Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8755/15.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/22/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
LITIGÂNCIA DE MÁ-FE.
Sumário:I - Só a falta de apreciação das questões integra a nulidade por omissão de pronúncia, o que não se confunde com a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
II - Na decisão impugnada, foi apreciada e decidida a questão cujo conhecimento se impunha, i.e a indagação sobre o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, consagrar, ou não, uma presunção ilidível. E para a discussão dessa questão concorreram diversos argumentos, como o Tribunal não deixou de elencar.
III - A dita questão de inconstitucionalidade suscitada pela ora Impugnante reconduz-se, afinal, à interpretação a dar ao artigo 3.º do Código do IUC, interpretação essa que foi efectuada pela sentença arbitral.
IV - A circunstância de a decisão arbitral ter acolhido maioritariamente as pretensões da Requerente, aqui Impugnada, não é impeditiva de, em abstracto, se poder configurar uma situação de litigância de má-fé, a qual, como se sabe, respeita genericamente a uma actuação processual censurável, entorpecedora da boa Administração da Justiça.
V - Nessa medida, ao Tribunal Arbitral competia emitir pronúncia sobre tal questão (litigância de má-fé).
VI – Já quanto ao pedido de condenação em litigância de má-fé, formulado nos autos de Impugnação de Decisão Arbitral, conclui-se que não cabe ao TCA Sul apreciar o mérito de tal pedido de condenação da ATA, tendo por referência a actuação da mesma num processo arbitral. Com efeito, tudo o que vem alegado, no que respeita à litigância de má-fé, reporta-se à actuação da ATA no âmbito do processo arbitral que correu termos junto do CAAD, sob o nº 6.../2014-T, processo este que não se confunde com os presentes autos de Impugnação de Decisão Arbitral.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA, discordando da decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 643/2014-T, intentado pelo B........... CONSUMER PORTUGAL, S.A. veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26.º e 27.º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante apenas designado por RJAT), apresentar impugnação de tal decisão.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

«1.ª A sentença proferida pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa que julgou parcialmente procedente o pedido de anulação de 10 das 11 liquidações de IUC e de juros compensatórios padece de nulidade pelo facto de não ter conhecido de duas questões essenciais sobre as quais se deveria ter pronunciado [artigo 28°/1-c) do RJAT];

2.ª Por via do pedido de pronúncia arbitral visou a Impugnada colocar em crise 11 liquidações referentes aos períodos de 2013 e 2014;

3.ª A Impugnante deduziu Resposta ao pedido de pronúncia arbitral no qual sustentou a legalidade daqueles atos tributários: (i) rebatendo a alegada falta de fundamentação das liquidações de IUC colocadas em crise (cfr. artigos 13° a 32º da Resposta); (ii) defendendo que o artigo 3° do Código do IUC não contém qualquer presunção ilidível (cfr. artigos 33° a 110° da Resposta); (iii) colocando em causa o valor probatório das facturas juntas pela Impugnada (cfr. artigos 111° a 142° da Resposta); (iv) desvalorizando a tese subsidiária construída em torno da vigência dos contratos de locação financeira (cfr. artigos 143° a 146° da Resposta); (v) suscitando a inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do Código do IUC (cfr. artigos 147° a 155° da Resposta); e (vi) pugnando pela sua não condenação ao pagamento das custas Arbitrais e juros indemnizatórios (cfr. artigos 156° a 174° da Resposta).

4.ª Cada uma destas questões foi devidamente desenvolvida pela Impugnante ao longo do seu articulado, encontrava-se inequivocamente inserida em capítulos autonomizados e, por conseguinte, era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor;

5.ª O Tribunal Arbitral Singular entendeu que as questões a decidir se limitavam a (cfr. pág. 17 da sentença) a dar resposta às seguintes duas questões: «42.1 A norma de incidência subjetiva constante do artigo 3° do CIUC consagra ou não uma presunção de propriedade ilidível? 42.2 Entendendo que a referida norma consagra uma presunção ilidível, os documentos apresentados pela Requerente constituem elementos de prova bastantes para ilidir a supra mencionada presunção legal?».

6.ª Ao longo das páginas 21 a 33 da sentença o Tribunal Arbitral Singular seguiu aquele elenco de questões que lhe cumpria solucionar e, efetivamente, procedeu à sua resolução;

7.ª Contudo, não só o referido elenco de questões fixado pelo Tribunal Arbitral Singular veio omitir a questão referente à inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do Código do IUC, como também a própria fundamentação da sentença não dedicou uma palavra sequer àquela questão não despicienda;

8.ª A problemática em torno da inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do Código do IUC constitui uma verdadeira questão e não um mero argumento;

9.ª O Tribunal Arbitral Singular não justificou a razão ou as razões que o levaram a não conhecer da questão em causa;

10.ª E isto apesar da questão referente à inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do Código do IUC: (i) se encontrar inequivocamente inserida num capítulo autonomizado da Resposta da Impugnante e, por conseguinte, ser perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor (cfr. artigos 147° a 155° da Resposta; e (ii) se encontrar inequivocamente reafirmada nas Alegações finais apresentadas pela Impugnante (cfr. artigos 55° e 56° das Alegações);

11.ª A problemática em torno da inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do Código do IUC não é uma questão cuja resolução tivesse ficado prejudicada pela resolução das demais questões;

12.ª A sentença arbitral não padece de uma "mera" fundamentação lacónica ou deficiente, antes configura uma "decisão surpresa";

13.ª Acresce que, ao não cumprir um dos requisitos essenciais inerentes a uma decisão (i.e., a de convencer os seus destinatários) o Tribunal Arbitral Singular coartou irremediável e incompreensivelmente um dos poucos mecanismos de controlo que assistem à Impugnante: o recurso para o Tribunal Constitucional [artigo 70.°/1-b) da Lei 28/82, de 15 de novembro];

14.ª Além de ter omitido pronúncia sobre a questão referente à inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do Código do IUC, o Tribunal Arbitral Singular incorreu em nova omissão relativamente a uma outra questão suscitada nos autos;

15.ª Com efeito, face à "nova" linha argumentativa apresentada pela Impugnada nas suas Alegações finais, veio a Impugnante suscitar uma nova questão: a litigância de má fé por parte da Impugnada, que, afinal, conscientemente havia articulado factos contrários à verdade por si conhecida;

16.ª O levantamento desta nova questão por banda da Impugnante ocorreu no prazo e no meio processual adequados (aliás, o único que o RJAT comportava e de acordo com a tramitação processual que havia sido acordada na reunião do Tribunal Arbitral realizada a 2015-03-24): a prerrogativa da apresentação de Alegações finais de forma escrita e sucessiva;

