Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2752/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IRC;
FACTURAS FALSAS;
INDÍCIOS.
Sumário:
Aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT,
quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, cabendo-lhe fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

S…………., Lda., vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial referente a Liquidação de IRC do ano de 2005 no montante de € 16.014,50.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:
A)
Vem o presente Recurso interposto da Douta Sentença de fls. dos autos que julgou improcedente a Impugnação apresentada pela Recorrente, onde peticionava a anulação da liquidação de IRC, na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto pela ora Recorrente da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, no montante de 16.014,50 €, relativamente ao exercício de 2005, por entender verificar-se errónea qualificação dos factos tributários, dado discordar do entendimento da AT quanto à existência de indícios de que as aquisições efectuadas à sociedade "B..........., Lda.", tituladas pelas facturas n.ºs 502 e 503, sejam simuladas.
B)
Entende a Recorrente que a valoração da prova efectivamente produzida impunha que houvesse o Tribunal "o quo" realizado um julgamento diverso quanto à matéria de facto.
C)
Pois, das declarações prestadas pelo sócio-gerente da Recorrente, resultou que entre esta e a sociedade B........... existiu um contrato de prestação de serviços (subempreitada), de fim finalístico, por via do qual à Recorrente interessava tão somente o resultado e não os meios empregues pela sociedade B........... para a obtenção desse resultado, o qual não foi reduzido a escrito (como frequentemente sucede no âmbito deste tipo de contratos, em especial no ramo da construção civil) (Declarações de Parte, minutos 07:00 a 09:48; 10:53 a 11:53, Audiência de Julgamento de 30.03.2016).
D)
As quais foram corroboradas pela Testemunha M..........., que, sendo trabalhadora da Recorrente no ano de 2005, referiu ter conhecimento da existência dessa relação comercial da Recorrente com a sociedade B..........., sua razão de ser e contornos (Testemunha M..........., minutos 01:05:31 a 01:07:07, Audiência de Julgamento de 30.03.2016).
E)
Em resultado de tal prova impunha-se ao Tribunal "a quo" haver dado como provado que entre a Recorrente e a sociedade B..........., Lda., foram celebrados contratos de prestação de serviços (subempreitada), no âmbito dos quais a sociedade B........... realizou para a Recorrente diversos trabalhos de construção civil. Os quais foram motivados pela circunstância da estrutura produtiva da Recorrente ser insuficiente para assegurar a realização da totalidade dos trabalhos que, em determinados momentos, lhe foram em simultâneo adjudicados, fruto do acréscimo da actividade da construção nessas datas.
F)
Resultou ainda da prova produzida aqueles que foram os trabalhos efectivamente realizados pela sociedade B........... e aos quais se referem as facturas que por essa sociedade foram emitidas, designadamente as facturas com os números 502 e 503 (Testemunha M..........., minutos 01:07:14 a 01:07:56; 01:14:17 a 01:14:40; 01:15:33 a 01:15:34; Declarações de Parte, minutos 28:40 a 30:11, Audiência de julgamento de 30.03.2016).
G)
Ficou demonstrado que as facturas com os números 502 e 503, traduzem trabalhos efectivamente realizados pela sociedade sua emissora, B..........., à Recorrente e por esta pagos. Como de resto sucedeu com as facturas com os números 422, 423 e 424, as quais foram aceites pela Administração Fiscal (relativas à mesma relação comercial, a trabalhos da mesma natureza e realizados em moldes idênticos).
H)
Esclareceu ainda o sócio-gerente da Recorrente nunca haver duvidado da regularidade das facturas com os números 502 e 503, que lhe foram entregues, assim como nunca tal questão lhe foi suscitada pelo técnico oficial de contas encarregue da contabilidade da Recorrente. O que foi igualmente reiterado pela testemunha M........... (Declarações de Parte, minutos 30:26 a 21:23; 31:35 a 31:49; 32:06: 32:43 a 33:28; 34:59; 36:24 a 36:30, Testemunha M..........., minutos 01:09:54 a 01:10:03; 01:11:24 a 01:11:43; Audiência de Julgamento de 30.03.2016).
I)
Ao contrário daquele que foi o entendimento do Tribunal "a quo", a prova produzida corrobora a versão dos factos apresentada pela Recorrente e, bem assim, a veracidade das facturas e das operações nelas inscritas, desmistificando os putativos indícios de que se socorreu a AT para concluir pela falsidade das facturas. Indícios esses que se reconduzem apenas à circunstância de tais facturas haverem sido emitidas em tipografia diversa das anteriores e porquanto o representante da sociedade B........... terá negado haver solicitado a impressão das mesmas junto daquela tipografia.
J)
Não se vislumbrando como pode o Tribunal "a quo" haver concluído que "(...) o conjunto da prova documental e testemunhal, não constitui prova suficiente para considerar demonstrada a materialidade das operações tituladas pelas citadas facturas", quando, em simultâneo, reconhece "(...) Que as obras referidas naquelas facturas foram realizadas não oferece dúvida, são grandes obras, do conhecimento público geral.(...)"
