, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do ato tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art.º 78º da Lei Geral Tributária) também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamentos (cfr. Acórdãos do STA com os números 0140/13, de 29.05.2013, 476/12 de 12.09.2012, 259/12 de 14.06.2012, 1007/11 de 14.03.2012, disponíveis in www.dgsi.pt.)

rr) Atendendo aos ensinamentos contidos nos doutos Acórdão do STA, em face do n.º 1 do art.º 78.º da LGT a recorrente podia apresentar pedido de revisão no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

ss) Tendo o requerimento da recorrente, dado entrada na Administração Tributária em 28 de Janeiro de 2011, e a Declaração de Substituição em 26 de Janeiro de 2011, ou seja, volvido mais de um ano (atendendo que a liquidação inicial do imposto ocorreu em Maio de 2009 – vide facto cujo aditamento à matéria de facto se requer) após a liquidação, é evidente que cumpriu o referido prazo.

tt) E, quanto aos fundamentos da revisão, julgamos ser aqui também aplicável, mutatis mutandis os doutos ensinamentos insertos nos sobreditos acórdãos do STA, quanto à interpretação do peticionado pela recorrente no seu requerimento de 28 de Janeiro de 2011.

uu) Independentemente dos fundamentos de revisão do ato tributário, impõe se verificar se a impugnação judicial foi apresentada tempestivamente.

vv) Face ao teor da petição e do ali peticionado pela recorrente, ou seja, a anulação da autoliquidação de imposto consubstanciada na declaração de substituição apresentada em 26 de Janeiro de 2011, e a revogação do despacho de indeferimento de 07 de Março de 2011, e tendo deduzido a impugnação em 07 de Abril de 2011, teremos de concluir que a impugnação foi interposta tempestivamente.

ww) É esse o entendimento da jurisprudência do STA, “I - Os contribuintes podem pedir à Administração a revisão oficiosa dos actos tributários dentro do prazo para essa revisão oficiosa (artº 78º. Nº 6, da Lei Geral Tributária); II – O indeferimento desse pedido abre a via contenciosa; III - Os actos em matéria tributária são sempre definitivos - artº 60º do CPPT. (cfr. Acórdão do STA 01771/02 de 02.04.2003.

xx) E concluiu-se no Acórdão do STA 0653/05 de 06.10.2005 que “IV – O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].”

yy) Decorre do n.º 1 do art.º 78.º da LGT que face ao indeferimento expresso ou tácito, do pedido de revisão oficiosa, que lese os direitos e interesses legalmente protegidos, abre via contenciosa nos termos da alínea d) do n.º1 e 2 do art.º 95.º da LGT.

c) Do erro na forma de processo/Do erro na forma de processo e da nulidade processual

zz) Em face de tudo o que ficou acima exposto, concluímos que devia  autoridade tributária ter convolado o requerimento e ou a declaração de substituição apresentada pela recorrente em reclamação graciosa, em pedido de revisão oficiosa de liquidação.

aaa) Não o tendo feito, incorreu a administração fiscal em erro na forma de processo, o qual consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (artigos 193.º e 196.º do CPC ex vi do art.º 2.º al. e) do CPPT, que deve ser conhecido no despacho saneador (art.º 595.º n.º 1 al. a) do CPC ou não existindo este, até à sentença final (art.º 200 n.º 2 do CPC).

bbb) Não tendo conhecido de tal omissão por parte da administração tributária, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, que poderá ser suprido, salvo melhor opinião, por este douto Tribunal ad quem.

ccc) Tratando-se de nulidade processual de conhecimento oficioso, pode ser arguido em qualquer fase processual.

ddd) Em face de tudo o que ficou acima exposto, julgamos que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, devendo em consequência, ser revogada, e determinar-se, com a D.V, a baixa dos autos a fim do Tribunal a quo poder analisar a prova produzida documental e testemunhal já produzida, e determinar, se for o caso, o deferimento da requerida prova pericial, (que indeferiu) com vista ao conhecimento do mérito da causa.

eee) Ou, se este Venerando Tribunal assim o entender, por estar munido de toda a prova documental e testemunhal (devidamente gravada), requer-se a V/Exas., com a D.V se dignem conhecer do mérito da causa, com vista à anulação do acto de liquidação aqui em causa, com os fundamentos aduzidos na petição inicial.

V- Sem prescindir/Ainda do erro de julgamento da sentença recorrida/ Da quantificação do imposto liquidado com base em erróneos pressupostos de facto/Da aplicação extensiva/analógica ao caso sub judice da norma contida no art.º 268.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE)

fff) Ainda que se julgue improcedentes os sobreditos argumentos, o que apenas se admite à cautela de patrocínio, sempre se dirá que, a recorrente, na sua petição inicial de Impugnação, peticionou, para além do mais, a anulação do acto de liquidação com base erróneos pressupostos de facto na quantificação do imposto liquidado, assim como na aplicação analógica ao caso sub Júdice do disposto no art.º 268.º do CIRE, no que respeita a benefícios relativos a impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas, ficando a Impugnante isenta do pagamento de impostos em sede de IRC atentos os factos supra explanados, não devendo o montante resultante do diferencial ora em causa concorrer para a determinação da matéria colectável da sociedade Impugnante.

ggg) Julgamos que a sentença recorrida incorreu, uma vez mais, em erro de julgamento, ao não se ter pronunciado sobre a peticionada anulação do acto de liquidação com base nos erróneos pressupostos de facto da quantificação do acto liquidado, e com base na aplicação extensiva/analógica do art.º 268.º do CIRE ao caso em concreto.

hhh) É que, a impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objecto imediato a decisão da reclamação e por objecto mediato os vícios imputados ao acto de liquidação, pelo que cabe ao tribunal conhecer, em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação, quer dos vícios imputados ao acto tributário (neste sentido, entre outros, Acórdãos do STA de 28/10/2009, Processo n.º 595/09, de 18/06/2014, Processo n.º 01942/13 e de 12/10/2016, Processo n.º 0427/16).

iii) E, de acordo com o artigo 99º do CPPT, constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade do acto, não se fazendo aí qualquer restrição relativamente aos vícios do acto de liquidação que podem ser invocados.

jjj) Da circunstância de a reclamação graciosa poder ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial (artigo 70.º, n.º 1 do CPPT) não decorre que a impugnação judicial fique condicionada ou limitada aos fundamentos invocados naquela – cfr. Acórdão do TCAN, de 17/12/2015, proferido no âmbito do processo n.º 369/04.8BEPRT.

kkk) Esta questão foi objecto de apreciação e decisão no recente Acórdão do STA (Pleno) de 03/06/2015, Processo n.º 0793/14, onde ficou expressamente consignado que “Na impugnação judicial subsequente a decisão da AT que recaia sobre reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário, podem, e devem, os órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litigio, impondose- lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.”

lll) É, assim, de concluir que a impugnação judicial não está limitada ou condicionada pelos fundamentos invocados na reclamação graciosa, podendo ter como fundamento qualquer ilegalidade do acto tributário.

mmm) Razão pela qual, deve ser revogada a sentença recorrida e a mesma substituída por outra que aprecie as referidas questões, se for o caso, ou serem as mesmas conhecidas por este Venerando Tribunal.

