Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:580/19.7BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:08/24/2020
Relator:LINA COSTA
Descritores:REFORMA;
NULIDADE
Sumário:O conhecimento de uma nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que a mesma tenha sido suscitada em termos processualmente adequados no recurso interposto (cfr. os artigos 615º e 639º, nº 2, do CPC ex vi artigo 1º do CPTA).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A….. (Requerente) instaurou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (TAF de Almada) processo cautelar, contra a Agência Portuguesa do Ambiente e M….., na qualidade de contra-interessada, peticionando a suspensão de eficácia do acto que indeferiu o seu pedido de transmissão da licença de ocupação de Domínio Público Marítimo nº ….. do estabelecimento de restaurante “…..”, na Praia ….., em …...

Por sentença, de 19.3.2020, o TAF de Almada julgou improcedente a providência cautelar requerida e absolveu a Entidade requerida do pedido.

Inconformado o Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa sentença.

Por acórdão deste Tribunal, de 28.4.2020, foi negado provimento ao recurso, por não provados os respectivos fundamentos, e mantida a sentença recorrida na ordem jurídica.

Notificado, veio o Recorrente arguir a nulidade desse acórdão por omissão de pronúncia.

Por acórdão deste Tribunal, de 2.7.2020, foi indeferida a arguição de nulidade.

Notificado, veio o Recorrente requerer a reforma do acórdão que antecede, nos termos que seguintes: “
1 Por requerimento de 2.6.2020, veio o ora requerente a arguir a nulidade do acórdão por omissão de pronuncia do mesmo no que concerne à abstenção de pronúncia sobre a omissão, não fundamentada, de produção de prova pela primeira instância.
2 - Sobre tal omissão se debruçou o Acórdão ora reclamado, afirmando, em suma, que a arguida nulidade não é do conhecimento oficioso e deveria ter sido expressamente suscitada no recurso interposto da sentença proferida pelo TAF de Almada.
3 - Dos autos contam elementos reveladores de que, no recurso interposto da sentença proferida pelo TAF de Almada, se invocou, designadamente em sede de conclusões, que:
Mas mesmo que assim se pondere, facto é que o ora recorrente ofereceu meios de prova dos factos que invocou, nomeadamente de cariz testemunhal, não tendo a mesma sido produzida e, inerentemente, aferida, afastando a consideração de possibilidade de demonstração e revelação de factos invocados pelo recorrente em sede probatória.
4 Tal depois de, em sede de alegações do mesmo recurso, se haver afirmado, nomeadamente, que:
Mas mesmo que assim se não considere e que preconize adstringir á sentença invocada uma natureza de meio de prova, sempre se dirá que, sendo a relevância de tal facto (aquisição e posse do estabelecimento há mais de trinta anos) essencial, sempre se deveria ter produzido os meios probatórios oferecidos com a petição inicial, nomeadamente a prova testemunhal de quem, exactamente, está há mais de trinta anos a trabalhar naquele estabelecimento sob as ordens do ora recorrente, até porque, tal como refere o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19.10.2017, proferido no proc. n° 1087/16. OBELRSA, Não se questionando a relevância dos factos cuja prova está em causa, por ser manifesto que relevam para a boa decisão da causa a proferir pelo Tribunal, por se tratarem de factos que se integram no objeto dos temas da prova enunciados pelo Tribunal, sendo factos controvertidos, carecidos de prova, não podem existir dúvidas quanto ao direito da Autora em apresentar ou requerer a produção de meios de prova e a sua admissibilidade pelo Tribunal, não podendo ser limitada ou condicionada no seu direito à prova. Assim, quando a sentença reconduz o teor da sentença para um principio de prova (sendo certo que, em sede de embargos de terceiro nunca o processo terá garantias inferiores aos presentes autos de providencia cautelar, algo que nem sequer se figura ponderável), sempre a mesma teria de ter em atenção os meios de prova oferecidos e o que dos depoimentos a produzir em audiência de julgamento viesse a resultar.
5 A questão foi directamente ponderada, incluindo em sede de conclusões, as quais determinam e definem o objecto do recurso, pelo que a não pronúncia foi expressamente suscitada no recurso interposto da sentença proferida pelo TAF de Almada, em termos objectivados e expressos.
6 Pelo que, na economia racional subjacente ao Acórdão cuja reforma agora se pede, ocorre, efectivamente, a nulidade de falta de pronúncia arguida porque a questão em relação à qual o Acórdão proferido nos autos, em decisão directa e imediata das alegações apresentadas da sentença proferida pelo TAF de Almada, omite a pronuncia foi, efectivamente, em termos directos e frontais (conforme supra) suscitada.
7 Em termos directos (reitere-se) e bastantes, disso dando conta, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 24.11.2000, no proc. n° 120439, do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.01.2005, no proc. n° 2153/04-1 ou do Supremo Tribunal Administrativo de 17.10.2006 no proc. n° 0548/04.
8 Por os autos conterem os elementos os meios de aferição e de prova plena que, por si só, implicam decisão diversa da proferida, se vem requerer a sua reforma.”