K)
E sequer se diga que a falta de redução a escrito do contrato celebrado entre a Recorrente e a sociedade B........... ou que a falta de uma descrição detalhada dos trabalhos realizados nas facturas em questão poderá permitir concluir pela "falsidade" das mesmas, podem indiciar o contrário. Já que as regras da experiência comum das quais se deve o Julgador socorrer em sede da apreciação da prova, impõe-se ser moldadas de acordo com as características específicas de cada quadro factual.
U
E acaso o Tribunal "a quo" houvesse realizado tal ponderação, analisando a prova tendo presente que os trabalhos em questão se inserem no ramo da construção civil e no âmbito da relação entre o empreiteiro e o subempreiteiro, e facilmente teria concluído em sentido diverso. Pois é sabido que embora nas obras de grande dimensão seja habitual a formalização do contrato de empreitada, i.e., entre o dono da obra e o empreiteiro, o mesmo não é usual suceder entre este último e os diversos sub-prestadores de serviços que, por sua vez, contrata (como foi o caso).
M)
Tal como sucedeu com os trabalhos prestados pela sociedade B........... à Recorrente e que foram titulados pelas Facturas 422, 423 e 424, também elas emitidas de forma genérica, sem descrição detalhada dos trabalhos, e sem qualquer prévia formalização e redução a escrito de qualquer contrato, mas que foram aceites pela AT (embora claramente ignoradas pelo Tribunal "o quo" aquando da apreciação da prova e da decisão proferida).
N)
Que, em arrepio da prova efectivamente produzida e dos indícios resultantes da veracidade aceite relativamente às Facturas 422, 423 e 424, concluiu que da prova produzida não resultou qualquer indício seguro e inequívoco da forma como se estabeleceu a relação comercial entre a impugnante e a B........... Construção Civil, Lda."
O)
Tão pouco poderá colher o entendimento do Tribunal "a quo", segundo o qual a prova testemunhal produzida não reveste credibilidade. Uma vez que a mesma se mostrou coerente, objectiva e clara, inexistindo qualquer fundamento que validamente permita concluir nesse sentido.
P)
E tanto assim é que nem o próprio Tribunal "a quo" apresenta justificação cabal para tal desconsideração.
Q)
Tendo o Tribunal "a quo" dado por provado (como deu e bem) que a sociedade B........... emitiu à Recorrente as facturas nºs 502 e 503 (ponto H) dos factos dados como provados), não se alcança como pode, em simultâneo, concluir pela existência de indícios que apontam com elevado grau de probabilidade que a B........... Lda., não emitiu as facturas em causa, pois o seu sócio gerente afirma não ter requisitado facturas na tipografia delas constante e não as assinou:". E que "(...) mostra-se evidente que os indícios recolhidos pela AT, se mostram suficientes para se considerar suportada a posição assumida pela AT de que se estará perante operações simuladas, sem qualquer aderência à realidade."
R)
Antes pelo contrário, os indícios apontados pela AT são manifestamente contrariados pela prova produzida e que permitiu ao Tribunal "a quo" dar por provado que tais facturas foram emitidas por aquela sociedade (B...........) à Recorrente, que titulam operações reais, como se demonstrou e se impõe ter por provado.
S)
Assim, atento o conjunto da prova documental e testemunhal produzida, deverão dar-se por provados os seguintes factos:
- A emissão pela sociedade B........... - Construção Civil, Lda., das facturas n.ºs 503 e 503, descritas no ponto H), resultou de contratos de prestação de serviços celebrados entre esta e a Impugnante, no âmbito dos quais a sociedade B........... - Construção Civil, Lda. realizou diversos trabalhos de construção civil para a Impugnante nas obras descritas nas referidas facturas.
- A Impugnante pagou à sociedade B........... - Construção Civil, Lda., por conta dos serviços prestados e trabalhos executados, os valores inscritos nas facturas nºs 503 e 503, descritas no ponto H).
T)
Segundo as regras do ónus da prova, antes de se poder onerar a Recorrente com a prova de que as facturas em causa corresponderam a prestações de serviços efectivas (e que provou), era à AT que caberia demonstrar que tais facturas diziam respeito a operações simuladas. O que não fez, sequer indiciariamente.
U)
Impunha-se que houvesse o Tribunal "a quo" julgado procedente a Impugnação apresentada pela Recorrente, por carecer de fundamento legal a liquidação adicional promovida pela AT, determinando a sua anulação.
V)
Devendo pois, nessa conformidade, ser julgado procedente o presente recurso, substituindo a Douta Sentença recorrida por decisão que, julgando procedente a Impugnação apresentada pela Recorrente, e por carecer de fundamento legal a liquidação adicional promovida pela AT, determinando a sua anulação da referida liquidação.
NESTES TERMOS
E nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso, substituindo a Douta Sentença recorrida por decisão que, julgando procedente a Impugnação apresentada pela Recorrente, e por carecer de fundamento legal a liquidação adicional promovida pela AT, determine a sua anulação.
É o que, com o douto suprimento que se pede, se espera, por ser de JUSTIÇA !!!”.

