Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1371/15.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/04/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA DELONGA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA; LEI N.º 67/2007, DE 31-12; VIOLAÇÃO DO DIREITO À JUSTIÇA EM PRAZO RAZOÁVEL; PROCESSO-CRIME;
ILICITUDE;
DEMORA NA FASE DO INQUÉRITO;
Sumário:I – Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;
II - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;
III – Não ocorre violação do direito à justiça em prazo razoável quando relativamente a um processo-crime, entre a data da abertura do inquérito e o acórdão final - depois de a primeira decisão ter sido alvo de recurso e de ter sido repetido o julgamento em 1.ª instância - mediaram cerca de 5 anos e 6 meses;
IV – A verificação de uma maior delonga na fase do inquérito, que demorou cerca de 2 anos e 6 meses, fica justificada processualmente pelo facto de o processo ter exigido a intervenção de intérpretes e tradutores de língua chinesa, a realização de diversas perícias junto da Polícia Judiciária, do Instituto de Medicina Legal, assim como, a requisição e pedido de informação médica e clinica a diversos hospitais, para além de se verificar a falta sucessiva de um dos arguidos a um exame médico, circunstâncias que afastam a ilicitude que se se exige para a responsabilização do Estado;
V - Nas circunstâncias do caso concreto, atendendo à complexidade do inquérito, à tramitação legal que se tinha necessariamente que seguir, aos meios ao dispor do Tribunal, assim como, a toda a restante tramitação processual, que foi célere nas suas fases seguintes, não obstante a maior dilação da fase de inquérito, a mesma não pode ser rotulada de ilícita ou censurável, pois a demora que foi cometida não poderia ser evitada ou atenuada. Tratou-se, pois, de uma demora desculpável. Ademais, a maior demora desta fase acabou por ficar mitigada face à celeridade que se imprimiu a todo restante do processo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO
L.... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente o pedido de pagamento de uma indemnização por atraso na administração da justiça, no valor de €6.000,00, a título de danos não patrimoniais e de €500,00, a título de danos patrimoniais.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “1-a Douta Decisão que ostraciza de forma ostensiva o artº 6º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a Jurisprudência do Tribunal Europeu; o prazo de duração do processo de 6 anos viola o artº 6º-1 da Convenção Europeia; na verdade,
2- o A. foi perseguido criminalmente, constituído arguido, acusado e julgado no processo 709/09. 3 phlsb - Instancia Central – 1ª Secção Criminal Lisboa- J 19, entre 2009 e 2015; em 26 Maio 2015 foi proferido Douto Acórdão que absolveu o arguido; o caso pendeu 6 (seis) anos, prazo não razoável; o A. esperou 6 anos que o seu direito fosse definido, pelo que a delonga da Justiça portuguesa anos causou-lhe os seguintes danos:
a)- manteve-se numa situação de incerteza desde 2009 até 2015; b)- sofreu incerteza e angústia desde o início ao fim do processo;
c)- sofreu frustração pela ineficácia do sistema na defesa dos seus interesses; e)- o A. sofreu impaciência durante os 6 anos de vida do caso;
3- o Tribunal Europeu condena e manda reparar, através de indemnização justa e equitativa, pela morosidade da Justiça face à violação do artº. 6º -1 da Convenção Europeia, sem qualquer necessidade de prova, por se tratar de facto notório.
4- o réu deve ser condenado a pagar ao A. os danos invocados na p.i. porque violou a sua obrigação de proferir uma Decisão jurisdicional efectiva e exequível “em prazo razoável” como impõem o artº 20 da Lei Fundamental, os arts. 6º - 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2º e 12º da LEI 67/2007 de 31/12, art. 2º do C. Proc Civil e 483 do Cód. Civil.
5- o A. calcula 1.000 € por ano de duração do processo, como base para o quantum de 6.000 €, que o R. lhe deve pagar, conforme decidiu o Tribunal Europeu em muitos casos:
- “O Estado é responsável pelo conjunto dos seus serviços e não apenas pelos órgãos judiciários.” Cfr. Acórdão do Tribunal Europeu, Caso Moreira Azevedo c. Portugal, de 26-9-1990.
- “Uma perícia solicitada ao LPC é uma diligência no âmbito de um processo judicial controlado pelo Juiz que deve assegurar a condução rápida do processo. Incumbe ao Estado Português dotar o LPC, um órgão estatal, dos meios apropriados, adaptados aos objectivos em causa, de forma a permitir-lhe cumprir as exigências do artº 6º, nº1 da Convenção” - Acórdão do Tribunal Europeu, Caso Pena c.Portugal de 18-12-2003.
-“No âmbito do artº 6º o Estado é responsável pelas faltas cometidas pelos Tribunais pelo legislador, pelo executivo ou por órgãos ou pessoas que fazem parte da estrutura do Estado”- Acórdão TEDH, Caso Martins Moreira c. Portugal, de 7-10-1988.
6- A Jusrisprudencia nacional tem seguido o mesmo entendimento face ao primado da Convenção Europeia:
(“texto integral no original; imagem”)

7- é de conhecimento oficioso do Tribunal a quo e de Vossas Excelências o Acórdão-piloto VALADAS MATOS DAS NEVES contra Portugal- Pº 73798/2013 de 20-10-2015: o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou Portugal porque o processo demorou 9 anos 11 meses e 20 dias- publicado em www.gddc.pt/ ministério publico; ali se presumiu a culpa sem produção de qualquer prova além da que consta do processo atrasado;
8- porque razão in casu 6 anos de pendencia no caso sub judice serão diferente ? a resposta de Vossas Excelências só pode ser a revogação da Sentença e a condenação de Portugal pela violação do artº 6º- 1 da Convenção Europeia e face ao Caso VALADAS MATOS DAS NEVES contra Portugal- Pº 73798/2013 de 20-10-2015.”

O Recorrido Estado Português, aqui representado pelo Ministério Público (MP), nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1. O Recorrente não cumpriu o ónus de alegar e o ónus de concluir, nos termos do disposto no art. 639.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC.
2. O requerimento de interposição do recurso dever ser indeferido, nos termos do disposto no art. 641.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
3. Não há qualquer erro na apreciação da prova e na aplicação do direito. Não se encontram violadas quaisquer normas jurídicas, mormente, a indicada pelo Recorrente.
4. A douta sentença não violou o disposto no art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, art.s 2.º, 20.º e 212,º, da Constituição da República Portuguesa, art.s 2.º e 12.º da Lei n.º 67/2007 de 31.12, art. 2.º do CPC e 483.º do Cód. Civil.”

