Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:633/19.1BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DISPENSA DE GARANTIA
Sumário:I - A suspensão da execução fiscal depende da prestação de garantia idónea nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º da LGT. Pode, porém, a AT, mediante requerimento do executado, dispensá-lo da prestação de garantia, nos termos previstos no n.º 4 do mesmo preceito legal.
II - Da letra do n.º 4 do artigo 52º da LGT resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar que (i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
III - Quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa.
IV - Por seu turno, compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa do Requerente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

M... - Actividades Hoteleiras, Lda., veio apresentar reclamação contra o despacho da Sr.ª Diretora de Finanças de Setúbal, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito dos processos de execução fiscal nºs 3... e apensos e 3... e apensos, que correm termos no Serviço de Finanças de Almada 3, com vista à cobrança coerciva de dívidas de IVA e de IRC, dos anos de 2015 e 2016, no montante total de €173.716,61.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, por sentença de 03/02/20, julgou improcedente a reclamação.

Inconformada, a Reclamante veio recorrer da sentença, apresentando alegações que concluiu nos seguintes termos:

«a) Quando a prova produzida impuser decisão diversa, deve esse Tribunal Central Administrativo Sul, alterar a decisão proferida em 1ª Instância sobre a matéria de facto, alteração que ora se peticiona nos seguintes termos (nº1 do art.º662º do CPC, aplicável nos termos da al. e) do CPPT).

b) Considera a recorrente incorretamente julgado, por ter sido julgado como não provado, o seguinte ponto da matéria de facto: a) Não ficou provado que a Reclamante não possua mais imóveis.

c) O concreto meio probatório que impunha, que o facto referido no ponto anterior tivesse sido considerado como provado, é o depoimento da testemunha V..., inquirida em sede de audiência de julgamento, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento).

d) Em conjunto, com o depoimento da testemunha C..., inquirida em sede de audiência de julgamento, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento).

e) Tanto mais, que a ora recorrente invocou na sua p.i., que não possuía outros bens imóveis, facto que não foi colocado em causa pela Fazenda Pública, pelo que sempre deveria ter sido dado como provado, por acordo.

f) Considera a recorrente incorretamente julgado, por ter sido julgado como não provado, o seguinte ponto da matéria de facto: b) Não ficou provado que bens a sociedade detém.

g) O concreto meio probatório que impunha, que o facto referido no ponto anterior tivesse sido considerado como provado, são os depoimentos das testemunhas transcritos a propósito da impugnação do ponto anterior.

h) Devendo ter sido considerado provado, que a sociedade é detentora de dois veículos automóveis de valor reduzido e dos bens e equipamentos afetos ao restaurante que explora.

i) Considera ainda a recorrente, incorretamente julgado, por ter sido julgado como não provado, o seguinte ponto da matéria de facto: c) Não ficou provado que a sociedade executada não tenha meios de conseguir garantias bancárias.

j) O concreto meio probatório que impunha, que o facto referido no ponto anterior tivesse sido considerado como provado, é o depoimento da testemunha V..., inquirida em sede de audiência de julgamento, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento).

k) Em conjunto, com o depoimento da testemunha C..., inquirida em sede de audiência de julgamento, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento).

l) No que respeita à decisão que deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas, entende a recorrente que devem os pontos de facto acima referidos, ser considerados como provados, o que desde já se requer a V. Exas.

m) A recorrida não só não admitiu a justificada requerida prorrogação do prazo para apresentação do balancete,

n) Como não solicitou quaisquer elementos de prova adicionais ou complementares, a seu ver necessários para poder formular um juízo fundado sobre a alegada insuficiência patrimonial, como se encontrava obrigada (neste sentido, vide, o recente Acórdão desse Tribunal Central Administrativo Sul de 24/01/2020, tirado no Recurso nº 460/19.6BEALM).