* *
A Recorrida não contra-alegou.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de:
i) Erro de julgamento da matéria de facto quanto ao exame crítico das provas;
ii) Erro de julgamento de direito ao ter decidido da existência de indícios sérios de que as prestações de serviços efectuadas pela sociedade B........... – Construções Civis, Lda, tituladas pelas facturas nºs 502 e 503 são simuladas, tendo julgado improcedente a impugnação judicial.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) O serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, com base na ordem de serviço n.º ..........., realizou uma acção inspectiva interna à impugnante relativa ao exercício de 2005 (cfr. fls. 32 a 44 do PAT apenso).

B) A acção inspectiva teve origem na acção externa de “consulta, recolha e cruzamento de elementos”, realizada pela Divisão de Investigação da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE), relativamente ao sujeito passivo B........... Construção Civil, Lda., que concluiu pela existência de indícios fortes de emissão de facturas falsas quer por parte do mesmo, quer por terceiros alheios à sociedade, na qual, a ora impugnante é indiciada como utilizador das referidas facturas (cfr. fls. 32 a 44 do PAT apenso).

C) Da informação da Divisão de Investigação da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE) que originou a inspecção à impugnante consta o seguinte: «indícios da impressão, por terceiros alheios à sociedade B........... – CONSTRUÇÃO CIVIL LDA., em pelo menos 15 tipografias, de livros de facturas daquela sociedade, facturas essas depois utilizadas por um elevado número de empresas, nomeadamente do sector da construção civil, com prejuízos elevados para o Estado em sede de IVA e de impostos sobre o rendimento.» - cfr. fls. 46 do PAT.

D) O sócio-gerente da sociedade B........... – CONSTRUÇÃO CIVIL LDA. prestou declarações perante a Divisão de Investigação da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE) tendo afirmado que, é sócio-gerente da sociedade B........... – CONSTRUÇÂO CIVIL LDA., com o NIPC ..........., desde a sua constituição em Dezembro de 2001, que nunca mandou fazer facturas da sociedade em tipografias sitas em Queluz ou no Alto da Cova da Moura-Buraca ou em Sacavém, que no início da actividade da sociedade mandou fazer 3 livros numa tipografia em Odivelas e um livro numa tipografia no Cacém, que a partir daí todas as facturas têm sido feitas numa tipografia em Beja, a T........., Lda. – cfr. fls. 47 e 48 do PAT.

