Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12/18.8BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores: 
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL;
CRÉDITOS ABRANGIDOS;
AÇÃO JUDICIAL IDÓNEA E ADEQUADA PARA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS.
Sumário:I. Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, que aprova o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, tal regime é aplicável a todos os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.

II. Quanto ao âmbito dos créditos abrangidos, consagra o artigo 2.º, n.ºs. 1 e 4, do referido diploma, que são os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da (i) ação de insolvência ou (ii) à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou (iii) do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.

III. Incluem-se nos créditos abrangidos, a indemnização fixada por incumprimento culposo do contrato pela entidade empregadora.

IV. À luz do artigo 2.º, n.º 4 não releva a ação judicial instaurada no Tribunal de Trabalho com vista à condenação ao pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, por não ser uma das três vias judiciais previstas.

V. Apurando-se que antes da declaração de insolvência (em processo instaurado pela entidade empregadora), a Autora havia instaurado processo especial de insolvência e que a entidade empregadora requereu processo especial de revitalização, foram usadas as vias judiciais previstas no disposto no artigo 2.º, n.º 4 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, importando que o Fundo de Garantia Salarial assegure o pagamento dos créditos abrangidos no período de referência dos seis antes anteriores.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

H........., devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 30/09/2018, que no âmbito da ação administrativa instaurada contra o Fundo de Garantia Salarial e em que é Contrainteressado, o Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM, julgou a ação improcedente e absolveu a Entidade Demandada e a Contrainteressada do pedido.


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Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1. O crédito correspondente à indemnização pela violação culposa do contrato está incluído nos créditos previstos no art. 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril e no art. 337º do Código de Trabalho;

2. Quanto ao momento do vencimento dos créditos do trabalhador importa distinguir consoante se tratem de créditos emergentes do contrato de trabalho ou de créditos decorrentes da sua violação ou cessação;

3.A indemnização prevista no art. 396º, do Código do Trabalho não é líquida no momento da cessação do contrato, pois há de ser fixada entre 15 e 45 dias pelo tribunal, pelo que e de acordo com o disposto no art. 805º n.º 3, do Código Civil, a mesma só se vence quando o seu exato valor seja fixado;

4.A sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho do Funchal a 14 de Janeiro de 2014 no âmbito do Processo n.º 532/13.0TTFUN, fixou a quantia equivalente a 30 dias de retribuição base e diuturnidade por cada ano ou fracção de antiguidade, a ter em conta para efeitos de indemnização pela violação culposa do contrato de trabalho;

5.E, em consequência, condenou a entidade patronal da recorrente no pagamento ao de uma indemnização no montante de €20.000,00 (vinte mil euros), pela resolução por justa causa do contrato de trabalho;

6.A sentença em questão transitou no dia 4 de Fevereiro de 2014;

7.A sociedade O........., Lda., anterior entidade empregadora da apelante, apresentou um requerimento para um processo especial de revitalização a 3 de Julho de 2014;

8.Assegurando o Fundo de Garantia Salarial ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção de declaração de insolvência ou apresentação do requerimento no processo especial de revitalização, forçoso torna-se pois concluir que o crédito de € 20.000,00 devido a título de indemnização, estava abrangido por esse período;

9.Ou seja, entre 3 de Janeiro de 2014 e 3 de Julho de 2014, uma vez que esse crédito apenas se venceu a 4 de Fevereiro de 2014;

10. Ao ter desconsiderado ou olvidado esse crédito, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, uma vez que decorre da sentença a titularidade desse crédito e encontra-se abrangido nos créditos que são assegurados pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos das disposições conjugadas art. 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril e no art. 337º do Código de Trabalho;

11. Ou, por hipótese diversa, tendo-o considerado como vencido em data anterior, incorreu em erro de julgamento de direito;

12. O crédito da apelante, no montante de € 20.000,00, devido a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho por facto culposo da entidade empregadora, venceu-se dentro do período de referência, assistindo-lhe pois, o direito a receber do Fundo de Garantia Salarial o seu pagamento.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso, por provado, revogando-se a sentença recorrida, e julgada procedente a ação, condenando-se o Fundo de Garantia Salarial na prática do ato de deferimento dos pedidos de pagamento do crédito salarial que lhe foi dirigido pela ora recorrente, com a consequente liquidação e pagamento, nos termos legais.