o) Pelo que, optando a AT por indeferir logo o pedido, o despacho que indeferiu a peticionada dispensa de garantia, incorreu em erro nos pressupostos, vício determinante da sua anulação (neste sentido, vide, ainda o recente Acórdão desse Tribunal Central Administrativo Sul de 24/01/2020, tirado no Recurso nº 460/19.6BEALM).

p) Assim, a douta Sentença recorrida, ao ter mantido na ordem jurídica o despacho reclamado, incorreu em erro de julgamento, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

No entanto, ainda se dirá que:

q) A AT pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia no caso de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado (nº 4 do art.º 52º da LGT).

r) A recorrente referiu no seu requerimento que não possui bens móveis ou imóveis que possa oferecer como garantia uma vez que o bem imóvel que possui, já está a garantir outras dívidas fiscais existentes, sendo o seu valor patrimonial, acrescido da hipoteca que recai sobre o mesmo, muito inferior ao valor das dívidas existentes.

s) Por sua vez, a recorrente referiu não conseguir obter apoio das entidades bancárias para resolver os seus problemas de tesouraria e liquidez, não conseguindo obter seguro-caução.

t) Mais, não tendo créditos a receber, rendimentos, poupanças disponíveis no imediato ou disponibilidade de tesouraria que permitam que seja prestada a garantia legalmente exigível.

u) Tais elementos constam da base de dados da AF, desde logo quanto aos imóveis, créditos e demais elementos relativos à situação financeira da sociedade, sendo que caso fosse entendido por necessários outros elementos, como acima exposto, deveriam ter sido solicitados, o que não ocorreu.

v) Pelo que, em face dos factos invocados, comprováveis pelos elementos probatórios na posse da AT, deveria ter sido julgado verificado o requisito da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

w) A proibição da indefesa como emanação do direito de acesso ao direito e aos tribunais impede por não serem constitucionalmente admissíveis, situações de imposição de ónus probatórios que se reconduzam à impossibilidade prática de prova de um fato necessário para o reconhecimento de um direito (art.º 20º, nº 1 da CRP).

x) A acrescida dificuldade de prova de fatos negativos deverá ter como exigência, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória, por parte do aplicador do direito (neste sentido, vide, o Acórdão do TCA Norte de 14 de Março de 2013, tirado no Recurso nº 00997/12.8BEPRT).

y) O apuramento da verdade material, erigido em escopo do processo judicial tributário, que se não basta com alcançar uma verdade formal, exige, que se arrede o primado do princípio do dispositivo, ao menos temperando-o com o inquisitório (vide, o Acórdão do STA de 7 de Maio de 2003, no Recurso nº 1026/02).

z) Ora se o juiz, no percurso para atingir a verdade material pode e deve investigar os factos, sem subordinação às provas apresentadas ou requeridas pelas partes, é impróprio falar-se de um ónus subjetivo da prova (vide, ainda o Acórdão do STA de 7 de Maio de 2003, no Recurso nº 1026/02).

aa) No sentido do Acórdão referido nos pontos anteriores, resulta evidente que cabe também, como forma de responder à questão da falta de provas da falta de capacidade financeira e/ou da existência ou não de bens suficientes, que a AT faça o que lhe compete, pois estavam ao seu alcance todos os elementos necessários à análise da situação da recorrente.

bb) Sendo que os despachos de indeferimento de pedido de isenção de prestação de garantia não são precedidos de audição prévia, o princípio do inquisitório e o dever de colaboração devem assumir uma dimensão com maior significado e alcance.

cc) Pelo que, como acima se referiu, a entender que os elementos apresentados não eram suficientes, deveria a AT ter solicitado os elementos adicionais que julgasse necessários à apreciação do pedido, contribuindo assim para a descoberta da verdade material.

dd) No que respeita à responsabilidade da recorrente pela insuficiência ou inexistência de bens, cabe referir que a jurisprudência citada na douta Sentença recorrida, vertida no Acórdão do STA de 07/01/2015, tirado no Recurso nº 01489/14, se afigura inaplicável.