E) A acção inspectiva realizada à impugnante concluiu o seguinte:
«III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
Na sequência da acção inspectiva realizada, foram detectadas as seguintes situações irregulares, em sede de IRC e IVA, no exercício de 2005, adiante quantificadas e fundamentadas.
3.1. ANÁLISE NO ÂMBITO DO IRC
3.1.1. Correcções Efectuadas ao Lucro Tributável
Face à informação transmitida pela Direcção de Serviços de Investigação da Fraude e de Acções Especiais, o suporte formal (factura ou documento equivalente) ao custo contabilizado pelo sujeito passivo S..........., Lda, referente aos serviços prestados pelo subempreiteiro B........... Construção Civil, Lda, que contribuíram para o apuramento e declaração do lucro tributável/matéria tributável, do sujeito passivo em análise, não corresponde a serviços efectivamente prestados pelo mesmo.
De facto, no decurso de uma investigação administrativa desenvolvida pela DSIFAE à empresa "B...........", foi ouvido em Termo de Declarações o seu sócio, Sr. B........... (Folhas 17 a 19 em Anexo), que afirmou ter mandado emitir, no início da actividade:
· 3 livros de facturas a uma tipografia em Odivelas, posteriormente identificada como sendo de V..........., com o NIF: ..........;
· 1 livro de facturas numa tipografia no Cacém posteriormente identificada com o nome G.........., Lda e NIF: ..........;
· Todas as facturas-seguintes na T........., Lda, em Beja, com o NIF: ..........
Não foram reconhecidas pelo mesmo, livros de facturas impressos por outras tipografias.
As facturas contabilizadas pelo sujeito passivo em análise, cujas cópias se juntam em anexo - Folhas 20 a 25 em Anexo, encontram-se identificadas no quadro seguinte:
FornecedorNIFFacturaDataValorLíq.IvaValor Total
B........... Construção Civil,
(a)
Lda
...........42229/07/200548.000,0010.080,0058.080,00
B........... Construção Civil,
(a)
Lda
...........42330/08/200540.000,008.400,0048.400,00
B........... Construção Civil,
(a)
Lda
...........42630/09/200560.000,0012.600,0072.600,00
(a) - Total facturas impressas pela T......... ••••••••••••148.000,0031.080,00179.080,00
B........... Construção Civil, Lda (b,...........50230/12/200568.957,0014.480,9783.437,97
B........... Construção Civil, Lda (b,...........50330/12/200529.553,006.206,1335.759,13
(b) - Total facturas impressas pela G......... ••••••••98.510,0020.687,10119.197,10
Total 246.510,0051.767,10298.277,10


As facturas n.º 502 e 503, contabilizadas pelo sujeito passivo, foram impressas pela "G........., Lda", com o NIF: ........., sediada na Amadora, e de acordo com o sócio da empresa "B..........., Lda", ouvido em termo de declarações, pela DSIFAE, apenas reconhece ter requisitado facturas na T........., pelo que se conclui que os serviços não foram prestados por si, nem pelos seus colaboradores, mas sim por alguém alheio à empresa.
Refere-se ainda que, a assinatura do nome B..........., que consta nas facturas acima contabilizadas pelo sujeito passivo é muito distinta da que consta no Termo de Declarações assinado pelo próprio, que aliás não sabe ler nem escrever, apenas conseguindo desenhar o seu nome em letras maiúsculas.
Face ao exposto, as facturas n.º 502 e 503, impressas pela G........., "formalmente" emitidas pela sociedade "B..........." ao sujeito passivo em análise, no montante total de € 98.510,00, não podem ser aceites fiscalmente como custo, pelo simples motivo de que se tratam de facturas indiciadas como falsas e/ou de favor, que não foram sequer emitidas pelo próprio e como tal serão de corrigir, considerando-se dispensáveis à manutenção da actividade produtiva do sujeito passivo em análise. (…)
3.1.3. Apuramento da Matéria Tributável
Face ao descrito nos parágrafos anteriores, a matéria tributável nula declarada pelo sujeito passivo na Declaração de Rendimentos - Mod. 22, é alterada para o montante de € 53.181,95, conforme cálculos que se seguem:
DescriçãoVaI. DeclaradosCorrecçãoVaI. Corrigidos
Lucro Tributável€ 18.845,73€ 98.510,00€ 117.355,73
Prejuízos Fiscais Dedutíveis€ 18.845,73€ 64.173,78
Matéria Colectável€ 0,00€ 53.181,95

» - cfr. fls. 32 a 44 do PAT apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

F) Sobre o relatório referido na alínea anterior, em 15-10-2008 foi prestado parecer pela chefe da equipa 21 do serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 33 do PAT), o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
« Confirmo a informação prestada.
De acordo com o teor do relatório em análise, as correcções de natureza meramente aritmética, referentes ao(s) exercício(s) de 2005, descriminadas no capítulo III do relatório, por infracção aos artºs 23° e 42° n° 1 al. g) ambos do CIRC e artºs 19° n° 3 e 20° n° 1, ambos do CIVA, resumem-se nas seguintes:
• IRC:
Ø Contabilização de custos, corporizados por facturas formalmente emitida(s) pelo(s) prestador(es) de serviços B........... Construção Civil Lda - NIPC: ......... que não correspondem a serviços efectivamente prestados (negócio jurídico simulado) no(s) montante(s) global de € 98.510,00; Desta forma, face ao lucro tributável declarado de € 18.845,73 e, à dedução de prejuízos reportados de exercícios anteriores, no montante de € 64.173,78, é a matéria tributável corrigida no montante de € 53.181,95; (…)».

