Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1474/09.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:INTERPRETAÇÃO DA PETIÇÃ INICIAL
REVERSÃO
GERÊNCIA DE FACTO
Sumário:I. A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24º, nº 1 da LGT exige a prova do efectivo exercício de funções de gerência não se bastando com a mera titularidade do cargo ou gerência de direito.
II. É sobre a Administração Tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por S….., com os sinais nos autos, citada na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “A….., S.A.”, NIPC ….., no âmbito do processo de execução fiscal n.º ….., instaurado no Serviço de Finanças de Cascais 1, para cobrança da quantia exequenda no montante total de € 1 496,40 e acrescido, relativo a dívida de IVA do exercício de 2006, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«

A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

B. Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, no caso sub júdice, mostram-se verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução contra os que somente a título subsidiário respondem pelas dívidas da sociedade comercial originariamente devedora, encontrando-se demonstrada a gerência de facto por parte do recorrido, no período a que se reporta o prazo legal de pagamento do imposto.

C. No caso dos autos, é a própria oponente que admite que praticou atos próprios e típicos inerentes ao exercício de gerência, como claramente refere no ponto 19 da p. i., ao dizer que “sempre desempenhou com zelo as suas funções”.

D. Assim, ao contrário do doutamente decidido, a Fazenda Pública estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária da Opoente, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 1, da LGT, perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efetivo do cargo por parte da mesma (cfr. Acórdão do TCAS de 12.03.2013, proferido no recurso n.º 05497/12- disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

E. Na verdade, é possível verificar, mediante a análise dos elementos que constam dos autos, que no período em que terminou o prazo legal para pagamento dos tributos, quem dirigia de direito e de facto os destinos da sociedade primitiva executada, era o ora recorrente.

F. Não tendo ficado demonstrado que lhe tenha sido vedado o exercício das funções de gerência.

G. Razão pela qual é patente ser imputável à recorrida, quer por ação quer por omissão, a prática de atos de gestão, consubstanciados na exteriorização da vontade da sociedade e vinculação da mesma perante terceiros em todos os seus atos e contratos, na medida em que forma de obrigar a sociedade era pela intervenção do recorrido conforme, claramente, resulta dos elementos juntos aos autos.

H. Acresce que, o regime de responsabilidade dos gerentes e administradores pelas dívidas de impostos das suas representadas é regulado pela lei sob cuja vigência ocorrem os respectivos pressupostos da obrigação de responsabilidade.

I. Importa ainda atentar ao facto de que não se exige que a gerência seja em simultâneo de direito e de facto, pois segundo o citado artigo, só compete provar a gerência de facto, quando a mesma não for acompanhada da gerência de direito,

J. Do mesmo modo que, um administrador ou gerente que o seja de direito, mas que não exerça de facto, e que cause com essa omissão, o não pagamento dos impostos legalmente devidos no período do exercício do seu cargo, deve poder ser responsabilizado pelas dívidas tributárias da sociedade.

K. In casu, e atento os elementos probatórios juntos aos autos, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido pela ilegitimidade da recorrida.

L. Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali de aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra a responsável subsidiária, devendo ser considerada legitima a reversão contra a recorrida.

M. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição judicial, enferma de erro de apreciação da prova, e de erro de interpretação de lei.


Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça.»


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, o Procurador–Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Que assim sendo, «estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária da Opoente».

Mais alega que «mediante a análise dos elementos que constam dos autos, que no período em que terminou o prazo legal para pagamento dos tributos, quem dirigia de direito e de facto os destinos da sociedade primitiva executada, era o ora recorrente.» pretendendo certamente referir-se à recorrida.