Colhidos os vistos, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foi dada por provada a seguinte factualidade, que não vem impugnada:
A) Em 01.09.2009 foi elaborado o Auto de notícia por agente da PSP, onde este relata que visualizou três indivíduos de nacionalidade chinesa com o vestuário cheio de sangue e que ao serem abordados “não falaram ou não quiseram falar “, tendo sido accionado o INEM que transportou os intervenientes para o Hospital de São José e Santa Maria e informado o piquete da PJ que se deslocou ao local para recolha de vestígios biológicos (cfr. fls. 2 e v. da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
B) Em 03.09.2009 foi proferido despacho de remessa do processo ao DIAP e registado e autuado como inquérito sob o n.º 709/09.3 PHLSB nos serviços do Ministério Público a 10.09.2009 (cfr. fls. 2 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
C) Aberta conclusão em 14.09.2009 foi proferido na mesma data despacho de arquivamento por se entender, que estava em causa crime semipúblico e não haver queixa (cfr. fls. 3 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
D) Por despacho de 17.09.2009 o Ministério Público determinou a reabertura do inquérito e validou os interrogatórios dos então constituídos arguidos C….., com intérprete de língua chinesa, realizados pela PJ respectivamente a 04.09.2015 e 02.09.2015 (cfr. fls. 23 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
E) Em 01.09.2009 foi prestada informação de serviço e informação pela Polícia Judiciária (cfr. fls. 33
F) Em 01/09/2009, o Autor foi constituído arguido e interrogado com intérprete de língua chinesa, tendo nessa data junto procuração, a favor do Sr. Dr. N…. (cfr. fls. 57 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
G) Em 01/09/2009 foi lavrado auto de inquirição de A….. (cfr. fls. 71 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
H) Em 02/09/2009 foi lavrado auto de inquirição de J….., com recurso a intérprete de chinês (cfr. fls. 76 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
I) Em 03.09.2009 foram pedidos ao L.P.C. exames de A.D.N., quanto a vestígios hemáticos encontrados no local, ficando de ser remetidas ulteriormente as zaragatoas bucais dos três supostos intervenientes em que se incluía o Autor (cfr. fls. 93 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
J) Em 03.09.2009 foi recolhida zaragatoa bucal ao Autor e remetida no mesmo dia para o LPC (cfr. fls. 92 e 93 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
K) Em 06/09/2009, o Laboratório de Polícia Científica enviou o relatório do Exame Pericial n.º 200913562-CLC ao Director da Polícia Judiciária (cfr. fls. 97 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
L) Em 06/09/2009, o Laboratório de Polícia Científica enviou o relatório do Exame Pericial n.º 200913562-CLC ao Director da Polícia Judiciária (cfr. fls. 121 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
M) Em 08.09.2009, o L.P.C. informa que a morosidade previsível na realização do exame, tendo em conta a pendência existente, era de 300 (trezentos) dias (cfr. fls. 127 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
N) Em 11.09.2009 foi junto pelo Instituto de Medicina Legal a perícia de avaliação do dano, tendo sido solicitados elementos médicos suplementares e marcado novo exame num período não inferior a 30 dias, dado que as lesões ainda não encontravam consolidadas (cfr. fls. 143 a 149 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
O) Em 14.09.2009 foi enviado ao L.P.C. zaragatoa bucal de C....(cfr. fls. 120 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
P) Em 17.09.2009, foi recolhida e entregue para exame no LPC a zaragatoa bucal de Y....(cfr. fls. 159/160 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
Q) Por despacho de 21/09/2009, foi concedido o prazo de 120 dias para a investigação (cfr. fls. 30 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
R) Em 06/10/2009, foi lavrado auto de inquirição de C....(cfr. fls. 152 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
S) Em 13.10.2009 foi junto o relatório detalhado de episódio de urgência de 02.10.2009 (documentação clínica) do Hospital de Santa Maria, referente ao Autor (cfr. fls. 164 a 167 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
T) Em 22.10.2009 foi elaborado o relatório final pela PJ e ordenada a 23.10.2009 a remessa do inquérito ao DIAP de Lisboa, onde deu entrada a 30.10.2009 (cfr. fls. 172 a 180 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
U) Em 02.11.2009 foi junta perícia de avaliação do dano corporal, referente a Y....e para a avaliação completa do dano o IML solicitou a remessa de elementos médicos complementares (cfr. fls. 184 a 187 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
V) Em 04.11.2009 foi junta perícia de avaliação do dano corporal de 29.10.2009 referente ao Autor e, para a avaliação completa do dano o IML solicitou a remessa de elementos médicos complementares (cfr. fls. 193 a 195 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
W) Aberta conclusão a 12.11.2009 por despacho proferido na mesma data foi ordenada a solicitação dos elementos médicos de Y….., ao Hospital de São José (cfr. fls. 188 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
X) Por ofício de 27/11/2009, foi solicitada ao Hospital de S. José os elementos indicados na alínea anterior (cfr. fls. 189 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
Y) Em 03/12/2009, o DIAP, 4ª Secção solicitou ao Hospital de Santa Maria os registos clínicos, bem como os registos clínicos da consulta de cirurgia plástica relativos ao A. (cfr. fls. 196 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
Z) Em 28/12/2009, o Hospital de Santa Maria enviou ao DIAP, 4ª Secção elementos clínicos relativos ao A. (cfr. de fls. 197 a 200 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
AA) Em 28.12.2010 foi recebida e junta a perícia de avaliação do dano corporal, efectuada pelo "IML", quanto a C....(cfr. de fls. 312 a 315 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
BB) Em 12/01/2010 o DIAP enviou cópia dos registos clínicos do Hospital de Sta Maria ao Instituto Nacional de Medicina Legal para conclusão do exame (cfr. de fls. 201 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
CC) Em 14/01/2010, o Centro Hospitalar de Lisboa, E. P. E. informou o DIAP, 4ª Secção, que os registos clínicos solicitados já haviam sido remetidos à Polícia Judiciária de Lisboa (cfr. de fls. 202 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
DD) Em 15/01/2010 foi recebida no DIAP a perícia de avaliação do dano corporal, quanto ao Autor, realizada pelo IML, em 15.01.2010 (cfr. de fls. 204/207 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
EE) Aberta conclusão em 02/02/2010, por despacho de 10/02/2010 foi solicitado novamente os registos clínicos, necessários aos autos a correr termos no DIAP (cfr. de fls. 208 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
FF) Em 26.04.2010 foi recebida perícia de avaliação do dano corporal, quanto a Y....(cfr. de fls. 281 a 285 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
GG) Em 30/04/2010, foi recebida a marcação de exame de clínica médico-legal de C....(cfr. de fls. 286 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
HH) Em 10/05/2010, a Polícia Judiciária informou que C....não compareceu ao exame pericial de Clínica que se encontrava marcado no Serviço de Clínica Médico-Legal do Instituto de Medicina Legal (cfr. de fls. 290 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
II) Conclusos os autos em 06/07/2010, na mesma data foi solicitada informação sobre a possibilidade de elaboração de relatório final relativamente a C....sem a presença do mesmo em novo exame (cfr. de fls. 291 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
JJ) Em 16/08/2010, foi solicitada ao INML a informação referida na alínea anterior (cfr. de fls. 292 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
KK) Em 08/09/2010, o INML solicitou ao DIAP a comparência de C....para marcação de exame pericial de clínica Médico-Legal (cfr. de fls. 293 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
LL) Perante a frustração das tentativas de contacto de C….., através de número de telemóvel, foi enviada ao mesmo Notificação por Via Postal Simples para comparência do exame referido na alínea anterior (cfr. de fls. 295 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
MM) Em 27/09/2010, o INML informou o DIAP, 4.ª Secção, da falta de comparência a exame pericial de clínica (cfr. de fls. 297 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
NN) Aberta conclusão em 07/10/2010, na mesma data foi renovado o despacho de fls. 291 (cfr. de fls. 29 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
OO) Em 28.12.2010 foi recebida e junta a perícia de avaliação do dano corporal, efectuada pelo "IML", quanto a C....(cfr. de fls. 312/315 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
PP) Em 05/01/2011, foi remetido o proc. 158/09.3 JBLSB, para consulta, cfr. solicitado por despacho de 04/01/2011 (cfr. de fls. 312/315 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
QQ) Conclusos os autos em 17/03/2011, por despacho de 04/05/2011, foi ordenada a extracção de certidão, a fim de ser junta aos autos (cfr. de fls. 325 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
RR) Em 20/05/2011 foi extraída a certidão referida na alínea anterior (cfr. de fls. 326 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