17.ª A questão da litigância de má fé em que havia incorrido a Impugnada (atento o teor das suas Alegações finais) (i) foi suscitada pela Impugnante no seu articulado de Alegações finais apresentado a 2015-04-21, (ii) encontrava-se inequivocamente inserida em capítulo autonomizado naquelas alegações e (iii) era perfeitamente identificável por parte de qualquer leitor (cfr. artigos 90° a 101° das Alegações da Impugnante);

18.ª Contudo, não só o Tribunal Arbitral Singular (i) não incluiu a questão da litigância de má fé no elenco das questões a decidir (cfr. pág. 17 da sentença), (ii) não só aquele areópago incompreensivelmente referiu na sua sentença que as partes se limitaram a manter no essencial as posições assumidas na p. i. e na Resposta (cfr. pág. 3 da sentença), como ainda, e mais importante até, (iii) a própria fundamentação da sentença não dedicou uma palavra sequer àquela questão, já que de verdadeira questão se tratava e não de um mero argumento;

19.ª A questão da litigância de má fé suscitada pela Impugnante nas suas Alegações não era uma questão cuja resolução tivesse ficado prejudicada pela resolução das demais questões, porquanto (i) nenhuma relação de dependência jurídica existia entre a questão da procedência ou improcedência da exceção da ilegitimidade processual da Impugnada e a questão da litigância de má fé em que aquela incorreu, (ii) assim como nenhuma relação de dependência jurídica existia a resolução do thema decidendum (i. e., a questão da interpretação da lei em torno do artigo 3.° do Código do IUC) e a questão da litigância de má fé em que a Impugnada incorreu;

20.ª De igual forma, a questão da litigância de má fé suscitada pela Impugnante nas suas Alegações não era uma questão cuja resolução tivesse ficado prejudicada pela procedência parcial do pedido de pronúncia Arbitral, porquanto na base da figura jurídica da litigância de má fé o que está primordialmente em causa é a ofensa ao valor público da boa administração da justiça;

21.ª O facto do Tribunal Arbitral Singular julgar maioritariamente procedente o pedido de pronúncia Arbitral deduzido pela Impugnante é insuscetível de operar uma qualquer "amnistia processual" em torno da litigância de má fé perpetrada pela parte vencedora no processo;

22.ª Finalmente, a questão da litigância de má fé suscitada pela Impugnante nas suas Alegações não era uma questão juridicamente inócua na medida em que aquilo que a Impugnante requereu ao Tribunal Arbitral Singular foi precisamente uma valoração da conduta processual da Impugnada com o objetivo de projetar os seus efeitos única e exclusivamente ao nível da fixação da responsabilidade das custas Arbitral s (cfr. artigo 101° e parte final do petitório das Alegações da Impugnante);

23.ª Em suma, ao Tribunal Arbitral Singular foi exigido (i) que apreciasse minimamente a questão da litigância de má fé (aliás, suscitada em termos perfeitamente inequívocos no local e meio próprios, face ao teor das Alegações finais da Impugnada) ou então (ii) que, ao invés, fundamentasse minimamente a razão ou razões pelas quais declinava apreciar tal questão;

24.ª Porém, nenhuma destas duas atitudes adotou o Tribunal Arbitral Singular na sentença que proferiu, sentença esta que padece de omissão de pronúncia e redunda numa "decisão surpresa";

25.ª Motivos pelos quais não deve ser mantida na ordem jurídica a sentença Arbitral ora colocada em crise, devendo antes ser aquela declarada nula.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão Arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA».

*


Em sede de contra-alegações, concluiu-se o seguinte:

A. O presente processo de impugnação de decisão arbitral foi instaurado pela Impugnante relativamente à decisão que foi proferida nos autos do processo arbitral 643/2014-T, a qual, para a Impugnante, padece do vício de omissão de pronúncia na medida em que, alegadamente, não se pronunciou acerca do argumento - suscitado pela Impugnante - atinente à suposta inconstitucionalidade da interpretação que havia sido feita pela Impugnada a propósito do artigo 3° do Código do IUC.

B. Sucede que, na opinião da Impugnada, é notória a falta de razão que assiste à Impugnante no que respeita ao fundamento para impugnação da decisão arbitral em causa.

C. A primeira nota que a Impugnada não pode deixar de efectuar é a seguinte: sob nenhum prisma, no seu entendimento, se pode entender que a sentença arbitral incorreu em omissão de pronúncia.

D. Desde logo, porque a suposta questão de constitucionalidade suscitada pela Impugnante se reconduz meramente à interpretação do artigo 3° do Código do IUC, interpretação essa que foi efectuada em toda a plenitude pela sentença arbitral, sendo evidente o rigor e a minúcia da fundamentação utilizada para a sustentar!

E. Assim, a suposta questão de constitucionalidade que a Impugnante utiliza como fundamento nestes autos de impugnação não ficou por analisar, pelo simples facto de que estava perfeitamente compreendida no tema da interpretação a dar ao artigo 3° do Código do IUC, que a sentença arbitral tratou de forma exaustiva e pormenorizada!

F. Para além disso, uma leitura atenta da Resposta que foi apresentada pela Impugnante nos autos do referido processo arbitral rapidamente permite alcançar a conclusão de que aquela suposta questão de inconstitucionalidade mais não era do que uma tentativa (infrutífera) da AT de acrescentar argumentos à tese (ilegal) que era então por si defendida. Ou seja, contrariamente ao que defenda a Impugnante nesta sede, não se tratava de uma verdadeira questão, mas simplesmente de um argumento utilizado pela Impugnante para procurar convencer o Tribunal Arbitral!

G. Sendo certo que, como a jurisprudência repetidamente tem realçado, apenas as questões devem ser analisadas pelo tribunal, não expressamente todo e qualquer argumento utilizado para as sustentar.

H. Para além disso, note-se que a inconstitucionalidade invocada pela Impugnante dizia respeito a uma interpretação do artigo 3° do Código do IUC que a Impugnada (então Requerente) havia defendido na sua petição arbitral.

I. Ora a sentença arbitral não se socorreu dos argumentos utilizados pela Impugnada na sua petição arbitral, mas dos argumentos utilizados pelas (inúmeras) decisões Arbitrais que a precederam,

J. sendo certo que os nossos tribunais superiores já esclareceram que, quando a sentença segue o sentido que inúmeras outras já seguiram - i.e., quando segue um determinado sentido jurisprudencial já consolidado-, fica sumariamente clarificado o seu enquadramento constitucional (vide, p. ex., acórdão do STA de 21.10.2014, processo n°0919/14).