Importa assim, decidir se a sentença fez errada apreciação da matéria de facto, importando decidir se, à luz da prova produzida, se mostra acertada a procedência da oposição com fundamento na ilegitimidade (substantiva) da Oponente para a execução fiscal.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) A 04.11.1997 foi averbado na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, a alteração do contrato social da sociedade “A….., S.A.”, com objeto social de urbanização de terrenos, construção e venda de imóveis, compra e venda de prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, administração de condomínios, gestão, exploração e administração de zonas de desporto e lazer, parqueamento automóvel e equipamentos sociais e urbanos, nipc ….. – cf. cópia da certidão do registo comercial a fls. 10 a 21 dos autos.
B) A 22.03.2004 foi designado o conselho de administração da sociedade “A….., S.A.” para o período referente a 2004 a 2006, composto pelo Presidente, A….., e pelos vogais, F….. e S….. – cf. cópia da certidão do registo comercial a fls. 10 a 21 dos autos.
C) Em 23.06.2005 foi efetuada uma diligência de “busca e apreensão” no âmbito do processo de inquérito n.º 2859/04.3TDLSB, tendo por objeto a sociedade “E….. SGPS”, no âmbito da qual foram apreendidas diversas pastas de documentos relativas a diversas sociedades, entre as quais a “E…..” e “A….., S.A.” – cf. fls. 137 a 140 dos autos, correspondente ao doc. 2 junto à p.i.
D) Por transação, homologada por sentença em 20.03.2006, no âmbito do processo de insolvência n.º 1269/05.0TYLSB, a correr termos na 1.ª Secção do Comércio de Lisboa, a requerente, “S…..al, S.A.” desistiu do pedido de declaração de insolvência intentado contra a sociedade “E….., SGPS” – cf. certidão de fls. 250 a 255 dos autos.
E) Em 05.06.2007 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ….., no Serviço de Finanças de Cascais 1, contra a sociedade “A….., S.A.”, nipc ….., para cobrança de dívida de IVA, referente ao exercício de 2006, no valor de € 1.496,40, que teve data limite de pagamento a 06.12.2007 – cf. fls. 38/39 dos autos.
F) Por despacho de 27.05.2008 do Chefe de Finanças de Cascais 1 foi determinada, no processo de execução fiscal n.º ….., “nos termos do artº 24 da LGT […]” a reversão contra a ora oponente, responsável subsidiária “da executada ao tempo da ocorrência do facto gerador da dívida” – cf. fls. 88 a 90 dos autos.
G) A 18.06.2008 foi a Oponente citada na qualidade de responsável subsidiário em sede do procedimento de reversão do processo de execução fiscal n.º ….., para pagamento da quantia de € 1.496,40 – cf. fls. 92 dos autos.
H) A 18.07.2008 foi remetida ao órgão de execução fiscal, via fax, a petição inicial que deu origem à presente oposição – cf. fls. 5 dos autos.»

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Consta ainda da mesma sentença que «Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir» e que «Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, bem como da prova testemunhal produzida, referidos a propósito de cada alínea do probatório.».
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III – 2. Do direito

Antes de mais, para melhor percebermos o alcance do recurso jurisdicional que nos vem dirigido importa ter presente o âmbito da decisão proferida.

A sentença sob recurso julgou procedente a oposição por ter concluído que, em face da prova produzida nos autos, a Fazenda Pública, ora recorrente, não logrou provar que, no período em causa, a recorrida exerceu de facto as funções de gerência. Baseia-se tal asserção no seguinte discurso fundamentador: «No caso dos presentes autos, é certo que a Oponente foi nomeada vogal do Conselho de Administração da sociedade devedora originária para o período referente a 2004 a 2006 [cf. al. B) dos factos assentes], encontrando-se, por isso, provada, desde logo, a administração de direito em relação ao referido período.

Contudo, para além de invocar a gerência de direito nada mais foi provado pela AT quanto à gerência de facto. (…) nem pelo órgão de execução fiscal, nem pela Fazenda Pública foi apresentada qualquer prova quanto à efectiva gerência da sociedade por parte da Oponente, assentando a mesma apenas da presunção de administração de facto com base na administração de direito, pelo que não se pode presumir a culpa da mesma na insuficiência de património para pagamentos das dívidas fiscais.

Com efeito, como já supra assinalado, o despacho de reversão assenta na assunção de que verificada a administração de direito de uma sociedade por determinada pessoa faz a lei presumir que a mesma exerce a administração de facto.

