Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:19/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC
DIVIDENDOS
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I.Perante o artigo 24.º da CEDT Portugal/Holanda - no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente na Holanda - é necessário apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa -maxime a sua isenção de tributação - para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, para aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos e fazer respeitar a imposição comunitária da livre de circulação de capitais (artigo 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual artigo 63.º TFUE).
II.É ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação do direito de livre circulação de capitais, consagrado no artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia, face à isenção de tributação no País de residência (Holanda).
III. A Administração Tributária deve reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado (artigo 100.º da LGT), o que inclui, necessariamente, quer a restituição da quantia indevidamente exigida ao contribuinte e por este paga, quer o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.
IV.No caso em presença, a ilegalidade determinante da procedência da impugnação, imputável a erro dos serviços, decorreu da violação de normas comunitárias que prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo, como se sabe, os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA vem em recorrer para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela impugnante, nos autos, A..........N.V. ( sociedade de direito holandês, com sede em ………., Zeist, nos Países Baixos), contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação, por retenção na fonte, efectuada no ano de 2005.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I - Em apreço está o regime legal interno relativo à retenção na fonte à taxa liberatória dos dividendos distribuídos por sociedades residentes a sociedades não residentes e a pressuposta violação do Direito Comunitário.
II - Nesse sentido, o Tribunal a quo concluiu que os atos tributários impugnados nos presentes autos padecem de vício de violação de lei, por considerar que a retenção na fonte em IRC dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal à recorrida impugnante enquanto não residente, viola o princípio da livre circulação de capitais previsto no art.º 56.º do TCE e, consequentemente, o art.º 8.º, n.º 4 da CRP.
III - Contudo não o fez sem previamente se ter pronunciado sobre a tempestividade do meio procedimental/processual utilizado pela impugnante.
Refere a sentença recorrida que o objeto imediato dos autos é o do indeferimento tácito do pedido de revisão, sendo por referência ao mesmo que deve ser aferida a tempestividade dos presentes autos.
IV - Por outro lado, refere ainda a douta sentença que o invocado pela AT, acerca da intempestividade da presente impugnação, improcede.
V - Todavia, a AT considera a impugnação intempestiva, além do mais porque sendo conforme determinado, de direito a matéria em apreço, qualquer outro meio processual seria facultativo; logo, por ter sido apresentada impugnação para além do prazo de 2 anos após a retenção na fonte ocorrida a 6 de Abril de 2005, de acordo com o previsto no art.º 132º do CPPT, verifica-se a extemporaneidade.
VI - São pois duas questões colocadas no âmbito dos presentes autos recursais , tal como as define a sentença proferida pelo tribunal ad quo: saber se a impugnação é intempestiva e, saber se o ato de indeferimento tácito é ilegal tendo em conta que os atos de retenção sobre os dividendos distribuídos são atentatórios do direito comunitário.
Precise-se contudo ainda acerca da tempestividade que nos termos do n.º 1 do art.º 78.º da LGT a revisão oficiosa a pedido do sujeito passivo apenas pode ser efetuada desde que seja por este no prazo de reclamação administrativa e, se feita para além desse prazo, o deve ser com fundamento em erro imputável aos serviços e nunca com fundamento em qualquer ilegalidade.
VII - Referindo Jorge Lopes de Sousa “…É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de sua iniciativa, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).
No entanto, não será indiferente para o contribuinte impugnar ou não o ato de liquidação dentro do prazo da «reclamação administrativa», referido no n.º 1 do art.º 78.º da L.G.T. (Não interessa, para apreciação do caso dos autos, esclarecer o sentido da referência feita no n.º 1 do art.º 78.º da L.G.T. à «reclamação administrativa», designadamente se quer significar «reclamação graciosa» ou a reclamação administrativa prevista nos art.ºs 161.º e seguintes do C.P.A..
Na verdade, no caso em apreço, o pedido formulado pelo contribuinte foi apresentado para além do prazo máximo de qualquer desses tipos de reclamações), pois, enquanto o pedido de revisão formulado naquele prazo pode ter por fundamento qualquer ilegalidade, o pedido formulado para além daquele prazo apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços ou duplicação de coleta, para além de serem diferentes as consequências a nível do direito a juros indemnizatórios.” (negrito nosso).
