Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06740/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/11/2013
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IAPMEI. COMPETÊNCIA. PRESCRIÇÃO.
Sumário:1. A melhor leitura do Ac. TC n.º 503/00 de 28.11.2000, proc. 658/99, é a que permite o exercício pleno, por parte dos executados, dos direitos de defesa, quanto às execuções, de dívidas ao IAPMEI, instauradas e pendentes nos serviços de finanças, enquanto execuções fiscais.
2. Assim, tendo o IAPMEI instaurado processo de execução fiscal, em serviço de finanças, para cobrança dos seus créditos, o tribunal tributário é competente para a apreciação de reclamação, prevista no art. 276.º CPPT.
3. É sintónica a jurisprudência, quanto à aplicação do prazo de 20 anos, contados da notificação do despacho que declarou a caducidade dos respectivos incentivos/rescisão do contrato, como o de prescrição das prestações devidas ao IAPMEI.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A...– A..., L.DA, contribuinte n.º ...e com os demais sinais constantes dos autos, apresentou, nos termos do art. 276.º CPPT, reclamação de decisão/ato do órgão da execução fiscal.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, foi proferida sentença que a julgou improcedente, tendo a reclamante interposto recurso jurisdicional, cuja alegação sintetiza nas seguintes conclusões: «
1. Os Tribunais Tributários não têm competência, em razão de matéria, para decidir este processo judicial em sede de execução fiscal (reclamação do art. 276.º do CPPT, por penhora de créditos da A...por alegada dívida ao IAPMEI) -devendo, por isso a Recorrente ser absolvida da instância.
2. É esta a conclusão que se chega pela conjugação do art. 276.º do CPPT com o art. 30.º do Dec. Lei n.º 387/88, na leitura dada pelo tribunal constitucional no Acórdão 503/00, a qual aliás é a única consentida pelo art. 151.º, n.º 2, do CPPT.
3. O Acórdão TCA Norte (processo 1/96) não se debruça especificamente sobre a competência dos Tribunais Tributários em Reclamações do art. 286.º do CPPT por dívidas ao IAPMEI.
4. O Acórdão 503/00, do Tribunal Constitucional (que prevalece sobre as decisões do TCA) indica perentoriamente - sem distinguir entre processos de oposição ou reclamação, entre questões essenciais ou incidentais - que o Tribunal Tributário não tem competência para o processamento dos processos judiciais em sede de execução fiscal por dívidas ao IAPMEI - como sucede com a presente reclamação do art. 276.º do CPPT.
5. A Sentença violou o art. 149.º e 151.º, n.º 2, do CPPT: o serviço de finanças é incompetente para comandar a execução; se as questões judiciais da execução devem correr nos tribunais comuns, o órgão de execução fiscal é o Tribunal comum e não o serviço de Finanças.
6. A Sentença não se debruçou sobre facto relevante indicado na PI: perante o trânsito em julgado do processo 14/93, o credor [ou Fisco] não procuraram cobrar o crédito e tomaram atitudes passivas e desinteressadas.
7. A Sentença ou dava este facto como provado - a contraparte não o infirmou (e o ónus da prova é seu) - e como tal não sucedeu, existe um erróneo apuramento dos factos provados e ilegalidade da Sentença;
8. Ou caso entendesse que o ónus é da Recorrente (ou mitigado), teria de diligenciar no sentido do apuramento deste facto, inquirindo a testemunha e levando essa matéria para os factos provados da Sentença - e como tal não sucedeu, este vício projeta-se na ilegalidade da Sentença, devendo ordenar-se a baixa do processo para efectivação da inquirição da testemunha.
9. Impõe-se a inquirição da testemunha por aplicação da jurisprudência do STA no processo 0135/09: a inquirição é necessária e imprescindível para a descoberta da verdade material - e a Recorrente não tem outra forma de provar tal facto, muito importante para a sua defesa.
10. O prazo de prescrição da quantia exequenda é de 5 anos (art. 40.º e 52.º do Dec. Lei n.º 155/92, de 28/7. E nesse prazo o crédito está extinto e prescrito.
11. Mas ainda que fosse de 20 anos, pelo prazo regra (309.º do CC), verifica-se a prescrição e extinção da instância, quer dos juros e custas (que prescrevem no prazo de 5 anos, art. 310.º, al. c) e g) do CC), quer da quantia exequenda.
