Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:197/22.9 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:GARANTIA
EXECUÇÃO FISCAL
SUSPENSÃO
DISPENSA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:Como a jurisprudência tem, reiteradamente, afirmado, é ao Executado que cabe o ónus de demonstrar e provar os factos invocados com vista à dispensa de prestação de garantia devida em execução fiscal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

I…, melhor identificado nos autos, veio reclamar da decisão do órgão de execução fiscal proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Bispo, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia por si apresentado, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1147.2022/01002201, instaurado para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto sobre o Rendimento de Pessoa Singular (IRS), referente ao ano de 2007, no montante total de €11.437,36.


O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por decisão de 18 de maio de 2022, julgou improcedente a reclamação por não resultarem provados os pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT para a dispensa de prestação de garantia e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.

Não concordando com a sentença, o Recorrente I…, veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:


«I. Vem o presente Recurso apresentado contra a Sentença proferida no dia 18 de maio de 2022, nos termos da qual se julgou improcedente a Reclamação Judicial apresentada no dia 7 de março de 2022, junto do Serviço de Finanças de Vila do Bispo, uma Reclamação Judicial contra a mencionada decisão, através da qual requereu a anulação do Despacho proferido pelo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Bispo e, em consequência, solicitou a suspensão do processo de execução fiscal, com dispensa de prestação de garantia.


II. A Sentença ora impugnada sustenta a referido improcedência da Reclamação Judicial na seguinte argumentação "(…) o Reclamante nada alega, nem prova, quanto à (im)possibilidade de obtenção de uma garantia, seja sob a forma de garantia bancária, seguro-caução ou outra, pelo que não se encontra evidenciado que não possam arcar com as despesas (que nem quantificam) com a prestação da garantia necessária para a suspensão do processo de execução fiscal (que até podia estar associada a outras garantias a constituir, por exemplo, sobre o bem imóvel anteriormente referido) ou que a sua prestação, pela sua excessiva onerosidade, lhes causaria um esforço financeiro insuportável, considerando o valor dos seus encargos mensais fixos [cfr. alíneas c) a e) supra]".


III. Em face do que antecede, a douta Sentença determinou a manutenção da decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Recorrida, na ordem jurídica e, bem assim, condenou o ora Recorrente ao pagamento das custas do processo;


III. Em face do que antecede, a douta Sentença determinou a manutenção da decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Recorrida, na ordem jurídica e, bem assim, condenou o ora Recorrente ao pagamento das custas do processo;


IV. Acontece, porém, que a Sentença proferida nos presentes autos padece de ilegalidade por violação dos princípios do inquisitório, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva, todos com previsão constitucional, conforme adiante melhor se circunstanciará, devendo, por conseguinte, ser anulada e, consequentemente, ser invertido o seu entendimento e substituída por uma decisão que dê cumprimento aos mencionados princípios;


V. A execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no artigo 148.º do CPPT. É um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do n.º 1 do artigo 103.º da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da Autoridade Tributária e Aduaneira, que nela praticam os atos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea f), 149.º, 150.º e 151.º do CPPT;


VI. Entre tais atos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respetivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução, levantamento. É o que se extrai das disposições dos artigos 169.º, 170.º, 183.º, 195.º, 199.º n.ºs 8, 9 e 10 do CPPT. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal;


VII. O pedido de dispensa de garantia deve, pois, ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do CPPT – que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT –, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido;


VIII. No caso, o Recorrente pediu a dispensa da prestação de garantia com fundamento na manifesta falta de meios económicos por não possuir bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido, alegando, em síntese, a inexistência de bens que possa oferecer em garantia. Nesse pedido o ora Recorrente carreou para os autos toda a prova documental suscetível de comprovar a sua situação económica;


IX. Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da atuação da Administração no âmbito desse pedido (cfr. arts. 151.º, n.º 1, e 286.º do CPPT).


X. Estamos, pois, perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respetiva decisão um verdadeiro ato administrativo (Cfr. neste sentido DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 11 ao art. 52.º, págs. 428/429.).


XI. Esse procedimento da iniciativa do executado (cfr. artigo n.º 4 do artigo 52.º da LGT, que diz “a requerimento do executado” e o art. 170.º do CPPT, que diz “deve o executado requerer”) é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais; designadamente, deve seguir a forma escrita (cfr. n.º 3 do artigo 54.º da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cf. art. 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cfr. n.º 3 do artigo 170.º do CPPT).


XII. No caso em apreço, o Recorrente pediu a dispensa da prestação de garantia com fundamento na manifesta falta de meios económicos por não possuir bens suficientes para garantir a dívida exequenda e o acrescido. Para tanto o ora Recorrente carreou para os autos toda a prova documental suscetível de comprovar a sua situação económica. De resto, a própria Autoridade Tributária tem acesso a toda a informação suscetível de fundamentar a insuficiência económica.