VIII - Nas presentes circunstâncias a recorrida evoca a ilegalidade das retenções de IRC efectuadas em 2005, clamando que deveria ter ficado isenta à semelhança das sociedades constituídas e a operar de acordo com a legislação portuguesa, por força do princípio da liberdade de circulação de capitais consagrada no art.º 63.º e seguintes do TUE.
IX - É inequívoco que não está em causa duplicação de coleta. E salvo melhor entendimento, conforme supra-exposto em sede de alegações recursais, também não estamos perante um erro imputável aos serviços - não está em causa autoliquidação senão em sentido impróprio porque as retenções na fonte foram efetivadas a título definitivo e, não pela própria impugnante, mas pelo substituto tributário.
Ou seja, como a sentença recorrida dá por provado, o pedido de “reclamação” relativo a 2005 foi interposto dentro do prazo legal. Desse modo, o pedido de revisão mesmo com fundamento em erro imputável aos serviços, não sendo necessário, leva à intempestividade do direito impugnatório por caducidade do direito de ação.
X - Por outro lado, considera ainda a AT que, no caso em apreciação, o diferente regime fiscal aplicável às sociedades não residentes não lesa os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais ínsito no Direito Comunitário (arts. 12.º e 56.º do TCE e actuais arts. 18.º e 63.º do TFUE), pelo que, a retenção em sede de IRC, em discussão nos autos, não enferma de qualquer ilegalidade.
Destaque-se como tal que os princípios da tributação Internacional visam essencialmente: a minimização da concorrência fiscal prejudicial e, a aplicação do princípio do preço de plena concorrência em todas as transacções. Mesmo que assim não se considere, para concluir pela legalidade dos atos impugnados face às disposições do direito comunitário supra- mencionadas importa atender, igualmente, às normas vigentes do direito interno em vigor na data dos factos tributários.
XI - A nível comunitário relevam, além dos arts 12.º e 56.º do TCE já acima mencionados, o art. 58.º do mesmo Tratado, na parte que ora se transcreve:
“1. O disposto no artigo 56.o não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
(…)
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.º. (…)”.
Refere o citado art.º 58.º do TCE que a proibição de restrições aos movimentos de capitais não constitui um impedimento a que um EM consagre um regime diferente para os contribuintes que não se encontrem em idêntica situação.
XII - Portanto, nesse sentido, será de atender à Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT).
XIII - Posto o que, antes de concluir pelo carácter discriminatório de uma determinada norma nacional (no caso está em discussão a admissibilidade à luz do direito) e da existência ou não de causas de justificação que legitimem o carácter discriminatório da mesma, importa determinar, em primeiro lugar, se estamos perante situações comparáveis. Isto porque, só existe discriminação quando o direito interno de um EM aplica regras diferentes a situações comparáveis ou sujeita situações diferentes a um regime idêntico.
XIV - Assim, é necessário proceder à comparação concreta dos casos em litígio a fim de saber se uma situação caracterizada por um tratamento diferente é ou não constitutiva de discriminação proibida pelo Tratado, colocando os não residentes de outros Estados Membros em desvantagem face aos residentes. Ora, tal apreciação não foi considerada na sentença do Tribunal de 1.ª Instância.
XV - A sentença em crise limita-se a remeter, neste ponto, para os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais previstos, respetivamente, nos arts.ºs 12.º e 56.º do TCE (atuais arts. 18.º e 63.º do TFUE) e para acórdãos do TJUE, nos quais são manipulados esses mesmos princípios, sem apurar se o imposto retido à recorrida é recuperado no imposto devido no país do seu domicílio fiscal ou, se se encontra sujeita a um nível de tributação idêntico aos das sociedades residentes em Portugal, limitando-se a uma apreciação teórica.
XVI - Não tendo ficado demonstrado que, em concreto, se verifica a violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais não se pode concluir tout court pelo carácter discriminatório da norma interna em discussão.
XVII - Acresce que, a este respeito, importa ter em conta o firmado na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e Holanda qual visa evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital – argumentos que constituem fundamentos igualmente tidos em conta a nível comunitário, motivo pelo qual o TJUE revela uma maior abertura na aceitação das disposições das convenções de dupla tributação celebradas pelos EM´s.