Deste modo, afigura-se irrelevante que a Oponente demonstre ou não a falta de exercício da administração de facto, posto que não incumbia sobre ele qualquer ónus nesse sentido. Por outro lado, ficando uma dúvida substancial e fundada sobre o efetivo exercício da administração por parte da oponente, a referida dúvida tem de desfavorecer a AT, posto que à mesma cabia o ónus da prova daquele exercício efectivo, como pressuposto do accionamento da responsabilidade subsidiária (cf. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20.09.2011, proferido no proc. n.º 04404/10, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcas.nsf).

Sem que esteja assente a questão da efetiva administração de facto, a reversão não assenta num dos seus pressupostos essenciais, pelo que a mesma não pode manter-se, nos termos decididos pelo órgão de execução fiscal.»

A recorrente discorda do decidido sustentando que, tendo em conta a prova produzida, deveria ter-se julgado provada a gerência de facto pela recorrida e que «é a própria oponente que admite que praticou atos próprios e típicos inerentes ao exercício de gerência, como claramente refere no ponto 19 da p. i., ao dizer que “sempre desempenhou com zelo as suas funções”.»

Das conclusões de recurso não resulta nenhum indicador concreto sobre qual a prova produzida em que a recorrente se sustenta para concluir que não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão recorrida. Afirma que se mostram verificados os pressupostos legais de que depende a reversão e que se encontra demonstrada a gerência de facto pela recorrida no período a que se reporta o prazo legal de pagamento do imposto, sustentando-se na admissão de tal facto pela recorrida na petição inicial.

Lendo a petição inicial verificamos que a recorrida refere que era efectivamente administradora da «A….. – SA, - como se atesta do teor da ap. 80/040606 da certidão» do registo comercial. Que assumiu, conjuntamente com outros dois administradores, a administração da referida sociedade «muito embora nunca tivesse, de facto, contribuído para a tomada de decisões reativas à vida societária.» (cf. pontos 6 a 8). Mais invoca que desde a insolvência da E….. – SGPS, SA (em 2005), única detentora do capital social da executada principal, que se encontrava arredada da administração da sociedade A….. e que tal situação, juntamente com a apreensão de toda a documentação no âmbito de um processo crime em curso, redundou na impossibilidade de cumprimento das obrigações fiscais e comerciais desta. Facto a que alega ser alheia e que «durante o curto lapso de tempo em que a ora Oponente efectivamente exerceu o cargo de Administradora da sociedade e (…) sempre desempenhou com zelo e diligências as suas funções» (cf. pontos 10 a 19).

Para a recorrente existe uma confissão na parte da petição que supra se transcreveu. Para o tribunal a quo, resulta, aparentemente, uma contradição nos termos da petição inicial donde resulta a dúvida fundada sobre se a recorrida exerceu de facto as funções de administradora da sociedade resolvida com apelo às regras do ónus da prova. Cabendo o ónus da prova daquele exercício efectivo à AT, concluiu-se que a decisão devia ser-lhe desfavorável.

Vejamos se a prova produzida permite clarificar a questão e se se pode concluir como pretende a recorrente.

A dívida exequenda respeita a IVA de 2006, cujo prazo de pagamento voluntário teve o seu termo final em 06/12/2007.

Quer do despacho de reversão, quer da informação para cuja fundamentação remete, nada consta em concreto sobre factos dos quais se possa extrair o exercício de funções pela recorrida, nem quanto à alínea do n.º 1 do artigo 24.º da LGT em que se fundamenta. Na referida informação tecem-se considerações sobre a administração nominal, em concreto, referindo-se que estes não cabem na previsão legal, para concluir que «cabe ao gerente “ausente” alegar e provar factos que ilidam ou, pelo menos, criem fundada dúvida sobre aquela presunção, prova que terá que ser convincente, especialmente se a sua assinatura era sempre necessária para obrigar a sociedade.»

Foi este cenário de falta de concretização dos factos susceptíveis de integrar o efectivo exercício pela recorrida das funções de administradora da sociedade em causa nos autos que determinou a conclusão a que se chegou na sentença recorrida no sentido de que não estão reunidos os pressupostos para a reversão contra a ora recorrida.

Contudo, importa ainda assim, indagar se da petição inicial se pode extrair a conclusão pretendida pela recorrente. Dito de outro modo, impõe-se apreciar se a factualidade alegada pela oponente na petição inicial integra, ou não, confissão feita nos articulados.

A recorrida afirma que assumiu o cargo (de direito ou nominal) embora nunca tivesse tomado decisões, contudo assevera que exerceu o cargo com zelo e diligência, actuações que parecem contraditórias. Contudo, importa proceder à interpretação da declaração contida na petição.

Vejamos o que dispõe o Código Civil com relevo para a decisão da questão.

Decorre do artigo 352.º do CCivil, que a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.

Dispõe o n.º 1 do artigo 356.º que «a confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual ou, em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado», estatuindo o n.º 1 do artigo 357.º, que «a declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar».

Ora, a verdade é que, no caso vertente, não se pode extrair do alegado na petição inicial qualquer declaração confessória, com a extensão que a recorrente lhe pretende dar.

Em bom rigor, a declaração efectuada pela recorrida na petição inicial foi enquadrada no seu contexto. A afirmação quanto à gerência está delimitada ao período compreendido entre a sua nomeação em 2004 e a insolvência da detentora do capital social da sociedade executada principal em 2005. Dito de outro modo, a referida declaração refere-se ao exercício da gerência no período anterior ao da constituição (2006) e vencimento da dívida revertida 05/12/2007).

Com efeito, resulta da prova produzida nos autos que a recorrida foi nomeada vogal do conselho de administração da sociedade executada principal em 2004, juntamente com outro vogal e um presidente. Àquela data o pacto social dispunha que administração da sociedade seria exercida por um conselho de administração composto por três a cinco membros e um presidente eleito entre aqueles e que a sociedade se obrigava pela assinatura de um ou mais administradores delegados, dentro dos limites de delegação do conselho.

Nada resulta dos autos se foi designado administrador delegado ou sobre quem recaiu tal designação. Ora a assumpção feita pela recorrida de ter sido administradora remetendo para a certidão de registo comercial, apenas permite inferir que a recorrida se reporta à nomeação enquanto administradora de direito. Desta nomeação não resulta qualquer presunção de que a recorrente exerceu de facto as funções para as quais foi designada, como defende a recorrente. Sendo certo que o ónus da prova da verificação de tal facto cabe à AT.

Constitui hoje jurisprudência pacífica, reiterada e uniforme, conforme resulta desde logo dos Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28/02/2007, proferidos no processo n.º. 1132/06 e no processo n.º 0580/12 de 31/10/2012, que a gerência de direito não constitui presunção legal de gerência de facto, sendo esta última a que é exigida pelo proémio do artigo 24.º da LGT.

A gerência de direito consistirá tão só numa mera presunção judicial de que quem foi nomeado para o cargo o exercerá, contudo, não é suficiente para presumir, nem mesmo judicialmente, a gerência de facto, pelo que importa verificar da prática pela revertida de actos de gerência concretos que possam confirmar que exercia funções de administração ou gestão na sociedade em causa.

O ónus da prova dos factos que integram o exercício do direito de reversão na execução fiscal cabe ao órgão de execução fiscal, como é o caso do exercício das funções de gerente de facto, por constituir seu pressuposto.

Retomando a questão da aparente contradição na alegação pela recorrida na petição inicial, ainda assim, importa ter presente que a recorrida invoca que, de facto nunca contribuiu para a tomada de decisões relativas à vida societária. É certo que para sustentar tal asserção invoca factos que não foram provados, como sucedeu com a apreensão de toda a documentação da sociedade no âmbito do processo crime em que era investigada a sociedade E….., que a sociedade A….. deixou de ter actividade desde 2005, data em que aquela sociedade detentora do capital da devedora originária foi declarada insolvente. Também se retira da interpretação a petição inicial que a recorrida afirma que exerceu funções até à insolvência da aludida detentora do capital social, resultando tal marco temporal em 2005 e que nesse «curto lapso de tempo» em que exerceu funções, exerceu o cargo com zelo e diligência. Embora a petição inicial não seja muito precisa, permite concluir que a contradição é meramente aparente.

É verosímil, que a declaração de insolvência da sociedade dominante do grupo societário – a E….., determinasse a cessação a actividade das participadas com vista à liquidação do património. O facto de a dívida exequenda resultar de uma liquidação oficiosa constitui um facto consentâneo com essa realidade. Assim, de acordo com as regras da experiência comum, num contexto como o descrito, a executada principal actividade estaria inactiva e em liquidação no período a que respeita a dívida, ou seja, no ano de 2006. Ainda assim, sempre se dirá que da prova produzida também nada resulta em contrário, pelo que, atenta a repartição do ónus da prova, era à AT que cabia efectuar tal prova e não à recorrente ao contrário do que se sustenta no despacho de reversão e nos articulados.

Na conclusão G alega a recorrente que é patente, quer por omissão, quer por acção que a prática de actos de gestão pela recorrida consubstanciada na exteriorização da vontade da sociedade, na medida em que, a sociedade se obrigava pela intervenção da recorrida. No período a que se reporta a dívida, 2006, não há certeza quanto à manutenção da actividade da sociedade devedora principal, uma vez que a sociedade holding do grupo em que se integrava foi declarada insolvente, sendo verosímil que a actividade das participadas tivesse sido afectada. Por outro lado, na data em que ocorreu o termo do prazo de pagamento voluntário a designação da recorrida no cargo de gestão havia cessado. Assim sendo, ao contrário do que sustenta a recorrente, a viabilidade da sociedade não dependia da intervenção da recorrida. Na verdade, o que resulta da matéria de facto aditada é que a sociedade se obrigava pela intervenção de «um ou mais administradores delegados, dentro dos limites de delegação do Conselho». Integrando a recorrida o conselho de administração, poder-se-ia afirmar que estaria em posição de tomar parte na decisão de designação do administrador ou dos administradores delegados e na definição a extensão a delegação. Contudo, a ter integrado uma tal decisão, não equivale à prática consistente de actos dos quais se possa inferir que detinha o domínio dos destinos da sociedade, enquanto órgão actuante da sociedade.

Donde se conclui que a intervenção da recorrida não era essencial à vinculação da sociedade.

Também não se acompanha a recorrente quando alega que «não se exige que a gerência seja em simultâneo de direito e de facto, pois segundo o citado artigo, só compete provar a gerência de facto, quando a mesma não for acompanhada da gerência de direito.»

Vejamos o enquadramento legal.

Dispõe-se no artigo 24.º, n.º 1, proémio, da LGT que «os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si (…)».

Esta norma consagra inequivocamente a gerência de facto como requisito essencial da efectivação da responsabilidade subsidiária, sem a qual não se discutirá a culpa na insuficiência patrimonial.

Para que a Administração Tributária possa exigir o pagamento de créditos tributários de uma sociedade executada ao seu administrador, através do instituto da reversão, não se pode bastar com a constatação da nomeação de direito ou gerência nominal. Impõe-se-lhe, enquanto entidade que ordena e se arroga do direito à reversão, que demonstre que administrador ou gerente praticou actos que são inerentes às funções de gestão, que passam, nomeadamente, pela contratação de trabalhadores e pagamento dos respectivas retribuições, pelas relações com os fornecedores e seu pagamento, com os clientes, com as instituições de crédito, em suma, revelando que detém o poder de determinar o destino da sociedade.

Não basta à AT proceder à reversão com base na gerência de direito decorrente da nomeação constante do registo comercial, é necessário a alegação e a prova desse efectivo exercício, o que a recorrente não logrou efectuar no presente caso, tal como se concluiu na sentença recorrida com base na ponderação da prova adquirida.

Importa assim concluir que, a ponderação da prova produzida nos autos não permite extrair a conclusão pretendida pela recorrente, pelo que o recurso terá de ser julgado improcedente.


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IV - CONCLUSÕES

I. A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24º, nº 1 da LGT exige a prova do efectivo exercício de funções de gerência não se bastando com a mera titularidade do cargo ou gerência de direito.

II. É sobre a Administração Tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência.

V - DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da primeira Sub-Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional.


Custas pela Fazenda Pública.

Lisboa, 9 de Junho de 2021.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, as Senhoras Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes, integrantes da formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente Acórdão.



Ana Cristina Carvalho