Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1396/16.8BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/02/2017
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CERTIFICADOS DE AFORRO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário:i) O IGCP, E.P.E., é uma pessoa colectiva de direito público com natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa e financeira, e património próprio, e está equiparado a instituição de crédito, como decorre do seu Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 200/2012 de 27 de Agosto.

ii) A subscrição de certificados de aforro é operada por contrato de adesão que não é celebrado ao abrigo de normas de direito administrativo, mas sim ao abrigo de normas de direito privado.

iii) Quando o IGCP, E.P.E., comercializa este tipo de produtos financeiros do Estado, actua em equiparação a uma instituição de crédito e ao abrigo de normas de direito privado, conforme resulta do n.º 2 do artigo 1.º dos seus Estatutos (aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 200/2012, de 27 de agosto) e do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro.

iv) Emergindo a relação jurídica em causa de uma relação jurídica de direito privado, a jurisdição administrativa é materialmente incompetente para julgar o litígio em causa.

v) Nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 7/98, de 3 de Fevereiro (na redacção da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), diploma que estabelece o regime jurídico da dívida pública, da qual os certificados de aforro são títulos representativos: “Os litígios emergentes das operações de dívida pública directa serão dirimidos pelos tribunais judiciais, devendo as competentes acções ser propostas no foro da comarca de Lisboa, salvo se contratualmente sujeitas a direito e foro estrangeiro”.
Votação:COM UMA DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

MANUELA ……………, SUSANA …………… e ELSA ……………., vieram propor contra a AGÊNCIA DE GESTÃO DA TESOURARIA E DA DÍVIDA PÚBLICA – IGCP, E.P.E., processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pedindo que esta seja intimada a reconhecer, sem qualquer reserva, o direito de propriedade plena das Autoras sobre os certificados de aforro que pertenciam a Maria d………………, falecida no dia 12.11.2004, bem como que a Ré seja intimada a não proferir qualquer acto, adoptar qualquer conduta ou operação material que impeça, impossibilite e/ou não permita o normal exercício do direito de propriedade plena sobre os sobreditos certificados de aforro, e, por último, e em consequência, seja intimada a transmitir ou a pagar às Autoras os valores constantes dos certificados de aforro, acrescidos da respectiva remuneração até integral pagamento.

No TAC de Lisboa foi proferida sentença que julgou improcedentes as excepções deduzidas pela ora Recorrente de incompetência absoluta, inidoneidade do meio processual e, julgando a excepção de prescrição invocada ao exercício do direito ao reembolso dos títulos, intimou a R. a reconhecer e pagar às requerentes o valor do reembolso da metade dos certificados que declarou prescrita, após deduzidos os valores obrigatórios. Posteriormente a Mma. Juiz a quo procedeu à rectificação da sentença, no dispositivo, fazendo coincidir o segmento decisório com a peticionado .

Dessa sentença veio interpor recurso jurisdicional a AGÊNCIA DE GESTÃO DA TESOURARIA E DA DÍVIDA PÚBLICA – IGCP, E.P.E.. As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

A. O presente recurso vem interposto da douta sentença datada de 19.10.2016 que condenou a Apelante a "... reconhecer e pagar aos requerentes o valor do reembolso da metade dos certificados que declarou prescrita, após deduzidos valores obrigatórios."

B. A sentença proferida é nula por condenar em objeto diverso do que foi pedido, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 95.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e a al. e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.

C. Sem prejuízo, a sentença padece de outros erros sobre os pressupostos de facto e de direito inquinando, assim, o juízo que recaiu sobre a decisão final.

D. No tocante à matéria de facto, a sentença deu como provado por acordo das partes que as AA só tiveram conhecimentos dos CA em data posterior a 15-01-2014, que as AA não residiam na Travessa ……………. n.º 4, 2.º andar, em ………. e, bem assim que apenas após a cirurgia da 1.ª autora é que esta se encontrava em condições de tratar junto do IGCP do pedido de reclamação de direitos sobre os certificados de aforro

E. A Apelante impugnou esses factos no artigo 42.º da resposta à intimação, com fundamento no desconhecimento se os mesmos correspondem à realidade, uma vez que não se tratam de circunstâncias próprias sobre as quais tivesse obrigação de ter conhecimento.