ee) Tal jurisprudência foi proferida à luz da anterior redação do nº 4 do art.º 52º da LGT, que anteriormente à redação introduzida pela Lei 42/2016, de 28 de Dezembro, dispunha na sua parte final “desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”.

ff) No que respeita à redação atual do nº4 do art.º 52º da LGT, refere a mesma disposição legal “desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”.

gg) Ora, nem existem quaisquer indícios, muito menos fortes, de que a insuficiência de bens se deva a atuação dolosa do interessado, tal não foi sequer invocado e muito menos resultou provado.

hh) Pelo que, dúvidas não restam que o requisito de não existirem fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado, se encontra preenchido.

ii) Razões pelas quais, ao contrário do decidido na douta Sentença recorrida que acolheu o despacho na origem dos presentes autos, por se verificarem os pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia, deveria a mesma ter sido concedida.

jj) Assim, a douta Sentença recorrida ao ter mantido na ordem jurídica o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, julgando a reclamação improcedente, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento e não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso, depois de recebido e analisadas as questões colocadas, ser julgado procedente por provado, sendo revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo”, com todas as consequências legais daí advindas.»


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Correm termos no Serviço de Finanças de Almada 3ª os processos de execução fiscal nº3... e apensos e 3... e apensos em que é executada a sociedade por quotas sob a firma M... - Actividades Hoteleiras, Lda., para pagamento da quantia de € 173.719,61 referente a IVA e IRC (cfr. processos executivos junto aos autos a fls. 98 a 342, numeração do SITAF);

2. A executada apresentou, em 08/04/2019, um pedido de suspensão dos processos executivos e de dispensa de prestação de garantia alegando ter apresentado reclamação graciosa das liquidações que se encontram a ser exigidas nos processos executivos, não possuir bens capazes de garantir as dívidas exequendas, não lhe ser possível obter garantias bancárias, não possuir créditos junto de clientes e ainda não possuir disponibilidade para proceder à garantia das dívidas (cfr. docs. de fls. 10 do doc. 13, numeração do SITAF);

3. Em 04/06/2019 foi elaborada uma informação da qual consta o seguinte:


«Imagem no original»













(cfr. doc. de fls. 2 e 6 do doc. de fls. 7, numeração do SITAF);


4. Em 10/07/2019 foi proferido despacho de indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia do qual consta que:
“Concordo com os fundamentos que vêm expostos na informação prestada, indefiro o pedido”
(cfr. doc. junto a fls. 1 do doc. de fls. 7, numeração do SITAF);

5. Sobre o imóvel propriedade da executada impende uma hipoteca e várias penhoras da Fazenda Pública e do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (facto que se retira dos docs. de fls. 7 a 10 do doc. de fls. 13, numeração do SITAF – Certidão do Registo Predial).



***


a) Não ficou provado que a Reclamante não possua mais imóveis;

b) Não ficou provado que bens a sociedade detém;

c) Não ficou provado que a sociedade executada não tenha meios de conseguir garantias bancárias.


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Não se provaram outros factos relevantes para a decisão de mérito.

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A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como no depoimento das testemunhas.

A primeira testemunha ouvida, V..., afirmou conhecer a sociedade Reclamante por ter trabalhado ocasionalmente, aos fins- de-semana, para a mesma desde Fevereiro até Junho/Julho de 2019.

Afirmou que o sócio da reclamante lhe confidenciou ter problemas com as finanças. Ainda esclareceu que a sociedade tem o imóvel, duas viaturas, já antigas, e o mobiliário normal para o funcionamento da pizaria. O conhecimento que tinha do funcionamento da sociedade prende-se com a circunstância de lá ter trabalhado. Ainda afirmou que nunca conheceu outros bens à sociedade. O seu depoimento foi pouco esclarecedor, desde logo porque nem sequer sabe se o imóvel onde a sociedade funcionava era próprio ou não, embora tenha afirmado que a sociedade possuía um imóvel, e quando inquirido directamente pelo tribunal esclareceu que não sabe se as carrinhas já existiam há muito tempo ou não.

O depoimento foi pouco esclarecedor e hesitante pelo que não foi valorado pelo tribunal.

A segunda testemunha, C..., trabalhou nesta sociedade até 2011, data em que ficou desempregado. Continua, no entanto, a prestar serviços a esta sociedade durante os fins-de- semana. Afirmou que se apercebeu dos problemas da sociedade porque a sociedade deixou de pagar a tempo. No que respeita a bens apenas afirmou ter conhecimento da existência de dois automóveis e dos bens normais para o funcionamento da sociedade. Esclareceu que, no início, a sociedade tinha 4 lojas, mais carros, motas. Quando a sociedade foi dividida, a ora devedora ficou com dois restaurantes e outros carros. Mais tarde, embora não saiba saber explicar o motivo a outra loja fechou e os carros foram trocados. Afirmou não conhecer mais nada. O depoimento foi vago, impreciso, baseado em conversas com o gerente da sociedade e não sabe situar no tempo os factos.


*


A reclamante juntou aos autos um balancete, não tendo junto nenhum mapa dos activos fixos tangíveis da sociedade ou outro documento que permita aferir a existência de bens e o valor do seu imobilizado. De facto, a prova da existência ou não de bens do activo fixo tangível das sociedades e do seu valor poderia fazer-se através dos mapas correspondentes, que não foram juntos aos autos ou de certidões do registo automóvel, no caso de viaturas automóveis. A Reclamante apenas juntou aos autos uma certidão da Conservatória do Registo Predial relativa ao imóvel de que é proprietária, nada mais tendo junto. Nada mais foi possível apurar relativamente aos bens da sociedade, se existem, se não existem e qual o seu valor.»

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- De Direito

Está em causa a sentença do TAF de Almada que julgou improcedente a reclamação apresentada, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, contra a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, formulado no âmbito dos processos de execução fiscal nºs 3... e apensos e 3... e apensos, os quais correm os seus termos no Serviço de Finanças de Almada 3.

No essencial, considerou a Mma. Juíza a quo que a Reclamante, ora Recorrente, “não logrou … provar, como lhe competia, a insuficiência patrimonial (art. 74º da Lei Geral Tributária, com os arts. 342º e 344º do Código Civil)”.

Inconformada, a M... insurge-se contra o decidido, começando por atacar o julgamento da matéria de facto, em concreto os factos não provados. Com efeito, entende a Recorrente, tal como decorre das conclusões a) a l), que os factos a que correspondem as alíneas a), b) e c) dos factos não provados deveriam, inversamente ao que se verificou, ter sido considerados provados.

Vejamos, então, lembrando o teor das referidas três alíneas. Considerou o TAF de Almada não provado que:

“a) Não ficou provado que a Reclamante não possua mais imóveis;

b) Não ficou provado que bens a sociedade detém;

c) Não ficou provado que a sociedade executada não tenha meios de conseguir garantias bancárias”.

A propósito da motivação da matéria de facto, e referindo-se ao depoimento das duas testemunhas ouvidas, o Tribunal evidenciou, quanto ao V..., que o seu “depoimento foi pouco esclarecedor e hesitante pelo que não foi valorado pelo tribunal” e quanto ao C... que o “depoimento foi vago, impreciso, baseado em conversas com o gerente da sociedade e não sabe situar no tempo os factos”. Acrescentou, ainda, a Mma. Juíza que “A reclamante juntou aos autos um balancete, não tendo junto nenhum mapa dos activos fixos tangíveis da sociedade ou outro documento que permita aferir a existência de bens e o valor do seu imobilizado. De facto, a prova da existência ou não de bens do activo fixo tangível das sociedades e do seu valor poderia fazer-se através dos mapas correspondentes, que não foram juntos aos autos ou de certidões do registo automóvel, no caso de viaturas automóveis. A Reclamante apenas juntou aos autos uma certidão da Conservatória do Registo Predial relativa ao imóvel de que é proprietária, nada mais tendo junto. Nada mais foi possível apurar relativamente aos bens da sociedade, se existem, se não existem e qual o seu valor”.

Com isto dito, avancemos.

Quanto à alínea a) – “Não ficou provado que a Reclamante não possua mais imóveis” – defende a Recorrente que resultou provado que a mesma não possuía outros bens imóveis, para além do imóvel a que alude o requerimento de dispensa e decisão reclamada, sobre o qual incidem já diversos ónus (penhoras/hipotecas).

Sustenta a Recorrente que este Tribunal deve considerar tal factualidade como provada com base no “depoimento da testemunha V..., inquirida em sede de audiência de julgamento, gravado em CD áudio”, “em conjunto, com o depoimento da testemunha C..., inquirida em sede de audiência de julgamento, gravado em CD áudio”. Tanto mais que, prossegue a Recorrente, “invocou na sua p.i., que não possuía outros bens imóveis, facto que não foi colocado em causa pela Fazenda Pública, pelo que sempre deveria ter sido dado como provado, por acordo”.

A Recorrente não tem razão, sendo claro que a identificação do património imobiliário de que é titular a empresa resultará da análise dos inventários/mapas e documentos contabilísticos de cadastro patrimonial e não das afirmações de testemunhas que, a propósito da existência de bens imóveis da propriedade da empresa, respondem desconhecerem a sua existência, tal como resulta da afirmação “que eu conheça não. E eu acho que não deve ter porque conheço-o há muito tempo não estou a ver mais nada”.

Na alínea b) a Mma. Juíza a quo fez constar que “Não ficou provado que bens a sociedade detém”. A Recorrente entende que “o concreto meio probatório que impunha, que o facto referido no ponto anterior tivesse sido considerado como provado, são os depoimentos das testemunhas transcritos a propósito da impugnação do ponto anterior”, considerando ter ficado provado que “a sociedade é detentora de dois veículos automóveis de valor reduzido e dos bens e equipamentos afetos ao restaurante que explora”.

Também aqui, o entendimento da Recorrente não procede, mal se percebendo a razão pela qual não foram juntos os documentos relativos ao registo automóvel e, bem assim, os documentos contabilísticos reveladores do activo fixo tangível/ viaturas da empresa, o que seria crucial para perceber o património existente e o seu valor, o que manifestamente não resulta dos depoimentos prestados, vagos e genéricos.

Soçobram também as razões que levam a Recorrente a pedir a alteração da alínea c) dos factos não provados, ou seja, que “não ficou provado que a sociedade executada não tenha meios de conseguir garantias bancárias”.

Insiste a Recorrente que tal circunstancialismo de facto deve ser considerado provado com base no depoimento das testemunhas V... e C..., as quais, a este propósito e de concreto, nada revelaram saber.

Lido o seu depoimento, transcrito e junto aos autos, resulta que a primeira testemunha, à pergunta “não tem conhecimento nenhum relativamente à intenção de prestar uma garantia, não sabe de nada?”, respondeu “Não. Isso não sei”; sendo certo que a segunda, sobre garantias bancárias, nada disse.

Sem necessidade de mais nos alongarmos, é incontroverso que não foram trazidos elementos aos autos que demonstrem a impossibilidade de prestar uma garantia bancária/seguro-caução, o que seria facilmente comprovável através de elementos respeitantes ao pedido das garantias às instituições bancárias/financeiras e correspondentes comunicações de resposta, bem como através da audição de testemunhas com conhecimento directo sobre tal circunstancialismo, o que não é o caso daquelas que foram ouvidas.