A Contra-interessada pronunciou-se pelo indeferimento da reforma peticionada.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à sessão para julgamento.

No requerimento em que arguiu a nulidade por omissão de pronúncia do acórdão que negou provimento ao recurso, interposto da sentença do TAF de Almada, o Requerente considerou, com fundamento no disposto no artigo 370º, nº 2, do CPC, que não caberia recurso daquele acórdão.
Na sequência do que, prolatado novo acórdão que indeferiu a arguida nulidade, veio requerer a sua reforma ao abrigo do artigo 616º, nº 2 do mesmo Código, considerando que das alegações e conclusões de recurso resulta que arguiu de forma directa a nulidade por omissão de pronúncia da sentença recorrida pelo que consta dos autos meios de aferição e de prova plena que, por si só implicam decisão diversa da proferida.

Mas não lhe assiste qualquer razão, pelo motivos que passamos a expor.

No acórdão cuja reforma vem requerida, foi indeferida a arguida nulidade de omissão de pronúncia com a seguinte fundamentação:
No acórdão proferido foram decididas as questões suscitadas no recurso, delimitadas pelas respectivas alegações e conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC, ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, sendo que as mesmas se reconduziram a erros de julgamento.
Com efeito, o que o Recorrente veio alegar e concluir no recurso interposto, a este propósito, foi que o juiz a quo errou ao não ter considerado que se está perante uma situação de caso julgado quanto à titularidade do direito de posse do estabelecimento em referência nos autos, nos moldes declarados pela sentença de embargos de terceiro invocada, insusceptível de ser questionada, mas ainda que tivesse entendido bem, adstringindo à referida sentença uma natureza de meio de prova, então deveria ter produzido os meios probatórios oferecidos com a petição inicial, nomeadamente a prova testemunhal que ofereceu.
Ora, o objectivo do recurso jurisdicional é obter a reapreciação e consequente alteração ou anulação/ revogação da decisão recorrida.
Mas, como resulta da fundamentação do acórdão, se da sentença recorrida não consta qualquer decisão sobre o requerimento de prova apresentado pelo Recorrente nem este impugna a decisão da matéria de facto aí vertida, então o tribunal de recurso não pode proceder à pretendida reapreciação por falta de objecto.
Apesar do que, a este propósito, consta ainda no mesmo acórdão, o seguinte:
“Recorda-se a propósito da prova testemunhal oferecida pelo Recorrente que na sentença recorrida não consta qualquer referência à admissão ou indeferimento desse meio de prova. Mas na decisão da matéria de facto é feita referência à prova documental que suporta cada um dos factos indiciariamente assentes, pelo que se infere que o juiz a quo considerou (ou terá considerado em despacho anterior à sentença), ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 118º do CPTA, desnecessária a produção de mais prova, designadamente testemunhal.
Entendimento que se revela ajustado dado que o tribunal recorrido entendeu que uma mera cessão de exploração de um estabelecimento comercial não tem que implicar a transmissão do título de utilização do domínio público marítimo. O que parece ter acontecido, no caso em apreciação, uma vez que o Recorrente alega que tem a posse ou a propriedade do estabelecimento desde 1976 mas o título de utilização cuja transmissão requereu a seu favor à Recorrida só foi atribuído em 1996 a D…...” [sublinhado nosso].
A saber, foi emitida pronúncia sobre a questão em referência.
Ainda assim é de acrescentar que, no que respeita às nulidades, dispõe o artigo 196º do CPC que o tribunal pode conhecer oficiosamente das mencionadas nos artigos 186º e 187º, na segunda parte do nº 2 do artigo 191º e nos artigos 193º e 194º, a não ser que devam considerar-se sanadas, sendo que, das restantes, só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso.
Ora, a agora arguida nulidade não é de conhecimento oficioso e deveria ter sido expressamente suscitada no recurso interposto da sentença proferida pelo TAF de Almada.
Não o tendo sido, não constituía questão de que o tribunal de recurso devesse/estivesse obrigado a conhecer no acórdão proferido.
Face ao que não se verifica a invocada nulidade do acórdão.”

