Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:902/17.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO – NULIDADE INSUPRÍVEL
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO – FALTA DE ELEMENTOS
CONSULTA NO PORTAL DAS FINANÇAS
Sumário:I – Foi enviada à arguida notificação da decisão de aplicação de coima onde consta que lhe foi aplicada uma coima, os quantitativos a pagar e respectivos prazos, e onde se pode ler que os factos apurados, bem como as normas infringidas e punitivas podem ser consultados via internet no Portal das Finanças.
II - No presente caso, a AT não provou ter efectuado a notificação completa dos termos da decisão. Ora, não contendo a notificação efectuada ao arguido todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT).
III - No entanto, a referida nulidade não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após a devolução dos autos ao Serviço de Finanças.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Representante da Fazenda Pública veio, em conformidade com o artigo 83.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 19 de fevereiro de 2020, a qual julgou procedente o recurso interposto por G....., com os sinais nos autos, da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal 1, datada de 20 de outubro de 2017, de aplicação de coima única no valor de € 3.583,91, e, em consequência, anulou a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal 1 proferida no processo de contra-ordenação n.º ....., bem como os termos subsequentes do processo. Mais, aquela sentença, fixou à causa o valor de €3.583,91, cfr art. 97.º-A, n.º 2, do CPPT e art. 83.º, n.º 1, do RGIT, sem condenção em custas por delas estar o Ministério Público isento (cfr art.º 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais e artigo 62.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações).

O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
1. Através da Sentença, ora sob recurso, o Tribunal “a quo” julgou procedente o recurso de contraordenação e anulou a decisão de aplicação de coima em causa, bem como os termos subsequentes dos processos;

2. Salvo o devido respeito pelo referido Tribunal, que é muito, a Fazenda Pública não concorda nem se conforma com esta decisão;

3. Para o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, “(…) a decisão administrativa de aplicação de coima em discussão nos presentes autos, viola o disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, consubstanciando uma nulidade insuprível consagrada no artigo 63.º, n.ºs 1, alínea d), 3 e 5, do mesmo diploma (…)”;

4. Para a Fazenda Pública, não se verifica a alegada nulidade insuprível, na situação em apreço, pois a decisão administrativa de aplicação da coima respeita o disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT;

5. Na situação em apreço, a decisão administrativa de aplicação da coima contém a descrição sumária dos factos e todos os demais requisitos da decisão de aplicação da coima exigidos por aquela norma legal;

6. Na situação em apreço, a decisão administrativa de aplicação da coima notificada ao arguido foi por este perfeitamente entendida e permitiu-lhe exercer cabalmente dos seus direitos de defesa, sem ter tido necessidade de efetuar qualquer outra diligência;

7. Contrariamente ao que é referido a fls. 19 da douta Sentença ora sob recurso, a decisão administrativa de aplicação da coima enviada ao arguido não lhe impôs que diligenciasse no sentido de saber quais os factos que consubstanciam as infrações que lhe são imputados, noutro qualquer lugar, para além da carta que lhe foi remetida;

8. In casu, para além de terem sido devidamente identificados na notificação remetida ao arguido, os factos apurados, bem como as respetivas normas infringidas e punitivas, a este foi ainda comunicada, como complemento, a possibilidade de consultar estes mesmos elementos no Portal das Finanças;

9. Na situação sub judice a Sentença ora sob recurso, violou o disposto nos artigos 63.º, n.os 1, alínea d), 3 e 5, e 79.º, n.º 1, alínea b), ambos do RGIT, e os artigos artigo 5.º, n.º 1, alínea a), e 7.º, ambos da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho;

10. Perante os erros de julgamento de facto e de direito de que padece, não pode a Sentença ora sob recurso manter-se na ordem jurídica e deve ser revogada por este douto Tribunal.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar o presente recurso PROCEDENTE, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente o presente recurso de contraordenação e que mantenha na ordem jurídica as decisões de aplicação de coima tomadas pelo Exmo. Senhor Chefe de Finanças de Setúbal 1, tudo com todas as devidas e legais consequências.
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O, aqui, Recorrido apresentou resposta, nas quais formula as seguintes conclusões:

1. A Recorrente alega que a douta sentença de que recorre a notificação por efetuada na pessoa do aqui Recorrido contém todos os elementos impostos por lei;
2. Consequentemente pugna pela declaração de nulidade da mesma.
3. Na verdade a Recorrente parte do princípio que as eventuais deficiência/omissões dos requisitos na notificação são supridas pela indicação de pode obter toda a informação que considere necessárias através do portal da Finanças.
4. Entende a recorrente que a remissão para o portal das finanças é bastante e suficiente para conhecimento dos fundamentos relevantes para aplicação da coima, quando e na verdade
5. O que consta da notificação efetuada é um conjunto de referências sobre os quantitativos a pagar e respetivo prazo,
6. Quando deveria Identificar o infrator e eventuais comparticipantes – apenas se identifica o proprietário do veículo e não do respetivo condutor;
7. Não consta da douta notificação qualquer facto indiciador de culpa ou negligência do aqui Recorrido, bastando-se com o facto de este ser proprietário da viatura;
8. Não contém qualquer facto que permita avaliar do justeza do valor da coima, nomeadamente, grau de culpa e ou negligência;
9. Limita-se indicar a hora e barreira de portagem ultrapassada e montante que deveria ter sido pago;
10. Não refere qualquer facto que permita aferir do grau de culpa e de ilicitude, pelo que não há referências para a fixação da respetiva coima;
11. Não contém qualquer elemento que permita aferir do grau de culpa com vista a determinar a sanção a aplicar;
12. Consequentemente o auto de notícia e respetiva notificação de aplicação de certa coima enferma de nulidade nos termos do disposto no art.º 63.º, n.º 1, alínea D), n.º 3 e 5 , com o que viola do art.º 79.º, n.º 1 todos do Regime geral das Infrações tributárias.

Termos em que e nos demais de direito, deve negar-se provimento ao recurso deduzido pela Autoridade Tributárias e manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, corroborando-se a declaração nulidade da decisão de aplicação da coima tal como foi proferida pela Chefe de Finanças de Setúbal 1 no processo n.º .....e, se assim não se entender, declarar-se prescrita a infração imputada nos autos ao aqui Recorrido.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido do recurso merecer provimento.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, o que cumpre apreciar e decidir são as de saber se se verifica, ou não, nulidade insuprível do processo de contra-ordenação, decorrente da circunstância de o documento enviado ao Recorrido (notificação da decisão de aplicação de coima) não conter a indicação dos elementos que terão contribuído para a fixação da coima.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
1. No Serviço de Finanças de Setúbal 1 foi instaurado contra G..... o processo de contra-ordenação n.º .....– cfr. fls. 2 dos autos.

2. No dia 20 de Outubro de 2017, o Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal 1 proferiu, no processo de contra-ordenação n.º ....., decisão de aplicação de coima ao Arguido – a qual se dá aqui por integramente reproduzida -, e na qual consta, designadamente, o seguinte:






- cfr. fls. 25 a 27 dos autos;

3. Com data de 26 de Outubro de 2017 foi enviada, ao Arguido, notificação da decisão de aplicação da coima, melhor identificada no ponto anterior, da qual se extrai o seguinte extracto:

- cfr. fls. 28 dos autos;

4. O Arguido recebeu em 3 de Novembro de 2017 a notificação da decisão de aplicação de coima referida no ponto anterior – cfr. fls. 29 dos autos;

5. O arguido procedeu ao pagamento das taxas de portagem que originaram as coimas em apreço em processo de execução fiscal – cfr. fls. 18 e 19 dos autos, facto não contestado.”

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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte: “Inexistem quaisquer factos, com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados”.
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A convicção do Tribunal assentou “nos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados pelas partes, nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.” .
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente o recurso de contra-ordenação e anulou a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal 1 proferida no processo de contra-ordenação nº ....., bem como anulou os termos subsequentes dos processos.
Na referida decisão escreveu-se o seguinte:
«Na situação em discussão nos presentes autos, e em conformidade com a matéria de facto dada como assente, verifica-se que em nome do Recorrente foi instaurado procedimento contra-ordenacional, com fundamento em infracção ao artigo 5.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, punida pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal – cfr. ponto 1 do probatório.
Da decisão de aplicação de coima enviada ao Arguido – cfr. ponto 3 do probatório -, resulta que os factos apurados, bem como as normas punitivas, podem ser consultados [pelo Arguido] no endereço electrónico http.//www.portaldasfinancas.gov.pt..
Ou seja, nada é comunicado ao Arguido, na decisão de aplicação de coima que lhe foi transmitida e que consubstancia essa mesma decisão, que preencha, ainda que remotamente, a necessária descrição sumária dos factos, como impõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
O que traduz, inapelavelmente, uma compressão inaceitável dos direitos do Arguido, num procedimento de cariz sancionatório, impondo-lhe, caso queira saber quais os factos que consubstanciam infracções que lhe são imputados -, que diligencie nesse sentido.
A decisão recorrida não descreve absolutamente nada, nenhum facto, para preenchimento do requisito legal da decisão de aplicação de coima no que à descrição dos factos se refere, impondo-lhe ao invés, ao Arguido, caso queira, porventura, tomar conhecimento dos factos que sustentam a coima aplicada, que assuma um atitude “pró-activa”, para tal.
Assim, e porque com tal “descrição” o Arguido, ora Recorrente, não foi, de todo, informado da conduta que lhe é imputada, não pode ter-se por preenchido o requisito essencial da decisão de aplicação da coima relativo, precisamente, à descrição sumária dos factos.
Em face do que precedentemente resulta expendido, a decisão administrativa de aplicação de coima em discussão nos presentes autos, viola o disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, consubstanciando uma nulidade insuprível consagrada no artigo 63.º, n.ºs 1, alínea d), 3 e 5, do mesmo diploma, o que impõe a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, o que equivale a dizer que deve ser julgada nula a decisão sob recurso, bem como anulados os seus termos posteriores.»

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão alegando [conclusões de recurso 4. a 6.] que não se verifica a alegada nulidade insuprível, na situação em apreço, pois a decisão administrativa de aplicação da coima respeita o disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT; Na situação em apreço, a decisão administrativa de aplicação da coima contém a descrição sumária dos factos e todos os demais requisitos da decisão de aplicação da coima exigidos por aquela norma legal; Na situação em apreço, a decisão administrativa de aplicação da coima notificada ao arguido foi por este perfeitamente entendida e permitiu-lhe exercer cabalmente dos seus direitos de defesa, sem ter tido necessidade de efetuar qualquer outra diligência.
Vejamos.
Conforme nº 3 do probatório, em 26/10/2017, foi enviada à arguida notificação da decisão de aplicação de coima onde consta que lhe foi aplicada uma coima, os quantitativos a pagar e respectivos prazos, e onde se pode ler que os factos apurados, bem como as normas infringidas e punitivas podem ser consultados via internet no Portal das Finanças.

Questão idêntica já foi decidida nos Tribunais Superiores, pelo que iremos seguir de perto o decidido no recente Acórdão do TCAN de 10/09/2020, Proc. 00913/16.8BEAVR, disponível em www.dgsi.pt, onde se escreveu (excerto):
«É, portanto, pacífico que a notificação remetida à Recorrente não foi acompanhada de qualquer outro elemento para além do documento aludido nos pontos 4 e 5 da decisão da matéria de facto e que não contém indicação de parte dos elementos que contribuíram para a determinação da medida da coima.
Assim, a notificação que foi junta com a petição de recurso judicial de aplicação de coima como documento n.º 1 não contém a decisão de aplicação da coima nem todo o seu conteúdo.
Realmente, quanto ao conteúdo da notificação, dispõe o artigo 79.º, n.º 2, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) que “[a] notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva”.
Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo [79.º do RGIT] para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (artigo 32.º, n.º 10 da CRP) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT.
À face da alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º, é exigida a própria indicação na decisão dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, pelo que não basta uma indicação de um documento distinto dela em que eles eventualmente sejam indicados. O que se pretende com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível (artigo 268.º, n.º 3 da CRP) e com a garantia do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 10 da CRP), que reclama que haja a certeza de que ao arguido foram disponibilizados todos os elementos necessários para o concretizar. Por isso, não é relevante em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão, como o STA tem vindo a entender – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, páginas 527 e 528.
A decisão que aplica coima, como acto administrativo que é, está sujeita a notificação ao arguido (artigo 268.º, n.º 3 da CRP), sem a qual a decisão é ineficaz.
Mas note-se que o artigo 79.º do RGIT distingue claramente o conteúdo da decisão a notificar (cfr. n.º 1) do conteúdo da notificação a efectuar (cfr. n.º 2).
Este último preceito consagra a exigência de que seja dado conhecimento efectivo ao arguido dos termos da decisão, de modo a que possa compreender os motivos e fundamentos da mesma e decidir se deve conformar-se ou defender-se; do montante das custas; do prazo de 20 dias para proceder ao pagamento da coima e custas ou para recorrer judicialmente da decisão; da consequência resultante da violação daquele prazo, em concreto, a cobrança coerciva dos valores em causa.
A falta de qualquer desses elementos constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, que é de conhecimento oficioso - cfr. artigo 63.º, n.º 5 do RGIT.
Esta norma, contendo a referência à notificação na mesma alínea d) que alude à falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, previstos no n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, refere-se, também quanto à notificação, aos requisitos legais a que a mesma deve obedecer, previstos no n.º 2 do mesmo artigo 79.º.
O que se prevê no referido artigo 79.º, porém, são requisitos relativos ao conteúdo da decisão de aplicação de coima e relativos ao conteúdo da notificação e não os requisitos formais das mesmas.
Sendo assim, no que concerne à notificação, o que constitui nulidade insuprível para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º é a falta de requisitos relativos ao conteúdo da notificação (é o que se exige naquele n.º 2 do artigo 79.º) e não os requisitos formais da mesma - cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, página 452.
Nestes termos, a notificação da decisão deve conter a globalidade da decisão (“os termos da decisão”), sendo, contudo, manifesto que a lei não impõe que a notificação seja necessariamente acompanhada da cópia da decisão de fixação da coima ou de documento que a transcreva integralmente. Nada obsta que a notificação (acto de comunicação do acto notificado) opte por fazer a transcrição total ou parcial do documento, desde que tal comunicação contenha todos os elementos informativos referidos expressamente no artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
No caso dos autos, analisando o conteúdo da notificação remetida à Recorrente, constata-se, de modo inequívoco, que a mesma contém a indicação dos prazos para pagamento e recurso e, bem assim, a advertência de que, decorridos os respectivos prazos, sem que seja efectuado o pagamento ou interposto recurso, se procederia à cobrança coerciva da coima e custas fixadas.
Vejamos, então, se também contém a globalidade da decisão (“os termos da decisão”):
Ora, verifica-se que o documento de notificação contém uma descrição sumária dos factos que consubstanciam a infracção imputada à Recorrente, a indicação das normas violadas e punitivas, o montante da coima e das custas processuais, a possibilidade e os termos do pagamento voluntário da coima e consequente redução da mesma e a indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus.
Assim sendo, e tendo por referência os requisitos da decisão de aplicação da coima elencados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, verifica-se que a notificação revela incompletude, pois omite a indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, designadamente que lhe foi imputada a prática “frequente” de infracções idênticas, que não tinha obrigação de não cometer a infracção, que a “situação económica e financeira” é baixa, ou que o “tempo decorrido desde a prática da infracção” foi de “3 a 6 meses”.
A falta de indicação da totalidade dos elementos que contribuíram para a fixação da coima contende com os “termos da decisão” a que alude o artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
Verifica-se que a notificação contém uma parte desses “termos”, mas omitiu outra parte importante, considerada essencial pelo próprio artigo 79.º, n.º 2, do RGIT.
Pelo que tem de se concluir que a notificação não cumpriu integralmente o disposto na lei aplicável.
Efectivamente, de acordo com os n.ºs 1 e 2 artigo 79.º do RGIT, a notificação deve conter os termos da decisão - referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1-, o montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de vinte dias, o infractor deve efectuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.
Mas a verdade é que a AT não provou ter efectuado a notificação completa dos termos da decisão. Ora, não contendo a notificação efectuada à arguida todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT) – cfr. no mesmo sentido o Acórdão do TCA Sul, de 28/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 2477/17.6BELRS.
Nulidade que não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após devolução dos autos ao Serviço de Finanças.»

Na esteira do decidido no Acórdão supra transcrito, também no presente caso a AT não provou ter efectuado a notificação completa dos termos da decisão. Ora, não contendo a notificação efectuada ao arguido todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT).
No entanto, a referida nulidade não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após a devolução dos autos ao Serviço de Finanças.
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III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, devendo o processo baixar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, para que este o remeta à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista a eventual repetição do acto de notificação afectado, se a tal nada mais obstar.

Sem Custas.

Registe e Notifique.


Lisboa, 14 de Janeiro de 2021

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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]