Por outro lado, como nos parece, a eliminação da dupla tributação encontra-se assegurada pela convenção como se verifica através da leitura do art.º 22.º da mesma.
XVIII - Assim sendo, não se pode concluir que a impugnante se encontra numa situação objetiva diferenciável à das Sociedades constituídas e a operar de acordo com a legislação portuguesa no sentido de que a presente situação controvertida envolva um tratamento discriminatório da impugnante face às sociedades residentes em Portugal.
XIX - E, por outro lado, a sentença recorrida não se refere à origem da globalidade dos rendimentos da impugnante nem ao regime de tributação a que se encontra sujeita no Estado de residência, não tendo, em suma, em consideração o mecanismo da eliminação da dupla tributação consagrado na CDT.
XX - Ora, no plano fiscal, um tratamento diferenciado, de residentes não constitui, em si mesmo, uma discriminação proibida pelo Tratado, uma vez que não existe obrigação de tratamento nacional para os não residentes. Como é reconhecido pelo TJUE, a situação destas duas categorias de sujeitos passivos apresenta diferenças objetivas, quer do ponto de vista da origem dos rendimentos, quer da possibilidade de ter em conta a capacidade contributiva dos contribuintes (v. Acórdão de 14/02/1995, Schumacker, processo C-279/93, Acórdão de 11/08/1995, Wielokx, processo C-80/94, Acórdão de 14/09/199, Gschwind, processo C-391/97).
XXI - A impugnante só se encontraria em situação comparável às sociedades residentes em Portugal se o Estado Holandês consagrasse, em sede de imposto sobre as sociedades, regras de tributação, incluindo taxa aplicável, regras de determinação do lucro tributável e demais obrigações fiscais iguais às vigentes em Portugal, o que se desconhece.
XXII - Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, vidé o Acórdão Gerritse, de 12 de Junho de 2003 (Processo C- 234/01).
XXIII - É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, cabia à impugnante ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no art.º 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feito, não é possível invocar de modo assertivo o carácter discriminatório da norma em discussão.
Assim, ao contrário do firmado na sentença em crise, não é inequívoco que as entidades financeiras portuguesas que pagam dividendos a entidades, também elas nacionais, estejam numa situação de vantagem relativamente às entidades residentes noutros EM´s da UE que efetuem operações semelhantes.
XXIV - Segundo a análise crítica de Casalta Nabais, in Introdução ao Direito Fiscal das Empresas, pp. 81 e ss., constata-se que a jurisprudência que vem sendo proferida pelo TJUE, a propósito da fiscalidade dos EM´s e da sua compatibilidade com a fiscalidade da União não é isenta de críticas, devido ao seu carácter casuístico e à sua indiferença face aos valores cimeiros que devem presidir às constituições fiscais, como a capacidade contributiva enquanto critério de distribuição dos encargos fiscais e a realização do interesse fiscal do Estado enquanto comunidade política organizacional.
XXV - Contudo, a Administração Tributária não pode deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está a mesma adstrita ao princípio da legalidade positivada. Efetivamente, a Administração Tributária, como qualquer órgão da Administração Pública, encontra-se estritamente vinculada ao cumprimento da lei, de acordo com o Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável subsidiariamente às relações jurídico- tributárias, ex vi alínea c) do art.º 2.º da LGT. Desta forma, a Autoridade Tributária tem que utilizar os Códigos Fiscais que se encontram em vigor e as disposições deles constantes que regulam determinada relação jurídico-tributária, de acordo com a citada al. b) do art. 2.º da LGT, in casu, as normas constantes do CIRC já citadas.
XXVI - Na verdade, tem a Administração Fiscal que considerar que no processo de elaboração das normas em questão o legislador terá tido em atenção todo o ordenamento jurídico, quer nacional, quer comunitário, pelo que essas normas devem respeitar os mesmos, sendo certo, também, que não cabe à Administração Tributária a sindicância das normas no que concerne à sua adequação relativamente ao Direito Comunitário.
Quanto à condenação pelo Tribunal a quo no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º da LGT é de referir que tal dever só impende sobre a Administração Tributária se se verificar uma qualquer ilegalidade que denote o carácter indevido da prestação tributária à luz das normas substantivas, ilegalidade essa que terá de ser necessariamente imputável a erro dos serviços.
Ora, no caso em apreço a Administração Fiscal limitou-se, portanto, a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto subjacentes às normas do CIRC e, CDT, pelo que deverá igualmente ser revogada a decisão do Tribunal de 1.ª Instância que julgou procedente o peticionado quanto aos juros indemnizatórios.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de
V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»

