Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:460/21.6 BELRA-A
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DA PENHORA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
RECLAMAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - Estando prevista e sendo exercida a possibilidade de reclamação judicial de um determinado acto lesivo na execução fiscal bem como a subida imediata da reclamação a juízo quando tenha por fundamento prejuízo irreparável (cf. arts. 276.º e 278.º, n.º 3, do CPPT), com o consequente efeito suspensivo da execução, não pode considerar-se que o princípio da tutela judicial efectiva exija a admissibilidade de providência cautelar de regulação provisória de situação jurídica.
II - Se não existe um direito cujo reconhecimento a obter na acção principal fique destituído de utilidade se não for provisoriamente reconhecido no procedimento cautelar, o procedimento não pode ser admitido, por não reunir a providência os requisitos necessários ao seu decretamento nos termos do art.º 147.º, n.º 6 do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

M…, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que indeferiu liminarmente a Providência Cautelar intentada contra o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., pedindo a suspensão de eficácia “de acto tributário que ordenou a penhora de bens ao Requerente, ser julgada procedente e, em consequência, ordenado que o Requerido suspenda a penhora do vencimento do Requerente, em reembolso de IRS, em qualquer processo de natureza executiva dos mencionados no artigo 13.º do requerimento inicial e, em particular, no processo n.º 1401200701034324”.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
1 - Embora existam meios processuais no âmbito do processo executivo disponíveis aos Executados, tal não deixa pressupor o cumprimento de uma normal e diligente marcha do processo executivo e que sejam cumpridas as exigências decorrentes de direitos fundamentais, em especial o disposto no artigo 6º da CEDH e o artigo 20º, nº 4 da CRP;

2 – O Recorrido ao não notificar o Recorrente para exercer o seu direito de audição, nem se dignando a responder ao requerimento dirigido a propósito das dívidas que lhe foram imputadas violou o princípio da legalidade, bem como o preceituado no artigo 268º da CRP, nºs 1, 2 e 3;

3 – E perante a inacção do Recorrido e tendo este ordenado a penhora do salário do Recorrente, apenas restou a hipótese deste requerer um procedimento cautelar, porquanto nenhum outro expediente iria em tempo útil e de forma eficaz cessar os actos que estavam a lesar os seus direitos;

4 – Como tal, o Recorrente não se encontrava em condições de lançar mão do mecanismo previsto no artigo 276º do CPPT;

5 - Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da Legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (artigo 202º da CRP).

6 - Não assiste à Administração Tributária, ou da Segurança Social, qualquer «discricionariedade de silêncio», pois que o contribuinte tem uma expectativa legítima de receber uma pronúncia, dado que, assim como a Administração, ele é um sujeito de direito com que esta tem de contar e a quem não pode ignorar;

7 - A obrigatoriedade de decisão por parte da administração (AT) e o direito a conhecer essa decisão por parte dos administrados (SP), são princípios decorrentes da CRP, com garantida de tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos contribuintes;

8 – Pelo que, perante a violação dos deveres que impendem sobre a Administração Pública e sobre a Autoridade Tributária, ou da Segurança Social, o contribuinte deve dispor de procedimentos céleres de forma a restituir a legalidade, o que é o caso do procedimento cautelar;

9 – Devendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que defira a pretensão do Recorrente, mostrando-se violado o disposto nos artigos 6º da CEDH, 20º, nº 4 e 268ºda CRP e 59º e 60º da LGT.
JUSTIÇA!».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo ser de negar provimento ao recurso mantendo-se o julgado in totum.

Com dispensa dos vistos legais dada a natureza urgente do processo, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão a resolver reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a Providência Cautelar intentada não é o meio processual adequado para tutela da pretensão do Requerente.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Com interesse para a decisão liminar fixam-se as seguintes ocorrências processuais documentadas nos autos:

1. Em 09 de setembro de 2020 foi emitido pela Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1401200701034324 e apensos, em nome de M..., ofício de solicitação de penhora bancária junto do Banco Comercial Português, S.A., cuja dívida em cobrança coerciva ascende ao montante de 96.565,34€, e acrescidos no montante de 60.218,94€, no montante total de 156.784,28€ - cfr. ofício, a fls. 49 dos autos (em suporte físico).

2. Em 10 de setembro de 2010 foi emitido pela Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1401200701034324 e apensos, em nome de M..., ofício de solicitação de penhora bancária junto do Novo Banco, S.A., cuja dívida em cobrança coerciva ascende ao montante de 96.565,34€, e acrescidos no montante de 60.218,94€, no montante total de 156.784,28€ - cfr. ofício, a fls. 50 dos autos.