F. Não obstante, com base nestes factos não podia a sentença sem mais ter concluído que as AA apenas tiveram conhecimento dos CA a partir de 15-01-2014, abstraindo-se por completo da receção das diversas cartas extrato que foram enviadas para aquela morada desde 1997 e que as AA confessaram terem encontrado as de 2011 e 2012, na casa da falecida aforrista.

G. No que respeita à idoneidade do meio processual utilizado, a decisão tomada não fez correta análise dos pressupostos legais para utilização deste meio processual que tem caráter subsidiário e que está vocacionado apenas para as situações em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não sejam aptas a assegurar a proteção efetiva do direito, liberdade ou garantia em causa. Acresce, que não se fundamentou a urgência numa decisão definitiva sobre a questão de fundo em apreciação, que as próprias AA reconhecem não existir.

H. Quanto à apreciação da exceção peremptória da incompetência da jurisdição administrativa, houve manifesto erro de julgamento porquanto a celebração de um contrato de adesão e o estabelecimento de cláusulas contratuais gerais e, bem assim, o envio dos valores prescritos dos certificados de aforro para o Fundo de Regularização da Dívida Pública não se constituem por si só atos de autoridade nos termos do direito público, nem tão pouco releva para a qualificação do presente litígio como se tratando de uma relação jurídico-administrativa.

I. Pelos mesmos motivos incorreu a sentença em erro de julgamento quando ao considerar a jurisdição administrativa a competente para a resolução do presente litígio, afastando a norma do foro do regime jurídico da dívida pública que expressamente determina como tribunal competente o tribunal judicial da comarca de Lisboa.

J. No que importa à matéria de direito cumpre reiterar que o critério do início do prazo de contagem da prescrição é o da exigibilidade da obrigação, exigência que no caso dos certificados de aforro se dá com o decesso do aforrista.

K. Com o óbito do aforrista os herdeiros, e o cabeça-de-casal, são obrigados por lei a participar o óbito nas Finanças e a entregar a relação de bens do de cujus, juntando para o efeito uma certidão do IGCP que refira se existem ou não certificados de aforro em nome do falecido.

L. Este procedimento fiscal é obrigatório desde o ano de 2004 por força do disposto no Código do Imposto de Selo e, anteriormente, pelo Código do imposto municipal de sisa e do imposto sobre as sucessões e doações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41969, de 24 de novembro de 1958 e com entrada em vigor no dia 1 de janeiro de 1959.

M. Ainda que se tivesse procedido a atos de adjudicação ou partilha de bens adquiridos por sucessão através de um cartório notarial, ainda assim a consulta ao RCCA era devida por força do disposto no Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de março.

N. O prazo de prescrição dos certificados de aforro inicia-se com a ocorrência do facto objetivo indicado na lei, ou seja, o decesso do titular aforrista, e não está dependente de nenhuma condição ou termo suspensivo.

O. O prazo de 10 (dez) anos estabelecido para a prescrição dos certificados de aforro, decorre de lei especial, isto é, do Decreto-Lei n.º 172-8/86, de 30 de junho, na sua actual redação, pelo que na prescrição de títulos da divida pública não se aplica o prazo geral de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos previsto no Código Civil.

P. Dez anos é considerado um prazo longo aplicando-se o sistema objetivo de contagem de prazos onde se dá primazia à segurança jurídica do devedor.

Q. A certeza e a segurança jurídica coaduna-se com a postura assumida pela Apelante na gestão dos títulos da divida pública, designadamente nos certificados de aforro.

R. R. A contagem do decurso do prazo de 10 (dez anos) anos após o decesso do aforrista é, por definição, impessoal e ignora, de modo absoluto, quaisquer particularidades atinentes aos herdeiros do aforrista.

S. É juridicamente irrelevante o conhecimento dos herdeiros sobre a existência de certificados de aforro, não sendo o inicio da prescrição impedido pela ignorância que possam invocar.

T. A existência ou não de negligência dos herdeiros não releva, porquanto permanece sempre a inércia dos interessados, não podendo o IGCP, em representação do Estado, ficar à mercê da ignorância dos eventuais herdeiros a qual se pode prolongar indefinidamente.



As Recorridas apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.


Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.


Com dispensa dos vistos legais (natureza urgente do processo), importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se:

- A sentença é nula por ter condenado em objecto diverso do pedido;

- O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não ter concluído pela impropriedade do meio processual;

- O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não ter concluído pela incompetência material da jurisdição administrativa; e

- Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter julgado a acção procedente, julgando improcedente a excepção invocada de prescrição do exercício do direito.