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A Recorrida apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«A) O objeto do recurso é a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 25.09.2017, que julgou procedente impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida,
B) a qual determinou: (i) a anulação da retenção na fonte efetuada sobre os dividendos que lhe foram distribuídos em 06.04.2005; ( ii) a condenação da AT à restituição do imposto indevidamente retido; e (iii) a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.
C) A sentença proferida pelo Tribunal a quo determinou a ilegalidade da retenção na fonte, por considerar que a discriminação imposta pela legislação portuguesa às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos de fonte portuguesa viola o princípio da liberdade de circulação de capitais na União Europeia, consagrado nos artigos 56.º e 58.º do TCE a que atualmente correspondem os artigos 63.º e 65.º, do TFUE.
D) Resulta das conclusões de recurso apresentadas pela Fazenda Pública - se bem entendemos o alegado - que esta discorda da Sentença proferida, pois considera que: (i) se verifica a caducidade do direito de ação; (ii) a tributação dos dividendos auferidos pela Recorrida está conforme com o Direito da União Europeia; e que consequentemente; (iii) não são devidos juros indemnizatórios por não se verificar qualquer das situações previstas no artigo 43.º da LGT
E) Contudo, é convicção da Recorrida que a decisão proferida pelo Tribunal a quo revela uma correta valoração da matéria de facto dada como provada e a correspondente subsunção às normas aplicáveis, não violando qualquer disposição legal, pelo que deverá ser a mesma mantida na íntegra.
F) razão pela qual deve ser mantida in totum na ordem jurídica a douta sentença recorrida que decidiu pela procedência da impugnação.
G) Em primeiro lugar, o recurso foi indevidamente dirigido ao STA, por a Fazenda Pública colocar em causa as conclusões retiradas pelo Tribunal a quo relativamente aos factos dados como assentes, quer no que respeita à tempestividade do pedido de revisão do ato tributário, quer quanto à violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais,
H) pelo que, este Tribunal superior deve declarar-se incompetente em razão da hierarquia, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 280.º do CPPT.
I) Relativamente à exceção da caducidade do direito de ação invocada pela AT, a mesma não se verifica, porquanto in casu se discute a (i)legalidade da retenção na fonte efetuada pelo Banco B.........., com base numa violação do Direito da União Europeia, sendo que o meio procedimental utilizado (pedido de revisão oficiosa do ato tributário) é, não só adequado, como o único meio à disposição da Recorrida.
J) Nesta medida, sendo o meio processual usado o adequado e tendo sido a impugnação judicial apresentada em tempo (dentro do prazo de 90 dias após o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do ato), não pode proceder a alegação da Fazenda Pública quanto à sua intempestividade.
K) Em face do que considera a Recorrida que a sentença proferida pelo Tribunal a quo que declarou improcedente a exceção perentória da caducidade do direito de impugnar alegada pela Fazenda Pública, não merece qualquer censura, por a mesma se afigurar correta de acordo com os factos dados como provados e a subsunção dos mesmos ao direito aplicável.
L) Quanto à alegada conformidade da tributação dos dividendos auferidos pela Recorrida com o Direito da União Europeia, a Fazenda Pública apenas em sede de recurso vem arguir questões relativas à ilegalidade do ato de retenção na fonte que até então nunca tinha referido em sede de processo de impugnação.
M) Assim, não tendo a Recorrente, em momento anterior, trazido à colação tais questões, as mesmas não podem ser apreciadas pelo Tribunal, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 180.º do CPPT e do artigo 26.º, alínea b) do ETAF.
N) Quanto à questão da legalidade do ato de retenção na fonte, bem andou o Tribunal a quo ao ter decidido no sentido de considerar - conforme, aliás, parece hoje ser jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores - que "( ...) não se encontrando razões válidas para as diferenciações de regime mencionadas, entre residentes e não residentes, conclui-se que o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas na versão aplicanda, de 2005 (...) obstava à livre circulação de capitais no espaço comunitário (...)",
O) pelo que inexiste aqui qualquer erro de julgamento que possa ser imputado à sentença proferida.
P) Considera a Fazenda Pública, de acordo com o que se retira das conclusões desta, que Tribunal a quo: (i) declarou que a impugnação judicial era tempestiva por partir do pressuposto (correto) que o que a precedeu foi um pedido de revisão e não - como entende a Fazenda Pública - uma reclamação do ato de retenção; e que (ii) decidiu pela desconformidade do direito Português com o da União Europeia sem que tenha ficado demonstrada a violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais, além de não ter apurado se o imposto retido em Portugal era recuperado no país de residência e, ainda, se a Recorrida se se encontra sujeita a um nível de tributação idêntico ao das sociedades residentes em Portugal.
Q) Tais alegações da Recorrida não cumprem o ónus da impugnação da matéria de facto prevista artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT,
R) porquanto a impugnação da matéria de facto não se satisfaz com a contradição ou, neste caso, com a demonstração (mais ou menos conseguida) de um ponto de vista contrário ao do juiz a quo.
S) Em face do exposto, a inobservância da imposição prevista no artigo 640.º do CPC, determina a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da matéria de facto, o que se alega para todos os efeitos legais.
T) Por último, declarada a ilegalidade do ato tributário de retenção na fonte, por desconformidade do direito Português com o direito da União Europeia, resulta erro imputável aos serviços, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, pelo que a sentença não merece qualquer censura.