SÓ ASSIM SE FARÁ A COMPETENTE JUSTIÇA NESTES TERMOS, NOS MAIS DE DIREITO E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V.ªS EXAS. DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E DAÍ:

A) SEJA ADMITIDA A ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO NOS TERMOS SOBREDITOS, OU SEJA NO SENTIDO DO ADITAMENTO AO PROBATÓRIO DOS SEGUINTES FACTOS:

14) A Declaração de Rendimentos inicial foi apresentada pela recorrente em 13 de Maio de 2009 (vide doc. n.º 17 da p.i)

15) A petição inicial de Impugnação deu entrada no Tribunal no dia 07 de Abril de 2011. (registo no SITAF).

B) SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA POR ERRO DE JULGAMENTO, QUANTO À MATÉRIA DA EXCEPÇÃO, DEVENDO OUTROSSIM DECIDIR-SE PELA IMPUGNABILIDADE DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO AQUI EM CAUSA, E DETERMINAR-SE A BAIXA DO PROCESSO À PRIMEIRA INSTÂNCIA A FIM DE SE CONHECER DO MÉRITO DA CAUSA, OU, NA EVENTUALIDADE DE V/EXAS. ASSIM O ENTENDEREM, SER O MÉRITO DA CAUSA CONHECIDO POR ESTE VENERANDO TRIBUNAL AD QUEM, POR O MESMO ESTAR MUNIDO DA PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL (GRAVADA) PRODUZIDA EM SEDE DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS.


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A Recorrida, devidamente notificada não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão da excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Em 31/01/2008 foi outorgada escritura pública de compra e venda com o seguinte teor: «(…) PRIMEIRO (…) Os quais outorgam na qualidade de sócios e gerentes da (…) U....., Lda. (…) Declaram os primeiros em nome da sociedade que representam: Que, por esta escritura e pelo preço já recebido de cento e vinte mil euros vendem (…) o seguinte imóvel: Prédio urbano, sito na ....., concelho de Loures (…) descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures sob o número ..... (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..... com o valor patrimonial total de 55.842,43€. (…)» - cf. escritura pública, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 19 a 22 dos autos;

2. Em 11/03/2008 foi realizada a avaliação patrimonial tributária do prédio referido no ponto anterior, tendo sido fixado o respectivo valor patrimonial tributário em 375.330,00 – cf. dados de avaliação a fls. 68 e 69 dos autos;

3. A avaliação referida no ponto anterior foi remetida à Impugnante por carta registada com aviso de recepção com a referência ..... em 25/03/2008 – cf. dados de avaliação e aviso de recepção a fls. 68, 69 e 179 dos autos;

4. Em 10/09/2008 foi outorgada escritura pública de compra e venda com o seguinte teor: «(…) PRIMEIRO (…) Os quais outorgam na qualidade de sócios e gerentes da (…) U....., Lda. (…) Declaram os primeiros em nome da sociedade que representam: Que, por esta escritura e pelo preço já recebido de cento e noventa mil euros vendem (…) o seguinte imóvel: Prédio urbano, sito na ....., concelho de Loures (…) descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Loures sob o número ..... (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..... sem valor patrimonial fixado porque pendente de avaliação fiscal. (…)» - cf. escritura pública, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 24 a 27 dos autos;

5. Em 2006, o valor patrimonial tributário total do prédio referido no ponto anterior era de €49.758,45 – cf. certidão a fls. 28 e 29 dos autos;

6. Em 25/06/2008 foi realizada a avaliação patrimonial tributária do prédio referido no ponto anterior, tendo sido fixados os valores patrimoniais dos respectivos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente em 49.050,00, em 32.130, em 46.040,00, em 42.820,00, em 46.040,00, em 42.820,00 – cf. dados de avaliação a fls. 70 a 81 dos autos;

7. As avaliações referidas no ponto anterior foram remetidas à Impugnante por cartas registadas com aviso de recepção com as referências ....., ....., ....., ....., ....., ....., tendo os avisos de recepção sido assinados em 05/08/2008 – cf. dados de avaliação e avisos de recepção a fls. 68, 69, 80 e 81 dos autos;

8. A Impugnante não requereu uma segunda avaliação patrimonial dos bens imóveis referidos nos pontos 2. e 6. - cf. acordo (artigo 10º da p.i. e 24º da contestação);

9. Por ofício de 10/01/2011 a Direcção de Finanças de Lisboa comunicou à Impugnante o seguinte: «1. Nos termos do n.º 1 do art. 58º do CIRC (…). 2. Dos vários cruzamentos efectuados no sistema informático da DGCI constatou-se existirem diferenças positivas entre o valor patrimonial tributário definitivos dos imóveis por vós alienados e o valor constante dos respectivos contratos e ainda que tal diferença não consta da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC. 3. (…) notificado para no prazo de 15 dias (…) proceder a entrega da declaração de rendimentos mod. 22 de IRC, de substituição, do ano de 2008, efectuado a correcção do valor correspondente a essas diferenças positivas prevista na alínea a) do n.º 3 do art. 58 A do CIRC, no quadro 07, campo 257 (…), salvo se tiver sido efectuada a prova a que se referem os n.º 1 e 3 do art. 129º do CIRC, caso em que deve assinalar aquele valor no campo 416 do quadro 11 da mesma declaração. (…)» - cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 17 dos autos;

10. Em 26/01/2011 a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos de IRC modelo 22, do exercício de 2008, com o seguinte teor: «(…). 04 – Características da Declaração – Declaração de Substituição (art. 58º-A n.º 4); (…) Q. 07 – Campo 257 – Diferença Positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato: 324.230,00; (…) Quadro 11 – Campo 416: -; (…)» - cf. declaração, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 51 a 54 dos autos;