K. Seja como for, é notório que, ao decidir com base nestes argumentos, o Tribunal Arbitral não se limitou a subscrever a "interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3º do Código do IUC"; pelo contrário: o Tribunal Arbitral fez a sua própria interpretação daquele preceito, em relação à qual a Impugnante não suscitou qualquer preocupação de ordem constitucional (nem sequer, e tão-pouco, à cautela!).

L. Assim, o suposto argumento invocado pela Impugnante nestes autos não se verifica: a única alegada questão de inconstitucionalidade que foi suscitada pela Impugnante respeita a uma tese da Impugnada, que o Tribunal Arbitral em momento algum elegeu como fundamentação da sua decisão arbitral!

M. Acresce ainda que, como se referiu supra, e a Impugnante bem sabe, o sentido seguido pela sentença arbitral ora em crise encontra-se perfeitamente alinhado com o das múltiplas sentenças Arbitrais que, sob a égide do CAAD, já se haviam pronunciado sobre o artigo 3° do Código do IUC, as quais apreciaram, expressa e directamente, o enquadramento constitucional da questão em apreço, mormente no que respeita à actuação que deve ter a AT em face de casos como o que subjazia à sentença arbitral.

N. Ora, considerando que, em praticamente todas estas decisões, foi apreciado o argumento da suposta inconstitucionalidade da interpretação dada pela AT ao artigo 3°do Código do IUC, não poderá a Impugnante, razoavelmente, considerar que ficou prejudicada por uma qualquer (e, salvo o devido respeito, imaginária) omissão de pronúncia quanto a essa mesma questão.

O. Veja-se ainda que a tese que a Impugnante apresenta para justificar a presente impugnação - o de que a (alegada) omissão de pronúncia a prejudica muitíssimo, já que a impede de recorrer para o Tribunal Constitucional - é, também ela, um expediente artificioso que apenas tem por propósito induzir em erro um leitor incauto.

P. Até à data, a Impugnante viu-se vencida em trinta e seis processos Arbitrais movidos (apenas e só) pela Impugnada, relativamente à incidência subjectiva do imposto único de circulação. De quantas destas decisões é que a Impugnante recorreu para Tribunal Constitucional? Nenhuma.

Q. De onde se conclui que o que verdadeiramente incomoda a AT não é não saber se o artigo 3° é ou não inconstitucional - já sabe que não o é, uma vez que tal já lhe foi comunicado perto de quarenta vezes (e isto contando apenas com os processos movidos pela Impugnada, i.e, deixando de parte os processos movidos por outros sujeitos passivos quanto à mesma matéria) - ou ficar precludida de suscitar essa questão junto do Tribunal Constitucional, em sede de recurso - pois que nunca o fez, mesmo nas mais de trinta vezes em que teve essa oportunidade.

R. Tudo sopesado, o que se destaca é o intuito meramente dilatório e artificial - com o devido respeito - do mecanismo engendrado pela Impugnante para procurar pôr em causa a decisão arbitral, o qual não deve ser admitido, sob pena de violação dos mais basilares princípios que enformam o nosso sistema jurisdicional!

S. Aliás, tanto o presente recurso consiste num expediente dilatório, que não é a primeira vez a que a Impugnante a ele recorre: na verdade, foi interposto recurso em termos idênticos, e com os mesmos argumentos, da sentença arbitral proferida nos autos do processo 50/2014-T, a que correspondeu o recurso neste TCA sob o n°08090/14, tendo este douto Tribunal concluído que não só não existia qualquer omissão de pronúncia, como o que se afigurava "incontornável é que a pretensão que vem dirigida pela Impugnante a este Tribunal Central de ver (re)apreciado, em sede da por si apelidada impugnação da decisão arbitral, consubstancia sim um recurso sobre o mérito da mesma".

T. Razão pela qual solicita a ora Impugnada que não seja reconhecida razão à Impugnante, e improceda o seu pedido de anulação da decisão arbitral ora em causa, com todas as consequências legais.

U. Ainda que, por qualquer motivo, não se entendesse nestes termos - i.e., pela absoluta inexistência de um vício de omissão de pronúncia na sentença arbitral -, e o Venerando Tribunal Central Administrativo optasse por conhecer da questão (alegadamente) não conhecida pelo Tribunal Arbitral, ao abrigo do n°3 do artigo 149° do CPTA, ex vi n°2 do artigo 27° do RJAT, sempre se deveria concluir pela inexistência da inconstitucionalidade supostamente arguida pela Impugnante.

V. Para a Impugnada, admitir-se a ilisão do sobredito artigo 3° - na parte em que considera sujeito passivo do IUC o proprietário do automóvel, tal como é identificado no registo automóvel - é contrário aos princípios da confiança e segurança jurídicas, da eficiência do sistema tributário, e ainda da capacidade contributiva.

W. Na verdade, e pelo contrário, conforme têm destacado as inúmeras sentenças Arbitrais proferidas sobre esta matéria, a interpretação que a Impugnante faz do artigo 3° - no sentido de que deve sempre ser tributada a título de IUC a entidade que conste do registo automóvel, independentemente de se tratar ou não da proprietária da viatura - é que é, essa sim, violadora da Constituição da República Portuguesa!

X. De um ponto de vista rudimentar, até se pode compreender que seria mais fácil para a Impugnante liquidar o imposto à pessoa (singular ou colectiva) em nome de quem o veículo está registado independentemente de a mesma ser ou não a proprietária.

Y. Mas às custas de quê? De princípios invioláveis como sejam o da capacidade contributiva, o da justiça, o da igualdade?

Z. A tese que defende a Impugnante, em nome da eficiência do sistema tributário, elimina por completo a exigência constitucional de que haja um mínimo de coerência lógica entre a prestação tributária (o IUC) e o pressuposto económico que desencadeia o imposto (a utilização do veículo ou, no mínimo, a propriedade). E, por isso mesmo, não poderá ser admitida, sob pena de - aí sim – resultarem violados os mais basilares princípios constitucionais que enformam o sistema tributário.

AA. A única interpretação admissível, à luz da Constituição, do artigo 3° do CIUC, e coerente com os seus elementos literal, sistemático e teleológico, é a de que se trata de uma presunção.

BB. Trata-se, com efeito, de uma regra presuntiva criada pelo legislador tributário que não tem como escopo, nem como potencial efeito, afastar a tributação em IUC da realidade económica: o legislador não pretendeu que fosse responsável pelo IUC o indivíduo em nome de quem está registado determinado veículo automóvel, sem mais, mas o seu real e efectivo proprietário Por razões de eficiência e de experiência prática, presume que seja proprietário aquele que como tal consta do registo - o que, de resto, se verifica na larga maioria das situações.