Em suma, face a uma prova tão frágil e à necessariamente débil impugnação da matéria de facto, resta concluir pela improcedência da primeira questão que vimos analisando, mantendo--se inalterado o julgamento da matéria de facto, tal como veio cometido da primeira instância.

Estabilizada a matéria de facto, avancemos para o julgamento de direito, deixando devida nota daquele que foi, no essencial, o discurso fundamentador alinhado na sentença recorrida e com o qual a Recorrente não se conforma. Escreveu a Mma. Juíza a quo:

“(…)

Ou seja, são dois os pressupostos, em alternativa, para que seja possível conceder a dispensa de prestação de garantia para suster o processo executivo, a saber:

- existência de prejuízo irreparável para a executada;

- manifesta falta de meios económicos para a prestar.

Para além destes dois requisitos é ainda absolutamente imprescindível, em qualquer das situações, que não seja da responsabilidade do executado a insuficiência ou inexistência de bens.

No fundo, aquilo que o legislador procurou foi precaver a situação do executado se colocar, intencionalmente ou voluntariamente, na situação de não ter bens suficientes para garantir a execução, prejudicando, desta forma, os seus credores.

Acresce ainda que o ónus da prova dos requisitos de que depende a dispensa de prestação de garantia recai sobre o executado, nos termos do art. 52º, em articulação com o art. 74º da Lei Geral Tributária, com os arts. 342º e 344º do Código Civil e com o art. 170º, nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Ora, durante o procedimento administrativo do pedido de dispensa de garantia, a Reclamante limitou-se a juntar uma certidão do Registo Predial, da qual consta uma hipoteca e várias penhoras, nunca tendo apresentado, como aliás protestará juntar, um balancete da sociedade.

Também em sede da presente Reclamação, embora já tenha sido junto o balancete em questão, não foi apresentado nenhum outro elemento donde se possa retirar pela inexistência de património. De facto, foi afirmado pelas testemunhas que a sociedade possuía outros bens, como sejam, duas viaturas e equipamento do restaurante. Embora as testemunhas tenham feito referência à existência destes bens, não conseguiram concretizar que bens exactamente a sociedade possui, o seu valor, nem desde quando se encontram em funcionamento, pelo que não foi possível apurar se a sociedade detém ou não património capaz para garantir a dívida. Também não foi junto nenhum mapa do activo imobilizado tangível pelo que, embora se conheça a existência de bens, não se conhece concretamente quais, nem o seu valor.

De notar que quer no âmbito do requerimento dirigido à AT, quer no âmbito da presente Reclamação, a Reclamante limita-se a alegar que não possui bens, que toda a situação em que se encontra se deve há existência de dívidas fiscais e do relatório inspectivo com o qual discorda.

Voltando ao probatório e analisado o conteúdo da Informação transcrita no ponto 3 do probatório supra verificamos que o fundamento que determinou o indeferimento do pedido apresentado pela Reclamante foi a circunstância de esta nada ter provado, nomeadamente quanto a inexistência de bens penhoráveis.

De facto, a executada ficou de juntar ao processo diversos elementos, nomeadamente um balancete, que nunca juntou, embora tenha solicitado prazo para proceder à junção do mesmo. Ora, e como já referimos acima, ao ónus da prova da inexistência de património impende sobre a executada. Mas mais, sendo certo que em sede da presente Reclamação juntou aos autos um Balancete Geral, a verdade é que nenhum elemento juntou relativamente ao seu activo fixo tangível.

Assim, não logrou a Reclamante provar, como lhe competia, a insuficiência patrimonial (art. 74º da Lei Geral Tributária, com os arts. 342º e 344º do Código Civil)”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a propósito.

A suspensão da execução fiscal depende da prestação de garantia idónea nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º da LGT. Pode, porém, a AT, mediante requerimento do executado, dispensá-lo da prestação de garantia, nos termos previstos no n.º 4 do mesmo preceito legal, de acordo com o qual:

“4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado."