3. Em 06 de abril de 2021 foi emitido pela Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1401200701034324 e apensos, em nome de M..., ofício de solicitação de penhora bancária junto do Banco Comercial Português, S.A.., cuja dívida em cobrança coerciva ascende ao montante de 96.565,34€, e acrescidos no montante de 62.131,42€, no montante total de 156.696,76€ - cfr. ofício, a fls. 51 dos autos.

4. Em 08 de abril de 2021 foi emitido pela Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1401200701034324 e apensos, em nome de M..., ofício de solicitação de penhora de vencimento e salário junto da Sociedade E…, Lda, cuja dívida em cobrança coerciva ascende ao montante de 96.565,34€, e acrescidos no montante de 62.131,42€, no montante total de 158.696,76€ - cfr. ofício, a fls. 52 dos autos.

5. Na mesma data foi emitido pela Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1401200701034324 e apensos, em nome de M..., ofício de solicitação de penhora de vencimento e salário junto da Sociedade P…, Lda, cuja dívida em cobrança coerciva ascende ao montante de 96.565,34€, e acrescidos no montante de 62.131,42€, no montante total de 158.696,76€ - cfr. ofício, a fls. 52 dos autos.
6. Em 30 de junho de 2021 foi emitido pela Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1401200701034324 e apensos, em nome de M..., ofício de solicitação de penhora de IRS, cuja dívida em cobrança coerciva ascende ao montante de 96.565,34€, e acrescidos no montante de 62.535,46€, no montante total de 158.024,15€ - cfr. ofício, a fls. 53 dos autos.

7. Em 15 de setembro de 2021 foi dirigido ofício ao Mandatário do Requente da decisão proferida pela Seção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., na sequência do requerimento apresentado pelo Requerente em 24 de março de 2020, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual se considerou que a dívida exequenda em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 1401200701034324 e apensos se encontrava prescrita.
*
Os factos considerados indiciariamente provados, resultam dos documentos constantes do processo de execução integrado nos autos (em suporte físico) e nos autos no SITAF.».

B.DE DIREITO

Como se alcança dos autos, com a Providência Cautelar intentada pretenderia o Requerente, aqui recorrente, ver suspensa nomeadamente a penhora de vencimentos e dos reembolsos de IRS ordenada no processo executivo que contra si corre na Secção de Processo Executivo do IGFSS, I.P., na pendência do processo principal – Acção Administrativa – que interpôs e em que pretende ver apreciada e decidida a invocada prescrição da dívida em cobrança nos processo executivos à ordem dos quais foi ordenada a penhora.

Entendeu o Tribunal a quo rejeitar liminarmente a Providência Cautelar por manifesto erro na forma do processo.

E com inteira razão, adiantamos já, pelos motivos que a sentença de resto bem explica ancorada em jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo em sintonia com a doutrina fiscalista relevante sobre o tema, que não vemos para não seguir, em face dos argumentos esgrimidos pelo recorrente, até a fim de prevenir decisões conflituantes sobre questões idênticas, como preconizado no art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil.

Como se explicadamente se diz no ac. daquele alto tribunal de 05/29/2019, prolatado no proc.º 0133/19.0BECTB que a sentença também cita, «Ora, com o pedido de decretamento da providência cautelar de regulação provisória de situação jurídica, aquilo que a Recorrente pretende é, em rigor, suspender os efeitos próprios da execução fiscal e inverter um específico acto executivo já praticado pelo órgão de execução. Porém, como tem sido entendimento constante e pacífico deste Supremo Tribunal Administrativo, na execução fiscal encontra-se prevista a possibilidade de reclamação judicial de todas as decisões do órgão de execução que afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro (art.º 276.º do CPPT), com subida imediata a tribunal e efeito suspensivo da execução sempre que a subida diferida seja susceptível de provocar prejuízos irreparáveis ao reclamante ou quando a reclamação fique sem finalidade por força da subida diferida (art.º 278.º n.º 3 do CPPT).
(…).
Neste sentido, e em face do enquadramento que antecede, consideramos que não existe no caso sub judice motivo para considerar que a tutela jurisdicional efectiva da Recorrente apenas poderia ser alcançada com a admissão da providência cautelar por esta instaurada.