G) Em 16-10-2008, o Chefe de Divisão, no uso de competências subdelegadas pelo Director de Finanças Adjunto, proferiu sobre o relatório da inspecção, o despacho constante de fls. 32, do PAT, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual consta o seguinte:
«Concordo com o parecer da Coordenadora de Equipa, bem como, com o relatório da acção inspectiva, em anexo.
Dos fundamentos deles constante resulta que se encontram verificados os pressupostos legais e de facto para, mantendo-se a avaliação directa da matéria colectável, proceder às correcções técnicas propostas, nos termos e fundamentos da parte final dos artigos 16° n° 1 e 17° nº 1, ambos do CIRC, e artº 82° do CIVA, conjugados com os artigos 81° a 84° da LGT.
Proceda-se à tramitação do DC-Único por forma adequada à liquidação e cobrança do(s) imposto(s) em divida nele(s) quantificado(s).
Notifique-se.»

H) A sociedade B........... – Construção Civil, Lda. emitiu à impugnante a factura nºs 502, datada de 30-12-2005, no montante de € 68.957,00, relativa a “EXECUÇÃO DE VÁRIOS TRABALHOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL NA VOSSA OBRA M......... PEDRÓGÃO” e a factura nº 503, datada de 30-12-2005, no montante de € 29.553,00, relativa a “TRABALHOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL EXECUTADOS NA VOSSA OBRA S......... CAMPO PEQUENO” (cfr. fls. 52 e 56 do PAT apenso).

I) Das facturas referidas na alínea precedente consta a identificação da “G........., Lda. – contribuinte ......... – R. Branquinho da Fonseca, 12-A – 2700 Amadora” (cfr. fls. 52 e 56 do PAT apenso).

J) Na sequência das correcções efectuadas pela inspecção tributária, a administração tributária efectuou a liquidação adicional de IRC nº ......... e juros compensatórios, no montante total de € 16.014,50, relativamente ao exercício de 2005 (cfr. fls. 62 a 65 do PAT e 23 do PRG).

K) Em 25-03-2009 a impugnante apresentou reclamação graciosa dos actos de liquidação descritos na alínea anterior (cfr. fls. 4 a 9 do PRG apenso).

L) A reclamação referida na alínea precedente, foi indeferida por despacho de 20-08-2009, o qual concorda com a informação prestada pela divisão de justiça administrativa (cfr. fls. 68 a 72 do PRG, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

M) Não se conformando com a decisão referida na alínea precedente, em 25-09-2009, a impugnante apresentou recurso hierárquico, o qual veio a ser indeferido por despacho de 16-09-2010, reiterando-se a fundamentação da decisão da reclamação graciosa (cfr. fls. 53 a 60 do PRH, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

N) A presente impugnação foi remetida ao Serviço de Finanças, via postal registada em 16-11-2010 (cfr. fls. 18 dos autos).
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
*
A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo, de reclamação graciosa e recurso hierárquico apenso.
O depoimento do sócio-gerente da Impugnante caracterizou a actividade desenvolvida no exercício de 2005, justificando a contratação da sociedade B........... Construção Civil, Lda. com o acréscimo de trabalho verificado naquela altura, e que os serviços prestados consistiram na cedência de mão-de-obra, contudo, quanto aos concretos serviços titulados pelas facturas nºs 502 e 503, não avançou com uma caracterização do tipo de serviços, número de trabalhadores ou preço/hora, afirmando que o que interessava era o resultado final da obra.
O depoimento da testemunha não incidiu, em concreto, sobre as relações estabelecidas entre a impugnante e a sociedade B........., Lda., nem sobre os concretos serviços por esta prestados.
De facto reconhece que a impugnante se relacionou comercialmente com aquela sociedade, refere a existência de um dossier de obra relativo aos trabalhos contratados, realizados, facturados e pagos, mas que relativamente à sociedade B........... Construção Civil, Lda., apenas constam as facturas emitidas. Afirmou que nas visitas que realizou às obras viu funcionários da B........... porque o encarregado da Impugnante, presente na obra os identificou como tal.
Quer o depoimento do sócio-gerente da impugnante, quer o depoimento da testemunha, não oferecem credibilidade, o primeiro, porque tem um manifesto interesse na causa, a segunda dada a relação de dependência, em termos de vínculo laboral com a impugnante.”.

* *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação judicial do IRC do exercício de 2005 tendo decidido que, por um lado, a administração tributária reuniu indícios suficientes para considerar que os custos titulados pelas facturas nºs 502 e 503 emitidas pela sociedade “B………, Lda.”, não titulavam efectivas e reais prestações de serviços, tendo desconsiderado esses custos, e por outro, que o impugnante não logrou provar a materialidade das operações tituladas pelas facturas de forma a infirmar tais indícios.