XIII. Com efeito, e conforme resulta da Sentença ora recorrida, o ora Recorrente "(...) é proprietário de um prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Vila do Bispo e Raposeira, concelho de Vila do Bispo, sob o n.º 1…, com valor patrimonial tributário de € 43.929,20 e de três veículos automóveis, a saber veículo com a matrícula 0…-…-8…, da marca Volkswagen (€ 6.753,38), matrícula 4…-…-A…, da marca Renault (€ 500,00) e matrícula P…-…-6…, da marca Nissan (€ 500,00)".


XIV. Ora, conforme o Recorrente tem dito ao longo do processo, para além de terem um valor diminuto, o imóvel acima identificado constitui a sua habitação própria permanente.


XV. Ora uma decisão judicial que desconsidere este aspeto é manifestamente ilegal, uma vez que viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade previstos nos artigos 13.° e 18.° da Constituição, porquanto não se pode conceber que as medidas respeitantes à "casa de morada de família" que respeitam à "política de família com carácter global e integrado" que ao Estado incumbe executar para protecção da família [alínea g) do n.° 2 do artigo 67.° da CRP] não sejam consideradas.


XVI. Esta desconsideração ganha mais premência numa situação de pandemia que vivemos, uma vez que fazer impender um ónus sobre a sua o imóvel do Recorrente é uma limitação desproporcional que o impede, inclusivamente, de se desfazer do imóvel por razões económicas.


XVII. Ora, a este ponto convém relembrar que a dívida em discussão é € 11.437,36 e que tanto a Autoridade Tributária como os Tribunais estão vinculados aos princípios da legalidade e da proporcionalidade.


XVIII. Esta situação ganha mais premência se se tiver em consideração que a situação subjacente à dívida, cuja legalidade está a ser contestada, se deve a uma insistência da Autoridade Tributária em não usar os seus mecanismos de troca de informações e contactar as autoridades fiscais competentes do Reino Unido.


XIX. É que, conforme o Recorrente tem solicitado ao longo do processo todo, a Autoridade Tributária recusa-se a contactar as autoridades fiscais do Reino Unido para obter um certificado de residência fiscal, atendendo à dificuldade que o Recorrente tem demonstrado em obtê-lo.


XX. Porque razão a Autoridade Tributária é mais lesta a penhorar um imóvel do que a procurar a descoberta da verdade material?


XXI. É que exigir ao Recorrente contribuinte o pagamento de uma dívida ou a sua garantia para suspender a execução de uma dívida não é devida, é manifestamente desproporcional.


XXII. A esta altura cabe relembrar que o n.º 4, do artigo 52.º da Lei Geral Tributária dispõe que: “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado” (assinalado pelo Recorrente).


XXIII. Foi precisamente isto que o Recorrente fez durante este caminho todo, ou seja, demonstrou a “manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido“


XXIV. Tal exigência de densificação da prova apresentada, em especial tratando-se de factos negativos, não está em linha com a prova requerida aos contribuintes em situações semelhantes e se traduz numa aplicação arbitrária dos pressupostos constantes da lei, exigindo-se ao ora Recorrente a produção excessiva de prova de factos negativos de difícil obtenção, revelando-se, por conseguinte, a Sentença objeto do presente Recurso manifestamente desproporcional.


XXV. Mais: para além do ónus de alegação e de demonstração, vigoram, também, no ordenamento jurídico-tributário o princípio do inquisitório, o princípio da descoberta da verdade material e o próprio princípio da colaboração a que a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada nas relações com os contribuintes.


XXVI. De facto, a decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, em especial tratando-se de factos negativos, sempre se revela, no caso, uma decisão desproporcionada (neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2013, proferido no Recurso n.º 0519/13, relatado pela Ilustre Conselheira Fernanda Maçãs).


XXVII. Tanto mais que quanto às exigências do requerimento de dispensa de prestação de garantia o art. 170.º, n.º 3, do CPPT limita-se a referir de forma vaga que o pedido deve conter a “fundamentação de facto e de direito” e ser “instruído com a prova documental necessária (neste sentido, vide, ainda Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2013, proferido no Recurso n.º 0519/13).