TERMOS EM QUE, EM FACE DA FUNDAMENTAÇÃO EXPOSTA E PORQUE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA BEM DECIDIU, DEVE ESTA SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA E, POR CONSEGUINTE, NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO PELA FAZENDA PÚBLICA.»

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O Supremo Tribunal Administrativo, por decisão do Relator de 16 de Dezembro de 2019, julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, mais declarando ser o Tribunal Central Administrativo Sul o competente para apreciar do seu mérito.

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões a decidir são as seguintes:
- se a sentença incorreu em erro de julgamento ao julgar inverificada a excepção da caducidade da acção;
- se a sentença incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a impugnação, anulando a retenção na fonte à taxa de 10% sobre os dividendos distribuídos pelo B.......... a uma sociedade não residente em Portugal e residente nos Países Baixos e condenando a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, por ter julgado que a tributação em Portugal daqueles dividendos « violaram aquela disposição de aplicação direta do Tratado, determinando com isso a ilegalidade desses atos, visto o primado do direito dos tratados sobre o direito interno português, conforme o que dispõe o art.8ºnº4 da Constituição da República.»;
- se a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à condenação da Administração Tributário no pagamento de juros indemnizatórios.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1. A Impugnante, A.........N.V., sociedade de direito holandês, residente nos Países Baixos e que ulteriormente seria incorporada, por fusão, na sociedade de direito holandês A.........B.V., com sede em ………………, em Zeist, nos Países Baixos, com o número de identificação de pessoa coletiva português ..............., foi adquirindo em 1999, 2000, 2001 e 2003 (as mais recentes destas subscritas a 31 de março de 2003), por aquisição e subscrição, além do mais, um total de 82.142.072 [PTB..........OAM0007] do B.........., S. A..
2. Em abril de 2005 o mencionado Banco distribuiu aos seus acionistas dividendos sobre o capital investido e, relativamente à Impugnante e àquelas ações, fê-lo no dia 5 desse mês.
3. Assim, sobre os dividendos, que para a Impugnante ascendiam a €2.874.972,52, do mesmo passo que lhos disponibilizava, o Banco reteve deles €718.74313, para os entregar ao Fisco, tal como entregou a 20 de maio de 2005 e a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas da Impugnante, em liquidação por retenção na fonte, e aplicando-lhes a taxa de 25%, nos termos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas , na versão então em vigor.
4. Paralelamente, o Banco, munidos dos devidos poderes, pediu à Administração Tributária, em nome da Impugnante e ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, a quantia de imposto que excedia 10% daqueles dividendos, limite aí estabelecido para a sua tributação por Portugal – em vez dos referidos 25% –, o que em concreto se cifrava em menos €431.245,88 de imposto a reter na fonte.
5. Tendo tido atendida aquela reclamação, nos termos daquela Convenção, em 21 de julho de 2008 a Administração Tributária restituiu à Impugnante a importância de €345.841,50 e depois, em 27 de janeiro de 2009, a importância de €85.404,38.
6. Entendendo não ser devido nem mesmo o imposto remanescente que lhe fora retido, no dia 6 de abril de 2009 a Impugnante pediu à Administração Tributária a revisão do ato de retenção que lhe havia sido elaborado pelo Banco, por enten dê-lo contrário ao Direito Comunitário e, bem assim, na sua relação com o tratamento que o direito interno português reservava àquela tipologia de rendimentos, segundo a localização da residência do seu beneficiário.
7. Como tal pedido de revisão não foi decidido, nomeadamente nos seis meses seguintes à sua formulação, no dia 5 de janeiro de 2010 a Impugnante apresentou a petição na origem dos presentes autos.

Não há outros factos provados relevantes para a decisão da causa. Com essa pertinência, não há factos não provados a considerar.

A formação da convicção positiva sobre os factos julgados provados assentou-a o Tribunal na análise da documentação a eles relativa, inserta nos documentos juntos com a apresentação da petição, tendo presente, paralelamente, a consensualidade que sobre eles regista, integrada ainda pelo teor do pedido de revisão e do processo administrativo tributário adjuntos. Assim, o teor do consignado nos pontos 1.-4. extraiu-se da certidão de fls.177-183, quanto à fusão aí mencionada, das declarações bancárias de fls.42-43, quanto ao capital investido e dividendos distribuídos e o mais operado aquando dessa distribuição, e de fls.46-47 e de fls.148-151, estas últimas dos arquivos da própria Administração Tributária, sobre a natureza, sede e residência da Impugnante, sendo que com o pedido de revisão idêntica documentação tinha já sido apresentada. O consignado no ponto 5., por sua vez, resulta da consensualidade sobre esses factos, em cotejo ainda com o teor dos dados constantes dos arquivos da Administração Tributária, vertidos nas pesquisas de fls.57-60. Por último, o consignado nos pontos 6.-7. resulta do próprio pedido de revisão e respetivo processo e da petição inicial dos presentes autos. Com base em tudo isso mereceram os factos documentados comprovação judicial com suporte nos documentos que os demonstram, nos termos que lhes reconhece tal força probatória, arts.369º nº1, 370º nº1 e 371º nº1 quanto aos documentos públicos e 373º nº1, 374º e 376º nº1, quanto aos articulares, todos do Código Civil, cfr. ainda o art.34º nº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.»

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B.DE DIREITO

A sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a excepção da caducidade da acção e determinou a ilegalidade da retenção na fonte por considerar que a discriminação imposta pela legislação portuguesas às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação dos dividendos de fonte portuguesa viola o principio da liberdade de circulação de capitais da União Europeia, consagrado nos artigos 56.º e 58.º do Tratado da Comunidade Europeia, a que correspondem os artigos 63.º e 65.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Atendendo à sua precedência lógica a primeira questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento quando decidiu pela improcedência da excepção da caducidade do direito à impugnação judicial.

Em torno desta questão, a recorrente invoca, em síntese que impugnação judicial foi apresentada para além do prazo de 2 anos após a retenção na fonte ocorrida a 6 de Abril de 2005, de acordo com o previsto no artigo 132.º do CPPT, razão pela qual a considera intempestiva.

A questão, em termos em tudo idênticos – as partes eram as mesmas, mesmo ano e retenção na fonte - já foi objecto de apreciação e decisão por este Tribunal Central Administrativo no processo n.º 1058/10.0BELRS, proferido em 31.01.2019, no qual fomos 2.ª Adjunta.

Por isso, vamos limitar-nos a remeter para a fundamentação que aí foi expendida:

« Sobre a situação objecto de análise nos autos, o STA teve ocasião fixar a orientação seguinte:

«Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.°, nº 2, da CRP e 55.° da LGT) impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei; //

O “erro imputável aos serviços” constante do artº 78º, nº da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro». (Acórdão do STA, de 08.03.2017, P. 01019/14).

O referido Supremo Tribunal, perante situação idêntica à dos autos, na qual é aferida a tempestividade do pedido de revisão oficiosa da retenção na fonte de dividendos pagos por sociedade residente a sociedade residente noutro Estado-membro da União Europeia, teve ocasião de sublinhar que «[a] circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do acto de liquidação, não obsta a que seja pedida a respectiva revisão oficiosa e seja impugnado contenciosamente o eventual acto de indeferimento desta» (Acórdão do STA, de 08.02.2017, P. 0678/16)

Aí se consigna que «como tem vindo a afirmar-se na jurisprudência do STA, decorre do nº 1 do art. 78º da LGT que a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. Ou seja, admite-se, a par da denominada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação), que se faça, também na sequência de pedido seu, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar por sua iniciativa).

- Por outro lado, dado que na al. d) do nº 2 do art. 95º da LGT também se referem os actos de indeferimento de pedidos de revisão entre os actos potencialmente lesivos, que são susceptíveis de serem impugnados contenciosamente, não se fazendo, porém, qualquer distinção entre actos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, deve, então, concluir-se pela impugnabilidade contenciosa dos actos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer dessas situações, e que, por isso, no caso vertente, o pedido de revisão do acto tributário pode também ser efectuado pelo contribuinte, como resulta do disposto no nº 6 do art. 78º da LGT (na redacção da Lei nº 55-B/2004, actual nº 7) da LGT e 86º, nº 4, al. a) do CPPT, com fundamento em erro imputável aos serviços. - Sendo que o erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, no âmbito do qual se enquadra a violação das normas de direito da UE. - Em suma, para decidir pela procedência da impugnação o Tribunal de 1ª instância entendeu que, ao contrário do que considerou a AT, ocorreu, no caso, violação do direito comunitário, o que configura erro de direito, a enquadrar no conceito de “erro imputável aos serviços” e que, assim sendo, apelando à jurisprudência resultante do acórdão do STA de 12/12/2001, no proc. nº 026.233, o pedido de revisão é o meio processual adequado para suscitar a apreciação do vício de violação do direito comunitário por parte de norma da legislação nacional, por ser imputável aos serviços. Sendo que o pedido de revisão apresentado pela impugnante (atendendo ao prazo de 4 anos previsto no nº 1 do art. 78º da LGT) é tempestivo e meio idóneo para a apreciação da ilegalidade da liquidação, uma vez que é invocado o apontado erro imputável aos serviços» (Acórdão do STA, de 08-02-2017, P. 0678/16)

No caso, a sentença considerou que o pedido de revisão oficiosa do acto de retenção na fonte ocorreu dentro do prazo de quatro anos, previsto no artigo 78.º/1, da LGT e que a interposição da presente impugnação judicial contra o indeferimento tácito do pedido de revisão ocorreu dentro dos prazos consagrados nos artigos 57.º/1 e 5, da LGT e 102.º/1/d), do CPPT. E, desta feita, considerou improcedente a excepção da caducidade da acção. Juízo que é de manter, dado que o mesmo não padece de qualquer erro.

Mais se refere que está em causa alegado erro de direito imputável aos serviços, consistente na emissão de acto tributário em violação do Direito da União Europeia, o qual é recondutível ao 2.º inciso do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Está em causa erro de direito determinante do agravamento da situação fiscal do contribuinte.

De onde se extrai que, ao julgar improcedente a excepção da caducidade da acção, a sentença não enferma do alegado erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada, nesta parte.».

Pelo exposto, improcede esta questão recursória.

A segunda questão que se coloca é a de saber se se a sentença incorreu em erro de julgamento ao jugar procedente a impugnação, anulando a retenção na fonte à taxa de 10% sobre os dividendos distribuídos pelo B.......... a uma sociedade não residente em Portugal e residente nos Países Baixos e condenando a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, por ter julgado que a tributação em Portugal daqueles dividendos « violaram aquela disposição de aplicação direta do Tratado, determinando com isso a ilegalidade desses atos, visto o primado do direito dos tratados sobre o direito interno português, conforme o que dispõe o art.8ºnº4 da Constituição da República.»

Como refere Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.10.2015, proferido no processo n.º 0768/13: «A questão assim suscitada refere-se, pois, à tributação de dividendos distribuídos por sociedade residente em território nacional a sociedade não residente, com sede nos Países Baixos, e é idêntica à que foi objecto da jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente no Acórdão do Pleno de 09/07/2014, recurso n.º 01435/12, por nós relatado, e no Acórdão de 12.11.2014, recurso 461/14, ambos publicados in www.dgsi.pt.