12. A citação da Recorrente (15/1/1993) interrompeu a prescrição (art. 323.º, n.º 1, CC), inutilizando-se todo o tempo decorrido anteriormente (art. 326.º, n.º 1 do CC) e, por regra, o novo prazo de prescrição não se começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (oposição à execução n.º 14/93) – art. 327.º, n.º 1, do CC.
13. Porém, havendo absolvição da instância (como se verificou in casu), “o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo” (art. 327.º, n.º 2 do CC).
14. In casu, contam-se 20 anos (5 anos) desde a citação (15/1/1993) - e por conseguinte os créditos do IAPMEI estão prescritos o mais tardar desde 16/1/2013.
15. A prescrição consuma-se por desleixo e passividade do credor: a absolvição da instância ocorre por motivo imputável ao credor - que na citação de 1/1993 indicou erroneamente qual era o tribunal competente; e na sequência da absolvição da instância (Maio de 2010), nada fez para fazer valer o seu crédito (foi a sua passividade e desleixo que contribuíram para a prescrição).
16. A Sentença violou o 327.º, n.º 2 do CC, e o art. 97.º, o) 203.º e ss CPPT.
17. A lei não estabelece qualquer divisão entre instância executiva e instância iniciada com o processo de oposição. Existe apenas o processo executivo - e a oposição à execução, como o próprio nome indica, é um enxerto judicial na instância executiva.
18. A oposição, ao absolver o oponente da instância (por ilegitimidade do Tribunal Tributário) tem efeitos no processo executivo (instância executiva). Não o extingue (não há uma decisão de mérito); mas produz variados efeitos: cessa aquela instância judicial; intima o credor diligenciar com vista à satisfação do crédito; e repercute-se na contagem da prescrição (art. 327.º, n.º 2 do CC).
19. As dívidas exequendas (e juros e custas) ao IAPMEI por rescisão de contrato de inventivos financeiros estão extintas e prescritas. Donde, não se pode efetivar a presente penhora, porque a A...se opõe à penhora dos seus créditos para garantia e pagamento de dívidas prescritas e juridicamente extintas.

Termos em que se solicita a procedência do recurso:
Com a absolvição da Recorrente da instância, por incompetência em razão da matéria do Serviço de Finanças de Leiria e do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria
E, subsidiariamente, com a anulação do Despacho reclamado, com todas as consequências legais - nomeadamente anulação da penhora, declaração de extinção e prescrição da dívida exequenda (e juros e acrescidos) e desbloqueamento do crédito de 17.735,65 € detido sobre o Estado. »
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Não há registo de contra-alegação.
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O Exmo. Procurador da República emitiu parecer, no sentido de que não deve ser concedido provimento ao recurso.
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Dispensados os vistos legais, compete conhecer.
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II
Mostra-se consignado, na sentença: «
II FUNDAMENTOS DE FACTO.
1. Foi instaurado processo de execução fiscal n.° 3603-19930100005.5 contra a reclamante com base em certidão de dívida emitida pelo IAPMEI em 17/12/1992, para pagamento de
1- Esc. 35.548.000$00 (trinta e cinco milhões, quinhentos e quarenta e oito escudos), respeitantes ao valor do incentivo pago. em 89/11/03, nos termos do Contraio de Concessão de Incentivos Financeiros n- 214/88, celebrado em virtude da candidatura da empresa ao Sistema de Estímulos de Base Regional, e cuja devolução se exige por de terem sido detectadas irregularidades na execução do projecto aprovado.
2- Esc. 30.833.905$00 (trinta milhões, oitocentos e trinta e três mil, novecentos e cinco escudos), respeitantes aos juros de mora calculados à taxa recomendada pela A. P. B. sobre o total da comparticipação atribuída, e contados desde 3 de Janeiro de 1989 (data do pagamento do incentivo) até 15 de Dezembro de 1992 (tudo como consta de fls. 2 do apenso de execução cujo conteúdo se dá por reproduzido).
2. Por comunicação datada de 14/10/1992, foi a oponente notificada de que «... O Sr. Ministro da Indústria e Energia sob proposta do IAPMEI rescindiu o contrato n. ° 214/88, em 92/09/29 celebrado entre a vossa empresa e este Instituto na sequência da vossa candidatura ao SEBR. Efectivamente, V. Exas violaram a alínea a) do n.° 1 do Cláusula Nona do contrato celebrado, o que integra o previsto na alínea a) do n.° 1 da Cláusula Décima Quinta, e que consequentemente levou à rescisão do mesmo...»
3. Esta notificação foi recebida em 21/10/1992 (Factos provados n.°s 13 e 14 da sentença proferida nos autos de oposição n.° 14/1993 junta a fls. 43 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido).
4. A reclamante foi citada para a execução em 15/1/1993 (fls. 10 do processo de execução fiscal cujo conteúdo se dá por reproduzido).
5. Em 4/2/1993 foi apresentada a oposição (fls. 43 do processo de execução fiscal cujo conteúdo se dá por reproduzido).
6. A oposição esteve parada por facto não imputável à oponente desde 7/10/1994 até 15/9/2004 (factos provados n.° 18 da sentença de fls. 44 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido).
7. No âmbito do processo de oposição que correu termos neste TAF com o n.° 14/1993, foi proferida decisão que julgou incompetente em razão da matéria o TAF para apreciação do litígio e absolvida a A...da instância (fls. 38 e segs.. cujo conteúdo se dá por reproduzido).
8. Esta sentença foi proferida em 6/5/2010.
9. Por despacho de 30/12/2010 a execução foi declarada em falhas (fls. 322 do processo de execução fiscal cujo conteúdo se dá por reproduzido).
10. Mediante requerimento de 16/5/2011 A...requereu a extinção da execução, alegando, além do mais, que, por sentença transitada em julgado em 20 de Maio de 2010, no âmbito do processo de oposição n.° 14/93, o TAF de Leiria declarou a referida execução - por V. Exas. Promovida - ilegal, ordenando, consequentemente, a sua extinção. (fls. 335 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
11. Por despacho de 24/1/2013 foi ordenada penhora da quantia de € 17.735,65, correspondente ao valor da indemnização em função dos custos suportados com a garantia bancária associada ao processo n.° 14/1993, considerando a sua dívida no montante de € 407.355.62 (fls. 351 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
12. Deste despacho vem a presente reclamação.

FACTOS NÃO PROVADOS.
Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.
MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram. »
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Para julgar improcedente esta reclamação de decisão do órgão da execução fiscal, na sentença recorrida, entendeu-se, num primeiro momento, ser competente o serviço de finanças onde a mesma foi instaurada, bem como, em razão da matéria, o tribunal tributário interveniente (TAF de Leiria). Outrossim, após análise do regime e prazo (20 anos) aplicáveis, assumiu-se não haver ocorrido a prescrição da dívida exequenda. Avaliados os reparos feitos pela Recorrente/Rte, além de aspecto conectado com eventual défice instrutório (conclusões 6. a 9.), as duas anteriores questões são reputadas como erroneamente julgadas, pelo que, por precedência lógica, temos de curar da matéria da competência.
Vasculhada a jurisprudência, ao nível do STA (1), conferimos a sustentação de entendimento que, reportando-se, igualmente, ao juízo de inconstitucionalidade formulado no aresto convocado pela Rte (2), aponta no sentido de “considerando que a execução fiscal está na dependência do juiz do tribunal tributário mesmo na fase que corre termos perante as autoridades administrativas, e considerando que, no caso vertente, o IAPMEI instaurou processo de execução fiscal no serviço de finanças para cobrança dos seus créditos, não há como afirmar que o tribunal tributário não é competente para a apreciação da oposição que a executada dirigiu contra essa execução, tendo em conta o disposto no artigo 151.º do CPPT.
Nem poderia ser de outro modo, pois que a decisão de julgar materialmente incompetente o tribunal tributário para o conhecimento de oposição dirigida contra uma execução fiscal teria como efeito prático a continuação da cobrança do crédito através da execução fiscal que corre no serviço de finanças (sabido que todas as execuções que correm nesses serviços estão sujeitas ao regime processual da execução fiscal) e que a executada teria de ir aos tribunais comuns deduzir a respectiva oposição, quando tal não é permitido face ao disposto nos artigos 151.º e 152.º do CPPT, dos quais decorre que quando a execução fiscal corre nos serviços de finanças a respectiva oposição tem de ser deduzida perante o tribunal tributário, só sendo admissível a dedução de oposição nos tribunais comuns quando a execução fiscal também corre nos tribunais comuns. Pelo que a executada ficaria, na verdade, sem meio judicial ao seu dispor para defesa dos seus interesses, o que contraria, de forma flagrante, a consagração legal ordinária dos meios de protecção de direitos e dos princípios da protecção da confiança, ínsito na ideia de estado de direito democrático, e da tutela jurisdicional efectiva, previstos, respectivamente, nos artigos 2.° e 20.º da CRP.”.