II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC ex vi do art. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA.



II.2. De direito

No catálogo das questões que compõem o objecto do recurso, tem prioridade a questão atinente à suscitada incompetência absoluta pois que, sendo o caso, deve o julgador declará-la com a consequente extinção da instância (artigo 13º do CPTA e artigos 102º, 105, e 288,nº1 alínea c) do NCPC, aplicável ex artigo 1ºdo CPTA).

O tribunal a quo concluiu que a jurisdição administrativa era a competente para decidir o litígio: reconhecer às ora Recorridas, na qualidade de herdeiras, o direito aos créditos sobre os montantes constantes dos certificados de aforro que eram da propriedade de sua falecida mãe.

A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, porquanto, nos termos da sua alegação, a celebração de um contrato de adesão e o estabelecimento de cláusulas contratuais gerais e, bem assim, o envio dos valores prescritos dos certificados de aforro para o Fundo de Regularização da Dívida Pública não se constituem por si só actos de autoridade, nem tão pouco releva para a qualificação do presente litígio como se se tratando de uma relação jurídico-administrativa. Mais alega que existe norma respeitante do regime jurídico da dívida pública ao foro, a qual expressamente determina como tribunal competente o tribunal judicial da comarca de Lisboa.

Vejamos então.

Como é sabido, a competência de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a acção, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objectivos com ela prosseguidos, o quid disputatum (cfr. o ac. deste TCAS de 6.06.2013, proc. n.º 7976/11).

Ou como se escreveu no acórdão do Tribunal de Conflitos de 21.01.2014, proc. n.º 44/13: “Constitui pacífico entendimento jurisprudencial e doutrinário que a competência em razão da matéria do tribunal se afere pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respectivos fundamentos (causa de pedir)” - cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal dos Conflitos: de 21.10.2004 proferido no Conflito 8/04 e de 23.05.2013, conflito nº 12/12).

Será, pois, “na ponderação do modo como o autor configura a acção, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, e tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exacta configuração da causa, que se deve guiar a tarefa da determinação do tribunal competente para dela conhecer” (cfr. o ac. do STJ, de 6.05.2010, proc. n.º 3777/08.1TBMTS.P1.S1). O mesmo é dizer que, para se poder determinar qual é o tribunal competente deste ponto de vista, há que atentar nos termos em que a acção é proposta, ou seja, na forma com vêm definidos a causa de pedir e o pedido.

Dispõe o artigo 212º, nº3 da CRP, que: “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Em comentário a este normativo escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 815): “Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (n°3, in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal.

Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal».[sublinhado nosso]

No que respeita à competência dos tribunais administrativos e fiscais importa ter presente os preceitos aplicáveis do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei n° 13/2002 de 19 de Fevereiro (com as alterações decorrentes da Lei n.° 20/2012, de 14 05; da Lei n.° 55-A/2010, de 31/12; do DL n.° 166/2009, de 31/07; da Lei n.° 59/2008, de 11/09; da Lei n°52/2008, de 28/08; da Lei n° 26/2008, de 27/06; da Lei n.° 2/2008, de 14/01; da Lei n° 1/2008, de 14/01; da Lei n.° 107-D/2003, de 31/12; da Lei n.° 4-A/2003, de 19/02 e objecto da Rectificação n° 18/2002, de 12/04 e da Rectificação n.° 14/2002, de 20/03).

Estatui o nº 1 do artigo 1º que “Os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.

E o artigo 4° do ETAF, enuncia, exemplificativamente, as questões ou litígios, sujeitos ou excluídos do foro administrativo, umas vezes de acordo com a cláusula geral do referido artigo 1°, outras em desconformidade com ela.

Aquele normativo define, no âmbito da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, além de outras, a competência para apreciação de litígios que tenham por objecto a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal, ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.

Ou seja, e em aproximação ao termos do presente litígio, importa averiguar se as normas que estão na base da pretensão do autor são de cariz administrativo e/ou respeitantes a litígios emergentes das relações jurídico-administrativas, pois nesse caso – e só nesse caso - os tribunais administrativos são materialmente competentes.