Discordando do decidido vem a Recorrente apresentar recurso jurisdicional no qual invoca desde logo erro de julgamento quanto ao exame crítico das provas, impugnando a matéria de facto nos termos do art. 640º do CPC e defendendo que, atento o conjunto da prova documental e testemunhal produzida, deverão dar-se por provados os seguintes factos:
- A emissão pela sociedade B........., Lda., das facturas n.ºs 502 e 503, descritas no ponto H), resultou de contratos de prestação de serviços celebrados entre esta e a Impugnante, no âmbito dos quais a sociedade B........... - Construção Civil, Lda., realizou diversos trabalhos de construção civil para a Impugnante nas obras descritas nas referidas facturas.
- A Impugnante pagou à sociedade B........... - Construção Civil, Lda., por conta dos serviços prestados e trabalhos executados, os valores inscritos nas facturas nºs 503 e 503, descritas no ponto H), (como consta da alínea S) das conclusões).

Para o efeito alega que:

- “das declarações prestadas pelo sócio-gerente da Recorrente, resultou que entre esta e a sociedade B........... existiu um contrato de prestação de serviços (subempreitada), de fim finalístico, por via do qual à Recorrente interessava tão somente o resultado e não os meios empregues pela sociedade B........... para a obtenção desse resultado, o qual não foi reduzido a escrito (como frequentemente sucede no âmbito deste tipo de contratos, em especial no ramo da construção civil) (Declarações de Parte, minutos 07:00 a 09:48; 10:53 a 11:53, Audiência de Julgamento de 30.03.2016).” (cfr. conclusão C) das alegações de recurso).

- Declarações que segundo a Recorrente “foram corroboradas pela Testemunha M..........., que, sendo trabalhadora da Recorrente no ano de 2005, referiu ter conhecimento da existência dessa relação comercial da Recorrente com a sociedade B..........., sua razão de ser e contornos (Testemunha M..........., minutos 01:05:31 a 01:07:07, Audiência de Julgamento de 30.03.2016). (cfr. conclusão D) das alegações de recurso).

- Que “resultou ainda da prova produzida aqueles que foram os trabalhos efectivamente realizados pela sociedade B........... e aos quais se referem as facturas que por essa sociedade foram emitidas, designadamente as facturas com os números 502 e 503 (Testemunha M..........., minutos 01:07:14 a 01:07:56; 01:14:17 a 01:14:40; 01:15:33 a 01:15:34; Declarações de Parte, minutos 28:40 a 30:11, Audiência de julgamento de 30.03.2016).” (cfr. conclusão F) das alegações de recurso).

- E considera que “Esclareceu ainda o sócio-gerente da Recorrente nunca haver duvidado da regularidade das facturas com os números 502 e 503, que lhe foram entregues, assim como nunca tal questão lhe foi suscitada pelo técnico oficial de contas encarregue da contabilidade da Recorrente. O que foi igualmente reiterado pela testemunha M........... (Declarações de Parte, minutos 30:26 a 21:23; 31:35 a 31:49; 32:06: 32:43 a 33:28; 34:59; 36:24 a 36:30, Testemunha M..........., minutos 01:09:54 a 01:10:03; 01:11:24 a 01:11:43; Audiência de Julgamento de 30.03.2016).” (cfr. conclusão H) das alegações de recurso).

Atento o disposto no art.° 640.° do CPC, aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo da Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de discordância com tal decisão.

O art. 640º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consagra que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636°."

Estes requisitos foram cumpridos pela ora Recorrente.

Importa assim analisar as questões que no entender da Recorrente foram incorrectamente julgadas, referentes à prova produzida, e que poderão impor decisão diversa da recorrida.

Ouvidos os depoimentos das testemunhas nos trechos indicados pela Recorrente resulta que, apenas deles podemos extrair, o facto de que a Recorrente teve um acréscimo de obras a realizar, vendo-se na necessidade de contratar subempreiteiros, para cedência de mão-de-obra nos quais se incluiu a sociedade B………….., Lda., e, que as facturas apresentadas por esta sociedade nunca suscitaram dúvidas.

Desta forma, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

O) Devido a um acréscimo de obras a realizar, houve necessidade de contratar subempreiteiros, nos quais se incluiu a sociedade B………., Lda. (cfr depoimentos das testemunhas);

P) As facturas apresentadas pela B……, Lda., não suscitaram dúvidas (cfr. depoimentos das testemunhas).

Estabilizada a matéria de facto, passemos, então, a conhecer do alegado erro de julgamento de direito.

A Recorrente alega erro de julgamento de direito dado o tribunal a quo ter considerado existirem indícios de facturas que não titulam operações reais e ter julgado improcedente a impugnação judicial referente ao IRC de 2005 por ter entendido que o impugnante não logrou provar que as referidas facturas titulam operações reais.