Não obstante, aqui, nos movermos no âmbito de processo com natureza diferente do de oposição à execução fiscal, julgamos ser possível assumir a doutrina acabada de sumular, na parte essencial, porquanto traduz a melhor leitura do veredicto produzido pelo Tribunal Constitucional, dado permitir o exercício pleno, por parte dos executados, dos direitos de defesa, quanto às execuções, de dívidas ao IAPMEI, instauradas e pendentes nos serviços de finanças, enquanto execuções fiscais, não sendo descortinável qualquer incompatibilidade entre os motivos coligidos pelo STA e a natureza privativa desta forma processual, também, presente nos arts. 151.º e 152.º CPPT. A entender-se como propõe a Rte, nesta instância de reclamação, teria de ser, dela, absolvida a Fazenda Pública, com o inerente prosseguimento do processo executivo, sem, por exemplo, o tribunal poder conferir e decretar a possível prescrição da dívida exequenda. Resta, portanto, confirmar a sentença recorrida, quanto ao judiciado em sede de competência dos tribunais tributários/jurisdição tributária.
Sobre o conteúdo das conclusões 6. a 9., apenas, se nos oferece referenciar não estar em disputa factualidade, mas a proposta de firmar, como tal, um, objetivo, juízo conclusivo. Por outro lado, atentando no teor da conclusão 15., sempre, como veremos de seguida, a eventual relevância dessa pretensa realidade seria inócua, porque nenhum contributo encerraria no sentido do julgamento dos aspectos relativos ao dissídio sobre prescrição. Acresce registar-se incompatibilidade com os factos julgados provados sob os n.ºs 9. e 11. e que a Rte de forma alguma afrontou.
Quanto à questão que resta solucionar neste recurso, respeitante à prescrição da dívida exequenda, que a sentença recorrida entende não verificada e a Rte persiste, já, se ter consumado, importa começar por anotar a sintonia da jurisprudência, quanto à aplicação do prazo de 20 anos, contados da notificação do despacho que declarou a caducidade dos respectivos incentivos/rescisão do contrato.
Estabelecido este primeiro elemento relevante, na situação julganda, tendo à sociedade executada sido comunicada a decisão ministerial rescisória, do incentivo pago pelo IAPMEI, no dia 21.10.1992 (ponto 3.), em princípio, aqueles 20 anos estariam transcorridos a 21.10.2012. Sucede que aquela foi citada, no instaurado processo de execução fiscal, em 15.1.1993 (ponto 4.), circunstância motivadora da interrupção do prazo prescricional em curso (e inutilização do tempo decorrido), nos termos e para os efeitos do art. 323.º n.º 1 (art. 326.º n.º 1) Cód. Civil, efeito este persistente até que se mostre findo o processo onde ocorreu o ato de citação, ou seja, o processo de execução fiscal identificado em 1. dos factos provados – cfr. art. 327.º n.º 1 Cód. Civil, sendo irrelevante a absolvição da instância, decretada com trânsito em julgado, quanto à deduzida oposição, processo autónomo relativamente ao de execução visado, como decorre, além do mais, do art. 213.º CPPT.
Finalmente, integrando a dívida exequenda juros de mora, contados desde 3.1.1989 a 15.12.1992, não se apresentam os mesmos prescritos, por o pertinente prazo prescricional de 5 anos (art. 310.º al. d) Cód. Civil) ter sido interrompido e inutilizado o tempo cumprido, com a referenciada citação de 15.1.1993.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao recurso.
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Custas a cargo da recorrente.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 11 de junho de 2013

ANÍBAL FERRAZ
JORGE CORTÊS
PEREIRA GAMEIRO





1- Cfr., Acs. STA de 9.6.2010, rec. 01101/09 e de 16.1.2013, rec. 01041/13; no sítio www.dgsi.pt.
2- Ac. TC n.º 503/00 de 28.11.2000, proc. 658/99.