CC. Mesmo com preocupações de eficiência tributária, sobretudo no plano de gestão e administração do imposto, o legislador não perdeu de vista o ponto fulcral do artigo 3°: a determinação da incidência tributária, que, por imperativos de ordem constitucional, não pode deixar de estar irremediavelmente ligada ao princípio da capacidade contributiva.

DD. Assim, e porque se trata de uma presunção, relativa à incidência tributária do imposto (no caso, subjectiva), ela terá de ser necessariamente ilidível, conforme expressamente dispõe o artigo 73° da LGT, o qual determina que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

EE. A este propósito - e ainda que não especificamente sobre a presunção de incidência que ora nos atém, mas sobre o enquadramento em geral das presunções em matéria de incidência fiscal-, cite-se o Acórdão n°348/97 ou, ainda, o Acórdão 211/03, ambos do Tribunal Constitucional:

FF. Por fim, também os (poucos) tribunais judiciais que se tem prendido com esta questão de IUC têm concluído neste sentido: citamos, por exemplo, uma sentença proferida pelo TAF de Coimbra nos autos do proc. 84/13.1, onde se conclui que a interpretação que é feita pela AT do art 3°, n°l, do CIUC, "de que é sempre o titular registado que tem a obrigação de pagar o imposto e dela não se pode eximir, coloca a norma em flagrante violação da constituição, através dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da capacidade contributiva".

GG. Em suma: a interpretação que foi feita pela sentença impugnada a propósito do artigo 3°, n°l, do Código do IUC não padece de qualquer inconstitucionalidade; pelo contrário, afigura-se inconstitucional a sua interpretação que é defendida pela Impugnante, por lesar os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva.

HH. A Impugnante assacou ainda à sentença arbitral o vício de omissão de pronúncia por a mesma não se ter pronunciado acerca do pedido, formulado pela Impugnante, de que a Impugnada fosse condenada como litigante de má-fé.

II. Ora, dão-se aqui por reproduzidos os argumentos supra expostos a propósito da inexistência de uma qualquer omissão de pronúncia. Não se pode entender omitida a pronúncia acerca de uma questão de todo irrelevante, lateral e imaterial para a boa decisão da causa, e menos ainda se pode considerar nula a decisão arbitral impugnada, por esse fundamento.

JJ. A que acresce o seguinte: a suposta litigância de má-fé em que incorreu a Impugnada prende-se, no entendimento da Impugnante, com a sua ilegitimidade processual parcial - a que atendeu devidamente, e que foi decidida cabal e fundadamente pelo Tribunal Arbitral. E pretendia a Impugnante que tivesse impacto em matéria de repartição das custas Arbitrais: repartição essa que também foi decidida pela sentença arbitral, com argumentos completos e esclarecedores.

KK. E assim evidente que não existiu qualquer omissão de pronúncia: a suposta litigância de má-fé era um mero argumento suscitado no âmbito daquelas duas matérias processuais, que foram - ambas - tratadas pela sentença arbitral.

LL. A Impugnante entende que a Impugnada litigou de má-fé por, essencialmente, ter "mentido" quanto à sua legitimidade (processual) para contestar a liquidação de IUC emitida em nome da IT C......, sociedade que a Impugnada detinha a 100% e que foi liquidada em finais de 2008, arrimando esta conclusão no facto de a acta de dissolução e liquidação da IT C..... que foi junta pela Impugnada ao pedido de pronúncia arbitral aludir - por lapso, como se explicou e demonstrou em sede arbitral - à inexistência de activo ou passivo.

MM. No entendimento da Impugnante, "quem nada tem, nada pode transmitir a outrem”, pelo que, supostamente, a Impugnada carecia de legitimidade para contestar a sobredita liquidação, emitida em nome da IT C.......

NN. Pois bem: o que estava em causa em sede arbitral era - recorde-se - discutir a legalidade de liquidações de IUC, imposto que, conforme determina o artigo 3° do Código do IUC, e da responsabilidade dos proprietários dos veículos em causa.

OO. Ora, como é que se pode perceber que a mesma AT que se peleia pela ilegitimidade processual da Impugnada, com o argumento de que a IT C..... nada tinha, logo nada podia ter transmitido à Impugnada, persista na consideração das liquidações contestadas como legais, solicitando recorrentemente ao Tribunal Arbitral que considere improcedente a pretensão da Impugnada (então Requerente)?

PP. Ou a AT reconhece que a IT C.... no momento da sua liquidação, tinha ainda no seu património determinados veículos automóveis, associados a contratos de locação financeira - que, por força das meras regras de direito societário, passaram para a aqui Impugnada, daí resultando a legitimidade processual desta última, ou considera que a IT C.... não tinha quaisquer activos quando se deu a sua liquidação (em 2008), caso em que a liquidação adicional de IUC que se contestou, relativa ao ano de 2014, teria de se considerar ilegal, por dirigida a uma sociedade que manifestamente não era proprietária do veículo automóvel correspondente.

QQ. Continua a Impugnante o seu relambório com o argumento de que, "confrontada”com a excepção de ilegitimidade suscitada em sede arbitral, a Impugnada deixou de parte a sua "construção inicial”, que "corria o sério risco de cair por terra", e veio posteriormente "operar uma mudança radicar, confessando uma "súbita nova verdade"; tudo isto porque apenas nesta fase, de acordo com a Impugnante, revelou a trágica e cruel verdade: "a Impugnada admitia agora, em sede de Alegações finais, que «existia, na verdade, activo na esfera da IT C...»".

RR. Portanto, para a Impugnante, a Impugnada começou por alegar, no seu pedido de pronúncia arbitral, que a IT C..... não tinha qualquer activo - esta era, para a AT, a "posição inicial” da Impugnada -, só mais tarde confessando que “afinal, existia activo na esfera jurídica da IT C...... e que este transitou para a sua órbita patrimonial”.

SS. Ora, se a posição inicial da Impugnada fosse aquela que a AT descreve, por que motivo teria a Impugnada apresentado, sequer e de todo, um pedido de pronúncia arbitral incluindo liquidações emitidas em nome da IT C...?

TT. O pressuposto do processo arbitral cuja sentença se impugnou, no que se refere à mencionada liquidação, é justamente o de que ela concerne à Impugnada, atendendo ao facto de a Impugnada ter sucedido à IT C...... na posição contratual de locadora, no âmbito dos contratos de locação financeira relativos aos automóveis a que se reporta tal liquidação.