Sendo que neste último processo estavam em causa os dividendos também distribuídos pelo Banco B…….., SA, à sociedade C…….. BV, a qual deduziu reclamação graciosa em coligação com a ora recorrida, tendo posteriormente deduzido impugnação em separado - vide fls. 87 dos presentes autos (1º vol.) e processo instrutor em apenso.

Assim, e porque a concreta situação dos autos não diverge de modo substancial daquelas situações já tratadas por este Supremo Tribunal nos referidos Acórdãos 1435/12 e 461/14, iremos seguir de perto a respectiva argumentação jurídica.

Como se disse naquele primeiro acórdão (do Pleno):(….) a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado, por diversas vezes, em sentido claramente divergente à tese acolhida no acórdão recorrido, ou seja, no sentido de que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29.02.2012, recurso 1017/11, de 28.11.2012, recurso 482/10, de 29.05.2013, recurso 322/13, de 27.11.2013, recurso 654/13, de 18.12.2013, recurso 568/13, de 09.04.2014, recurso 1318/13 e de 21.05.2014, recurso 1192/13, todos in www.dgsi.pt.(….)

7. Deste modo, verificada a oposição, cumpre decidir a questão objecto do recurso que, tal como a recorrente a configura nas suas alegações, é a de saber se o regime decorrente do artigo 24º, nºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos encerra a concessão de um crédito de imposto no Reino dos Países Baixos, equivalente ao imposto suportado em Portugal, e permite neutralizar os efeitos lesivos, assentes na incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE (ex-artigo 56.º do TCE), do tratamento diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes.

(….) entendemos, de acordo com o que vem sendo dito, de forma clara, pela jurisprudência do TJUE, que “quando um Estado-Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado-Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais” (Ac.do TJUE proferido no processo C-379/05, Amurta SP contra Inspecteur van de belastingdienst/Amsterdam)

Como sublinha, João Félix Pinto Nogueira (Neutralização na distribuição de dividendos a sociedades não residentes, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano VI, tomo 3, pag.313) o TJUE não se prende com a forma jurídica que assuma o crédito, e tem aceitado que a neutralização possa ocorrer tanto como consequência de um crédito integral, como por força de um crédito ordinário.

Porém, não basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção sendo necessária uma neutralização efectiva, isto é, que o sujeito passivo seja efectivamente capaz de imputar toda a retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência.

Como ficou expresso no despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2012, proferido no processo C-38/11, na sequência de pedido de decisão prejudicial suscitado no âmbito do acórdão fundamento, “ o Tribunal de Justiça já declarou, relativamente ao método de imputação para a prevenção da dupla tributação, que a aplicação desse método deve permitir que o imposto sobre os dividendos cobrado no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição desses dividendos seja totalmente imputado ao imposto devido no Estado de residência da sociedade beneficiária, de modo a que, se sobre os dividendos recebidos por essa sociedade incidir, no final, uma tributação superior à que incide sobre os dividendos pagos a sociedades residentes no primeiro Estado-Membro, essa carga fiscal superior já não seja imputável ao Estado de residência da sociedade distribuidora, mas ao Estado de residência da sociedade beneficiária, que exerceu o seu poder tributário (….).

Por conseguinte, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele» (v. acórdãos de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, e de 20 de Outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-0000, n.º 63).).

Quer isto dizer, tal como concluiu o TJUE, que para se alcançar a neutralização é necessário que os dividendos distribuídos sejam efectivamente tributados no Estado da residência. Se o não forem, ou não o forem a um nível suficiente, então não se produz a total anulação dos efeitos discriminatórios provocados pela originária retenção na fonte e não há neutralização( Vide neste sentido, João Félix Pinto Nogueira, ob. citada, pag.313.).
Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado por diversas vezes que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. acórdãos supracitados em 6.3.

Ora no caso em apreço, tal como no caso sobre que versou o acórdão fundamento estava em causa a CEDT Portugal/Países Baixos a qual, juntamente com as normas internas de tributação em IRC e as normas legais vigentes nos países baixos, faz parte do quadro jurídico aplicável com vista a aferir da possibilidade de neutralização dos efeitos de restrição à livre circulação de capitais provocados pela originária retenção na fonte.

O método de prevenção da dupla tributação está previsto no artigo 24.º daquela Convenção, que dispõe no seu nº 2:

«Os Países Baixos, ao tributarem os seus residentes, podem incluir na base sobre a qual esses impostos incidem os elementos do rendimento do capital que, de acordo com o disposto nesta convenção, podem ser tributados em Portugal”.