A Agência de Gestão de Tesouraria e da Dívida Púbica – IGCP, EPE, é a entidade pública a quem compete, nos termos do Decreto-Lei n.º 200/2012 de 27 de Agosto, gerir, de forma integrada, a tesouraria, o financiamento e a dívida pública directa do Estado, a dívida das entidades do sector público empresarial cujo financiamento seja assegurado através do Orçamento do Estado e ainda coordenar o financiamento dos fundos e serviços dotados de autonomia administrativa e financeira.

Nos termos do seu Estatuto (anexo ao referido Decreto-Lei n.º 200/2012), de acordo com o artigo 6.º do mesmo, são suas atribuições principais:

a) Propor ao Governo as orientações a prosseguir no financiamento e na gestão das disponibilidades da tesouraria do Estado, incluindo o financiamento das entidades do setor público empresarial cujo financiamento seja assegurado através do Orçamento do Estado, tendo em conta este orçamento, as condições dos mercados e as necessidades de tesouraria;

b) Propor ao Governo as orientações a que deve subordinar-se a gestão da dívida pública direta do Estado, nela se incluindo a dívida das entidades do setor público empresarial indicadas na alínea anterior;

c) Assegurar, em conjunção com a gestão da dívida pública direta do Estado, a gestão das disponibilidades da tesouraria do Estado e realizar as aplicações financeiras necessárias para o efeito;

d) Gerir as operações de derivados financeiros das entidades do setor público empresarial cuja gestão ativa de dívida seja cometida ao IGCP, E. P. E.;

e) Analisar as operações de financiamento e as operações de derivados financeiros a realizar por entidades do setor público empresarial que, nos termos da lei, estejam dependentes do seu parecer prévio;

f) Praticar todos os atos inerentes à função de leiloeiro no mercado europeu dos leilões de licenças de emissão de gases com efeito de estufa, conforme estabelecido na legislação e regulamentos comunitários, em articulação com os serviços e organismos competentes do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território;

g) Assegurar a centralização e o controlo dos movimentos dos fundos do Tesouro, bem como a respetiva contabilização;

h) Promover a unidade da tesouraria do Estado;

i) Gerir e controlar o sistema de cobranças do Estado e o sistema de contas correntes do Tesouro;

j) Prestar serviços bancários a entidades da administração direta e indireta do Estado, sem prejuízo das competências próprias da segurança social, bem como a entidades do setor público empresarial;

k) Intervir nos assuntos respeitantes ao funcionamento do mercado financeiro, no que respeita ao mercado de títulos de dívida pública;

l) Gerir o Fundo de Regularização da Dívida Pública, nos termos da lei;

m) Administrar o Fundo de Renda Vitalícia;

n) Velar pela aplicação das leis e seu cumprimento, em tudo o que se referir à constituição da dívida pública direta e respetiva gestão;

o) Acompanhar as operações de dívida pública direta e executar toda a tramitação inerente ao respetivo processamento;

p) Prestar apoio, nos termos da lei, às Regiões Autónomas na organização de emissões de dívida pública regional e no acompanhamento da respetiva gestão, com vista a minimizar custos e riscos e a coordenar as operações de endividamento regional com a dívida pública direta do Estado.

2 - A gestão pelo IGCP, E. P. E., das operações de derivados financeiros das empresas indicadas na alínea d) do número anterior é objeto de contrato de mandato com representação, a outorgar entre o IGCP, E. P. E., e cada uma das empresas, no qual são explicitados, designadamente, os poderes de gestão do IGCP, E. P. E., e a remuneração devida pelo desempenho do mandato.

3 - As funções e os atos a praticar pelo IGCP, E. P. E., no exercício da atribuição indicada na alínea f) do número anterior constam de contrato a outorgar com a Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., e são remunerados.

4 - O IGCP, E. P. E., pode prestar ao Estado e a outras entidades públicas serviços de consultadoria e de assistência técnicas, bem como gerir dívidas de entidades do setor público administrativo e ativos destas constituídos por títulos de dívida pública, mediante a celebração de contratos de gestão, desde que tal não se revele incompatível com o seu objeto.

5 - Os serviços e fundos dotados de autonomia administrativa e financeira devem comunicar ao IGCP, E. P. E., todas as utilizações e amortizações de empréstimos a que procedam, no prazo de cinco dias úteis após a efetivação das mesmas.

6 - Na gestão das disponibilidades da tesouraria do Estado, o IGCP, E. P. E., tem como objetivo primordial a minimização do volume da dívida pública direta do Estado e dos respetivos encargos, garantindo, subsidiariamente, a eficiente remuneração dos excedentes.

O IGCP, E.P.E., é uma pessoa colectiva de direito público com natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa e financeira, e património próprio, e está equiparado a instituição de crédito.

Como se diz no preâmbulo do referido diploma legal:

A identificação das respetivas atribuições com atividades próprias do setor financeiro determinou que lhe fosse reconhecida capacidade quase-empresarial, próxima da inerente às instituições financeiras, fixando-se o respetivo regime por referência ao ordenamento jurídico e financeiro aplicável às entidades que revistam a natureza forma e designação de empresa pública de direito privado.

Estruturou-se, por esta via, uma resposta eficiente da administração financeira do Estado aos desafios originados pela participação portuguesa na União Económica e Monetária, os quais exigiam, e exigem, que o país disponha neste domínio de uma entidade com capacidade equivalente à de uma instituição financeira, dotada da flexibilidade de gestão e dos meios técnicos e humanos adequados às exigências inerentes ao assegurar do regular financiamento do Estado. [sublinhados nossos].

Por outro lado, olhando para o contrato de adesão de subscrição de certificados de aforro constata-se que o contrato não se celebra ao abrigo de normas de direito administrativo mas sim ao abrigo de normas de direito privado, que o Estado não se coloca numa posição de supremacia em relação ao subscritor e este não fica sujeito à autoridade do Estado, porquanto o aforrista é livre de subscrever Certificados de Aforro, nas condições que o Estado oferece uniformemente a todos os potenciais subscritores e as cláusulas do contrato de subscrição de Certificados de Aforro não demonstram qualquer desequilíbrio exorbitante dos direitos do Estado em relação ao particular. Em bom rigor, o contrato resume-se à compra das unidades que o subscritor entenda, ao pagamento dos respectivos juros pelo Estado e, por fim, ao resgate dos Certificados de Aforro pelo aforrista (recebendo o capital que investiu, ou, se for o caso, no vencimento do título a transmissão do capital para o aforrista). Tais cláusulas que regem o contrato de subscrição de certificados de aforro constam do respectivo regime jurídico do instrumento financeiro em causa, neste caso certificados de aforro designados da "série B" (Decreto-Lei n.º 172-8, de 30 de Junho).

Na verdade, tal por si alegado, quando a ora Recorrente comercializa este tipo de produtos financeiros do Estado actua em equiparação a uma instituição de crédito e ao abrigo das normas de direito privado, conforme resulta do n.º 2 do artigo 1.º dos seus Estatutos (aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 200/2012, de 27 de agosto) e do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro.

Donde, neste domínio, o Estado não exerce um qualquer acto de autoridade no âmbito do direito público e do direito administrativo.

E no que respeita ao envio dos valores dos CA prescritos para o do Fundo de Regularização da Dívida Pública, tal deriva de os Certificados de Aforro das séries A e B prescreverem a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública (FRDP) no prazo de 5 anos a contar do falecimento do titular, caso este tenha ocorrido antes de 4 de maio de 1997, ou no prazo de 10 anos, no caso de ter falecido depois dessa data (artigos 18.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 43.454, de 30.12.1960, na redacção do art. 13.º do Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de Maio e art. 7 do Decreto-Lei n.º 172-B/86, na redacção do art. 12.º do referido Decreto-Lei n.º 122/2002).

Assim sendo, salvo o devido respeito, não se detecta nem subjectiva nem objectivamente, qualquer elemento de conexão que permita identificar a relação jurídica em causa como relação jurídico-administrativa.

Tal como conclui a Recorrente: “22. O Estado aqui exerce um ato de mera gestão quando por meio do direito privado entende comercializar a dívida pública no mercado dos produtos financeiros, em regime de concorrência aberta com outras entidades privadas disputando assim as disponibilidades financeiras dos investidores. // 23. Assim, reiteramos que não estamos perante um litígio emergente de relações jurídicas administrativas e fiscais, como determinada o n.º 3 do artigo 212.º da CRP, e bem assim os artigos 1.º e 4.º do ETAF mas sim perante normas de direito privado.” As relações que aqui ocorrem, circunscrevem-se às normais relações susceptíveis de ocorrer nas instituições financeiras.

E se dúvida existisse, sempre não subsistiria à previsão legal contida no artigo 15.º da Lei n.º 7/98, de 3 de Fevereiro (na redacção da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro) diploma que estabelece o regime jurídico da dívida pública, da qual os certificados de aforro são títulos representativos. Aí se dispõe que: “Os litígios emergentes das operações de dívida pública directa serão dirimidos pelos tribunais judiciais, devendo as competentes acções ser propostas no foro da comarca de Lisboa, salvo se contratualmente sujeitas a direito e foro estrangeiro”.

Aliás, tal foi a posição expressamente assumida na declaração de voto do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Dr. António Bento São Pedro, no acórdão do STA de 1.10.2015, proc. n.º 619/15, que lapidarmente concluiu que “a jurisdição administrativa é incompetente para julgar o litígio em causa, pois o mesmo emerge de uma relação jurídica de direito privado”.

Assim, ao abrigo do disposto nos artigos 13.º do CPTA e 97.º, nº 1, do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, terá que declarar-se os Tribunais Administrativos materialmente incompetentes para apreciarem e decidirem o pedido de intimação formulado no presente processo, por a mesma competência pertencer aos Tribunais Judiciais. Com o que fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso.



III. Conclusões

Sumariando:

i) O IGCP, E.P.E., é uma pessoa colectiva de direito público com natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa e financeira, e património próprio, e está equiparado a instituição de crédito, como decorre do seu Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 200/2012 de 27 de Agosto.

ii) A subscrição de certificados de aforro é operada por contrato de adesão que não é celebrado ao abrigo de normas de direito administrativo, mas sim ao abrigo de normas de direito privado.

iii) Quando o IGCP, E.P.E., comercializa este tipo de produtos financeiros do Estado, actua em equiparação a uma instituição de crédito e ao abrigo de normas de direito privado, conforme resulta do n.º 2 do artigo 1.º dos seus Estatutos (aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 200/2012, de 27 de agosto) e do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro.

iv) Emergindo a relação jurídica em causa de uma relação jurídica de direito privado, a jurisdição administrativa é materialmente incompetente para julgar o litígio em causa.

v) Nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 7/98, de 3 de Fevereiro (na redacção da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), diploma que estabelece o regime jurídico da dívida pública, da qual os certificados de aforro são títulos representativos: “Os litígios emergentes das operações de dívida pública directa serão dirimidos pelos tribunais judiciais, devendo as competentes acções ser propostas no foro da comarca de Lisboa, salvo se contratualmente sujeitas a direito e foro estrangeiro”.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em revogar a sentença recorrida, declarando a incompetência material dos Tribunais Administrativos e absolvendo, em consequência, a Entidade Requerida e ora Recorrente da instância.

Sem custas.

Lisboa, 2 de Março de 2017


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Pedro Marchão Marques


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Cristina Santos


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Maria Helena Canelas


Declaração de Voto:
Voto a decisão, explicitando que subscrevi, na qualidade de segunda adjunta, o acórdão deste TCA Sul de 12/03/2015 que apreciou o mérito da pretensão, de natureza idêntica à formulada nos presentes autos, e sobre o qual incidiu o referido Acórdão do STA de 01/10/2015, Proc. 619/15, no qual não nos debruçámos sobre a questão da incompetência em razão da matéria (questão que não vinha questionada no âmbito daquele recurso, mas que não obstante é, como é sabido, de conhecimento oficioso).
A questão não se apresenta absolutamente líquida, mas ponderando agora os argumentos apresentados, e considerando o quadro normativo convocado na fundamentação do acórdão relatado, e não sendo o critério da natureza pública da pessoa coletiva demandada o único e decisivo, à luz do disposto no artigo 4ºdo ETAF, para que a competência material pertença aos Tribunais Administrativos, tem que reconhecer-se que no caso a competência material não é atribuída ao Tribunais Administrativos, pertencendo assim aos Tribunais Comuns, cuja competência é residual (vide, a propósito, a titulo ilustrativo os acórdãos do Tribunal de Conflitos de 26-01-2017, Proc. 052/14; de 07-07-2016, Proc. 048/15; de 07-06-2016, Proc. 033/15; de 22-04-2015, Proc. 01/15; de 09-07-2014, Proc. 032/14 ou de 19-01-2012, Proc. 014/11).
Lisboa, 2 de Março de 2017
Helena Canelas