UU. É verdade que, para demonstrar a dissolução e liquidação da IT C....., a Impugnada juntou uma acta que - por lapso, como já se explicou - aludia à inexistência de activos; é igualmente verdade que, na mesmíssima ocasião (a saber: apresentação do pedido de pronúncia arbitral), a Impugnada confessou ter recebido contratos de locação financeira, provenientes da sociedade liquidada, desse modo contrariando o lapso da referida acta (a qual, como também já se explicou em sede arbitral, não tem força probatória plena).

VV. Nem sequer se percebe, com franqueza, por que diz a Impugnante que esta confissão não constava já do pedido de pronúncia arbitral: ela era e foi, bem vistas as coisas, o próprio pressuposto de apresentação do pedido de pronúncia arbitral!

WW. Mais ainda: veja-se ainda que a mesma Impugnante que, nestes autos, deturpa a história, omite factos (ao ponto de se "esquecer" de factos que claramente constavam do pedido de pronúncia arbitral), e apresenta acusações, tudo para insistir na suposta falta de legitimidade da Impugnada quanto a veículos que tinham sido dados em locação pela IT C.... notifica a IMPUGNADA para proceder ao pagamento de IUCs e taxas de portagens relativos a veículos que pertenciam e haviam sido dados em locação pela IT C....., "NA QUALIDADE DE DEPOSITÁRIA DA IT C....”' (!), executando dívidas relativas àqueles mesmos veículos na esfera da IMPUGNADA.

XX. De onde resulta que a Impugnante tem pleno conhecimento de que a excepção processual de ilegitimidade que suscitou não era procedente e não tinha qualquer fundamento, legal ou factual.

YY. Este facto, somado aos muitos outros que se enunciaram detalhadamente supra, conduzem à conclusão de que, na verdade, é a Impugnante e os seus mandatários que agem de notória má-fé.

ZZ. Assim, movida pelos mais basilares e elementares princípios de justiça e verdade, é a condenação da IMPUGNANTE como litigante de MÁ-FÉ que a Impugnada requer agora nestes autos, para todos os efeitos legais.

AAA. Com efeito, a Impugnante e seus mandatários:

a) Deduziram pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam - o que sucedeu logo quanto às liquidações de IUC contestadas, como revelam as notas manuscritas reveladas pelo processo administrativo, e também quanto à excepção de ilegitimidade suscitada - ou não deviam ignorar - já que conheciam a existência de contratos de locação, pelo que sabiam que os IUCs liquidados na esfera da Impugnada não eram da sua responsabilidade, e, ao mesmo tempo que a consideravam "parte ilegítima'', cobravam à Impugnada dívidas da IT C....;

b) Omitiram factos relevantes para a decisão da causa, como se explicou;

c) Praticaram inúmeras omissões graves do dever de cooperação - indo tão longe quanto acusando a Impugnada de mentir, quando manifestamente foi a Impugnante que deturpou os factos;

d) Sobretudo, fizeram do processo e seus meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal - a manutenção na ordem jurídica de liquidações de IUC ilegais -, impedir a descoberta da verdade e, com o presente recurso, "entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão." (artigo 542° do Código de Processo Civil).

TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXA. QUE SE DIGNE CONSIDERAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL, COM TODOS OS EFEITOS LEGAIS.

MAIS SE REQUER QUE V. EXA. SE DIGNE CONDENAR A IMPUGNADA E SEUS MANDATÁRIOS COMO LITIGANTES DE MÁ-FÉ, COM TODOS OS EFEITOS LEGAIS.


*
O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146º, nº1 do CPTA (cfr. fls. 157).

*


Atento o pedido de condenação da Impugnante em litigante de má-fé, foi a mesma notificada para sobre ele se pronunciar, observando-se, assim, o princípio do contraditório. Para a Impugnante, não restam dúvidas que tal pedido se revela manifestamente infundado e, como tal, deve improceder.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre a apreciar.
*

2 - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«46.1 A Requerente é uma instituição de crédito que no exercício da sua actividade, celebra contratos de locação financeira destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis;

46.2 O presente pedido de pronúncia arbitral é deduzido por referência ali (onze) actos de liquidação adicional de IUC respeitantes aos anos de 2013 e 2014, referentes a 9 (nove) veículos (Anexo A e Docs. l a 9);

46.3 O acto de liquidação n°2014 ....... foi dirigido à sociedade IT C.....;

46.4 A Sociedade IT C.... encontra-se dissolvida e liquidada (Anexo B e Certidão do Registo Comercial da IT C.....);

46.5 O veículo automóvel com a matrícula 83-38-.... foi objecto de locação financeira celebrado pela IT C.... (Doc. 18 e Certidão do Registo Comercial da IT C.....);

46.6 A posição de entidade locadora do veículo automóvel com a matrícula 83-38-... foi assumida pela Requerente na qualidade de accionista única da IT C..... (Anexo B e Certidão do Registo Comercial e depoimento da testemunha arrolada);

46.7 Os veículos automóveis objecto do presente processo arbitral foram dados em locação financeira (Docs. 10 a 18);

46.8 No termo dos Contratos de Locação Financeira todos os veículos com excepção do veículo com a matrícula 83-38-... foram vendidos aos locatários ou a terceiros (Docs. 19 a 26);

46.9 A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC a que respeitam os actos de liquidação oficiosa identificados no Anexo A nos casos de l a 9 (Docs. l a 8);

46.10 Na sequência das notificações, procedeu ao pagamento de todos os actos de liquidação em apreço no presente processo (Docs. l a 9);

46.11 Todos os veículos com excepção do veículo com a matrícula 83-38-..., foram vendidos em data anterior à da exigibilidade do imposto (Docs. 19a 26);

46.12 Os veículos constantes dos IUC's em questão ainda se encontravam inscritos na Conservatória do Registo Automóvel em nome da Requerente no momento da respectiva liquidação do IUC ( cfr. Processo Administrativo).

Motivação

«47. Entende o Tribunal Arbitral que as facturas emitidas de acordo com a legislação comercial e fiscal, constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do artigo 3° do CIUC.

48. Assim sendo, o Tribunal Arbitral entende que apenas as facturas juntas à P.I. sob a forma de Documentos 19 a 26, foram emitidas com todos os requisitos exigidos pelo artigo 36° do CIVA e por isso constituem meio de prova com força bastante para ilidir a presunção do artigo 3° do CIUC».


Factos não Provados

«49. Consideram-se não provados os seguintes factos com relevância para a decisão arbitral a proferir:

49.1 A factura junta à P.I. sob a forma de documento 27 não constitui meio de prova para ilidir a referida presunção por não se verificarem todos os referidos requisitos legalmente exigidos no artigo 36° do CIVA, nomeadamente o nome, firma ou denominação social e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e o correspondente números de identificação fiscal;

49.2 Assim sendo, apesar do Tribunal Arbitral entender que a Requerente tem legitimidade para contestar o acto de liquidação de IUC correspondente à sociedade IT C..., relativo à viatura com a matrícula 83-38-...., não pode considerar como provada a venda do referido veículo com base na respectiva factura junta aos autos (Doc.27).