11. Em 28/01/2011 a Impugnante apresentou, junto da Direcção de Finanças de Lisboa, requerimento com o seguinte teor: «(…) notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 58º do Código do IRC (actual 64º) vem, (…) expor e requerer a V. Exa. o seguinte: 1. Afirmam V. Exas. no ofício supra identificado que (…). (…). 4. Aquando do recebimento das avaliações patrimoniais dos referidos imóveis, ocorridas após as respectivas vendas, a sociedade, por lapso, enviou os documentos relativos às referidas avaliações aos novos proprietários, convicta que só a esses interessaria. 5. Daí não ter sido efectuada na altura uma eventual reclamação dos valores fixados em sede das novas avaliações patrimoniais, (…). Da prova do preço efectivamente praticado na transmissão – 7. Acontece porém que, o preço de venda dos imóveis ora em causa foram os efectivamente declarados e por conseguinte foram esses valores que entraram na contabilidade da sociedade conforme se pode aferir através dos documentos que desde já se protesta juntar. (…). 10. (…) só agora com a notificação recebida (…) é que se apurou o lapso cometido, prontificando-se a Requerente a apresentar (…) declaração de substituição (…). 11. É verdade que o valor das vendas efectuadas revelou-se inferior aos valores patrimoniais apurados após as referidas vendas. 12. Ora, dispõe o n.º 1 do artigo 129º (actual 139º) do Código do IRC que o disposto no art. 58º (actual art.º 64º) do referido código não é aplicável se “o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis se for inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”. 13. A Requerente considera que a prova do preço efectivamente praticado é condição necessária e suficiente para afastar a aplicação do ajustamento ao resultado tributável previsto no n.º 2 do art. 58º-A do CIRC. (…). 15. E por forma a demonstrar que não foi recebido por conta do preço negociado e declarado outros montantes, protesta-se juntar documentos comprovativos de que as respectivas quantias declaradas foram efectivamente recebidas (…). 16. Devendo assim, atento o supra exposto, afastar-se a aplicação do disposto no art. 58º-A do CIRC por os preços efectivamente praticados nas transmissões ora em causa serem inferiores ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, evitando-se assim a necessidade de proceder à correcção do respectivo resultado tributável. 17. Nestes termos, e tal como o exposto, a apresentação dos documentos de suporte que se anexam ao presente requerimento e os que se protestar juntar, permitem comprovar que o preço efectivamente praticado na transmissão do imóvel em apreço correspondeu ao valor que consta do contrato de compra e venda e que se encontra reflectido no resultado líquido do exercício de 2008 da Requerente, pelo que se entende ter sido feita a prova prevista naquela norma do CIRC. Justificação das condições especiais de mercado em que se realizaram as transmissões 18. (…) sempre se dirá que existiram de facto motivos de ordem económica que justificaram a realização das transmissões em apreço por valor inferior ao valor patrimonial tributário definitivos daqueles imóveis (…). 32. Quando é certo que resulta provado o preço efectivamente praticado na transmissão e, adicionalmente, se apresentam motivos de natureza económica que justificam a transmissão do imóvel por um preço, formado em condições de mercado, que é inferior ao valor patrimonial tributário definitivo. (…). 36. Contudo, se V. exas. assim não entenderem, (…), e tendo em consideração que o previsto no art. 129º do CIRC se rege pelo disposto nos artigos 91º e 92º da LGT, sendo igualmente aplicável a norma prevista no n.º 4 do art.º 86º da mesma lei, requer-se a V. Exa. se digne conceder (…) um prazo nunca inferior a dez dias para indicar um perito para efeitos de contravaliação. (…). Em face do supra exposto, requer-se a V. Exa. que, para efeitos da determinação do lucro tributável da Requerente relativo ao exercício de 2008, seja considerado o preço efectivamente praticado a transmissão dos bens imóveis objecto do presente requerimento por ter ficado provado que o mesmo é inferior ao valor patrimonial tributário fixado em definitivo.(…)» - cf. requerimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 56 a 63 dos autos;

12. Por despacho de 04/03/2011 o requerimento referido no ponto anterior foi indeferido com os seguintes fundamentos: «4.1. O sujeito passivo pretende fazer a prova dos preços efectivos das transacções, de dois imóveis alienados em 2008, alegando que os valores tributáveis fixados para os prédios urbanos discriminados, são muito elevados face aos valores das vendas: (…). 4.2. Com referência aos citados imóveis, foram apresentadas as declarações modelo 1 de IMI previstas no art. 13º n.º 1 a). Os valores patrimoniais resultantes da apresentação das citadas declarações modelo 1 foram notificadas à reclamante em 04.04.2008 o artigo ..... e em 05.08.2008 o artigo ..... (…); 4.3. Nos termos do n.º 3 do art. 139º do CIRC (…). 4.4. No caso em análise e porque os valores patrimoniais dos imóveis ficaram definitivamente fixados durante o ano de 2008, ano em que igualmente foram celebradas as respectivas escrituras de compra e venda, o pedido deveria ter sido efectuado durante o mês de Janeiro de 2009. Assim, o prazo para requerer o procedimento terminou em 31.01.2009. Em virtude do pedido de demonstração ter sido apresentado em 28.01.2011, verifica-se que se encontra ultrapassado o prazo legal previsto para o efeito. (…)» - cf. despacho e informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 65 a 67 dos autos;

13. Em 02/02/2011 e em consequência da apresentação da declaração de rendimentos referida no ponto 10. foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IRC n.º 2011 2310001948 no valor total de €86.803,01 – cf. liquidação a fls. 111 dos autos.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir quanto à excepção de inimpugnabilidade do acto.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte: “O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da excepção de inimpugnabilidade do acto com base na posição das partes assumidas nos articulados e na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, conforme identificado nos factos provados. “

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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato de liquidação adicional de IRC, do exercício de 2008, com a consequente absolvição da Fazenda Pública da instância.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso as questões que cumpre analisar são as que infra se descrevem:
ü Existe erro de julgamento de facto, devendo ser aditada a matéria de facto, nos moldes requeridos;
ü A decisão recorrida incorreu erro de julgamento de direito por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito ao ter decidido pela inimpugnabilidade do ato, competindo, neste particular, aquilatar do seguinte:
o Natureza do requerimento apresentado em 28 de janeiro de 2011, concretamente, reclamação de autoliquidação ou requerimento ao abrigo do artigo 139.º do CIRC;
o Suscetibilidade de convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa;
o Poder/dever de convolação do requerimento apresentado em 28 de janeiro de 2011, como pedido de revisão ao abrigo do artigo 78.º da LGT;
o Erro de julgamento atinente à aplicação analógica do artigo 268.º do CIRE.

Vejamos, então.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo, não ponderou na fixação da matéria de facto, duas realidades fáticas que se encontram suportadas por prova documental e que relevam para a presente lide, razão pela qual requer o seu aditamento.

Com efeito, aduz que devem ser aditados os seguintes factos:

14) A Declaração de Rendimentos inicial foi apresentada pela recorrente em 13 de maio de 2009 (vide doc. n.º 17 da p.i).

15) A petição inicial de Impugnação deu entrada no Tribunal no dia 07 de abril de 2011. (registo no SITAF).

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida[1].

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente sindica o erro de julgamento de facto, e requer o aditamento de factualidade que identifica, com precisão, alocando o respetivo meio probatório, donde, face ao supra aludido encontram-se reunidos os pressupostos elencados no normativo supra expendido.