Discordando do decidido pela 1ª instância, a Recorrente defende que as operações tituladas por aquelas facturas correspondem a prestações de serviços efectivamente prestados, e que “segundo as regras do ónus da prova, antes de se poder onerar a Recorrente com a prova de que as facturas em causa corresponderam a prestações de serviços efectivas (e que provou), era à AT que caberia demonstrar que tais facturas diziam respeito a operações simuladas. O que não fez, sequer indiciariamente.” (cfr. conclusão T) do probatório).

Vejamos então.

No caso em apreço os serviços de inspeção tributária procederam a correcções em sede de IRC do exercício de 2005 tendo considerado que as operações subjacentes às facturas nºs 502 e 503 emitidas pela sociedade “B........... – Construções Civis, Lda.” não titulavam operações reais, tendo as mesmas sido consideradas como fictícias ou falsas, não tendo sido aceites como dedutíveis enquanto gastos nos termos do art. 23º do CIRC.

Quanto ao âmbito e alcance do ónus da prova do art. 74º da LGT, nomeadamente no que se refere à extensão, abrangência ou amplitude desse ónus por parte da administração tributária (AT) nas situações em que se questiona a realidade da operação mencionada em factura, importa referir o entendimento uniforme e reiterado por parte dos tribunais superiores, de que são exemplo, entre outros, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 17/02/2016 – proc. 0591/15 (embora analise uma situação de IVA, para efeitos desta questão do ónus da prova é plenamente aplicável ao IRC) ao afirmar que “I - Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”

No mesmo sentido, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19/10/2016 – proc. 0511/15 ao mencionar que “II- Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”

E acrescenta-se neste Acórdão “Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respectiva dedução) o montante do IVA incluído em facturas correspondentes a transacções que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação da AT (ao abrigo do nº 3 do art. 19º do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.
E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade in Justiça Administrativa, 2.ª edição, pág. 269: “há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos”» (ac. do STA, de 30/4/2003, no proc. n.º 0241/03). (No qual se referenciam, igualmente, os acs. de 24/4/02, rec. 102/02, de 17/4/02, rec. 26.635, de 9/10/02, rec. 871/02 e de 14/11/01, rec. 26.015)
Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade – estendida aos seus elementos de apoio (art. 75.º da LGT) –, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
Sobre esta matéria escreveu-se no Acórdão do STA, de 24/4/2002, Rec. 0102/02:
«Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349.º e 350.º do CCivil), a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.
A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.
Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva.
Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de vista técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso – o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”.
De todo o modo, quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação. É isto corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete (…)”

Recorde-se que o art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) consagra que “Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal” estabelecendo assim uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita. Esta presunção implica que se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, da contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras.

Contudo, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (indícios que devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, não sendo necessário demonstrar a falsidade das facturas. Basta à AT evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada, capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade, não sendo ainda necessário que faça prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
A AT poderá ainda ter em consideração elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes.
Importa ainda mencionar que, se necessário, a AT poderá recorrer à prova indirecta “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, de ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág. 154).

Prosseguindo, e como já foi referido, quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus da prova da realidade das operações tituladas pelas facturas.

Vejamos no caso em apreço se, conforme invoca a Recorrente, a AT não cumpriu com o seu ónus, tomando-se em consideração os indícios recolhidos pela AT e vertidos no probatório.

Importa assim analisar que indicadores seguros, credíveis e consistentes da falsidade das facturas foram recolhidos pela AT.

Resulta da matéria assente que a liquidação ora impugnada resulta de uma acção inspectiva interna ao exercício de 2005, na sequência de uma acção externa por parte da Divisão de Investigação da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE), ao sujeito passivo B......... Lda. (NIPC .........) que concluiu pela existência de indícios fortes de emissão de facturas falsas quer por parte do mesmo, quer por terceiros alheios à sociedade, na qual, a ora impugnante é indiciada como utilizador das referidas facturas.


O sócio-gerente da sociedade B........... – CONSTRUÇÃO CIVIL LDA., prestou declarações perante a Divisão de Investigação da Fraude e de Acções Especiais (DSIFAE) tendo afirmado que nunca mandou fazer facturas da sociedade em tipografias sitas em Queluz ou no Alto da Cova da Moura-Buraca ou em Sacavém, que no início da actividade da sociedade mandou fazer 3 livros numa tipografia em Odivelas e um livro numa tipografia no Cacém, que a partir daí todas as facturas têm sido feitas numa tipografia em Beja, a T........., Lda.