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Notificado o Recorrido, o mesmo não contra-alegou o recurso, nada tendo dito ou requerido.

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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, foi emitido parecer que pugna pela procedência do recurso.

Defende que nos termos do artigo 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho, a indemnização a conceder ao trabalhador pela resolução do contrato por justa causa é fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade, atendendo-se nesse cômputo não só ao valor da retribuição, mas também ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, o que significa que a mesma não é líquida no momento em que é operada a cessação do contrato.

Como decidido no Acórdão do TCAS, de 01/06/2017, Processo n.º 13076/16, citado pela Recorrente, a indemnização devida ao trabalhador quando se opere a cessação do contrato de trabalho em fundamento em justa causa não se vence na data da cessação do contrato, mas apenas quando for fixado o seu exato valor.


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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, a questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, por desconsideração da titularidade do crédito correspondente à indemnização pela violação culposa do contrato, no valor de € 20.000,00, abrangido nos créditos que são assegurados pelo Fundo de Garantia Salarial ou por o ter considerado vencido em data anterior ao período de referência.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1. Em 16 de Setembro de 2013, a Autora resolveu o contrato de trabalho celebrado com a sociedade O........., Lda. invocando a falta de pagamento das retribuições relativas aos meses de Abril, Maio, Julho, Agosto e quinze dias de Setembro de 2013.

2. Por sentença proferida em 14 de Janeiro de 2014, no âmbito do Processo n.º 532/13.0TTFUN, que correu termos no Tribunal de Trabalho do Funchal, Secção Única, foi declarada a rescisão com justa causa, por falta de pagamento pontual da retribuição devida à Autora, do contrato de trabalho entre a Autora e a sociedade O........., Lda., com efeitos a 16 de Setembro de 2013, e a sociedade O ........., Lda. foi condenada no pagamento à Autora de uma indemnização, no montante de € 20.000,0, pela resolução por justa causa do contrato de trabalho e no pagamento da quantia de €3.657,17 referente às remunerações em atraso referentes aos meses de Abril até à data da resolução, da quantia de €875,00 a título de subsídio de férias e proporcionais de subsídio de Natal e da quantia de €659,00 a título de férias não gozadas.

3.Em 10 de Fevereiro de 2014, a Autora apresentou requerimento executivo contra a sociedade O........., Lda. para pagamento da quantia de €25.191,17.

4.Em 9 de Abril de 2014, a Autora instaurou acção especial de insolvência contra a sociedade O........., Lda., requerendo a declaração de insolvência desta.

5.Em 3 de Julho de 2014, a sociedade O........., Lda. apresentou um requerimento para um processo especial de revitalização.

6.Por despacho proferido em 4 de Julho de 2014, foi nomeado administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização da sociedade O........., Lda.

7.Por requerimento de 7 de Agosto de 2014, apresentado no âmbito do processo especial de revitalização, o administrador judicial provisório apresentou relação provisória de créditos reclamados e reconhecidos, a qual se tornou definitiva, tendo reconhecido os créditos laborais da Autora no montante de €25.817,99, acrescido dos respectivos juros.

8.Por despacho proferido em 18 de Fevereiro de 2015, foi encerrado o processo especial de revitalização.

9.Por sentença proferida em 9 de Abril de 2015, no âmbito do Processo n.º 1098/15.2T8FNC, instaurado em 23 de Fevereiro de 2015, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Juízo do Comércio do Funchal – J2, foi declarada a insolvência da sociedade O........., Lda.

10. Por requerimento de 4 de Junho de 2015, apresentado no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., a Autora, na qualidade de trabalhadora da sociedade O........., Lda., apresentou um requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho pelo Fundo de Garantia Salarial, peticionando o pagamento de créditos no valor total de no valor de € 26.604,17.

11. Por despacho proferido em 3 de Outubro de 2017, foi indeferido o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado pela Autora com o fundamento do requerimento não ter sido apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.


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Factos não Provados

Não existem factos alegados relevantes para a decisão da causa a considerar como não provados.


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Motivação

Nos termos do art. 94.º, n.º 3 e n.º 4, do CPTA, a sentença deve discriminar os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção.

A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito.

A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados teve por base os documentos juntos aos autos e os constantes do processo administrativo, os quais não foram impugnados.


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Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, adita-se o seguinte facto, com relevo para a decisão a proferir:

12. A ação especial de insolvência instaurada pela Autora contra a sociedade O........., Lda., em que foi requerida a declaração de insolvência desta, a que se refere o ponto 4 da matéria de facto, correu termos sob Proc. n.º 1118/14.8TBFUN, tendo sido suspensa em sequência da entrada do processo especial de revitalização, que correu termos sob Proc. n.º 2058/14.6TBFUN, a que se refere o ponto 5 da matéria de facto – docs. 5, 6 e 7 juntos com a petição inicial.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de facto e de direito, por desconsideração da titularidade do crédito correspondente à indemnização pela violação culposa do contrato, no valor de € 20.000,00, abrangido nos créditos que são assegurados pelo Fundo de Garantia Salarial ou por o ter considerado vencido em data anterior ao período de referência

Insurge-se a ora Recorrente contra a sentença recorrida, assacando-lhe o erro de julgamento de facto, por desconsideração da titularidade do crédito e a sua abrangência nos créditos que são assegurados pelo Fundo de Garantia Salarial ou, se assim não for, por o ter considerando vencido em data anterior ao período de referência.

Alega que o crédito correspondente à indemnização pela violação culposa do contrato está incluído nos créditos previstos no artigo 2.º do D.L. n.º 59/2015, de 21/04 e do artigo 337.º do Código de Trabalho e que quanto ao momento de vencimento dos créditos do trabalhador importa distinguir consoante se tratem de créditos emergentes do contrato de trabalho ou de créditos decorrentes da sua violação ou cessação.

Defende que a indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho não é líquida no momento da cessação do contrato, havendo de ser fixada entre 15 e 45 dias pelo tribunal, pelo que, de acordo com o artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil, a mesma só se vence quando o seu exato valor seja fixado.

Por sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho do Funchal, em 14/01/2014, no âmbito do Processo n.º 532/13.0TTFUN, foi fixada a quantia equivalente a 30 dias de retribuição base e diuturnidade por cada ano ou fração de antiguidade, a ter em conta para efeitos de indemnização pela violação culposa do contrato de trabalho, condenando a entidade patronal da Recorrente no pagamento de uma indemnização no montante de € 20.000,00 pela resolução por justa causa do contrato de trabalho.

Mais alega que assegurando o Fundo de Garantia Salarial ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência ou apresentação do requerimento no processo especial de revitalização, tem de se concluir que o crédito de € 20.000,00 devido a título de indemnização, estava abrangido por esse período, entre 03/01/2014 e 03/07/2014, uma vez que esse crédito apenas se venceu a 04/02/2014, correspondente à data do trânsito em julgado da sentença.

Vejamos, analisando a fundamentação de direito da sentença sob recurso.

A sentença recorrida negou provimento à pretensão deduzida pela Autora, nela se decidindo que o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano, contado do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do artigo 2.º, n.º 8 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04.

Entendeu-se que embora fiquem sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor, no caso em análise, na data em que cessou o contrato de trabalho da Autora encontra-se em vigor o regime previsto no artigo 319.º, n.º 3 da Lei n.º 35/2004, de 29/09, pelo que, ao abrigo do regime anterior, a Autora tinha de apresentar o seu pedido até três meses antes da prescrição dos seus créditos.

Tendo, no entanto, sobrevindo sentença transitada em julgado que reconhece o crédito da Autora, verifica-se um alargamento do prazo de prescrição que passa a ser de vinte anos, segundo o artigo 309.º do CC.

Também se decidiu que o prazo de caducidade não havia decorrido.

No entanto, decidiu-se que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência ou apresentação do requerimento no processo especial de revitalização.

No caso em presença, decidiu-se que no âmbito do processo especial de revitalização apenas se mostram abrangidos os créditos vencidos entre 03/01/2014 e 03/07/2014, por ter sido apresentado requerimento para esse processo em 03/07/2014; e no processo de insolvência apenas se mostram abrangidos os créditos vencidos entre 23/08/2014 e 23/02/2015, considerando a instauração do processo de insolvência em 23/02/2015.

Decidiu-se na sentença recorrida que a instauração da ação executiva para cobrança dos créditos não tem a virtualidade de alterar a data dos respetivos vencimentos e da sua exigibilidade, pelo que, considerando a data de vencimento dos créditos, os créditos da Autora encontram-se fora do período de abrangência, não assistindo à Autora o direito a que o Fundo de Garantia Salarial assuma o respetivo pagamento.

O ponto da discórdia colocado para reapreciação no presente recurso respeita apenas à data de vencimento dos créditos emergentes do contrato de trabalho devidos pela resolução culposa do contrato, decorrentes da sua violação ou cessação, pois quanto ao vencimento dos créditos do subsídio de natal e de férias não existe controvérsia, conformando-se a Recorrente com a decisão recorrida, por não a impugnar no presente recurso.

Do mesmo modo no tocante à questão da caducidade, por falta de interposição de recurso por parte do Fundo de Garantia Salarial.

Donde se colocar como objeto do presente recurso unicamente a questão do período de abrangência do crédito emergente do contrato de trabalho devido pela resolução culposa do contrato, decorrente da sua violação ou cessação, fixado judicialmente em € 20.000,00, no âmbito da sentença proferida em 14/01/2014, transitada em julgado em 04/02/2014.

Após o pedido de reforma da sentença recorrida, o Tribunal a quo veio a decidir no sentido de o vencimento desse crédito ocorrer na data do trânsito em julgado da sentença a que se refere o ponto 2. do julgamento da matéria de facto, ou seja, em 04/02/2014, mas que tal não prejudica o decidido, considerando a Autora ter alicerçado o pedido de pagamento de créditos junto do Fundo de Garantia Salarial no processo de insolvência, no âmbito do qual se mostram abrangidos os créditos vencidos entre 23/08/2014 e 23/02/2015.

Por isso, constitui questão objeto do presente recurso a correção do julgamento do Tribunal a quo ao negar procedência à ação, no respeitante ao crédito pela resolução culposa do contrato, decorrente da sua violação ou cessação, fixado judicialmente em € 20.000,00, no âmbito da sentença proferida em 14/01/2014, transitada em julgado em 04/02/2014.

Considerando a data da apresentação do pedido apresentado pela Autora no Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., a que se refere o ponto 10. do julgamento da matéria de facto, para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho pelo Fundo de Garantia Salarial, em 04/06/2015, encontrava-se já em vigor o D.L. n.º 59/2015, de 21/04, que aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, previsto no artigo 336.º do Código do Trabalho, transpondo a Diretiva n.º 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22/10/2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.

Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, tal regime é aplicável a todos os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.

Segundo o disposto no seu artigo 5.º, o regime previsto no D.L. n.º 59/2015, de 21/04 entrou em vigor no primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação.

Em face do Processo Especial de Revitalização (PER), criado pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, e do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), instituído pelo D.L. n.º 178/2012, de 03/08, alterado pelo D.L. n.º 26/2015, de 06/02, o novo regime condensou as necessárias adaptações para garantir que os créditos dos trabalhadores em empresas alocadas a esses planos de revitalização ou de recuperação tivessem acesso ao Fundo de Garantia Salarial.

Nos termos do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, que aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, é assegurado o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja [cfr. artigo 1.º, n.º 1, alíneas a), b) e c)]:

a) proferida sentença de declaração de insolvência do empregador;

b) proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de PER (processo especial de revitalização);

c) proferido despacho de aceitação do requerimento proferido pelo IAPMEI, no âmbito do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.

Quanto ao âmbito dos créditos abrangidos, consagra o artigo 2.º, n.ºs. 1 e 4, do referido diploma:

1 - Os créditos referidos no n.º 1 do artigo anterior abrangem os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação.

(…)

4 - O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.” (sublinhados nossos).

A finalidade deste regime reside em assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo de proteção em caso de insolvência do empregador, através do pagamento, dentro de determinados condicionalismos legais, dos créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho respeitantes à remuneração de um determinado período.

Nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, estão abrangidos o pagamento dos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, pelo que está abrangido o crédito reclamado da Autora, decorrente da indemnização judicial fixada em € 20.000,00, emergente da violação culposa do contrato pela entidade empregadora.

No mesmo sentido decorre do artigo 337.º, n.º 1 do Código de Trabalho ao estabelecer a abrangência do crédito de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.

No entanto, ao contrário do decidido na sentença recorrida e mantido no despacho proferido em resposta ao pedido de reforma da sentença, à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 4 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04 os créditos abrangidos não são unicamente os que hajam sido reclamados no âmbito do processo judicial de insolvência.

Segundo tal preceito legal, o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.

A lei prescreve três vias possíveis e em alternativa para assegurar o pagamento dos créditos reclamados pelo trabalhador.

Para tanto não serve, nem a ação judicial instaurada junto do Tribunal de Trabalho pela trabalhadora para declarar a rescisão com justa causa, por falta de pagamento pontual das retribuições devidas, a que se refere o ponto 2. do julgamento da matéria de facto, nem a ação executiva instaurada pela Autora, dada como assente no ponto 3 da matéria de facto, porquanto, não se encontrando no elenco das ações enunciadas no artigo 2.º, n.º 4 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, não são formas judiciais legalmente previstas adequadas a operar o efeito de assegurar a abrangência do pagamento dos créditos pelo Fundo de Garantia Salarial.

Porém, já assim não ocorre em relação à ação especial de insolvência instaurada pela Autora em 09/04/2014 (ponto 4. do julgamento de facto da sentença recorrida), nem o processo especial de revitalização instaurado pela entidade empregadora, em 03/07/2014, em cujo âmbito foi nomeado administrador judicial em 04/07/2014 e reconhecido o crédito da Autora em requerimento apresentado em 07/08/2014 (cfr. pontos 5., 6. e 7. do julgamento de facto).

Não obstante a Autora ter preenchido o formulário do pedido de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho pelo Fundo de Garantia Salarial indicando quanto à situação que determina o pedido o processo judicial de insolvência, que decorreu sob o Proc. n.º 1098/15.2T8FUN (vide pág. 106 verso do processo físico), os factos apurados no processo que a sentença revela no respetivo julgamento de facto evidenciam que antes mesmo desse processo, outros lhe antecederam visando a reclamação do crédito da Autora e o seu respetivo pagamento, como o processo de insolvência instaurado pela Autora, depois suspenso pela entrada do processo especial de revitalização, que correu termos sob Proc. n.º 2058/14.6TBFUN, a que se refere o ponto 5 da matéria de facto e este mesmo processo especial de revitalização, no âmbito do qual foi reconhecido o crédito da Autora, como dado como provado no ponto 7. do julgamento da facto da sentença.

Ora, como decidido no Acórdão do STA, de 08/02/2018, Proc. n.º 0148/15, o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos laborais, só pode ser o que decorre nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação (de insolvência), e não qualquer outra ação, visando afastar a relevância da ação judicial que tenha corrido termos no Tribunal de Trabalho, mas não afasta as demais situações legalmente previstas no artigo 2.º, n.º 4 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, de entre as quais o processo especial de revitalização e o procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.

Como no presente caso a ação de insolvência que foi instaurada pela entidade patronal, na sequência do processo especial de revitalização, a que se refere o ponto 9. do julgamento da matéria de facto não abrange, quanto ao seu período temporal, o crédito da Autora emergente da indemnização por resolução do contrato por justa causa, por este ter vencido em 04/02/2014 e a sentença proferida nesta ação ter sido proferida em 09/04/2015, não respeitando o período de abrangência dos seis meses anteriores, não deixa de poder relevar a data da instauração quer da primeira ação de insolvência pela Autora, em 09/04/2014, quer a instauração do processo especial de revitalização em 03/07/2014.

Ambas as ações são relevantes para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.ºs 1 e 4 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, recaindo no âmbito da previsão da norma do citado n.º 4, e mostra-se respeitado o período temporal de abrangência do crédito, considerando a sua data de vencimento ocorrida em 04/02/2014.

Acresce não poder ser olvidado que segundo o artigo 1.º, n.º 2, b) do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, no âmbito do processo especial de revitalização, o administrador judicial provisório notifica o Fundo de Garantia Salarial da apresentação do requerimento previsto no artigo 17.º-C do CIRE com cópia dos documentos indicados nas alíneas a) e b) do artigo 24.º do CIRE e referidos na alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE, bem como do despacho do juiz que o designa.

Daí que em face do regime legal e do seu confronto com os factos apurados, incorra a sentença recorrida em erro de julgamento de facto e de direito ao fazer relevar como facto relevante para determinar o período de abrangência, o processo de insolvência instaurado pela entidade empregadora em 23/02/2015 e em cujo âmbito foi proferida sentença de declaração de insolvência em 09/04/2015, e não a instauração quer da ação de insolvência pela Autora em 09/04/2014, quer ao início do processo especial de revitalização, em 03/07/2014.

Nestes termos, considerando que o crédito reclamado pela Autora que integra o objeto do presente recurso, correspondente à indemnização fixada judicialmente no valor de € 20.000,00 por rescisão por justa causa se considera vencido em 04/02/2014, correspondente ao trânsito em julgado da sentença que o reconheceu, proferida em 14/01/2014, está abrangido no período temporal dos seis meses dos créditos previstos no n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 59/2015, de 21/04 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização, ocorridas, respetivamente, em 09/04/2014 e em 03/07/2014.

Pelo que, procede, por provada, a censura dirigida contra a sentença recorrida.


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Em suma, será de conceder provimento ao recurso, por provados os seus fundamentos, em revogar a sentença recorrida na parte impugnada e em condenar o Fundo de Garantia Salarial a deferir o pedido da Autora, no que se refere ao crédito no valor de € 20.000,00.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, que aprova o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, tal regime é aplicável a todos os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.

II. Quanto ao âmbito dos créditos abrangidos, consagra o artigo 2.º, n.ºs. 1 e 4, do referido diploma, que são os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da (i) ação de insolvência ou (ii) à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou (iii) do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.

III. Incluem-se nos créditos abrangidos, a indemnização fixada por incumprimento culposo do contrato pela entidade empregadora.

IV. À luz do artigo 2.º, n.º 4 não releva a ação judicial instaurada no Tribunal de Trabalho com vista à condenação ao pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, por não ser uma das três vias judiciais previstas.

V. Apurando-se que antes da declaração de insolvência (em processo instaurado pela entidade empregadora), a Autora havia instaurado processo especial de insolvência e que a entidade empregadora requereu processo especial de revitalização, foram usadas as vias judiciais previstas no disposto no artigo 2.º, n.º 4 do D.L. n.º 59/2015, de 21/04, importando que o Fundo de Garantia Salarial assegure o pagamento dos créditos abrangidos no período de referência dos seis antes anteriores.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provados os seus fundamentos, em revogar a sentença recorrida na parte impugnada e em condenar o Fundo de Garantia Salarial a deferir o pedido da Autora no que se refere ao crédito no valor de € 20.000,00.

Sem custas nesta instância de recurso e custas pela Entidade Demandada em primeira instância.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade e voto de vencido, com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, respetivamente, os Desembargadores, Alda Nunes e Pedro Marchão Marques.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)