Ora, tendo presente o objeto da presente lide e o âmbito das alegações recursivas, afigura-se que o aditamento requerido pode assumir relevo para dirimir o presente litígio, pelo que existindo correspondência com o meio probatório supra evidenciado, defere-se o aditamento dos factos requeridos nos moldes peticionados, apenas densificando a respetiva evidenciação espácio-temporal ficando, assim, a constar no probatório enquanto factos com os números 14 e 15 o seguinte:

14) A primeira Declaração de Rendimentos Modelo 22, de IRC, respeitante ao exercício  de 2008, foi apresentada pela Recorrente, a 13 de maio de 2009 (vide doc. n.º 17 da p.i).

15) A petição inicial de Impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa, no dia 07 de abril de 2011. (facto que se extrai mediante consulta à plataforma SITAF).


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Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto que releva para a presente lide, atentemos, ora, no erro de julgamento de direito.

A primeira questão que importa abordar coaduna-se com o erro de julgamento atinente à ajuizada inimpugnabilidade, porquanto no entendimento da Recorrente o requerimento apresentado em 28 de janeiro de 2011, tem a natureza de reclamação de autoliquidação, e não, como decidido na sentença visada, requerimento ao abrigo do artigo 139.º do CIRC.

A Recorrente defende que contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal a quo, foi dado cumprimento à condição de impugnabilidade do ato de liquidação aqui em causa, porquanto deduziu reclamação graciosa, consubstanciada no requerimento apresentado em 28 de janeiro de 2011, que visou a autoliquidação de 13 de maio de 2009 e em consequência, a autoliquidação consubstanciada na Declaração de Substituição de 26 de janeiro de 2011, e cujos fundamentos se reconduzem a esse meio processual, desde logo, apelando à teoria do pedido implícito.

E foi nessa sequência que foi interposta a presente impugnação judicial, a qual visou a autoliquidação do imposto, consubstanciada na Declaração de Substituição de 26 de janeiro de 2011, e inerente liquidação, assim como o despacho de indeferimento do seu requerimento de 28 de janeiro de 2011, proferido pelo Chefe de Serviço de Finanças de 04 de março de 2011.

Convoca, ainda neste particular, que a aludida interpretação é a que melhor se coaduna com o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses das partes devendo afastar-se o rigor formalista na interpretação das peças processuais, e convocar os princípios consignados nos artigos 236.º e seguintes do CC.

Apreciando.

Para se aquilatar do acerto da decisão recorrida no atinente à inimpugnabilidade do ato importa atentar no que foi aduzido pelo Tribunal a quo para justificar a sua pretensão.

A decisão recorrida, nesse concreto particular, evidencia que “[a]tendendo ao pedido expressamente formulado no requerimento apresentado em 28/01/2011, aos seus fundamentos de facto e de direito, bem como ao seu teor, conclui-se que o mesmo consubstancia um requerimento com vista a afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A mediante procedimento de prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, não tendo a Impugnante invocado outros fundamentos, nesse requerimento, que fossem susceptíveis de conduzir à anulação da liquidação de IRC que viesse a ser emitida distintos daquele.”

Sublinha, para o efeito, que “[o] n.º 3 do artigo 139º do Código do IRC (correspondente ao n.º 3 do artigo 129º na redacção anterior) dispunha que a prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.”

Para depois concluir que “[c]onsiderando que o valor patrimonial tributário dos bens imóveis aqui em causa se tornou definitivo em 29/04/2008 e em 05/09/2008, o prazo de 30 dias previsto no artigo 129º, n.º 3, do Código do IRC terminou em 29/05/2008 e em 04/10/2008. Resulta dos pontos 11. e 12. dos factos provados que a Impugnante apresentou o requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de bens imóveis em 28/01/2011 e que o mesmo foi indeferido por ter sido apresentado fora do prazo legal. Considerando que o prévio requerimento para prova do preço efectivo constitui condição necessária à abertura da via judicial, só a tempestiva apresentação daquele requerimento satisfaz essa exigência, pelo que não tendo o mesmo sido tempestivamente apresentado, o acto de liquidação de IRC consolidou-se na ordem jurídica.”

No atinente ao erro de julgamento concatenado com a aplicação analógica do disposto no artigo 268.º do CIRE, aduz que “[n]o requerimento apresentado em 28/01/2011, a Impugnante não aduz o vício de violação do disposto no artigo 268º do CIRE, ou melhor, não arguiu o direito à sua aplicação analógica no caso concreto, tendo-se concluído que o mesmo não consubstanciava uma reclamação graciosa.

Deste modo, a prévia reclamação graciosa constitui condição de impugnabilidade da liquidação de IRC aqui em causa com fundamento na aplicação analógica do artigo 268º do CIRE, o que a Impugnante não fez.”

Aqui chegados, importa, desde logo, por reporte ao recorte probatório dos autos, analisar qual o âmbito objetivo da presente lide e sua extensão, para que se possa percecionar o ato génese e a sua concreta natureza.

Vejamos, então.

Do recorte fático dos autos, resulta que a Recorrente apresentou a primeira Declaração de Rendimentos Modelo 22, respeitante ao ano de 2008, em 13 de maio de 2009.

A 10 de janeiro de 2011, a Direção de Finanças de Lisboa, tendo constatado, mediante cruzamentos efetuados no sistema informático da DGCI, diferenças positivas entre o VPT definitivos dos imóveis alienados e o valor constante dos respetivos contratos e não tendo sido apresentada Declaração de Rendimentos que espelhasse tal diferença e respetivo acréscimo, foi a mesma notificada para apresentar a competente Declaração de Substituição, e efetuar o competente acréscimo no campo 257.

Na sequência da aludida notificação, a Recorrente, a 26 de janeiro de 2011, procedeu à entrega de declaração de substituição, inscrevendo a competente diferença Positiva entre o VPT definitivo do imóvel e o valor constante do contrato, no valor total de €324.230,00, e que deu origem à emissão do ato de liquidação de IRC n.º 2011 2310001948, no valor total de €86.803,01.

Tendo, outrossim, apresentado em 28 de janeiro de 2011, requerimento no qual peticiona que para efeitos da determinação do lucro tributável relativo ao exercício de 2008, seja considerado o preço efetivamente praticado na transmissão dos bens imóveis porquanto resultou provado que o mesmo é inferior ao VPT fixado em definitivo.

Requerimento esse que foi indeferido, por extemporaneidade, mediante prolação de despacho datado, de 04 de março de 2011.

E nessa sequência deduz impugnação judicial convocando o artigo 131.º do CPPT, e reportando-se à declaração de substituição e subsequente liquidação e ao despacho de indeferimento supra aludido peticionando a sua anulação, por o valor de transação corresponder, efetivamente, ao declarado e a sua manutenção consubstanciar uma injustiça, requerendo por mera precaução do patrocínio  atento o artigo 129.º do CIRC, a concessão de um prazo não inferior a dez dias para nomear um perito para efeitos de contra avaliação.

Ora, face ao supra expendido não se afigura que a decisão recorrida tenha interpretado erroneamente a questão atinente à inimpugnabilidade do ato.