Assim, aqueles serviços aceitaram as facturas emitidas pela sociedade B........... – Construção Civil, Lda., impressas pela T........., Lda., que perfazem o montante total de € 179.080,00 e desconsideraram as facturas nºs 502 e 503 impressas pela G........., Lda., no montante total de € 119.197,10 que, reputaram de fictícias (como consta da alínea E) do probatório).

Cumpre, então, aferir, atento o elenco referido supra, se a AT logrou reunir indícios seguros e suficientes de que as operações, tituladas pelas faturas elencadas no RIT e que estiveram na base das correções técnicas em causa, não correspondiam a operações reais.
Reitere-se que nestas situações, em termos de ónus da prova a cargo da AT, é pacífico que esta não tem de provar a simulação, mas tem apenas de recolher indícios de que as operações a que se referem as faturas não ocorreram efetivamente. Nestes casos, como já referido, cessa a presunção de veracidade da contabilidade, passando o ónus da prova para o sujeito passivo, cabendo a este demonstrar a efetividade das operações, individualmente consideradas.

Com base na matéria assente o tribunal a quo concluiu que a AT recolheu indícios que apontam com elevado grau de probabilidade que a sociedade B..........., Lda., não emitiu as facturas em causa, sendo esses indícios suficientes para sustentar que estamos perante operações simuladas, sem qualquer aderência à realidade.

Desde já se afirma que não concordamos com o decidido, explicitando de seguida porque assim o entendemos.

Ressalte-se o que já afirmámos anteriormente, no sentido de que é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (indícios que devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, não sendo necessário demonstrar a falsidade das facturas. E que basta à AT evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada, capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade, não sendo ainda necessário que faça prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Podendo ainda a AT ter em consideração elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes.

No caso em apreço, a sociedade B........... – Construções Civis, Lda., emitiu em nome da ora Recorrente no exercício de 2005 diversas facturas, nas quais se incluem as duas facturas que a AT considerou como falsas, baseando-se para o efeito:
- nas declarações do sócio-gerente daquela sociedade que afirmou não ter solicitado quaisquer livros de facturas na tipografia que consta indicada nas facturas nºs 502 e 503, sendo a T......... a emissora das suas facturas;
- que a assinatura que consta naquelas facturas difere da que consta no auto de declarações prestado pelo representante daquela sociedade à DSIFAE e das que constam das outras facturas emitidas;

Ora, ponderando os indícios recolhidos julgamos ser manifestamente insuficientes para se concluir que as facturas são fictícias, ou seja, esses indícios não traduzem uma probabilidade séria e elevada de que as prestações de serviços subjacentes às facturas não foram efectivamente prestadas à Recorrente, tanto mais que foram aceites as demais facturas emitidas pela mesma sociedade, sem ter sido susciada a dúvida sobre a veracidade das operações nelas tituladas.

Na verdade parece-nos insuficiente reputar duas facturas como fictícias com base apenas na declaração do sócio-gerente da emitente quanto à tipografia e no facto de a assinatura constante nas mesmas ser diferente das restantes, pelo que, deveriam tais elementos externos à sociedade impugnante terem sido complementados e concatenados com mais elementos recolhidos na sociededade impugnante de forma a reforçar os indícios de que tais operações não correspondiam a operações reais.

Como se afirma no Ac. do TCA Sul de 22/02/2018 – proc. 08959/15 “I. A AT pode lançar mão de elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, porém, não se pode bastar com esses elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as facturas não correspondem a operações efectivas (facturas falsas ou fictícias);
II. É que nos termos do disposto no art. 63.º da LGT sob a epígrafe, “Inspecção” os órgãos competentes podem desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, trata-se de um poder-dever, atendendo, também, ao princípio do inquisitório consagrando no art. 58.º do mesmo diploma;”.

Concluímos assim que a AT não recolheu indícios suficientes e seguros que traduzam uma probabilidade séria de que estamos perante operações simuladas, pelo que a AT não cumpriu com o seu ónus da prova, sendo que a presunção de veracidade prevista no art. 75º da LGT, quanto à declaração referente ao IRC de 2005 não foi afastada, e, nessa medida a correção efectuada padece de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e consequentemente deve ser anulada

E assim sendo, resulta prejudicada a apreciação da falta de prova da materialidade das operações tituladas pelas referidas facturas.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e em consequência revogar a sentença recorrida, julgando procedente a impugnação judicial.

Custas a cargo da Recorrida apenas na 1ª instância, dado que não contra-alegou na presente instância.
Após trânsito, passe certidão com nota de trânsito e remeta-se ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 7, como requerido.


Lisboa, 28 de Janeiro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares