Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04489/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/29/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:RENDIMENTOS DA CATEGORIA A, DE I.R.S. ARTº.2, DO C.I.R.S.
PRESSUPOSTOS TRIBUTÁRIOS SUBSTANTIVOS DO PAGAMENTO DE AJUDAS DE CUSTO E DA SUA NÃO TRIBUTAÇÃO.
REQUISITOS DA FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:1. É no artº.2, do C.I.R.S., que se englobam todos os rendimentos da categoria A - rendimentos do trabalho dependente - sujeitos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para o efeito se exigindo o carácter remuneratório dos mesmos, ou seja, que se trate de rendimentos obtidos como retribuição de trabalho prestado por conta de outrem. À primeira vista, a norma, cuja origem é o antigo Imposto Profissional, serve para confirmar o princípio de que todas as chamadas "van­tagens acessórias" são tributáveis em I.R.S.
2. No citado artº.2, do C.I.R.S., o legislador teve a intenção de tipificar de forma muito ampla ou esgotante, a incidência do imposto, nela se incluindo todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente. Há que salientar, desde logo, que este conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral, tal como que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social. É rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente exceptuado pela lei. Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (cfr.artº.2, nº.2, do C.I.R.S.), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (v.g.concessão de prémios). Poderão resultar, ainda, de presta­ções feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente.
3. Por sua vez, o nº.3, do artº.2, do C.I.R.S., pode entender-se como uma norma clarificadora, que mais não faz do que exemplificar ou concretizar o que resulta dos números anteriores do preceito.
4. As ajudas de custo (cfr.artº.2, nº.3, al.e), do C.I.R.S.), bem como as importâncias auferidas pela uti­lização de automóvel próprio em proveito da entidade patronal, são, pela sua própria natureza e em princípio, compensações por despesas incorridas pelo trabalhador mas a favor da entidade patronal, pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasarem essa função e passarem a constituir verdadeira "vantagem económica".
5. Os pressupostos tributários substantivos do pagamento de ajudas de custo e da sua não tributação que a lei fiscal elege são os seguintes:
a-A realização de uma efectiva deslocação por parte de trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal;
b-O pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
6. Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.
7. A fundamentação das liquidações de I.R.S. efectuadas pela Fazenda Pública e objecto dos presentes autos se revela manifestamente insuficiente e não congruente, dado que o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão de estruturar as mesmas tendo como sujeito passivo, concretamente, o impugnante e, por outro lado, porque a decisão não constitui conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, não envolvendo entre eles um juízo de adequação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pela Mma. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.210 a 221 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação intentada tendo por objecto liquidações de I.R.S., relativas aos anos de 1996 e 1997 e no montante de € 9.241,36.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.255 a 260 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da procedência parcial da impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de I.R.S. dos anos de 1996 e 1997, no segmento que anula os actos de liquidação adicional de imposto;
2-Fundamentação da sentença recorrida (síntese) - “uma vez que a A.F., titular do ónus da prova, não alegou factos concretos susceptíveis de demonstrar que as importâncias recebidas pelo impugnante constituem remuneração do trabalho e que integram os rendimentos do trabalho dependente, nos termos do artº.2, do C.I.R.S., a liquidação adicional impugnada carece de fundamento, devendo ser anulada por vício de falta de fundamentação (cfr.artºs.125 e 135, ambos do C.P.A.)”;
3-Constando documentalmente provado o teor do relatório transcrito na douta sentença da qual se recorre e que ora damos por integralmente reproduzido, é incontornável que a A.F. indicou “factos demonstrativos de que as verbas pagas ao impugnante não reuniam as características essenciais das ajudas de custo”;
4-No âmbito da acção de inspecção à entidade empregadora, a sociedade “B... - Empresa Portuguesa de Obras Públicas Subterrâneas L.da.” (cfr.relatório a fls.202 e seg. do PAT) constatou a A.F. que a mesma procedia ao pagamento, a diversos trabalhadores, de determinadas importâncias a título de “Ajudas de Custo” e “Subsídios de Alimentação”, nos quais se incluía o ora impugnante (cfr.anexo 3 e 4 do relatório), o que, de resto, não foi contraditado na presente impugnação, mais tendo constatado que em todas as obras a empresa criou refeitórios e dormitórios, relativamente aos quais suportou todas as despesas inerentes;
5-Acresce que a própria empresa, quer na sua contabilidade, quer quando exerceu o direito de audição prévia sobre o projecto de relatório, não conseguiu identificar quais os trabalhadores que não usufruíam dos refeitórios e dormitórios criados nas obras, nem apresentar elementos de controle interno que permitissem contrariar a simultaneidade da ocorrência de despesas com pessoal, deslocações e estadas com o pagamento de ajudas de custo;
6-Porque assim é, afirmou o impugnante em sede de reclamação graciosa, deduzida previamente à presente impugnação, que no seu caso lhe foi abonada, em média, uma refeição diária (cfr.§14 da petição de reclamação graciosa apensa ao PAT), ou seja, utilizou os refeitórios da empresa o que, portanto, coloca manifestamente em causa a natureza de ajudas de custo dos montantes abonados como tal;
7-Assim, temos que também o impugnante não consegue demonstrar que nunca usufruiu dos meios colocados à sua disposição, bem como dos restantes trabalhadores, pelo contrário, afirma expressamente, na reclamação graciosa, que utilizou, quer o refeitório, quer os dormitórios, para descanso nos intervalos durante o dia de trabalho;
8-Por sua vez, os documentos anexos à p.i., os mapas de ajudas de custo, como sendo o documento de suporte do pagamento das verbas em causa, não se encontram assinados por qualquer dos intervenientes, a sociedade ou o trabalhador, o ora impugnante;
9-Logo, ficam ainda mais longe de alcançar o objectivo pretendido, qual seja o demonstrar que as importâncias auferidas a título de ajudas de custo não eram, na realidade, complementos de salário as quais, enquanto ajudas de custo, não eram tributadas, quer em sede de I.R.S., quer para efeito das contribuições devidas ao sistema de segurança social;
10-Pelo exposto, concluímos não só que a A.F. alegou, como provou, factos concretos susceptíveis de demonstrar que as importâncias recebidas pelo impugnante constituem remuneração do trabalho dependente, enquadrável na cat. A, de I.R.S. (cfr.artº.2, nº.2, do C.I.R.S.), o que torna os actos tributários impugnados fundamentados de facto e de direito;
11-Bem como que a prova produzida pelo impugnante, na presente impugnação, não foi susceptível de abalar esses factos, pelo contrário, como supra se evidenciou;
12-A manter-se na ordem jurídica a douta sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação, quer do artº.2, do C.I.R.S., quer, sobretudo, do artº.77, da L. G. Tributária.
Termina, pugnando por que se conceda provimento ao recurso e se revogue a decisão recorrida com as devidas consequências legais.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do presente recurso, sustentando, em síntese (cfr.fls.266 e 267 dos autos):
1-Que a decisão da A. Tributária padece de falta de fundamentação, tal como se refere no parecer pré-sentencial do M. P. exarado na 1ª. Instância;
2-Que é assim, porquanto, do relatório produzido pela Fazenda Pública e que fundamentou a estruturação das liquidações impugnadas não consta a imputação individualizada e identificativa do contribuinte, ora impugnante;
3-Sendo que o ónus da prova de tal matéria competia à A. Fiscal;
4-Em conclusão, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser confirmada e negado provimento ao recurso.
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.269 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.213 a 216 dos autos):
1-O Impugnante é trabalhador da empresa “B... - Empresa Portuguesa de Obras Subterrâneas, L.da.”, desde 8/10/1991, exercendo, nos anos de 1996 e 1997, as funções de Arvorado (cfr.factualidade admitida pelo impugnante no artº.1 da p.i.);
2-Na sequência de acção de inspecção efectuada à “B... - Empresa Portuguesa de Obras Subterrâneas, L.da.”, os Serviços de Inspecção Tributária da 1ª. Direcção de Finanças de Lisboa alteraram as declarações anuais de I.R.S., do Impugnante, do montante declarado de 3.658.203$00 para o montante corrigido de 6.931.048$00, referente ao exercício de 1996 e do montante declarado de 3.033.346$00 para o montante corrigido de 6.014.124$00, referente ao exercício de 1997, porque “…verificou-se que a B... procedia ao pagamento, a diversos trabalhadores de determinadas importâncias a título de “Ajudas de Custo” e “Subsídios de Alimentação”. Apurou-se, no entanto, que tais valores eram, na realidade, complementos do vencimento, enquadráveis na categoria A, conforme o estipulado no nº.2, do artº.2, do C.I.R.S., pois em todos os locais foram criados refeitórios e dormitórios, bem como foram pagas despesas para a manutenção dos mesmos, nomeadamente a compra de comida, bebidas, lençóis, camas, higiene e limpeza, como também o aluguer de apartamentos, sua manutenção e pagamento de refeições a pessoal mais especializado.
Em face dos dados disponíveis neste Serviço, constatou-se que o sujeito passivo A..., n.i.f. 138 528 705, omitiu na sua declaração de rendimentos os montantes de 3.272.845$00 e 2.980.778$00, respectivamente, nos anos de 1996 e 1997, recebidos a título de “Ajudas de Custo…” (cfr.cópia de relatório junta a fls.99 a 103 do processo administrativo tributário apenso);
3-Em 26/10/2001, o Chefe de Divisão, por delegação do Director de Finanças de Lisboa, emitiu despacho de alteração dos valores declarados pelo impugnante, em sede de I.R.S., do montante declarado de 3.658.203$00 para o montante corrigido de 6.931. 048$00, referente ao exercício de 1996 e, do montante declarado de 3.033.346$00 para o montante corrigido de 6.014.124$00, referente ao exercício de 1997 (cfr.documentos juntos a fls.47 e 48 dos presentes autos);
4-Na sequência das correcções referidas nos nºs.2 e 3 supra, o impugnante foi notificado da liquidação adicional de I.R.S. nº.4333866661, de 15/12/2001, relativa ao exercício de 1996, no valor a pagar de 1.591.316$00 (€ 7.937,45), sendo 1.025.332$00 relativo a I.R.S. e 565.984$00 relativo a juros compensatórios, com data limite de pagamento em 6/2/2002 (cfr.documento junto a fls.101 dos presentes autos);
5-Na sequência das correcções referidas nos nºs.2 e 3 supra, o impugnante foi notificado da liquidação adicional de I.R.S. nº.4320000771, de 8/1/2002, relativa ao exercício de 1997, no valor a pagar de € 5.475,60, sendo € 4.127,03 relativo a I.R.S. e € 1 445,37 relativo a juros compensatórios, com data limite de pagamento em 25/2/2002 (cfr. documento junto a fls.57 dos presentes autos);
6-Em 17/4/2002, o impugnante apresentou reclamações graciosas contra as liquidações adicionais referidas nos nºs.4 e 5 (cfr.carimbo de entrada aposto nos documentos juntos a fls.2 e 47 do processo administrativo tributário apenso);
7-Pelo ofício nº.18799, de 29/9/2003, o impugnante foi notificado por carta registada com aviso de recepção do despacho de indeferimento parcial das reclamações graciosas, referidas no nº.6 supra, com data de 9/7/2003, no sentido da procedência quanto aos juros compensatórios (cfr.documentos juntos a fls.37 a 41 dos presentes autos);
8-Em 16/10/2003, foram apresentados os presentes autos de impugnação junto do extinto Tribunal Tributário de 1ª. Instância de Lisboa (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos autos);
9-O impugnante juntou aos autos boletins de itinerários relativos aos meses de Janeiro a Dezembro de 1996 e 1997, emitidos pela “B...”, em nome do impugnante, com indicação dos dias em que esteve deslocado, local de deslocação: Madeira, Costa do Estoril, Pragal; natureza do serviço efectuado: “Trabalhos Escavação”; montante de ajuda de custo/dia, cujo teor integral dou aqui por reproduzido (cfr.documento juntos a fls.58 a 81 e fls.102 a 125 dos autos);
10-Em 26/12/2002, o impugnante efectuou o pagamento do imposto referido na liquidação indicada no nº.4 supra, com dispensa de juros compensatórios e moratórios (cfr.guia de pagamento Mod.82 junta a fls.161 dos autos);
11-Em 27/12/2002, o impugnante efectuou o pagamento do imposto referido na liquidação indicada no nº.5 supra, com dispensa de juros compensatórios e moratórios (cfr.guia de pagamento Mod.82 junta a fls.162 dos autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte “…Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…A convicção do Tribunal resultou do teor dos documentos juntos aos autos e, relativamente ao facto constante do nº.1 por não ter sido impugnado…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação que originou o presente processo, mais tendo anulado as liquidações de I.R.S. relativas aos anos de 1996 e 1997 devido a vício de falta de fundamentação, mais sendo improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
X
A recorrente discorda do julgado alegando em síntese, como supra se alude, que a A. Fiscal não só alegou, como provou, factos concretos susceptíveis de demonstrar que as importâncias recebidas pelo impugnante constituem remuneração do trabalho dependente, enquadrável na cat. A, de I.R.S. (cfr.artº.2, nº.2, do C.I.R.S.), o que torna os actos tributários impugnados fundamentados de facto e de direito, pelo que a douta sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação, quer do artº.2, do C.I.R.S., quer, sobretudo, do artº.77, da L. G. Tributária, assim devendo ser revogada com as devidas consequências legais (cfr.conclusões 3 a 12 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (I.R.S.