49.3 Apesar da prova testemunhal ter declarado que a referida factura, ao tratar-se de uma segunda via, não tem o logotipo da Requerente porque a primeira via foi emitida pela IT C...., impunha-se a junção aos autos de cópia dita primeira via da factura de forma a cumprir com todos os requisitos exigidos pelo referido artigo 36° do CIVA.

49.4 Não pode ainda o Tribunal aceitar o Contrato de Aluguer de Veículo Automóvel Sem Condutor, junto à P.I. sob a forma de documento 18, uma vez que o mesmo teve o seu termo em 14.03.2004, não se encontrando assim em vigor na data da exigibilidade do correspondente IUC que aqui se discute (Doc. 9).

49.5 Nestes termos não se considera provada a venda da viatura com a matrícula 83-38-.....».

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2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto da presente impugnação de decisão arbitral, atento o exposto nas conclusões das alegações e nas conclusões das contra-alegações apresentadas, consistem no seguinte:

A) - saber se a decisão arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a invocada (i) inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do Código do IUC e, bem assim, sobre o (ii) pedido de condenação em litigante de má-fé da Requerente, B……..;

B) - saber se a Impugnante, nos presentes autos de Impugnação de Decisão Arbitral, litiga com má-fé, devendo, por isso, ser condenada.

Vejamos, então.

Como se deixou dito no acórdão desta secção proferido em 18/04/18, no processo nº nº121/17.0BCLSB, “O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:

1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2-Oposição dos fundamentos com a decisão;

3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)”.

Feito este enquadramento, avancemos.

Nos termos do preceituado no artigo 615.º, nº.1, alínea d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma).

No mesmo sentido, dispõe o artigo 125º, nº1, do CPPT, nos termos do qual constituem causas de nulidade da sentença, entre outras, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608º, nº.2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no dever de o juiz resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).

Como se sabe, a nulidade por omissão de pronúncia só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”.

O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

Como é pacificamente aceite, só a falta de apreciação das questões integra a nulidade prevista nos apontados normativos, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).

Ora, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.

Vejamos o caso concreto, lembrando que, como dissemos, a ATA defende que o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre a invocada inconstitucionalidade da interpretação feita pela Impugnada relativamente ao artigo 3° do Código do IUC.

A este propósito, deve lembrar-se que esta questão, colocada nos mesmos termos em que aqui se apresenta, tem sido já apreciada por este Tribunal Superior. Também a ora Relatora, por várias vezes, sobre a mesma questão, e com idênticos contornos, já tomou posição, como é patente, entre outros, no acórdão nº 07997/14, de 07/05/15, o qual, por sua vez, já remetia para outro aresto proferido neste TCA. É a fundamentação aí adoptada que seguidamente se recuperará, a qual, sem prejuízo de adaptações pontuais, é aqui inteiramente aplicável.

Lê-se em tal acórdão, no que para aqui importa, o seguinte:

“(…)

Isto é, só a omissão de pronúncia sobre uma questão é sancionada com a nulidade, pois a argumentação jurídica utilizada para a decidir, quer seja da iniciativa das partes quer seja do tribunal, apenas pode gerar erro de julgamento de direito.

Ora, como decorre da mera leitura da decisão arbitral, é notório que o Tribunal Arbitral não incorreu na nulidade que lhe vem assacada por omissão de pronúncia.

Em primeiro lugar, como alegado pela ora Impugnada, a dita questão de inconstitucionalidade suscitada pela ora Impugnante reconduz-se afinal à interpretação a dar ao artigo 3.º do Código do IUC, interpretação essa que foi efectuada pela sentença arbitral, elegendo-se essa matéria precisamente como a questão fulcral a decidir (v. infra).

Ou seja (…), como resulta então da própria alegação da ora Impugnante, a questão a tratar prende-se sim (e apenas) com a natureza do art. 3.º do Código de IUC, a par do âmbito e dos limites à sua interpretação. Questão essa que foi identificada na (…) decisão (…), e que foi tratada – (…) – e decidida na decisão aqui impugnada, que não deixou de lhe dar resposta.

Apresenta-se, pois, como manifesto que o Tribunal Arbitral emitiu pronúncia sobre a questão jurídica identificada, a qual se consubstancia na indagação de o artigo 3.º, n.º 1, do CUIC consagrar, ou não, uma presunção ilidível. E para a discussão dessa questão – essa sim era a questão jurídica decidenda –, certamente contribuem argumentos diversos – aliás avançados nas teses em confronto, nas respectivas peças processuais –, mais ou menos valoráveis pelo tribunal, dentro dos quais se inclui a alegação por recurso a razões de natureza constitucional.

Em terceiro lugar, last but not least, não podemos deixar de precisar que a “questão” configurada pela ora Impugnante havia sido colocada nos seguintes moldes (…):

“A acrescer a tudo quanto acima foi exposto, cabe ainda referir que a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, na medida em que viola o princípio da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade. // Efectivamente, a interpretação proposta pela Requerente, uma interpretação que no fundo desvaloriza a realidade registal em detrimento de uma “realidade informal” e insuscetível de um controlo mínimo por parte da Requerida, é ofensiva do basilar princípio da confiança e segurança jurídica que deve enformar qualquer relação jurídica, aqui se incluindo a relação tributária. // Neste sentido, atente-se à exposição de motivos referente à Proposta de Lei n.º 118/X, (…)”.

Como é notório a “questão” agora evidenciada prende-se efectivamente com a “realidade registal” e sua valia, chamando-se neste ponto à colação e como suporte da alegação a exposição de motivos referente à proposta de Lei n.º 118/X.

Ora, para além de, como já demonstrado, essa matéria ter sido tratada na decisão arbitral impugnada, (…), certo é que, o mais importante para o caso, nela não se deixa de fazer menção à proposta de Lei n.º 118/X, adoptando, também, neste capítulo o entendimento vertido na decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 73/2013-T, transcrevendo-a na sua parte entendida por relevante (cfr. pp. 11-12 da sentença).

É, portanto, a todos os títulos notória a falta de fundamento da arguida nulidade.

Na verdade, tudo visto, o que se afigura incontornável é que a pretensão que vem dirigida pela Impugnante a este Tribunal Central de ver (re)apreciado, em sede da por si apelidada impugnação da decisão arbitral, consubstancia sim um recurso sobre o mérito da mesma. Sucede que o julgamento da matéria de facto e sua valoração, bem como a interpretação e aplicação do direito que foi feita nessa decisão arbitral, como se explicitou supra, escapa aos poderes cassatórios legalmente atribuídos a este Tribunal.