Em boa verdade, é este o entendimento sufragado pela doutrina mais recente, referindo Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, “Contencioso Tributário. Volume II – Processo, Arbitragem e Execução, Almedina, 2017, pp. 368 e 369 que “não poderá ser requerida a suspensão da eficácia nos termos previstos no CPTA dos actos concretos do processo de execução fiscal, tais como a penhora ou a venda dos bens penhorados para evitar a aquisição dos bens por um terceiro, na medida em que também existe um meio específico para obter a suspensão da eficácia destes actos: a reclamação para o Tribunal prevista no artigo 276º do CPPT. Esta terá subida imediata se o interessado invocar um prejuízo irreparável, tal como disposto no artigo 278º, n.º 3 do CPPT, obtendo-se o efeito suspensivo do acto ope legis, até à apreciação desse pedido pelo tribunal”. Também Joaquim Freitas da Rocha, “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, Almedina, 2018, 6.ª Edição, pp. 435 e 436, considera “problemática a admissibilidade de um pedido de suspensão de eficácia de atos concretos dessa execução, como uma penhora ou um ato de venda em processo executivo – em vista a prevenir a eventual aquisição do bem por um terceiro de boa-fé –, pois existe já prevista a possibilidade de reclamação para Tribunal, com subida imediata, desde que seja invocado prejuízo irreparável”, ao abrigo do disposto nos artigos 276.º e 278.º n.º 3 do CPPT.

E é também este o posicionamento constante e pacífico da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo. Como se consignou no Acórdão proferido a 11 de Julho de 2012 no âmbito do processo n.º 0669/12 “nem o art. 20.º nem o art. 268.º, n.º 4, da CRP, preceitos que consagram o princípio da tutela judicial efectiva, impõem a duplicação de meios processuais para a tutela efectiva dos direitos e interesses legítimos dos particulares”, o que “significa que não deverá reconhecer-se a possibilidade indiscriminada de lançar mão de providências cautelares em ordem à suspensão da execução fiscal quando a lei estabelece de modo fechado as condições e os meios processuais em que pode haver lugar à suspensão da execução fiscal (cfr. art. 169.º do CPPT e art. 52.º da LGT), sendo proibida tal suspensão fora desses casos (cfr. art. 85.º do CPPT)” designadamente porque, em rigor, a obtenção de suspensão da execução fiscal através da dedução da medida cautelar prevista no n.º 6 do art.º 147.º do CPPT iria subverter os normativos legais relativos às apertadas exigências que a lei impõe para suspender o processo executivo, pelo que seria claramente ilegal.

Bem assim, sublinhe-se ainda que de acordo com o decidido no Acórdão proferido a 31 de Outubro de 2012 no âmbito do processo n.º 0818/12, “embora o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa estipule que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem salientado que embora vinculado a criar meios jurisdicionais de tutela efectiva dos direitos e interesses ofendidos dos cidadãos, o legislador não deixa de ser livre de os conformar, não sendo obrigado a prever meios iguais para situações diversas, considerando ainda que a identidade ou diversidade das situações em presença há-de resultar de uma perspectiva global que tenha em conta a multiplicidade de interesses em causa, alguns deles conflituantes entre si – cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 451/2006, 2.ª Secção.

Assim, embora o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implique a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente, o direito de acção (no sentido do direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional) e o direito ao processo (traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada), o certo é que o legislador, embora vinculado a criar meios jurisdicionais de tutela efectiva dos direitos e interesses ofendidos dos cidadãos, não deixa de ser livre de os conformar, não sendo obrigado a prever meios iguais para situações diversas» (fim de cit.).

E sendo a formatação processual da responsabilidade do legislador, não há qualquer denegação de justiça pelo tribunal que, observando a lei vigente, julgou correctamente no sentido de que fora utilizado um meio processual desadequado para a tutela da pretensão do requerente, uma vez que este devia ter utilizado o meio processual de reclamação do acto do órgão da execução fiscal que determinou a penhora dos bens.

Como tal, nenhuma censura merece a decisão liminar recorrida quando considera não haver que lançar mão de uma providência cautelar como meio de assegurar a tutela judicial efectiva no caso em apreço.

Impõe-se, pois, a confirmação da decisão recorrida, pois que é fundamento de rejeição liminar do requerimento de providência cautelar a “manifesta ilegalidade da pretensão formulada” ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA.

O recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 28 de Abril de 2022


_______________________________
Vital Lopes




________________________________
Luísa Soares




________________________________
Tânia Meireles da Cunha