Senão vejamos.

Contrariamente ao aduzido pela Recorrente o requerimento apresentado em 28 de janeiro de 2011, em nada pode ser configurado como uma reclamação graciosa, quer pela causa de pedir nele constante, quer pelo seu pedido.

Expliquemos com o pormenor que se impõe.

Atentando no teor do aludido requerimento constata-se que o mesmo é apresentado na sequência da notificação ao abrigo do artigo 58.º do CIRC e para apresentação de declaração de substituição, contendo, desde logo, uma epígrafe intitulada da “prova do preço efectivamente praticado na transmissão”, convocando, expressamente, os artigos 129.º e 58.º A do CIRC, e relevando que se propõe demonstrar que “não foi recebido por conta do preço negociado e declarado outros montantes, protesta-se juntar documentos comprovativos de que as respectivas quantias declaradas foram efectivamente recebidas”.

Razão pela qual, peticiona o afastamento da “[a]plicação do disposto no artigo 58.º A do CIRC por os preços efectivamente praticados nas transmissões ora em causa serem inferiores ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, evitando-se assim a necessidade de proceder à correcção do respectivo lucro tributável.”

Sufraga, igualmente, que, no limite, sempre se terão de valorar as condições especiais de mercado em que se realizaram as transmissões as quais evidencia nos artigos 18.º a 32.º, peticionando, desta feita, que tendo sido demonstradas as razões económicas que justificam a transmissão dos imóveis em valor inferior ao VPT, seja considerado o valor do contrato.

Por mera precaução de patrocínio, releva que “[t]endo em consideração que o previsto no artº 129.º do CIRC se rege pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo igualmente aplicável a norma prevista no nº4 do artº 86.º da mesma lei, requer-se a V/Exa se digne conceder à Requerente um prazo nunca inferior a dez dias para indicar um perito para efeitos de contra avaliação.”

Termina com o seguinte pedido “requer-se a V. Exa que, para efeitos da determinação do lucro tributável da Requerente relativo ao exercício de 2008, seja considerado o preço efetivamente praticado na transmissão dos bens imóveis objecto do presente requerimento, por ter ficado provado que o mesmo é inferior ao valor patrimonial tributário fixado em definitivo.”

Ora, face a todo o supra expendido, dimana inequívoco que contrariamente ao evidenciado pela Recorrente o aludido requerimento visava demonstrar que o preço efetivo das transações correspondia, efetivamente, ao valor constante no contrato, não se devendo, portanto, atender ao VPT por desfasado da realidade e das condições económicas que o nortearam, no fundo, consubstanciava, como bem evidenciado pela AT, e corroborado pelo Tribunal a quo, um requerimento com o desiderato do artigo 139.º do CPPT e não de uma reclamação de uma autoliquidação.

De sublinhar, neste particular, que este Tribunal ad quem não descura e inclusive acolhe o entendimento atinente à figura do pedido implícito, no entanto, in casu, não há dúvidas de que a verdadeira pretensão de tutela jurídica coaduna-se com a prova do preço efetivo de venda, em nada podendo ser entendido face a todo o exposto como uma reclamação de uma autoliquidação.

E por assim ser, e por reporte ao regime jurídico coadunado com essa prova e atendendo ao teor da p.i., ter-se-á de validar o entendimento do Tribunal a quo, porquanto tendo o aludido requerimento sido apresentado extemporaneamente a questão inerente ao preço efetivo consolidou-se na ordem jurídica.

Senão vejamos.

Dispunha o artigo 64.º, do CIRC, (anterior 58.º A do CIRC) sob a epígrafe de “Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, o seguinte:
“1 — Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 — Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 — Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.
4 — Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 — No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.
6 — O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.”

De convocar, outrossim, o teor do artigo 139.º, (anterior 129.º do CIRC) do mesmo diploma legal, o qual relativamente ao procedimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, consagrava o seguinte:
“ 1 — O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objetivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 — A prova referida no n.º 1 deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 — O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor da diferença positiva prevista no n.º 2 do artigo 64.º, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, é da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 — O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.
6 — Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.
7 — A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correções efetuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º, ou, se não houver lugar a liquidação, das correções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.
8 — A impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.”

Ora, da conjugação dos preceitos legais supra evidenciados resulta que os alienantes e os adquirentes para efeitos de apuramento do lucro tributável devem optar por valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos VPT que serviram de base à liquidação do IMT ou, que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

Logo, sempre que nas transmissões onerosas o valor constante do contrato seja inferior ao VPT definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para efeitos de determinação do correspondente lucro tributável. Isto, naturalmente, caso não tenha sido utilizado o procedimento contemplado no artigo 139.º do CIRC, ou tendo, o mesmo não tenha logrado provimento.

O que significa que a apresentação atempada do pedido para demonstração do preço efetivo (instauração do procedimento), previsto no n.º 3 artigo 139.º do CIRC, é condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis[2].

Ora, tendo presente que a prova do preço efetivamente praticado na transmissão deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao Diretor de Finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o VPT já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

E, transpondo a aludida realidade jurídica para o caso vertente, ter-se-á de validar o entendimento do Tribunal a quo que, por confronto com a realidade fática dos autos concluiu pela inimpugnabilidade, evidenciando como se transcreve: “[o] prazo de 30 dias previsto no artigo 76º, n.º 1, do Código do IMI para a Impugnante requerer a segunda avaliação patrimonial começou a contar em 29/03/2008 e terminou em 28/04/2008 (segunda-feira), relativamente ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....., e em 06/08/2008 e terminou em 04/09/2008, referente ao prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ......

Considerando que o valor patrimonial tributário dos bens imóveis aqui em causa se tornou definitivo em 29/04/2008 e em 05/09/2008, o prazo de 30 dias previsto no artigo 129º, n.º 3, do Código do IRC terminou em 29/05/2008 e em 04/10/2008.”

Neste particular, convoca-se o Aresto prolatado pelo STA, no âmbito do processo nº 01104/10.7BELRA, datado de 04 de março de 2020, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“[C]abe começar por recordar o que se encontra disposto no n.º 7 do artigo 129.º do Código do IRC (na redacção e numeração à data dos factos), o qual estabelecia que: “A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.”

Ora, no presente caso, torna-se notório que o legislador decidiu, a par do que sucede em muitas outras soluções legais, tratar aquele pedido enquanto condição de procedibilidade da impugnação, e cuja omissão determina a inimpugnabilidade do ato tributário quanto a essas correcções – sobre este género de soluções, em que se exige a intervenção prévia do órgão administrativo, vd., em geral, SERENA CABRITA NETO / CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário - Vol. I, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 548 e ss..