SS) Conclusos os autos em 01/07/2011, por despacho de 07/07/2011, foi solicitada informação sobre o estado da informação do ofício de fls. 127, o que foi feito por ofício de 27/10/2011 (cfr. de fls. 353 e 354 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
TT) Em 22/11/2011, o LPC da Polícia Judiciária informa dos motivos pelos quais ainda não fora enviado o relatório do exame enviado, prevendo a sua remessa até final de Dezembro de 2011 (cfr. de fls. 358 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
UU) Em 28/12/2011 foi elaborado o relatório final do exame de ADN, o qual deu entrada na PJ a 10.01.2012 e foi remetido ao DIAP a 12.01.2012 (cfr. de fls. 360 a 365 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
VV) Conclusos os autos em 25/01/2012, em 28.02.2012 foram proferidos despachos de arquivamento e de acusação, que tiveram de ser devidamente traduzidos para a língua chinesa, para efeitos de notificação (cfr. de fls. 377 a 383 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
WW) Após prestação de termo de compromisso e tendo sido nomeada tradutora a 24.04.2012, foi recebida a tradução em chinês, dos referidos despachos e notificações, para notificação aos arguidos (cfr. de fls. 393 a 402 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
XX) Tendo os arguidos sido notificados por carta e ordenado e pago os honorários solicitados, aos defensores e exames efectuados no âmbito do inquérito, foi o mesmo remetido à distribuição, em 27/09/2012, em cumprimento do despacho de 26/09/2012 (cfr. de fls. 403 a 423 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
YY) Aberta conclusão a 08.10.2012, na mesma data foi proferido despacho de recebimento da acusação e de designação de dia para julgamento para 05.02.2013, face ao número elevado de julgamentos já agendados, tendo desde logo sido designada a data de 19.02.2013 em caso de adiamento (cfr. de fls. 424 a 427 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
ZZ) Em 22/11/2012 o A. ofereceu o merecimento dos autos, arrolando três testemunhas (cfr. de fls. 465 a 466 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
AAA) Conclusos os autos em 28/11/2012, na mesma data foi admitida a Contestação apresentada pelo A e ordenada a notificação das testemunhas por si arroladas (cfr. de fls. 467 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
BBB) Em 05/12/2012 foi nomeada intérprete nos autos (cfr. de fls. 467 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
CCC) Perante as tentativas frustradas de notificar a testemunha C….., em 07/01/2013, foi promovido que se procedesse às diligências necessárias com vista ao seu paradeiro (cfr. de fls. 514 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
DDD) Por despacho de 09/01/2013, foi ordenado cfr. promovido (cfr. de fls. 515 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
EEE) Em 05/02/2013, a audiência de julgamento designada para essa data foi adiada, em virtude de o arguido Y....não ter sido notificado na morada constante do TIR, dada a inexistência de receptáculo para o efeito e tentada a notificação por OPC, também não ter sido possível encontrá-lo, encontrando-se ainda ausentes, com certidão de notificação negativa, as testemunhas Y…. e C…., tendo ficado designada como nova data, a do dia 19.03.2013 (cfr. de fls. 506, 510, 531, 546, 568 a 570 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
FFF) Em 19.03.2013 foi por despacho ordenada a separação de processos relativamente ao arguido faltoso, Y....e iniciou-se o julgamento, quanto aos arguidos o Autor L….. e C....(cfr. de fls. 614 a 621 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
GGG) Foi designado o dia 16/04/2013 para continuação da audiência referida na alínea anterior, tendo nessa data sido designada data de 24.04.2013 para leitura do Acórdão (idem);
HHH) Em 24.04.2013, data da leitura do acórdão e antes da mesma, quanto ao arguido C....foi proferido despacho, no qual o Tribunal comunicou a alteração substancial de factos, a que o arguido se opôs tendo em consequência o Tribunal determinado a extracção de certidão integral dos autos, nos termos do disposto no art. 359.º, n.º 2 CPP, mais determinando a sua entrega ao Ministério Público (cfr. de fls. 639/655 e 656/657 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
III) Em 24/04/2013 foi proferido e lido o Acórdão absolutório quanto ao Autor L...., por se entender que o mesmo actuara em legítima defesa (idem);
JJJ) Em 29/05/2013, O Ministério Público interpôs recurso do despacho alteração substancial de factos nos termos do disposto no art. 359.º, n.º 2 CPP quanto ao C...., bem com interpôs recurso do Acórdão, na parte em que não proferiu decisão, quanto ao arguido C....(cfr. de fls. 660 a 671 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
KKK) Em 07/06/2013 foi proferido despacho admitindo os recursos interpostos pelo Ministério Público (cfr. de fls. 681 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
LLL) Em 14/10/2013 foram enviadas cartas registadas para notificação da admissão do recurso (cfr. de fls. 689 a 691 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
MMM) Em 15/10/2013, a Digna Magistrada do Ministério Público foi notificada do despacho de admissão do recurso, referido na al. KKK), com a menção de que apenas foi possível fazê-lo na indicada data, por impossibilidade informática que só então foi ultrapassada (cfr. de fls. 692 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
NNN) Decorrido o prazo para contra alegações, não tendo o arguido contra alegado, por despacho de 03/03/2014 foi ordenado por despacho a subida do recurso e remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, em 13.03.2014 (cfr. de fls. 700 e 713 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
OOO) Por Acórdão de 25.06.2014 do Tribunal da Relação de Lisboa, foi concedido provimento ao recurso do Ministério Público sobre o despacho dado em acta nos termos do disposto no art. 359.º, n.º 2 CPP e anulado o Acórdão, para que se conheça também da responsabilidade criminal, do arguido C...., constando do mesmo, nomeadamente, o seguinte: “revoga-se o despacho proferido na audiência de julgamento de 24.04.2013, a fls. 656-657 dos autos, com anulação dos demais termos dos autos, incluindo o acórdão absolutório constante de fs. 639-655, devendo aquele despacho ser substituído por outro que não optando pela extracção da certidão dos autos continue o julgamento quanto a ambos os arguidos, não tendo em conta os mesmos factos novos tão só e apenas no que respeita à responsabilização criminal do 2º arguido, C…., sendo depois proferido acórdão na devida conformidade.” (cfr. de fls. 725 a 737 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
PPP) Em 24/09/2014 foi o processo n.º 709/09.3 PHLSB.L1 devolvido do Tribunal da Relação à Comarca de Lisboa, Inst. Central, 1ª Secção Criminal, J19 (cfr. de fls. 751 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
QQQ) Em 20/10/2014, foram remetidos pelo Tribunal da Relação à Comarca de Lisboa, Inst. Central, 1ª Secção Criminal, J19 os documentos respeitantes ao 709/09.3 PHLSB.L1 (cfr. de fls. 758 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
RRR) Em 24/10/2014, em obediência ao decidido no Acórdão do Tribunal da Relação, foi designado o dia 16.01.2015 para continuação do julgamento (cfr. de fls. 770 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
SSS) Em 14/01/2015, o A. apresentou via fax, Procuração outorgada ao Sr. Dr. V…., seu Ilustre Mandatário nos presentes autos (cfr. de fls. 783 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
TTT) Por despacho de 15/01/2015, foi ordenada a junção do original da Procuração Forense referida na alínea anterior (cfr. de fls. 786 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
UUU) Em 16/01/2017, no período da manhã, contactado o Ilustre Causídico, pelo mesmo foi a Comarca de Lisboa, Inst. Central, 1ª Secção Criminal, J19 que havia enviado a visada Procuração Forense, não constando, no entanto, do registo histórico da plataforma Citius pelas 12h30m (cfr. de fls. 787 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
VVV) Em 16.01.2015 por não ter sido notificado o arguido C...., aberta a audiência foi designado o dia 09.03.2015 para a realização da mesma (cfr. de fls. 790 a 792 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
WWW) Em 16/01/2015, o A. juntou o original da Procuração Forense, referida na al. SSS), tendo ainda arguido a nulidade do processado e requerido o adiamento do julgamento, bem como a nomeação de um intérprete de nacionalidade portuguesa, idóneo (cfr. de fls. 793 a 794 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
XXX) Em 21/01/2015, o DMMP emitiu promoção no sentido do indeferimento da arguida nulidade e do sancionamento do arguido, ora A. nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 521º n.º 1 do C.P.P e art.º 531º do C.P.C. (cfr. de fls. 802 a 804 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
YYY) Em 26/01/2015, foi proferido despacho de indeferimento da nulidade arguida e referida em WWW), extraindo-se do mesmo, entre o mais que “A pretensão do arguido é manifestamente infundada e deu azo a uma actividade processual inútil. Apresentou-se como um expediente dilatório, sem qualquer fundamentação de base jurídica, apresentado manifestamente com o intuito de atrasar o decurso do processado.