Do que resulta que o acórdão recorrido conheceu das questões que lhe foram submetidas e entre elas, reiteramos, não se encontra a arguição de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos equacionados na alínea d) do nº 1 do artigo 615º e dos nºs 1 e 2 do artigo 639º do CPC, ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA.
Com efeito, a conclusão de queMas mesmo que assim se pondere, facto é que o ora recorrente ofereceu meios de prova dos factos que invocou, nomeadamente de cariz testemunhal, não tendo a mesma sido produzida e, inerentemente, aferida, afastando a consideração de possibilidade de demonstração e revelação de factos invocados pelo recorrente em sede probatória.”, peticionando a final do recurso que a sentença recorrida seja “revogada”, não é o mesmo que concluir que o tribunal recorrido incorreu em nulidade por omissão de pronúncia ao não decidir sobre o requerimento de prova testemunhal que apresentou ou ao não admitir este, na sentença recorrida, peticionando a anulação desta.
O recurso jurisdicional visa obstar à produção de efeitos da decisão recorrida, imputando-lhe vicíos de forma (nulidades) determinantes da sua anulação, ou erros de julgamento, conducentes à sua alteração, revogação.
A nulidade por omissão de pronúncia implica que o tribunal recorrido não se tenha pronunciado, de todo, sobre questões cujo conhecimento lhe era imposto por lei ou que lhe foram submetidas pelas partes.
A admissão ou não admissão de requerimentos de prova no âmbito de um processo cautelar não tem de ocorrer na sentença que venha a ser proferida, como resulta claramente do disposto no referido artigo 118º do CPTA – findos os articulados o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova se o juiz a considerar necessária (nºs 1 e 3) e mediante despacho fundamentado o juiz pode recusar a utilização dos meios de prova requeridos pelas partes (nº 5).
Donde, a não admissão da prova testemunhal oferecida pela parte não constituiu uma questão que o juiz a quo devesse conhecer na sentença recorrida por força de lei ou por ter sido suscitada pela parte.
E na sentença recorrida não consta em parte alguma referência à admissão ou não admissão do requerimento de prova testemunhal apresentado pelo Requerente.
Se foi proferido despacho prévio nesse sentido, não foi objecto do recurso interposto.
Nem sequer a matéria de facto indiciariamente assente, suportada no alegado pela partes e na prova documental constante dos autos foi impugnada no recurso interposto, por forma a eventualmente permitir a este tribunal concluir que outros deveriam ter sido os factos provados se tivessem sido ouvidas as testemunhas arroladas pelo requerente, aqui Reclamante.
Ainda assim, no acórdão reclamado foi expendido o entendimento de que quer em despacho anterior quer na sentença recorrida, o juiz a quo, em função da decisão da matéria de facto, terá considerado desnecessária a produção de prova testemunhal, o que se agigura acertado por, na fundamentação de direito, constar que uma mera cessão de exploração de um estabelecimento comercial não tem que implicar a transmissão do título de utilização do domínio público marítimo, até porque o requerente alega que tem a posse ou a propriedade do estabelecimento desde 1976 mas o título de utilização cuja transmissão requereu a seu favor à entidade requerida só foi atribuído em 1996 a D…...
O mesmo é dizer que, contrariamente ao alegado, não foi suscitada a nulidade por omissão de pronúncia no recurso interposto, em termos processualmente adequados, e mesmo que tivesse sido teria sido indeferida pelos fundamentos expostos no acórdão reclamado e aqui reiterados.
Última nota para referir que os acórdãos indicados no requerimento de reforma para suportar o entendimento de que nas alegações e conclusões de recurso foi invocada directamente a omissão de pronúncia, não relevam para o efeito pretendido (o do TRG e o do STA, uma vez que o do TRP não consta em www.dgsi.pt) por versarem sobre nulidades processuais [do processo judicial criminal] ou de procedimento [do procedimento disciplinar administrativo, da competência de entidade administrativa], invocadas e decididas pelo tribunal recorrido, e não sobre as nulidades elencadas no mencionado artigo 615º, referentes à decisão judicial recorrida, como a pretendida omissão de pronúncia (aplicável aos despachos nos termos do nº 3 do artigo 613º do mesmo CPC), e porque, de qualquer forma, tais nulidades foram devidamente identificadas nos correspondentes recursos, com indicação das normas violadas e ao abrigo das quais constituem nulidades
Em face do que deve a pretendida reforma do acórdão ser indeferida.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em indeferir a reforma de acórdão peticionada.

Custas pelo Requerente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 24 de Agosto de 2020.

(Lina Costa – relatora)

(Pedro Marchão Marques)

(Patrícia Manuel Pires)