Atento o que se vem de referir, tem, portanto, a impugnação da decisão arbitral ora sindicada necessariamente que improceder.».

É esta, também, a decisão que nos presentes autos entendemos como acertada, no essencial pelos mesmos fundamentos,(…)

Por último, e quanto ao argumento invocado pela Recorrente nesta Impugnação relativamente a uma alegada “autonomização formal da questão da inconstitucionalidade” sempre se dirá que não é o facto de a Administração Tributária ter dedicado um capítulo da sua resposta exclusivamente a rebater a interpretação defendida pela Impugnada (mais precisamente nos artigos 61.º a 70.º, sob o título de “B. DA INTERPRETAÇÃO DESCONFORME À CONSTITUIÇÃO”) e a qualificar como inconstitucional essa interpretação que transforma o que é, efectivamente, um argumento de reforço em abono da sua tese de validade dos actos em questão decidenda. E, por outro lado, que mesmo que assim não fosse, o facto de aquela “questão” surgir de forma autonomizada na sua peça processual, em nada prejudica o que vimos expondo, isto é, que a “questão” efectivamente colocada nos autos foi objecto de apreciação e decisão.

Improcede, assim, por todo o por nós exposto, incluindo o que se mostra acolhido e transcrito, a presente impugnação” – fim de citação.

Também, aqui, na decisão impugnada que nos ocupa, foi apreciada e decidida a questão cujo conhecimento se impunha, i.e a indagação sobre o artigo 3.º, n.º 1, do CIUC consagrar, ou não, uma presunção ilidível. E para a discussão dessa questão – repete-se, a que verdadeiramente importava decidir – concorreram diversos argumentos, como o Tribunal não deixou de elencar.

Com efeito, concluiu-se na extensa decisão arbitral que “Tendo em conta os vários elementos de interpretação expostos, todos apontam no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo assim entender-se que o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73.º da LGT deverá ser considerada como uma presunção ilídivel, não podendo aceitar-se como pretende a Autoridade Tributária, de que os sujeitos passivos do IUC sejam somente aqueles que constam no registo automóvel como proprietários dos veículos”.

Também aqui, na decisão impugnada que nos ocupa, o Tribunal não deixou de se referir à proposta de Lei n.º 118/X (cfr. pontos 68 a 70 da decisão), aí se evidenciando um princípio estruturante do IUC que deverá ser tido em conta na interpretação do artigo 3.º do IUC relativo à incidência subjectiva, na medida em que pretende tributar o sujeito passivo proprietário do veículo no pressuposto de ser esse o real e efetivo sujeito causador dos danos viários e ambientais.

Também aqui, e contrariamente ao que pretende a Impugnante, se deve dizer que nunca seria o facto de a Administração Tributária ter dedicado um capítulo da sua resposta exclusivamente a rebater a interpretação defendida pela Impugnada e a qualificar como inconstitucional essa interpretação (cfr. artigos 147º a 155º do articulados de resposta) que transformaria o que é, efectivamente, um argumento de reforço em abono da sua tese de validade dos actos em questão decidenda, como bem afirmou o acórdão transcrito.

Com isto dito, com recurso e adesão à fundamentação que se transcreveu supra, impõe-se concluir pela improcedência das conclusões da alegação da impugnação que vimos de analisar, respeitantes à omissão de pronúncia identificada em A), (i) supra.


*

Passemos à segunda nulidade por omissão de pronúncia que vem suscitada – A), (ii)

Defende a Impugnante que, em sede de alegações finais apresentadas no processo arbitral, suscitou a litigância de má-fé da Requerente, ora Impugnada, a qual, do seu ponto de vista, articulara factos contrários à verdade por si conhecida.

Diz a Impugnante que, como resulta da decisão arbitral, não apenas tal questão não consta do elenco das questões a decidir pelo Tribunal, como, de facto, o Tribunal não dedicou “uma palavra” àquela questão, sendo certo que o conhecimento da mesma não foi considerado prejudicado.

A Impugnada, por seu turno, sustenta que a Impugnante não tem razão, evidenciando que “não se pode entender omitida a pronúncia acerca de uma questão de todo irrelevante, lateral e imaterial para a boa decisão da causa”.

Vejamos.

Tal como resulta do teor das alegações apresentadas pela ATA (cfr. certidão do processo arbitral, junta aos autos), aí se lê, além do mais, o seguinte:

“(…) 90. Se, como supra se logrou demonstrar, as liquidações de IUC postas em crise por via do pedido de pronúncia arbitral não merecem qualquer censura, o mesmo já não se dirá relativamente ao comportamento da Requerente.

91. Com efeito, estabelece o artigo 104.º da LGT que “o sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral”, ou seja, nos termos prescritos nos artigos 542.º e ss. do CPC (ex vi do artigo 2.º-d] da LGT).

92. Dispõe o artigo 542.º/2-b) do CPC que «diz-se litigante de má fé que, com dolo ou negligência grave (…) tiver alterado a verdade dos factos (…)».

93. Tal como refere ALBERTO DOS REIS, Não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes no n.º 2 do artigo 264.º, a litigância de má fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao tribunal, ou, melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros.

94. Pois bem, à luz do agora alegado pela Requerente dúvidas não podem existir quanto à sua litigância de má fé no âmbito do presente processo.

95. Com efeito, no âmbito do seu pedido de pronúncia arbitral a Requerente alegou e juntou a ata corporizada no Anexo B junto à p.i., pugnando que a IT C….. não possuía qualquer ativo.

96. Por via da sua Resposta, a Requerida veio suscitar a ilegitimidade processual da Requerente e a incoerência entre o alegado por esta última e aquilo que consta da ata/Anexo B junto à p.i., qual seja a de que através de tal ata ficava demonstrado que, se a IT C….. não possuía qualquer ativo, então dificilmente a Requerente poderia incorporar o que quer que fosse, nomeadamente o contrato de locação financeira referente ao veículo automóvel com a matrícula 83-38-…..

97. Em face da Resposta da Requerida e do contraditório que se lhe seguiu, veio agora a Requerente, nas suas alegações finais: a) Não só “descartar” a própria prova documental por si carreada a partir do momento em que percebeu que a mesma produz o efeito contrário ao pretendido; b) Como ainda confessar que, afinal, existia ativo na esfera jurídica da IT C…. e que este transitou para a sua órbita patrimonial.

98. Do confronto entre a posição inicial da Requerente e a sua atual posição plasmada na confissão realizada nas alegações finais, resulta claramente que a Requerente reconhece ter faltado à verdade dos factos, moldando assim as suas afirmações à conveniência (de última hora) dos seus interesses pessoais, tudo com vista à frustração dos interesses da Requerida e, em última instância, do Estado Português.

99. A Requerente agiu assim com conhecimento e consciência do seu ato, pois sabia da inverdade dos factos que inicialmente havia alegado na sua p.i.

100. E, como tal, a Requerente deve arcar com as consequências das suas palavras: «Somente a lide dolosa pressupõe a má fé e não também a lide errada, ainda que ousada, se promovida por quem está honestamente convencido da razão e da verdade. II – Daí que a parte que conscientemente articula factos contrários à verdade por si sabida fique sujeita à responsabilidade cominada no artigo 456.º do CPC (…).»

101. A Requerente agiu, pois, em abuso do direito de ação e, como tal, deve assumir as respetivas consequências processuais dos seus atos, designadamente na condenação da mesma ao pagamento das custas arbitrais. (…)

Nestes termos, nos demais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deve (…) a Requerente condenada como litigante de má fé e, consequentemente, ser responsável pelo pagamento das custas arbitrais, fazendo-se assim JUSTIÇA”.

Com base no alegado nos artigos supra transcritos, dúvidas não restam que a ATA pediu a condenação da Requerente, Banco Santander, como litigante de má-fé, no âmbito do processo arbitral.

Ora, lida a decisão impugnada, é indiscutível que a mesma não se pronunciou sobre a questão em apreço, sendo claro que o conhecimento de tal questão não se mostrava prejudicado.

De resto, a circunstância de a decisão arbitral ter acolhido maioritariamente as pretensões da Requerente, aqui Impugnada, não é impeditiva de, em abstracto, se poder configurar uma situação de litigância de má-fé, a qual, como se sabe, respeita genericamente a uma actuação processual censurável, entorpecedora da boa Administração da Justiça.

Recuperando o quadro legal já antes citado a propósito das nulidades da sentença, em concreto da resultante da omissão de pronúncia, dúvidas não restam que o Tribunal Arbitral omitiu pronúncia sobre uma questão que lhe havia sido colocada e cujo conhecimento – repete-se - não ficou prejudicado pela solução dada a outras questões.

Assim sendo, e nesta parte – leia-se, unicamente quanto à questão da condenação em litigância de má-fé – verifica-se uma nulidade da decisão arbitral (nulidade parcial) que a afecta na parte correspondente.

Atento o que vem de se dizer, deverão, portanto, as conclusões ora em análise proceder, o que determina que a presente impugnação da decisão arbitral ora sindicada logre parcial provimento.

Aqui chegados, e constatada tal nulidade, deve recordar-se que o TCA Sul não tem poderes para o conhecimento do mérito da decisão arbitral. Assim, sendo procedente a impugnação de uma decisão arbitral, o TCA Sul deve apenas declarar a nulidade da sentença (no caso, a nulidade parcial) e ordenar a devolução do processo ao CAAD para que o Tribunal Arbitral a reforme em consonância com o julgado rescisório deste Tribunal.


*

Resta-nos uma última questão a tratar – B)

Como dissemos, a Impugnada, em sede de contra-alegações, pediu a condenação da ATA, aqui Impugnante, em litigante de má-fé.

Para sustentar tal pedido, defende o B………. que “é a Impugnante e os seus mandatários que agem de notória má-fé, pois : Deduziram pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam - o que sucedeu logo quanto às liquidações de IUC contestadas, como revelam as notas manuscritas reveladas pelo processo administrativo, e também quanto à excepção de ilegitimidade suscitada - ou não deviam ignorar - já que conheciam a existência de contratos de locação, pelo que sabiam que os IUCs liquidados na esfera da Impugnada não eram da sua responsabilidade, e, ao mesmo tempo que a consideravam "parte ilegítima'', cobravam à Impugnada dívidas da IT C......”; “Omitiram factos relevantes para a decisão da causa, como se explicou”;“Praticaram inúmeras omissões graves do dever de cooperação - indo tão longe quanto acusando a Impugnada de mentir, quando manifestamente foi a Impugnante que deturpou os factos” e, “Sobretudo, fizeram do processo e seus meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal - a manutenção na ordem jurídica de liquidações de IUC ilegais -, impedir a descoberta da verdade e, com o presente recurso, "entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão." (artigo 542° do Código de Processo Civil)”.

Como é bom de ver, a pretensão da Impugnada está, nos termos em que vem colocada, incontornavelmente votada ao insucesso.

É que, independentemente da questão de saber sobre o fundamento legal aplicável com vista à condenação da ATA em litigância de má-fé (se o artigo 542º do CPC ou se o artigo 104º da LGT), a verdade é que a Impugnada jamais avança, com respeito aos presentes autos de Impugnação de Decisão Arbitral, com um circunstancialismo que indicie uma qualquer actuação processual reprovável por parte da ATA.

Expliquemos o que afimámos.

Se bem interpretamos o teor das contra-alegações, tudo o que aí vem alegado, no que respeita à litigância de má-fé, reporta-se à actuação da ATA no âmbito do processo arbitral que correu termos junto do CAAD, sob o nº 643/2014-T, processo este que não se confunde com os presentes autos de Impugnação de Decisão Arbitral.

Afigura-se-nos claro que não cabe ao TCA Sul, em sede de Impugnação de Decisão Arbitral, apreciar o mérito do pedido de condenação da ATA em litigância de má-fé, tendo por referência a actuação da mesma num processo arbitral.

Com efeito, se a Requerente, B........, entendia que a ATA se apresentava a litigar em termos reprováveis, condenáveis ou não admissíveis, nada a impedia de suscitar tal questão junto do Tribunal Arbitral.

Coisa diversa seria, como já se disse, se a condenação em litigante de má-fé da ATA, da aqui Impugnante, viesse formulada por referência à actuação desta nestes autos de Impugnação Arbitral, o que definitivamente não ocorre.

Nesta conformidade, e sem necessidade de mais nos alongarmos, conclui-se pela improcedência da questão suscitada pela Impugnada, em sede de contra-alegações.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul em:

- julgar parcialmente procedente o presente pedido de impugnação da decisão arbitral, determinando-se, em consequência, a anulação parcial da decisão impugnada e, nos termos expostos, ordenar a baixa dos autos ao CAAD;

- sem custas;

- julgar improcedente o pedido de condenação em litigância de má-fé, deduzido pela Impugnada, B………;

- condenar a Impugnada em custas pelo incidente (2UC).

Registe e notifique.

Lisboa, 22/05/19


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Jorge Cortez)