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 442-A/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto directo, tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que incide sobre manifestações directas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento. É um imposto de características pessoais, visto levar em consideração as características que se verificam na pessoa do contribuinte. É, ainda, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger todos os rendimentos, consagrando nove cédulas ou categorias diferentes dos mesmos. Encontramo-nos perante um imposto progressivo, que assenta, em princípio, na tributação do rendimento real ou efectivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários (cfr.artºs.1, 7, 10, nº.3, 14, 28, 38 e 71, todos do C.I.R.S.; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.185 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.553 e seg.).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
É no artº.2, do C.I.R.S., que se englobam todos os rendimentos da categoria A - rendimentos do trabalho dependente - sujeitos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, para o efeito se exigindo o carácter remuneratório dos mesmos, ou seja, que se trate de rendimentos obtidos como retribuição de trabalho prestado por conta de outrem. À primeira vista, a norma, cuja origem é o antigo Imposto Profissional, serve para confirmar o princípio de que todas as chamadas "van­tagens acessórias" são tributáveis em I.R.S. (cfr.Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.188; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.55 e seg.).
No citado artº.2, do C.I.R.S., o legislador teve a intenção de tipificar de forma muito ampla ou esgotante, a incidência do imposto, nela se incluindo todos os rendimentos de alguma forma advindos do trabalho dependente. Há que salientar, desde logo, que este conceito de remuneração é mais lato que o acolhido pelo direito laboral, tal como que o relevante para efeitos de incidência das contribuições para a segurança social. É rendimento da categoria A tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer outras vantagens, salvo o expressamente exceptuado pela lei. Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (cfr.artº.2, nº.2, do C.I.R.S.), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (v.g.concessão de prémios). Poderão resultar, ainda, de presta­ções feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente. Por sua vez, o nº.3, do artº.2, do C.I.R.S., pode entender-se como uma norma clarificadora, que mais não faz do que exemplificar ou concretizar o que resulta dos números anteriores do preceito (cfr.Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.52).
A tributação do montante de ajudas de custo que deu origem à liquidação adicional impugnada só poderia ser sustentada se, porventura, se pudesse vê-lo incluído na previsão do artº.2, nº.3, al.e), do C.I.R.S. (na redacção originária que é a aplicável ao caso dos autos - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil).
As ajudas de custo, bem como as importâncias auferidas pela uti­lização de automóvel próprio em proveito da entidade patronal, são, pela sua própria natureza e em princípio, compensações por despesas incorridas pelo trabalhador mas a favor da entidade patronal, pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasarem essa função e passarem a constituir verdadeira "vantagem económica". Enquanto se limitarem a compensar o trabalhador por despesas efectivamente incorridas a favor da entidade patronal, as somas recebidas não são sequer rendimento líquido do trabalhador. A lei presume que isso acontece quando as aju­das de custo e as importâncias recebidas pela utilização de viatura pró­pria se mantêm dentro dos limites legais previstos para os servidores do Estado (cfr.portaria 101-A/96, de 4/4, para o ano de 1996; portaria 60/97, de 25/1, para o ano de 1997; regime geral de atribuição de ajudas de custo fixado no dec.lei 519-M/79, de 28/12). Quando extravasarem aqueles limites, tornam-se tributáveis em I.R.S., a cargo dos trabalhadores (o que implica, obviamente, também obrigações de retenção na fonte para o empregador). Trata-se de um expediente prático e simples de distinguir as duas situações (cfr.José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.129).
Em conclusão, os pressupostos tributários substantivos do pagamento de ajudas de custo e da sua não tributação que a lei fiscal elege são os seguintes:
1-A realização de uma efectiva deslocação por parte de trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal;
2-O pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado (cfr.João Ricardo Catarino, Ajudas de Custo-Algumas Notas sobre o regime substantivo e fiscal, Fisco, nºs.97/98, Setembro de 2001, pág.77 e seg.).