É, igualmente, o que este Supremo Tribunal vem sufragando em muitas das suas decisões, acima identificadas no Parecer do Ministério Público e que aqui se dão por reproduzidas, salientando-se, muito recentemente, os Acórdãos proferidos em 06-11-2019, no processo n.º 1264/09.4BELRA, e em 21-11-2019, no processo n.º 0816/08.0BECBR, podendo ler-se lapidarmente nas conclusões daquele que: “A apresentação atempada do pedido para demonstração do preço efectivo (instauração do procedimento), previsto no n.º 3 artigo 129.º do CIRC (actualmente, artigo 139.º do CIRC), é condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.”

Não vislumbramos, por isso, fundamento para nos desviarmos daquelas posições, não obstando às mesmas a alegação de que tal faz precludir o direito à tutela judicial efetiva dos direitos do contribuinte e de que ocorre uma violação do princípio da impugnação unitária, como pretende a Recorrente.

É que, por um lado, a sindicabilidade judicial direta para efeitos de ilisão de uma presunção legal – como é nitidamente aquela contida no artigo 58.º-A, n.º 2 do Código do IRC - não é constitucionalmente exigida pelo direito fundamental a uma tutela judicial efetiva, não ficando esta comprometida pela intervenção prévia de um órgão administrativo capaz de, desde logo, resolver a discordância existente quanto ao cálculo do lucro tributável do sujeito passivo. Por outro lado, o princípio da impugnação unitária não fica prejudicado quando, excepcionalmente e para casos claramente demarcados, se exige uma prévia sindicância administrativa a respeito de um vício imputável ao cálculo do lucro tributável relativo à alienação de uma categoria concreta de ativos e em que a AT se encontra em posição privilegiada de corrigir desfasamentos, prevenindo futuros litígios judiciais; a liquidação que se siga àquele cálculo, não é demais lembrar, continua a ser judicialmente sindicável por todos os demais vícios de que padeça, sem qualquer prejuízo para os direitos do contribuinte”. (destaques e sublinhados nossos).

Assim, face ao supra expendido nenhuma censura merece a decisão do Tribunal a quo, no atinente à aludida inimpugnabilidade quanto à questão da prova do preço, porquanto a apresentação, extemporânea, do requerimento do artigo 139.º do CIRC, acarreta, efetivamente, a inimpugnabilidade do ato de liquidação.

De relevar, in fine, que não obstante seja legítima a expetativa dos cidadãos em obter uma decisão material que conheça da pretensão suscitada ao Tribunal, a verdade é que para se obter esse desiderato é curial que sejam cumpridos os pressupostos e requisitos consignados na lei.

É certo, outrossim, que os artigos 20.º, nº4, e 202.º, nº1 ambos da CRP e bem assim o 146.º do CPC aludem a um regime de suprimento de deficiências formais dos atos das partes em ordem à plena tutela jurisdicional efetiva, competindo, nessa medida, ao Juiz tudo fazer para dirimir/eliminar os litígios que são submetidos ao seu julgamento, nomeadamente interpretando os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus atos formais, sempre no sentido do alargamento e proteção desses direitos e nunca da sua restrição.

Mas a verdade é que ainda que o Juiz deva, em ordem aos aludidos normativos, dirimir e eliminar todas as questões formais que possam coartar a defesa da parte, o certo é que o mesmo não pode desrespeitar, para o efeito, as normas legais vigentes. Com efeito, a sua atuação pauta-se pela análise, interpretação e correta transposição do regime jurídico vigente à situação fática dos autos, não a podendo subverter em ordem a agilizar a prova de uma realidade fática, no caso desatender às condições de procedibilidade e aos meios de reação idóneos e expressamente consignados na lei para o efeito.

Portanto, a interpretação propugnada pelo Tribunal a quo em nada pretere o princípio basilar da tutela jurisdicional efetiva, improcedendo, por conseguinte, as primeiras ordens de razão atinentes à ajuizada inimpugnabilidade do ato.

Mas, como visto, a Recorrente advoga, ainda, erro de julgamento, nessa asserção de inimpugnabilidade, porquanto mesmo que se equacionasse que o requerimento apresentado em 28 de janeiro de 2011, não tinha a natureza de reclamação de autoliquidação a verdade é que sempre a AT deveria ter decretado a convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa.

Porém, face a todo o supra expendido e à inerente insusceptibilidade de alteração da matéria coletável por não ter sido demonstrada, atempadamente, a prova efetiva do preço ao abrigo do aludido normativo 139.º do CIRC, não se aquilata de que forma e com que alcance é requerida a aludida convolação.

Noutra formulação, dir-se-á que independentemente do que seja entendido quanto aos requisitos inerentes à convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, a verdade é que, como visto, a arguida convolação não teria, de todo, o alcance almejado pela Recorrente.

Com efeito, se a diferença entre a declaração de rendimentos inicialmente apresentada e a declaração de substituição reside, tão-só, no acréscimo no campo 257 da quantia de €324.230,00, atinente à diferença entre o VPT e os valores constantes no contrato, e se a anulação desse acréscimo está dependente da apresentação, tempestiva, do procedimento constante no artigo 139.º do CPPT, então qualquer convolação que pudesse operar-se quanto à declaração de substituição em reclamação graciosa a mesma não lograria o efeito útil pretendido pela Recorrente.

Com efeito, essa convolação nunca poderia produzir, por si só, o efeito jurídico peticionado nesta impugnação judicial, e que atento o pedido final se coadunaria com “proceder à realização de uma 2ª avaliação dos imóveis ora em causa, por forma a aferir da conformidade ou não da avaliação efectuada pela Administração Fiscal, requerendo-se desde já a V. Exa se digne conceder à ora Impugnante um prazo nunca inferior a Dez dias para nomear o respectivo perito, devendo a peritagem incidir sobre os elementos constantes das avaliações efectuadas pela Administração Fiscal. Se o Tribunal considerar igualmente pertinente, requer-se uma auditoria às contas da sociedade ora Impugnante por forma a se aferir da prova do preço efectivamente praticado nas transações ora em causa, devendo o Tribunal nomear um perito idóneo para o efeito”, porquanto, como visto, não só os VPT estão devidamente consolidados na ordem jurídica, como não se demonstrou, tempestivamente, a prova do preço, efetivamente, praticado.

Note-se, ademais, que o artigo 139.º, nº 7, do CPPT, refere expressamente que a prova do preço efetivo na transmissão “depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.” (destaque e sublinhado nosso).

E por assim ser, não assiste razão à aludida convolação.

Mas, no mesmo sentido se tem de decidir no atinente ao pedido de revisão do ato tributário.

Vejamos, então, porque assim o entendemos.

A Recorrente defende, neste concreto particular, que a AT tem de proceder à convolação do requerimento apresentado em 28 de janeiro de 2011, em pedido de revisão do ato tributário, certificando-se, naturalmente, se na data em que é apresentada a reclamação ainda não se encontra esgotado o prazo dentro do qual a revisão oficiosa pode ser requerida.

Mais densificando que, no presente caso, não se pode descurar que estamos perante uma “injustiça grave e notória”, pelos fundamentos que a Recorrente invocou no seu requerimento de 28 de janeiro de 2011, a qual podia ter sido decretada oficiosamente.