Da letra do n.º 4 do artigo 52º da LGT resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar que (i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.

“Em termos de ónus probatório, cumpre relevar que quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente, in casu a Recorrida, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa.

Por seu turno, compete à Administração Tributária a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa dos Reclamantes. A ratio legis coaduna-se com a circunstância de não se justificar a isenção de prestação de garantia quando o executado tenha previamente sonegado ou dissipado os bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores ou que tenha colocado dolosamente a sociedade em situação de manifesta insuficiência económica para a prestação da garantia.

Note-se que com a nova redação do n.º 4, do art.º 52.º, da LGT o legislador tributário procedeu à inversão do ónus da prova no que concerne ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) passando a constar uma atuação dolosa invés da prova do afastamento de uma atuação culposa por parte do executado” – cfr. acórdão deste TCA, de 16/09/19, proc. nº 513/19.0BESNT.

Vejamos, então, atenta a matéria de facto, se a sentença recorrida é digna da censura que a Fazenda Pública lhe dirige.

Comecemos por deixar claro que, lido atentamente o requerimento a que alude o ponto 2 dos factos provados, dúvidas não restam de que o pedido de dispensa de prestação de garantia assentou, quanto aos apontados pressupostos alternativos, unicamente na invocação da manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia, jamais tendo sido aflorado o requisito atinente à existência de prejuízo irreparável para a executada.

Significa isto, face à exposição anteriormente adiantada, que, recaindo sobre o executado/requerente o ónus de alegação e prova do requisito respeitante à manifesta falta de meios económicos, se tal pressuposto não resultar provado, a pretensão da requerente fica inelutavelmente condenada ao insucesso, tornando-se irrelevante apreciar e decidir se a AT, enquanto exequente, demonstrou o terceiro pressuposto (cumulativo), ou seja, se demonstrou a existência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.

Ora, como resulta da matéria de facto, a Recorrente não logrou demonstrar a manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia em causa, nos termos expostos na sentença e aqui reapreciados. Não demonstrou a inexistência de outros imóveis, não demonstrou a extensão e valor actual do seu activo fixo tangível, não demonstrou o valor das viaturas de que se disse proprietária (nem que viaturas era essas), nem tão pouco que conforme alegado, estava impossibilitada de prestar uma garantia bancária ou um seguro-caução com vista a assegurar o pagamento da dívida exequenda. Todos estes aspectos, invocados pela executada, por ela teriam que ser demonstrados e não foram.

E nem se diga, como parece entender a Recorrente [cfr. conclusões y), z), aa)] que cabia à AT e/ou ao Tribunal substituírem-se à requerente e providenciar pelos elementos em falta, evidenciando inclusivamente a Requerente que “estavam ao seu (leia-se, da AT) alcance todos os elementos necessários à análise da situação da recorrente.”

A este propósito, diremos que os poderes da AT e do Juiz não servem para colmatar a inércia ou a absoluta falta de diligência das partes, como aqui patentemente aconteceu, sob pena de se esvaziar, por completo, a obrigação das partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe, no que, aliás, seria uma actuação de caracter absolutamente paternalista que entendemos não ser de acolher.

De resto, nem sequer foram indicados os elementos/documentos em poder da AT, nem, patentemente, a AT está em condições de se substituir à parte para demonstrar se ela está impossibilitada de suportar uma garantia bancária ou um seguro-caução, conforme alegado.

Portanto, deve concluir-se que a conclusão retirada pelo Tribunal de 1ª instância não merece censura e, nessa medida, o decidido quanto à não verificação dos pressupostos para a dispensa da garantia.

Nesta conformidade, e sem necessidade de maiores considerações, conclui-se pela improcedência das conclusões da alegação de recurso que por fim vimos analisando, devendo negar-se provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.


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III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.


Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 25/06/20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Benjamim Barbosa)