Nestes termos, concluindo que o Requerente, conscientemente não agiu com a diligência e prudência que lhe são devidas, deverá a sua conduta ser sancionada nos termos 521º n.º 1 do C. P. Penal e 531º do C. P. Civil, o que se determina, fixando-se o valor da taxa em 3 UC” (cfr. de fls. 808 a 809 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
ZZZ) Em 16/02/2015, o A. interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão referida na alínea anterior (cfr. de fls. 813 a 818 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
AAAA) Aberta conclusão em 24/02/2015, na mesma data foi proferido despacho de admissão do recurso referido na alínea anterior e ordenada a sua notificação, o que foi feito em 26/02/2015 (cfr. de fls. 827 a 847 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
BBBB) Aberta a audiência de julgamento a 09.03.2015 e tendo faltado o Defensor do arguido C....foi-lhe nomeado pelo Tribunal Defensor Oficioso, que pediu prazo para analisar os autos, tendo o julgamento sido novamente adiado e designada como nova data, a do dia 18.05.2015 (cfr. de fls. 846 a 847 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
CCCC) Em 13/04/2015 o Ministério Público apresentou resposta à motivação de recurso apresentada pelo A, pugnando pela rejeição do visado recurso, por ser “manifesta a sua improcedência” (cfr. de fls. 862 a 865 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
DDDD) Em 20/04/2015, o arguido C.... requereu a confiança do processo (cfr. de fls. 867 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
EEEE) Em 18.05.2015 realizou-se a continuação da audiência de julgamento, encontrando-se ausentes o A. e o arguido C.... (cfr. de fls. 873 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
FFFF) Em 26/05/2015 foi proferido Acórdão, tendo o mesmo sido lido em audiência e depositado (cfr. de fls. 882 a 910 da Certidão junta com a Contestação, ibidem);
GGGG) Dá-se por integralmente reproduzido o teor do Doc. n.º 2 junto com a Contestação;
HHHH) Dá-se por integralmente reproduzido o teor do Doc. n.º 3 junto com a Contestação;
IIII) Dão-se por integralmente reproduzidos os Docs. N.º 1 e 2 juntos com a P. I. aperfeiçoada.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir da invocação do MP relativa à falta de objecto do recurso por o Recorrente não ter cumprido os ónus de alegar e concluir e ter reproduzido a PI sem assacar vícios à decisão recorrida;
- aferir do erro decisório e da violação do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), por não ter sido atribuída ao Recorrente a peticionada indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, quando está provado nos autos que ocorreu um atraso na administração da justiça, decorrente de uma demora no processo crime por 6 anos.

Quanto à invocação do Recorrido, relativa à falta de objecto do recurso por o Recorrente não ter cumprido os ónus de alegar e de concluir e ter reproduzido a PI sem assacar vícios à decisão recorrida, improcede, pois o recurso é composto por um corpo de alegações, finaliza com conclusões e na conclusão 1.ª do recurso o Recorrente vem indicar, de forma expressa, que a sentença recorrida violou o art.º 6.º da CEDH.

No que concerne ao erro decisório diga-se, desde já, que não ocorre. A decisão recorrida é para manter por ser acertada.
O direito a uma decisão judicial em prazo razoável foi consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), na versão introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-09.
Esse mesmo direito está também consagrado nos art.ºs. 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 04-11-1950 (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13-10, com depósito em 09-11-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 1/79, de 21-01-1979) e tem igualmente protecção nos art.ºs 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10-12-1948 (publicada no DR de 09-03-1978) e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, com depósito em 15-06-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 187/78, de 16-08-1978).
Por seu turno, o art.º 22.º da CRP consagrava desde a revisão de 1982 (Lei-Constitucional n.º 1/82, de 30-09-1982) um princípio geral da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas.
Naquela data inicial, estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, que não consagrava em termos expressos a responsabilidade do Estado pelo funcionamento defeituoso do serviço público de justiça e designadamente pela delonga anormal na administração da justiça.
Todavia, a doutrina e a jurisprudência largamente maioritárias passaram a considerar que o artigo 22.º da CRP determinava um princípio geral de responsabilidade civil do Estado por danos causados no exercício das suas funções – política, legislativa, jurisdicional ou administrativa – e que era uma norma directa e imediatamente aplicável, servindo, por isso, de fundamento para a interposição de uma acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito e culposo (cf. neste sentido, o Ac. do STA, n.º 26535, de 07-03-1989, que deu o mote à alteração jurisprudencial nesta matéria, ou mais recentemente fazendo a referência à anterior jurisprudência o Ac. do STJ n.º 368/09.3YFLSB, de 08-09-2009. Vide também, entre outros, os Acs. do, do STA n.º 0533/09, de 19-11-2009 ou n.º 0122/10, de 05-05-2010 ou n.º 0144/13, de 27-11-2013. Na doutrina, vide, entre muitos outros Jorge Miranda - “A Constituição e a Responsabilidade Civil do Estado” - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, pp. 927-934; JJ Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4º ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, p. 496; Fausto Quadros - “Omissões legislativas sobre direitos fundamentais”. Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa INCM, 1987, pp. 60- 61; Rui Medeiros - A Decisão de Inconstitucionalidade, Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, pp. 576-620; Manuel Afonso Vaz - A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o seu Estatuto Constitucional. Porto: Edição UCP, 1995, pp. 7-13; Maria da Glória FP Dias Garcia - A Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas. Lisboa: CES, 1997, pp. 40-46; Maria Rangel de Mesquita - “Responsabilidade do Estado e Demais Entidades Públicas: o Decreto-lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e o Artigo 22º da Constituição”. Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1997; Isabel Celeste M. Fonseca - “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”. Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, pp. 8-9).
Entretanto, foi publicada a Lei nº 67/2007, de 31-12, que no seu artigo 12.º vem prever em termos expressos que “é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”.
Nos termos da Lei nº 67/2007, de 31-12, são pressupostos - cumulativos - para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas na administração da justiça, a existência de um facto ilícito e culposo, que tenha provocado danos e a verificação de um nexo de causalidade entre aquele facto e os danos verificados.
O facto é entendido como um acto conteúdo positivo ou negativo, como uma conduta de um órgão ou do seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas.
No caso, o facto corresponderá ao acto ou à omissão da administração (da justiça, vg. aos tribunais), de proceder à regular tramitação e decisão num processo.
Exige-se, depois, a ocorrência de uma ilicitude, reconduzível à violação por aquele facto de normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, ou à prática de actos materiais que infrinjam tais normas e princípios, ou que infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser consideradas (cf. art.ºs. 7.º e 12.º da Lei nº 67/2007, de 31-12).
Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, a jurisprudência nacional, seguindo o entendimento que já vinha sendo tomado pelo TEDH, a propósito da aplicação do art.º 6.º, n.º 1, da CEDH, vem invocando que para a apreciação da violação do prazo razoável, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais.
Verificada a violação de um dado prazo, essa constatação não será, contudo, o bastante para se concluir pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável. Diversamente, há então que atender também às circunstâncias do caso concreto: (i) à complexidade do caso - aqui relevando o número de partes ou de testemunhas ou o número de meios de prova a produzir; (ii) o comportamento processual das partes; (iii) a actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e a importância do litígio para o interessado – vg., havendo que apreciar-se o concreto assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respectivo autor ou os próprios bens que se pretendem salvaguardar com o litígio.
Assim, verificando-se um atraso no cumprimento de prazos por razões ainda justificadas face aos termos do concreto litígio, ou derivadas de comportamentos provocados pelas próprias partes, há que afastar, nestas situações, o preenchimento do conceito de “prazo razoável”.
Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu. Para o cômputo desse prazo global releva não apenas a fase declarativa, desde o seu início, mas também a fase de execução judicial, importando apurar, no todo, o tempo em que decorreu até que uma dada pretensão formulada em juízo fosse efectivamente conhecida ou satisfeita.
Assim, como se defende no STA no Ac. n.º 0319/08, de 09-10-2008, “Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.” (sobre a apreciação do pressuposto da ilicitude por quebra do direito à justiça em prazo razoável, para além do acórdão do STA, acima citado, vide, entre outros, os Acs. do STA n.ºs. 122/09, de 08-07-2009, 090/12, de 10-09-2010, 122/10, de 05-05-2010, 144/13, de 27-11-2013 ou 72/14, de 21-05-2015. Entre a jurisprudência do TEDH remete-se para os Acs. n.ºs. 53615/08, de 25-09-2012, Novo e Silva c. Portugal, 75529/01, de 08-06-.2006, Sürmeli c. Alemanha, 35382/97, de 06-04-.2000, Comingersoll SA c. Portugal, 33729/06, de 10-06-2008, Martins Castro e Alves Correio de Castro c. Portugal, 39297/98, de 08-03-2001, Pinto de Oliveira C. Portugal, 12986/87, de 24-08-1993, Scuderi c. Itália ou 12598/86, de 19-02-1992, Viezzer c. Itália).