E, no nº 4, acrescenta-se: “(…) os Países Baixos concedem uma dedução do imposto dos Países Baixos assim calculado relativamente aos elementos do rendimento e do capital que, nos termos do nº 2 do artigo 10º, do nº 2 do artigo 11º, do nº 2 do artigo 12º, do nº 5 do artigo 13º, do nº 1, alínea b), do artigo 14º, do artigo 16º, do artigo 17º, do nº 3 do artigo 18º e dos nºs 1 e 2 do artigo 23º desta Convenção, podem ser tributados em Portugal na medida em que tais elementos estejam incluídos na base referida no nº 2. O montante desta dedução será equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital, mas não excederá o montante da redução que seria concedida se os elementos do rendimento ou do capital assim incluídos fossem os únicos elementos do rendimento ou do capital isentos de imposto dos Países Baixos de acordo com as disposições da legislação dos Países Baixos relativa à eliminação de dupla tributação”.

A convenção adoptou assim um método de crédito ordinário de imposto em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado.»

No caso sub judice, tal como na situação concreta relatada no acórdão 461/14 e no Acórdão do pleno acabado de citar, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte efectuada a título definitivo e à taxa de 10%, sobre os dividendos distribuídos à impugnante, aquando da distribuição de dividendos pelo Banco B……, SA, só pode ser neutralizada, nos termos da legislação nacional e da CDT, se tais dividendos forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro (Holanda).

Sucede que, como atrás se referiu, um dos fundamentos para a procedência da impugnação foi precisamente o facto de na sentença recorrida se ter tido em consideração que a legislação holandesa consagra a “participation exemption”, que isenta de tributação os dividendos auferidos, designadamente pelas besloten vennootschap como é a impugnante, desde que haja uma participação superior a 5%, o que também sucede no caso em apreço, não sendo considerados custos nem podendo ser deduzidos os valores suportados no estado fonte, a título de retenção na fonte, exceptuando alguns casos de países em vias de desenvolvimento (cf. arts. 10.º e 13.º, do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31.º, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001).”

Sendo que este é um argumento preponderante para a procedência da impugnação já que a recuperação do imposto cobrado em Portugal por via de crédito de imposto, nos termos da CEDT Portugal/Países Baixos (artº 24º, nº 2), se encontra limitada ao imposto devido no Estado da residência (Holanda) sobre a mesma parcela de rendimento, ou seja, no caso, nenhum.

Ora a Fazenda Pública não põe em causa no seu recurso que assim seja, isto é, que a recorrida beneficie de um regime de isenção no tocante a estes rendimentos e que tal regime de isenção resulte dos preceitos legais invocados na sentença recorrida.

Assim no caso subjudice, estando, como está, suficientemente adquirido nos autos o regime de tributação de tais dividendos nos Países Baixos (isenção), forçoso é concluir que se trata de um regime que não permite a neutralização da tributação, ainda que por via da aplicação da CEDT, impondo-se, por conseguinte, a anulação das liquidações, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56º do TCE (63º do actual TFUE).

A sentença recorrida, que assim decidiu, e que, por isso, concluiu pela existência de um erro imputável aos serviços, com a consequente obrigação de pagamento de juros indemnizatórios à impugnante, não merece censura(disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Assim, sendo certo que o aí decidido se aplica, sem alterações, à situação sub judice, resta concluir que: É ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação do direito de livre circulação de capitais, consagrado no art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE, face à isenção de tributação no País de residência (Holanda).

Em suma, nada há, pois, a apontar à sentença recorrida, que em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo decidiu.

Em seguida, a recorrente insurge-se quanto à condenação no pagamento dos juros indemnizatórios.

Mas também aqui lhe falta razão.

Sendo anulada a liquidação, a Administração Tributária deve reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado (artigo 100.º da LGT), o que inclui, necessariamente, quer a restituição da quantia indevidamente exigida ao contribuinte e por este paga, quer o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

No caso em presença, a ilegalidade determinante da procedência da impugnação, imputável a erro dos serviços, decorreu da violação de normas comunitárias que prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo, como se sabe, os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE.

Nestes termos, improcede o recurso, devendo, pois, ser confirmada a sentença recorrida.

IV.CONCLUSÕES

I.Perante o artigo 24.º da CEDT Portugal/Holanda - no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente na Holanda - é necessário apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa -maxime a sua isenção de tributação - para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, para aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos e fazer respeitar a imposição comunitária da livre de circulação de capitais (artigo 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual artigo 63.º TFUE).

II.É ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação do direito de livre circulação de capitais, consagrado no artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia, face à isenção de tributação no País de residência (Holanda).

III. A Administração Tributária deve reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado (artigo 100.º da LGT), o que inclui, necessariamente, quer a restituição da quantia indevidamente exigida ao contribuinte e por este paga, quer o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

IV.No caso em presença, a ilegalidade determinante da procedência da impugnação, imputável a erro dos serviços, decorreu da violação de normas comunitárias que prevalecem sobre as normas do direito interno, não podendo, como se sabe, os Estados-Membros aplicar qualquer regra de direito interno que colida com as regras do direito da UE.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 7 de Maio de 2020.

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]