Adensando, ainda neste conspecto, que face ao teor da petição e do ali peticionado pela Recorrente, ou seja, a anulação da autoliquidação de imposto consubstanciada na declaração de substituição apresentada em 26 de janeiro de 2011, e a revogação do despacho de indeferimento de 07 de março de 2011, e tendo deduzido a impugnação em 07 de abril de 2011, teremos de concluir que a impugnação foi interposta tempestivamente.

Porém, não logra provimento a esteira de razão da Recorrente, desde logo, porque assenta em pressupostos erróneos e não consubstanciados nos autos.

Como visto, e já devidamente densificado anteriormente, o requerimento apresentado em 28 de janeiro de 2011, não consubstanciava uma reclamação graciosa, e a sua extemporaneidade foi fundada e motivada, e bem, quanto ao regime atinente ao artigo 139.º do CIRC, e não por reporte ao erro em autoliquidação.

Importa, igualmente, sublinhar que o Tribunal a quo não julgou verificada a caducidade do direito de ação, em nada relevando, portanto, quaisquer considerandos atinentes à sua tempestividade.

É certo que este Tribunal valida o entendimento que a Recorrente convoca no atinente ao âmbito e abrangência do pedido de revisão do ato tributário, e à possibilidade de ele poder ser realizado a pedido do contribuinte e/ou oficiosamente pela AT.

Com efeito, resulta do artigo 78.º da LGT que a possibilidade de revisão do ato tributário se encontra, quer na esfera dos sujeitos passivos, quer da própria AT, sendo que a doutrina e a Jurisprudência dos Tribunais Superiores têm entendido, de forma unânime, que existe, efetivamente, um dever de a AT concretizar a revisão de atos tributários, a favor do contribuinte, quando detetar uma situação de ilegalidade, seja por sua iniciativa ou a pedido do contribuinte.

E isto porque os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, os quais devem nortear a atividade da AT (artigo 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei[3].

Conforme doutrina Paulo Marques[4], “A importância da revisão do acto tributário radica essencialmente no poder-dever da autoridade tributária e aduaneira de assegurar a legalidade e de restaurar e efectivar a ordem jurídica tributária violada (artigo 100.º da LGT), enquanto manifestação da prossecução do interesse público consagrado na lei (artigo 55.º da LGT), mesmo sem a intervenção dos tribunais e, se for caso disso, sem o pedido do contribuinte (artigo 78.º, nº1, 2ª parte, da LGT).” (…) “impõe-se como uma obrigação e um poder-dever, uma vez que o acto tributário (liquidação) quando ilegal (inválido) não deve ser recepcionado pela ordem jurídica tributária. Pelo que, diferentemente do contribuinte, o qual dispõe da faculdade de reclamar graciosamente ou de solicitar a revisão, o fisco tem o dever de fazer o seu mea culpa e de proceder à consequente reposição da legalidade mediante a revisão do acto tributário[5]”.

Mas, a verdade é que não obstante o supra expendido, mais uma vez a convolação sindicada não tem o alcance que lhe é conferido pela Recorrente, e isto, desde logo, porque existindo procedimentos específicos próprios para a demonstração das realidades em contenda, os mesmos não podem ser desvirtuados a pretexto da convocação da injustiça grave e notória, sob pena inclusive da violação do princípio da igualdade das partes.

Com efeito, se existe um procedimento específico para se discutir o VPT fixado, concretamente, pedido de segunda avaliação após a notificação para o efeito, e se, in casu, resulta do probatório -não sendo, de resto, controvertido- que a Recorrente foi validamente notificada dos resultados da avaliação e com eles se conformou, então tal realidade em nada poderá configurar uma injustiça grave e notória. Se os VPT se consolidaram na ordem jurídica, foi porque a Recorrente não reagiu em sede e momento próprios, porquanto sibi imput.

Por outro lado, se o sujeito passivo para fazer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação do IMI, e existe um procedimento específico contemplado no já convocado artigo 139.º do CIRC, então, se a Recorrente não adota esse procedimento no prazo atinente ao efeito, não se pode reconduzir a situação em injustiça grave ou notória.

Note-se que a letra do artigo 78.º, nº 4, da LGT refere expressamente que “[a] revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.” (destaque e sublinhado nosso).

Dimanando, outrossim, do nº5 do citado normativo que “para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.”

Ora, em face de todo o exposto, não obstante o expediente do artigo 78.º da LGT possa ser ordenado oficiosamente ou a pedido, e constitua um poder/dever da AT, rever atos ilegais, a verdade é que, in casu, a aludida convolação, face a todo o expendido anteriormente, não poderia ter o alcance pretendido e o efeito jurídico pela Recorrente.

E por assim ser, inexistem os apontados erros na forma do processo praticados pela AT, implicantes da arguida nulidade de todo o processo.

Aqui chegados, subsiste apenas a análise da questão atinente ao erro de julgamento concernente à interpretação analógica do artigo 268.º do CIRE.

Neste particular, aduz a Recorrente que ainda que se julguem improcedentes os sobreditos argumentos, foi peticionada, igualmente, a anulação do ato de liquidação com base na aplicação analógica ao caso sub judice do citado normativo devendo a Recorrente ficar isenta do pagamento de impostos em sede de IRC atentos os factos supra explanados, não devendo o montante resultante do diferencial, ora, em causa concorrer para a determinação da sua matéria coletável.

Não pode, por isso, o Tribunal a quo deixar de analisar esse fundamento e convocar uma inimpugnabilidade inexistente, desde logo porque a impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objeto imediato a decisão da reclamação e por objeto mediato os vícios imputados ao ato de liquidação, pelo que cabe ao tribunal conhecer, em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação, quer dos vícios imputados ao ato tributário.

E, de facto, se é certo que, como é Jurisprudência do STA[6], na qual nos revemos, e com as devidas adaptações para o caso vertente, que devem “[o]s órgãos jurisdicionais conhecer de todas as ilegalidades de substância que afectem o acto tributário em crise, quer essas ilegalidades tenham ou não sido suscitadas na fase graciosa do litigio, impondo-se- lhes um dever acrescido quando se tratem de questões de conhecimento oficioso.”

É, igualmente, certo e seguro, e como já explanado anteriormente, que quaisquer ilegalidades dimanantes da prova efetiva do preço da transmissão de direitos reais ou com ela conexa, ou que nela possa confluir, está dependente, como visto, da apresentação do mecanismo previsto no artigo 139.º do CIRC, o mesmo sucedendo quanto as questões atinentes à demonstração do valor de mercado.

E tal é o que sucede com a aludida alegação. Senão vejamos.

A aludida questão ainda que não entronque, diretamente, na prova efetiva do preço das transmissões, está relacionada com a justificação das condições especiais de mercado em que se realizaram as transmissões sub judice, donde, converge e visa, necessariamente, demonstrar que o preço declarado corresponde ao valor real face às condições especiais de mercado em que se realizaram as transmissões.