Refiram-se, a este propósito, as palavras de Isabel Celeste da Fonseca, quando lembra que “o Tribunal de Estrasburgo já afirmou que a duração razoável corresponde em princípio à duração média de um processo, sendo certo que – em princípio, sublinhe-se – a duração em média em 1.ª instância deve corresponder a 3 anos, ou dois anos e sete meses, se atendermos às causas em matéria laboral ou relativas a pessoas. E a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, sublinhe-se de novo, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais, em que 2 anos pode significar duração excessiva, tendo em conta a particularidade de certas situações jurídicas litigiosas” (cf. da Autora, “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46).
Quanto à culpa, é entendida enquanto um juízo subjectivo ou de censurabilidade, que liga o facto ao agente, por ter praticado a própria conduta ilícita ou por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e adoptar.
Por aplicação dos art.ºs. 10.º, n.º 1, e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, a culpa é apreciada pela diligência que é exigível, em abstracto, a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor em face do circunstancialismo próprio do caso concreto.
Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, a culpa personalizável no próprio autor do acto, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado. Considera-se, pois, que da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre a indicada culpa, que aqui é apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Por aplicação do art.º 10.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31-12, há aqui uma inversão da regra geral do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 1, do CC, presumindo-se a culpa, salvo prova em contrário (cf. art.º 350.º, n.º 2, do CC).
No que concerne ao pressuposto dano, corresponderá à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão, ou na adopção tempestiva procedimentos cautelares e de medidas provisórias que tenha sido oportunamente requeridas para se acautelar direito.
Atendendo à concreta situação, que não se coaduna com um princípio de restauração natural, aqui afasta-se a regra do 562.º do CC, concretizando-se o direito à reparação pelo dano, sempre, através de uma prestação pecuniária.
Por via da jurisprudência do TEDH tem sido igualmente entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Será um dano comum, que se apura de acordo com as regras da vida, inerente a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça. Logo, a alegação e prova só nestas acções só serão exigíveis nos casos em que os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.ºs 62361, de 29-03-2006, Riccardi Pizzati c. Itália ou 50262/99, de 22-06-2004, C. Bartl c. República Checa).
Seguindo a jurisprudência do TEDH será também possível atribuir às pessoas colectivas uma indemnização por danos não patrimoniais, mas aqui e ficarem alegados e provados nos autos, vg. porque se verifique que da demora resultaram dificuldades de gestão, organização ou planeamento da empresa, danos para a sua imagem ou dificuldades financeiras.
Tal presunção da existência de danos não patrimoniais é, no entanto, ilidível, aceitando-se que haja casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até nenhum dano moral (cf. art.ºs 346.º e 351.º do CC).
Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC, quando indicam que o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso, como o grau de culpabilidade do agente (cf. também art.º 41.º da CEDH).
Ainda aqui, há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país (c. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.º 36813/97, de 29-03-2006, Scordino c. Itália, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália).
Ou seja, para aferir do quantum da indemnização a arbitrar nos processos de indemnização decorrentes de atraso na decisão de processo judicial deve considerar-se os padrões fixados, quer na jurisprudência nacional, quer do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Sobre o assunto, indicando os vários montantes para os casos “semelhantes”, pronunciou-se detalhadamente o STA no Ac. n.º 01004/16, de 11-05-2017, ali se referindo o seguinte: ”quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o Estado Português, aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de:
- 4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale », §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];
- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];
- de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];
- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];
- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];
- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C. Martins & Vieira partamenton.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)];
- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];
- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C. Martins & Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];
- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];
- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
LIII. Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte:
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias];
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];
- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];
- 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];
- 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];
- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade];
- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»].
Mais se refira, que atendendo à jurisprudência do TEDH, vão sendo apontados a título meramente indicativo os valores que oscilam entre 1.000,00€ e 1.500,00€ por cada ano de demora do processo – cf. neste sentido os Acs do TEDH n.ºs 65102/01, de 29-03-2006, Mostacciuolo v. Italy (n.º 2), 65075/01, de 29-03-2006, Giuseppina and Orestina Procaccini c. Italy, 64886/01, de 29-03-2006, Cocchiarella c. Italy, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália. Assim apontando Fonseca, Isabel Celeste - “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46; Ac. do STA n.º 07472/11, de 12-05-2011.
Para a efectivação da responsabilidade exige-se, ainda, a verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Aplica-se aqui, tal como para os demais casos da responsabilidade do Estado pelo ilícito, a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC, preceito segundo o qual a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Ou seja, só ocorre este nexo quando os danos, em abstracto, são consequência apropriada do facto. Igualmente, se para a produção do dano a condição é de todo indiferente ou só se tornou condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, essa condição não será causa adequada do dano que se alega.
De referir, ainda, que a mais recente jurisprudência do STA em matéria de responsabilidade civil do Estado Português decorrente de atraso na administração da justiça, na esteira do Ac. do TEDH n.º 73798/13, de 29-10-2015, Valada Matos c. Portugal, vem entendendo uniformemente que por força de um princípio da subsidiariedade, e por aplicação dos art.ºs 6.º, 113.º, 34.º, 35.º e 41.º da CEDH, compete, em primeira linha, ao juiz nacional reparar de forma razoável as violações dos direitos e liberdades que vem consagrados naquela Convenção, intervindo o TEDH apenas numa segunda linha, se esgotados os mecanismos nacionais e quando não tenha havido uma resposta reparatória que possa considerar-se satisfatória – cf. neste sentido os Ac. do STA n.º 488/16, de 30-03-2017 e Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017.
Nesta mesma lógica, se se entender que a resposta nacional não é satisfatória, é possível o recurso àquele TEDH para efectivar correspondente o direito indemnizatório, como que duplicando-se as apreciações judiciais sobre o mesmo assunto.
Como se explica no Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017, a possibilidade “de “duplicação” de meios essa que será tão mais frequente quanto menor for a efetividade dos meios indemnizatórios internos em matéria de duração excessiva dos processos judiciais, efetividade a ser aferida à luz dos critérios definidos pelo próprio «TEDH» [e que são os seguintes: i) a ação de indemnização deve ser decidida em prazo razoável; ii) a indemnização deve ser prontamente paga, em princípio, no mais tardar seis meses após a data em que a decisão que concede a indemnização se tornou exequível; iii) as regras processuais que regem a ação de indemnização devem ser conformes aos princípios de equidade garantidos pelo art. 06.º da «CEDH»; iv) as regras sobre custas judiciais não devem representar um encargo excessivo para os litigantes cuja ação é fundada; v) o montante das indemnizações não deve ser insuficiente em comparação com os montantes concedidos pelo Tribunal em casos semelhantes] [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 10.04.2008 (c. «Wasserman v. Rússia/n.º 2», §§ 49 e 51), de 15.01.2009 (c. «Bourdov v. Rússia/n.º 2», § 99), e de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», §§ 72/73)], e inerentes decorrências relativamente ao grau de certeza jurídica e de efetividade quanto ao uso do meio contencioso interno para que este possa e deva ser utilizado para os efeitos do art. 35.º, § 1 daquela Convenção [necessidade de esgotamento de «todas as vias de recurso internas»], o qual, no caso português, foi considerado existir, a partir de 27.05.2014, impondo-se, assim e para efeitos do contencioso junto daquele Tribunal, a necessidade do uso/esgotamento dos meios internos após tal data [cfr. o citado Ac. do «TEDH» de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», §§ 102/106) em contraposição com o que o mesmo Tribunal havia concluído, anteriormente, no Ac. de 10.06.2008 (c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», § 56)].
XIV. De notar, ainda, que no quadro do processo deduzido junto do «TEDH» e da possibilidade da sua apresentação quando foi usado também o meio contencioso interno aquele Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 34.º da «CEDH», afere e controla tal uso pela exigência do dever de preenchimento por parte do requerente, mormente, da condição relativa ao ter de deter e de manter a qualidade de “vítima” em todos os estádios do processo [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 07.05.2002 (c. «Bourdov v. Rússia», § 30), de 29.03.2006 (Pleno/Grande Câmara - doravante «GC») (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», §§ 179/182) e de 07.06.2012 (c. «Centro Europa 7 S.R.L. e Di Stefano v. Itália», §§ 80/82)].
XV. E que uma decisão ou uma medida favorável ao requerente só é suficiente para lhe retirar a qualidade de “vítima”, para os efeitos do referido preceito, se as autoridades nacionais reconheceram explicitamente ou em substância, e se repararem a violação da Convenção [cfr. nomeadamente, para além do citado Ac. do «TEDH» de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 180); ainda os Acs. do mesmo Tribunal de 26.07.2005 (c. «Siliadin v. França», §§ 61/63), de 01.06.2010 (GC) (c. «Gäfgen v. Alemanha», § 115), e de 12.09.2012 (GC) (c. «Nada v. Suíça», § 128)], sendo que apenas quando estas condições estejam preenchidas a natureza subsidiária do mecanismo de proteção da Convenção se oporá ou impedirá um exame da queixa [cfr., entre outros, Acs. do «TEDH» de 20.03.2003 (c. «Jensen e Rasmussen v. Dinamarca (dec.)», I), e de 31.01.2008 (c. «Albayrak v. Turquia», § 32)], na certeza de que a questão de saber se o requerente continua a ser vítima pode também depender do montante da indemnização concedida pelas jurisdições internas e da efetividade (incluindo a prontidão) do “recurso indemnizatório” [vide, entre outros, Acs. do «TEDH» de 20.12.2001 (c. «Normann v. Dinamarca - dec.», §§ 7/9), e de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 202)].”
Feito o anterior enquadramento, apreciemos, em concreto, o caso dos autos, considerando o que antes ficou dito.
Diz a Recorrente que o atraso na administração da justiça ocorreu porque foi arguido num processo-crime que demorou 6 anos.
Corresponderão tais datas, à do auto de notícia, elaborado em 01-09-2009 e do início do inquérito n.º 709/09.3PHLSB, registado e autuado em 03-09-2009 e à da prolação do Acórdão do Tribunal da Comarca de Lisboa (TCL), de 26-05-2015, que julgou a acusação parcialmente procedente, absolvendo L…., ora Recorrente, da prática do crime de ofensa à integridade física grave, condenando C...., assim como, absolvendo o ora Recorrente do pedido cível aí deduzido.
Porém, apreciada a factualidade assente nos autos, verifica-se, que após a abertura do indicado inquérito em 03-09-2009, o mesmo veio a ser arquivado em 14-09-2009, cerca de 10 dias depois.
Reaberto o inquérito em 17-09-2009, foram então ouvidos os arguidos e testemunhas, tendo sido necessário recorrer a tradutores de língua chinesa. Foram feitos exames de ADN, realizadas diversas perícias pela Polícia Judiciária (PJ) e pelo Instituto de Medicina Legal (IML), designadamente para se avaliar dos danos corporais e foram requeridas diversas informações, relatórios e registos clínicos a hospitais.
Alguns actos processuais também tiveram de ser traduzidos para chinês ou implicaram a nomeação e presença de um intérprete.
Mais se verifica, que um dos intervenientes foi faltando aos exames marcados, situação que se prolongou de 10-05-2010 a 28-12-2010 – cf. factos HH) a OO).
Entretanto, em 25-01-2012 e em 28-02-2012 são proferidos os despachos de arquivamento e acusação.
O julgamento foi marcado para 05-02-2013, mas veio a ser adiado por dificuldades na notificação de alguns intervenientes.
Separados os processos relativamente a um arguido faltoso, o julgamento do Recorrente teve lugar em 19-03-2013, em 16-04-2013 e em 24-04-2013, sendo nesta última data proferido o Acórdão que o absolveu por se entender que actuara em legítima defesa.
Interposto recurso pelo MP em 29-05-2013, foi prolatado o Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) de 25-06-2014, que dando procedência ao recurso determinou a baixa dos autos para ser conhecia da responsabilidade criminal do arguido C…..
Designada nova audiência para 16-01-2015, esta não se realizou por falta de notificação do arguido e foi designada como nova data a de 09-03-2015.
Em 16-01-2015, o ora Recorrente invocou a nulidade do processado anterior e requereu o adiamento do julgamento. O indicado requerimento foi considerado inútil e a sua pretensão foi julgada como manifestamente infundada e um expediente dilatório. Consequentemente, o ora Recorrente foi sancionado por despacho de 26-01-2015, nos termos do art.º 521.º, n.º 1, do Código Penal (CP). Foi interposto recurso desta decisão pelo ora Recorrente para o TRL.
O julgamento marcado para 09-03-2015 foi adiado para 18-05-2018 por requerimento do defensor de C...., tendo em 26-05-2015 sido proferido o Acórdão do TCL de 26-05-2015.
Assim, da apreciação analítica da tramitação daquele processo-crime, verifica-se, que aberto o inquérito em 03-09-2009, o mesmo veio a ser arquivado em 14-09-2009, obedecendo ao prazo determinado no art.º 276.º do CP (na versão então aplicável).
Porém, após a reabertura do inquérito em 17-09-2009, os correspondentes despachos de arquivamento e acusação só vieram ocorrer em 25-01-2012 e em 28-02-2012, isto é, cerca de 2 anos e 6 meses após a constituição do ora Recorrente como arguido e muito depois do prazo de 8 meses indicado no art.º 276.º, n.º 1, do CP.
No entanto, há que assinalar que o referido inquérito implicou uma assinalável complexidade, porquanto se teve de recorrer a intérpretes de língua chinesa, de fazer exames de ADN e outras perícias, assim como, de requerer diversas informações, relatórios e registos clínicos a vários hospitais.
Mais se assinale, que a falta de um dos intervenientes a exames marcados terá provocado uma delonga de cerca de 7 meses.
Ou seja, ter-se-á que admitir que o presente processo teve uma demora, teórica e abstractamente não expectável, pois entre a data da constituição do Recorrente como arguido o os despachos de arquivamento e de acusação mediou um período cerca de 2 anos e 6 meses e não os 8 meses que vêm indicados na lei de processo penal. Porém, em concreto, a referida dilação ficou explicada pelo facto de o indicado inquérito apresentar especiais dificuldades, por reclamar a intervenção de intérpretes e tradutores de língua chinesa e todo um rol de exames, perícias, de pedidos de informação e relatórios, que convocaram a participação de terceiros e entidades alheias ao próprio Tribunal. Cerca de 7 meses dessa dilação são também imputáveis à conduta de um dos intervenientes, que foi faltando aos exames marcados.
Refira-se, também, que os prazos vêm referidos no art.º 276.º do CPP, para a duração do inquérito, têm sido entendidos como meramente ordenadores e não peremptórios (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TRL n.º 8597/2008-5, de 27-01-2009, n.º 121/08.1TELSB-B.L1-3, de 17-03-2010, TRC n.º 5/13.1IDCTB-B.C1, de 26-10-2016, TRE n.º 36/08.3ZRFAR-A.E1, de 13-10-2009 ou TRP n.º 134/12.9GBVNG-B.P1, de 25-09-2013).
Por conseguinte, porque o referido prazo era meramente indicativo e porque a extensão da fase do inquérito para além dos 8 meses está directamente relacionada com as vicissitudes e especiais dificuldades do caso, que exigiam a intervenção de terceiros face ao Tribunal, há que entender que a ocorrência de uma fase de inquérito por cerca de 2 anos e 6 meses, por si só, não conduz à ilicitude que se se exige para a responsabilização do Estado.
Nas circunstâncias do caso concreto, atendendo à complexidade do inquérito, à tramitação legal que se tinha necessariamente que seguir, aos meios ao dispor do Tribunal, assim como, a toda a restante tramitação processual, que foi célere nas suas fases seguintes, não obstante a maior dilação da fase de inquérito, a mesma não pode ser rotulada de ilícita ou censurável, pois a demora que foi cometida não poderia ser evitada ou atenuada. Tratou-se, pois, de uma demora desculpável. Ademais, a maior demora desta fase acabou por ficar mitigada face à celeridade que se imprimiu a todo restante do processo.
Ou seja, ainda que se admita que a demora na fase do inquérito deva ser imputada a um mau funcionamento dos serviços do Estado, por não disporem dos meios necessários e suficientes para nomearem mais pronta e celeremente tradutores e interpretes em língua chinesa, ou para requereram e obterem perícias da PJ, do IML ou relatórios e informações dos diversos Hospitais, essa mesma demora, no geral do processo em apreço, não pode ser considerada com relevo suficiente para se constituir um acto ilícito. Na verdade, atendendo ao contexto em que decorreu o inquérito, a toda a restante tramitação e à celeridade com que a mesma ocorreu, justifica-se o comportamento mais retardado da administração da justiça, directamente decorrente do atraso na fase do inquérito, que provocou uma demora pontual, mas que acabou por se esbater frente à restante rapidez do processo.
Conforme factos provados, após os despachos de arquivamento e de acusação, de 25-01-2012 e de 28-02-2012, a fase do julgamento terminou em 24-04-2013 com a prolação do correspondente Acórdão absolutório do ora Recorrente, cerca de 1 ano depois de iniciada esta fase.
Por seu turno, a fase de recurso no tribunal superior decorreu entre 29-05-2013 e 25-06-2014, a data em que foi prolatado o Acórdão pelo TRL após a interposição do recurso pelo MP. Ou seja, também esta fase teve uma delonga de apenas cerca de 1 ano.
Por seu turno, após a baixa dos autos e a designação de nova audiência para 16-01-2015, o Ac. do TCL foi proferido em 26-05-2015, cerca de 5 meses depois. Ou seja, também nesta fase a tramitação do processo foi célere.
Aqui faça-se menção da conduta dilatória do ora Recorrente, que foi sancionada nos termos do art.º 521.º, n.º 1, do CP.
Assim, apreciado o processo nas suas várias vicissitudes e diferentes fases, constata-se, que o mesmo ocorreu de forma célere, salvo na fase do inquérito. Quanto a esta maior delonga dessa fase, acabou por ficar mitigada ou diluída frente à restante celeridade com que ocorreu o processo, como já se disse.
Como acima se indicou, o conceito de violação do direito à justiça em prazo razoável não se reconduz à verificação da preterição de um dado prazo processual ou da maior delonga de uma dada fase processual, mas deve ser apreciado numa perspectiva conjunta e atendendo às especificidades concretas de cada processo judicial.
Como se refere no Ac. do STA n.º 083/09, de 10-09-2009, onde se julgou questão similar à dos autos, “a violação das regras legais ou regulamentares só deve considerar-se ilícita se decorrer de uma conduta censurável e, por conseguinte, e por via de regra, a ilicitude tem de estar associada à culpa e só será relevante se essa reunião ocorrer. O que quer dizer que, provado o desrespeito do prazo em que o referido Inquérito deveria ter sido concluído, isto é, provada a violação objectiva da norma legal que estabelece um prazo para essa conclusão importará provar ainda que essa violação se ficou a dever a uma falta que podia e devia ter sido evitada, isto é, que ela se ficou a dever a culpa do agente. E isto porque “agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.” A. Varela, “Das Obrigações em Geral, I, pg. 571. A qual - por força do disposto no art.º 4.º do DL 48.051 - “é apreciada nos termos do art.º 487.º do Código Civil”, isto é, na falta de outro critério legal, “pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso.” (art.º 487.º/ 2 do CC).
Sendo assim, isto é, sendo a culpa um conceito que exprime um juízo de censura sobre um determinado comportamento (ou sobre a ausência deste) que parte do pressuposto de que o agente, nas concretas circunstâncias do caso, podia e devia adoptar a conduta exigível, só se poderá afirmar que o agente agiu com culpa quando for possível concluir que ele tinha condições para adoptar a conduta devida e que o não fez por razões indesculpáveis. Isto é, quando se puder concluir que podia ter evitado, e não evitou, a prática do facto ilícito.
Não se podendo, assim, em princípio, falar de autonomização da ilicitude em relação à culpa cumprirá apurar se os serviços da administração da justiça encarregues do Inquérito ora em causa tiveram possibilidade de cumprir os prazos fixados na lei e se o não fizeram por razões juridicamente censuráveis.
(…) 4. Nos termos do art.º 276.º do CPP o M.P. tem de encerrar o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, no prazo máximo de seis meses após a sua instauração, prazo esse que pode ser elevado até 12 meses nos casos referidos no n.º 3 do art.º 215.º, isto é, nos casos em que esteja em causa a investigação de crimes graves e essa investigação se revelar de excepcional complexidade.
Tais prazos - como este Tribunal tem afirmado - são meramente ordenadores ou disciplinares, visto se destinarem a balizar a tramitação processual, pelo que, para além da relevância que possam ter na formação do prazo prescricional, o seu desrespeito não constitui ilegalidade passível de afectar o processo podendo, apenas, implicar infracção disciplinar para as entidades que os desrespeitaram.
Deste modo, e pese embora esse desrespeito constituir violação da apontada norma - como do disposto no n.º 4 do art.º 20 da CRP e no § 1.º do art.º 6.º da CEDH - certo é que ele não corresponde, necessariamente, à prática de um facto ilícito e culposo, uma vez que só assim será se a conclusão do processo tiver ocorrido para além de um prazo razoável e disso se ter ficado a dever a negligência ou dolo dos serviços de justiça titulares do processo.
Ora, a definição do que seja um prazo razoável não só não é meramente objectiva como também essa qualificação não pode ser atribuída em abstracto antes havendo de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso, designadamente as relacionadas com natureza e complexidade do processo, a conduta do Requerente e o comportamento das autoridades competentes (Magistrados, órgãos de polícia e agentes dos serviços de justiça). O que quer dizer que o facto da conclusão do processo ter excedido o prazo legal, pode não ser qualificado como ilícito e culposo – Vd., entre outros, Acórdãos deste STA de 15/10/98 (rec. 36.811) e de 17/03/2005 (rec. 230/03). Ou seja, a violação do direito a uma decisão num prazo razoável só pode gerar a obrigação de indemnizar se as circunstâncias concretas do caso ditarem que ela podia ter sido alcançada num prazo inferior ao que efectivamente foi e que tal só aconteceu por incúria ou negligência dos operadores judiciários. Não olvidando nunca que o direito ressarcitório depende da reunião cumulativa de todos os pressupostos de responsabilidade civil pois que só daí pode resultar a ilegalidade funcional de que emerge essa responsabilidade. – Vd., entre outros, Acórdãos deste Supremo de 17/03/2005 (rec. 230/03), de 17/01/2007 (rec. 1164/06) e de 28/11/2007 (rec. 308/07).”
Admite-se, que estando em causa um processo-crime, o litígio assumisse para o arguido e agora Recorrente uma maior importância, pelo que se reclamava um tempo relativamente curto de resolução do processo.
No entanto, tal tempo terá sido respeitado, pois não se pode rotular como excessivo um tempo de cerca de 5 anos e 9 meses para a tramitação de um processo-crime, desde a data do início do inquérito e até à ocorrência de uma decisão final, que passou por duas instâncias, considerando, ainda, que foi exigida a participação de intérpretes tradutores de língua chinesa, que ocorreram diversos exames, peritagens, a requisição de relatório médicos e hospitalares e de diversas outras informações, que houve um recurso para o Tribunal Superior que foi julgado procedente e que se repetiu o julgamento em 1.ª instância, com nova decisão final.
Como acima se indicou, o TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais, vêm assinalando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância, o período de 3 anos ou quando diga respeito a causa relativas a pessoas, um tempo de 2 anos e 7 meses para a 1.º instância e de até 6 anos no seu todo.
Ora, neste caso, entre 01-09-2009, a data em que o Recorrente foi constituído arguido e a dedução da acusação decorreram cerca de 2 anos e 6 meses. Depois a fase do julgamento decorreu em cerca de 1 ano. A fase de recurso decorreu também em cerca de 1 ano. Novamente na 1.ª instância, a renovação do julgamento e a prolação de nova decisão demorou cerca de 5 meses.
No total do processo – que inclui diversas vicissitudes desde o início do inquérito até ao julgamento final, aqui se incluindo o recurso pelo TRL e a nova decisão de 1.ª instância – também não se ultrapassou os 6 anos, ficando, antes, por um total de 5 anos e 6 meses.
Em conclusão, no caso em apreço não está verificado o requisito da ilicitude que dá lugar à obrigação de indemnizar.