Por último, sempre se dirá que o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo susceptíveis de tributação, compete à Administração Fiscal (cfr.artº.342, do C.Civil; artº.74, nº.1, da L.G.Tributária; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/5/2004, proc.832/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/11/2006, proc.1099/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/1/2009, proc.2690/08).
No caso concreto, conforme mencionado supra, a douta sentença recorrida anulou as liquidações de I.R.S. relativas aos anos de 1996 e 1997 devido a vício de falta de fundamentação. Contra tal decisão se insurge a recorrente pugnando por que se conclua que os actos tributários impugnados se encontram fundamentados de facto e de direito.
Para assim decidir, a sentença da 1ª. Instância conclui que do relatório base, fundamento das alterações dos valores declarados pelo impugnante, nada consta, em concreto, relativamente ao mesmo. Os serviços de inspecção tributária partem de uma premissa vaga e genérica para alterar os rendimentos declarados pelo impugnante, sem qualquer referência, em concreto, aos rendimentos auferidos por este.
É no nº.2 da matéria de facto provada que se encontra descrita a factualidade relativa ao relatório de inspecção que serviu de fundamento aos actos tributários de I.R.S. objecto do presente processo. Analisemos, então, se tais actos tributários se encontram devidamente fundamentados conforme defende a recorrente, sempre levando em consideração o regime substantivo das ajudas de custo exposto acima e vigente nos anos de 1996 e 1997.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C. P. Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G. Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, al.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo).
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.381 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09).
No caso concreto, o relatório sob análise (cfr.nº.2 da matéria de facto provada) apenas se limita a descrever, de forma genérica e conclusiva, os vectores que levaram a A. Fiscal a qualificar as verbas processadas a título de “Ajudas de Custo” e pagas pela sociedade “B... - Empresa Portuguesa de Obras Subterrâneas, L.da.” aos seus funcionários como rendimentos de trabalho tributáveis em I.R.S. No entanto, o relatório a A. Fiscal não se refere especificamente ao impugnante, assim não discriminando os factos concretos que ao mesmo sujeito passivo dizem respeito e que levam à aplicação das prévias conclusões genéricas ao concreto trabalhador A.... Por outras palavras, a A. Fiscal não concretizou especificamente quais os vectores descritos genericamente no relatório que, em concreto, se aplicavam à situação do impugnante (v.g.quais os documentos que, em concreto, serviram de suporte aos registos contabilísticos do processamento das ajudas de custo do impugnante; quais os pagamentos concretamente efectuados que não se encontram justificados enquanto “ajudas de custo”).
Pelo que, a fundamentação das liquidações de I.R.S. efectuadas pela Fazenda Pública e objecto dos presentes autos se revela manifestamente insuficiente e não congruente, dado que o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão de estruturar as mesmas tendo como sujeito passivo, concretamente, o impugnante A... e, por outro lado, porque a decisão não constitui conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, não envolvendo entre eles um juízo de adequação. E relembre-se que o que a A. Fiscal fez foi, apenas e só, desqualificar, na totalidade, as ajudas de custo processadas em relação ao impugnante e tributá-las integralmente. A A. Fiscal partiu da inspecção realizada à sociedade “B... - Empresa Portuguesa de Obras Subterrâneas, L.da.”, na qual terá verificado determinadas irregularidades, de imediato concluindo, sem explicitar porquê, que o impugnante estava abrangido por tais irregularidades.
Sendo assim, em face da matéria de facto assente na sentença de nada vale o esforço argumentativo desenvolvido pela recorrente no sentido de demonstrar o carácter remuneratório das ajudas de custo em causa, objectivo esse que só em sede da matéria de facto seria possível atingir.
Em conclusão, deve confirmar-se a sentença recorrida e julgar improcedente o recurso deduzido, dado que a fundamentação dos actos tributários impugnados é manifestamente insuficiente e não congruente, pelo que estes violam o disposto nos artºs.268, nº.3, da Constituição da República, e 125, do C. P. Administrativo, devendo ser anulados, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas, dado que a Fazenda Pública está isenta do seu pagamento (cfr.artº.3, nº.1, al.a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo dec.lei 29/98, de 11/2).
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 29 de Março de 2011



(Joaquim Condesso - Relator)


(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)



(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)