No fundo a Impugnante, ora Recorrente, pretende demonstrar como evidencia no ponto 41 da p.i. quais “[o]s motivos de ordem económica que justificaram a realização das transmissões em apreço por valor inferior ao valor patrimonial tributário daqueles imóveis”.

Explicitando, depois, nos artigos seguintes quais as condições económicas e os fatores que entende relevarem para o efeito convocando, designadamente, a crise económica e os prejuízos acumulados, aduzindo, neste conspecto, que face ao avolumar desses prejuízos foi forçada a alienar o património, e com esses valores conseguiu pagar indemnizações a trabalhadores, dívidas à AT, e à SS.

Concluindo, assim, que “[o] montante obtido a título de venda do património imobiliário da Impugnante foi na sua totalidade canalizado para o pagamento das dívidas da sociedade a terceiros e respectivos juros de mora”.

Ora, como se aquilata do supra expendido e do teor do seu articulado inicial, a Recorrente pretende demonstrar que “[o] preço efectivamente praticado na transmissão e, adicionalmente, os motivos de natureza económica que justificam a transmissão do imóvel por um preço, formado em condições de mercado, que é inferior ao valor patrimonial tributário definitivo.”

É certo que convoca, igualmente, o valor de mercado e bem assim a inexistência de obras, mas a verdade é que tais questões vão confluir com o VPT, e que teriam de ter sido convocadas num requerimento de segunda avaliação. Note-se que o artigo 76.º, nº 4 e 5 do CIMI veio permitir, precisamente, demonstrar a distorção do VPT com o valor de mercado, e como visto, nem tão-pouco, foi requerida a segunda avaliação.

Note-se que, “[s]egundo JOSÉ MARIA F. PIRES, desde a entrada em vigor do Código do IMI, o sistema fiscal português adoptou, na determinação do valor de riqueza dos prédios urbanos, “o valor de mercado como referencial fundamental”, por se considerar que é o que melhor reflecte o valor de riqueza dos bens imóveis.

Com efeito, ainda nas palavras do mesmo Autor, “O actual sistema de avaliação de imóveis assenta num conjunto de seis coeficientes de avaliação que são idênticos aos que relevam na actividade económica para a formação do preço dos bens imóveis urbanos, tentando assim o legislador aproximar o valor patrimonial tributário do valor de mercado dos imóveis urbanos”.

Não obstante o objectivo das fórmulas matemáticas enunciadas no art. 38º ss. do CIMI visarem apurar ou determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, considerando que mesmo assim se poderiam gerar situações de apuramento de valores patrimoniais tributários injustos porque distorcidos em relação à realidade económica, o legislador veio prever um mecanismo de uma segunda avaliação sempre que exista uma distorção superior a 15% entre o valor de mercado e o valor patrimonial tributário.[7]

E por assim ser, entende-se que a aludida questão atinente à interpretação analógica do artigo 248.º do CIRE apenas visa como dimana, expressamente, do artigo 59.º da p.i. demonstrar que o montante resultante do diferencial ora em causa não deve “[c]oncorrer para a determinação da matéria colectável da sociedade Impugnante”, no fundo visa expurgar o ajustamento correlativo acrescido no campo da Declaração Modelo 22, o que, face ao supra expendido, se encontra vedado dada a explicitação da condição de procedibilidade que vimos analisando e para a qual, ora, se remete, evitando-se um juízo repetitivo.

Ademais, sem embargo do exposto, sempre importa relevar que no domínio dos benefícios e das isenções ter-se-á de observar o princípio constitucional da legalidade tributária, na sua vertente de tipicidade, que, como é consabido, veda a sua integração analógica, pese embora consinta na sua interpretação extensiva, como expressamente se reconhece  no artigo 10.º do EBF.

Com efeito, “Em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária ou da definição de tipos legais de crimes (fiscais ou outros), não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto (como as não sujeitas a imposto ou as não descritas como crimes) estão, pura e simplesmente, fora do âmbito da norma de isenção (ou de incidência, ou punitiva, consoante os casos), mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade (tributária - artigos 103.º n.º 2 da Constituição e penal – artigo 29.º n.º 1 da Constituição) assume nestes domínios.

A integração analógica encontra-se, pois, vedada naquelas matérias mercê do princípio constitucional da legalidade, sendo as afirmações concordantes do legislador ordinário nesse sentido – contidas, no domínio tributário, nos artigos 11.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária e (actual) 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), meros corolários daquelas normas constitucionais (reconhecendo, embora, ser esta a doutrina tradicional, CASALTA NABAIS admite, porém, que o legislador – mas não o juiz ou a Administração - não estará, ele próprio, impedido de admitir, dentro de certos limites, a integração de lacunas nas matérias sujeitas à reserva de lei, nos casos em que tal se justifique mercê de uma adequada e equilibrada ponderação dos bens jurídico-constitucionais em presença - cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 6.ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 214/215).

Não é, pois, constitucionalmente permitido ao juiz integrar uma suposta lacuna existente numa norma tributária de isenção[8].”

De resto, sempre se dirá que o aludido normativo está coadunado com as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento de bens do devedor e da cessão de bens aos credores e com as variações patrimoniais positivas resultantes das alterações das suas dívidas previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, donde, como é bom de ver, realidades sem qualquer identidade fática com a dos autos, que têm subjacente a venda.

E por assim ser, improcede, na íntegra, o alegado pela Recorrente, devendo, por conseguinte, confirmar-se a decisão recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 09 de junho de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires


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[1] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
[2] Sobre a consequência da falta deste procedimento em sede de impugnação da liquidação de IRC, ou da sua apresentação tempestiva, convocam-se, designadamente, os Acórdãos do STA, proferidos nos processos: 0989/12, datado de 06.02.2013, de 0881/12, de 03.12.2014, 0860/15 e 861/15, de 30.05.2018, 0806/15, de 06.11.2019.
[3] Vide, designadamente, Acórdãos do STA, proferidos nos processos 0140/13, 0532/07, 0402/06, 0653/05, 319/05, datados de 29.05.2013, 28.11.2007, 12.07.2006, 06.10.2005 e 11.05.2005, respetivamente.
[4] A Revisão do Acto Tributário-do mea culpa à reposição da legalidade: Cadernos IDEFF, nº19-2ªedição revista e actualizada:Almedina,p.19 e 20.
[5] “O acto tributário, em bom rigor, trata-se de um acto devido e não apenas permitido” in not. Rodapé nº 15, ob. Cit.
[6] In, Acórdão do Plenário do STA prolatado no processo nº 0793/14, datado de 03.06.2015.
[7] Cit, in Aresto do STA, proferido no processo nº 301/12, de 23.05.2012.
[8] In Acórdão do STA, prolatado no processo nº 0592/11, de 23.11.2011.