Porque os pressupostos da responsabilidade do Estado são cumulativos, claudicando o requisito da ilicitude, claudica, desde logo, o direito do A. a ver o R. EP condenado a esse título.
Há, portanto, que acompanhar a decisão recorrida quando julgou improcedente a acção com os seguintes fundamentos, que se acompanham: “Ora, in casu, resulta da factualidade assente que, iniciados os supra citados autos em 01.09.2009, na sequência de um Auto de notícia elaborado por agente da PSP, relatando que visualizou três indivíduos de nacionalidade chinesa com o vestuário cheio de sangue e que ao serem abordados “não falaram ou não quiseram falar”, em 14/09/2009 foi proferido despacho de arquivamento e em 17/09/2009, o Ministério Público determinou a reabertura do inquérito, o qual terminou em 28/02/2012 com a prolação dos despachos de arquivamento e de acusação.
(…) Na verdade, a experiência diz-nos que os processos criminais não raras vezes demoram vários anos – em alguns casos, décadas – a serem solucionados, em virtude das diferentes vicissitudes com que se deparam, potenciadas por pesadas tarefas instrutórias a levar a cabo pelas autoridades judiciárias e pelo julgador e pela multiplicidade de arguidos no processo.
O que sucedeu no caso vertente.
Com efeito, resulta à saciedade do probatório que, no âmbito do NUIPC 709/09.3 PHLSB, entre a elaboração do auto de notícia e a dedução da acusação, foram, sucessivamente, realizadas muitas e variadíssimas diligências e actos processuais, nomeadamente e, a título de exemplo:
- a realização de perícias médico-legais pelo IML de avaliação do dano corporal relativas ao Autor e dos dois outros arguidos, as quais, obrigaram a novos exames e elementos clínicos;
- a realização da perícia para análise do A.D.N.;
- as traduções das peças processuais para Chinês;
- a inquirição de testemunhas de nacionalidade chinesa;
- a nomeação de intérprete;
- a nomeação de defensor oficioso.
Algumas das quais efectuadas com poucos dias de intervalo e outras tantas realizadas no próprio dia, o que revela a diligência, o zelo e a celeridade com que as autoridades competentes (Magistrados, órgãos de polícia e agentes dos serviços de justiça) actuaram neste domínio.
Por outra banda, porque estavam em causa crimes cuja investigação era demorada, atenta as pessoas envolvidas, os arguidos a interrogar, as testemunhas a inquirir, a realização de perícias médico-legais pelo IML de avaliação do dano corporal relativas ao Autor e dos dois outros arguidos, a necessidade de obter novos elementos clínicos, a realização da perícia para análise do A.D.N., a tradução das peças processuais para chinês, a nomeação de intérprete e de defensores oficiosos aos arguidos, tal facto dificultou em larga medida que tais diligências pudessem ser concluída dentro dos prazos legais.
E, tanto assim é que, a título de exemplo, refira-se a dificuldade em proceder à realização do exame pericial de Clínica relativo ao arguido C...., em virtude de este não comparecer sucessivamente junto do INML, apesar das várias tentativas para o efeito, o que obstou a que, desde 10/05/2010 não fosse possível a elaboração do respectivo relatório, o que só veio a suceder em 28/12/2010. Facto esse, cujo retardamento não é imputável ao R., Estado Português.
Após a dedução da acusação e, em sede de julgamento, outras tantas vicissitudes se verificaram, designadamente, a impossibilidade de notificação dos arguidos e das testemunhas das datas designadas para audiência, com a respectiva devolução de expediente, a falta de defensor oficioso e a consequente nomeação de outro que requereu a confiança dos autos, a anulação do julgamento, a prolação de Acórdão pelo Tribunal da Relação, a repetição do julgamento e os sucessivos adiamentos por impossibilidade de notificação do arguido C...., a arguição de nulidades pelo A. e a solicitação do adiamento do julgamento, o que motivou a prolação de promoção e despacho de indeferimento, do qual foi interposto recurso jurisdicional.
Daí que um processo crime que correu termos durante um período de 6 anos não possa, na perspectiva deste Tribunal, ser reconduzido, sem mais, ao primeiro critério enunciado pelo STA para aferir a razoabilidade do prazo para prolação de decisão, o qual tem por referência a “análise global, de conjunto da situação processual dos autos em que o demandante se queixa do atraso”.
(…) Sem prejuízo do já aflorado, sempre se dirá que, o ora A., arguido no NUIPC 709/09.3 PHLSB, pese embora venha agora imputar a violação do prazo razoável, o certo é que durante a pendência do visado processo crime, verificando que o mesmo se encontrava atrasado, não cuidou de utilizar os mecanismos legais que se encontravam ao seu dispor, designadamente, o mecanismo da aceleração processual, ínsito no art.º 108º do CPP, na redacção actual.
(…) E, nesse conspecto, o ora A. nada alegou ou logrou provar qual a importância do assunto discutido nos autos e registados sob o n.º NUIPC 709/09.3 PHLSB e a relevância que o mesmo revestiu, bem como a respectiva resolução, para a sua esfera pessoal e/ou profissional.
(…) Do supra exposto, não se poderá concluir que o alegado “prazo de 6 anos”, no caso concreto, seja “não razoável” para o A., porquanto, o que perpassa do comportamento do mesmo durante a pendência do NUIPC 709/09.3 PHLSB é um manifesto desinteresse do visado processo que, perante as invocadas delongas processuais não reagiu através dos meios legais ao seu dispor para o efeito. E tanto assim é, refira-se, que o A. nunca esteve presente nas sucessivas audiências de julgamento.
Sendo certo, como acima salientado, que constitui um facto notório que os processos crimes, atentas as sua vicissitudes e inúmeras diligências levadas a cabo, não raras vezes demoram vários anos.
(…) Efectivamente, apelando aos critérios a que acima se fez alusão e que são erigidos pelo TEDH para apreciar a razoabilidade da duração de um processo, é possível confirmar a conclusão que antecede. Senão vejamos:
(a) O processo envolve uma manifesta complexidade, desde logo pela multiplicidade de diligências instrutórias e vicissitudes - o número de arguidos a interrogar, as testemunhas a inquirir, a realização de perícias médico-legais pelo IML de avaliação do dano corporal relativas ao Autor e dos dois outros arguidos, as quais, obrigaram a novos exames e elementos clínicos; a realização da perícia para análise do A.D.N.; as traduções das peças processuais para Chinês; a inquirição de testemunhas de nacionalidade chinesa; a nomeação de intérprete; a nomeação de defensor oficioso; a impossibilidade de notificação dos arguidos e das testemunhas das datas designadas para audiência, com a respectiva devolução de expediente, a falta de defensor oficioso e a consequente nomeação de outro que requereu a confiança dos autos, a anulação do julgamento, a prolação de Acórdão pelo Tribunal da Relação, a repetição do julgamento e os sucessivos adiamentos por impossibilidade de notificação do arguido C...., a arguição de nulidades pelo A. e a solicitação do adiamento do julgamento, o que motivou a prolação de promoção e despacho de indeferimento, do qual foi interposto recurso jurisdicional.
(b) Por seu turno, a actuação do A. que foi passível atrasar a celeridade processual;
(c) Relativamente à conduta das autoridades competentes, é justificável alguma eventual demora na investigação, atendendo às inúmeras diligências instrutórias levadas a cabo;
(d) No que respeita à importância do assunto discutido nos autos registados sob o n.º NUIPC 709/09.3 PHLSB e a relevância que o mesmo revestiu para o A., bem como a respectiva resolução, para a sua esfera pessoal e/ou profissional, não dispondo o Tribunal de mais elementos, não deixa de denotar, contudo, um desinteresse do mesmo que, perante as invocadas delongas processuais não reagiu através dos meios legais ao seu dispor para o efeito, contribuindo, em contrapartida, para o seu protelamento.”
Em conclusão, o presente recurso improcede, havendo que se confirmar a decisão recorrida.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida;
- custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe for concedido (cf. art.ºs. 527.º n.º s. 1 e 2, do CPC, 7.º, n.º 2, 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 4 de Abril de 2019.

(Sofia David)
(Helena Telo Afonso)
(Pedro Nuno Figueiredo