XXVIII. Sendo que a justiça material deve prevalecer sobre a justiça formal, caberia à Autoridade Tributária e Aduaneira convidar o Recorrente a suprir a omissão da prova dos factos alegados, e assim se obviaria a que uma omissão de natureza meramente procedimental conduzisse de imediato ao que veio a constituir uma denegação quase automática e cega do requerimento do Recorrente, obrigando-o a recorrer ao Tribunal, o que poderia ser evitado


XXIX. Ora, perante o exposto caberá perguntar: pode esta insuficiência de prova ser imputável aos Recorrentes? É este conhecimento exigível a um contribuinte de boa fé, ou seja, o conhecimento de quais os elementos de prova em concreto suscetíveis de comprovar a insuficiência patrimonial num determinado caso? É exigível aos Recorrentes saber que podem oferecer o imóvel como garantia parcial da dívida e solicitarem a dispensa do remanescente? Ora, as perguntas afiguram-se retórica e a resposta de palmar evidência: não!;


XXX. Tal exigência de densificação da prova apresentada, em especial tratando-se de factos negativos, não está em linha com a prova requerida aos contribuintes em situações semelhantes e se traduz numa aplicação arbitrária dos pressupostos constantes da lei, exigindo-se ao ora Recorrente a produção excessiva de prova de factos negativos de difícil obtenção, revelando-se, por conseguinte, a Sentença objeto do presente Recurso manifestamente desproporcional;


XXXI. Mais: para além do ónus de alegação e de demonstração, vigoram, também, no ordenamento jurídico-tributário o princípio do inquisitório, o princípio da descoberta da verdade material e o próprio princípio da colaboração a que a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada nas relações com os contribuintes.


XXXII. De facto, a decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, em especial tratando-se de factos negativos, sempre se revela, no caso, uma decisão desproporcionada (neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2013, proferido no Recurso n.º 0519/13, relatado pela Ilustre Conselheira Fernanda Maçãs).


XXXIII. Tanto mais que quanto às exigências do requerimento de dispensa de prestação de garantia o art. 170.º, n.º 3, do CPPT limita-se a referir de forma vaga que o pedido deve conter a “fundamentação de facto e de direito” e ser “instruído com a prova documental necessária (neste sentido, vide, ainda Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2013, proferido no Recurso n.º 0519/13). Acresce que, não se vislumbra quais os interesses que possam justificar a inexistência sequer de um convite para os executados juntarem meios de prova adicionais;


XXXIV. Sendo que a justiça material deve prevalecer sobre a justiça formal, caberia à Autoridade Tributária e Aduaneira convidarem os Recorrentes a suprir a omissão da prova dos factos alegados, e assim se obviaria a que uma omissão de natureza meramente procedimental conduzisse de imediato ao que veio a constituir uma denegação quase automática e cega do requerimento dos Recorrentes, obrigando-os a recorrer ao Tribunal, o que poderia ser evitado;


XXXV. Para além de que, no mesmo sentido milita o dever de colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento, sendo que a desproporção entre a irregularidade cometida pela recorrida (não juntar os documentos sobre os factos alegados) e a consequência que lhe é associada pela Autoridade Tributária e Aduaneira é manifesta, não se revelando adequada nem proporcional, (neste sentido, vide, ainda, o Acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2013, proferido no Recurso n.º 0519/13).


XXXVI. De facto, o que na verdade se impõe responder é se a falta de instrução do incidente de dispensa da prestação de garantia, para efeitos de suspensão da execução fiscal, tem como efeito imediato o indeferimento do pedido por falta de prova dos pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT. Sendo que, atenta a redacção do n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, de onde não resulta quais as consequências do incumprimento ou cumprimento defeituoso do ónus de instrução desse incidente, tal resposta só pode ser negativa (neste sentido, vide, o voto de vencido do Conselheiro Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, proferido no Acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 26 de setembro de 2012, proferido no Recurso n.º 0708/12);


XXXVII. Antes se impondo ao órgão de execução, diligências no sentido do suprimento da irregularidade, “convidando” o requerente a instruir o pedido ou, caso disponha dos elementos sobre a situação económica do executado, juntá-los ao incidente e decidir em função deles (neste sentido, vide, o mencionado voto de vencido);


XXXVIII. A tal obriga a constatação de que, na compatibilidade entre o princípio da auto-responsabilidade das partes, concretizado no ónus de instrução do requerimento, com o princípio da colaboração, tem preponderância este último, dada a dificuldade que o executado pode ter em apresentar prova de factos negativos em tão pouco tempo, (neste sentido, vide, ainda, o voto de vencido do Conselheiro Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro, o mencionado voto de vencido);


XXXIX. Mais: aplicando supletivamente as regras do processo civil, chega-se à conclusão que o órgão de execução fiscal não pode ficar indiferente à ausência de instrução do incidente e avançar logo para a aplicação das regras do ónus da prova, impondo-se, antes, uma atitude “pro actione” que possibilite, na medida do possível, a prova dos factos alegados, (neste sentido, vide, ainda, o mencionado voto de vencido);


XL. Atendendo ao anteriormente exposto, torna-se evidente concluir se encontram preenchidos os requisitos legais de que dependia o deferimento do pedido de suspensão do processo de execução fiscal acima identificado com a dispensa de prestação de garantia. Contudo, assim não sucedeu na Sentença ora impugnada;


XLI. Não obstante a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo falar em violação do ónus da prova, o que está em causa é o facto de o ora Recorrente não ter, alegadamente, junto com o requerimento os documentos necessários a demonstrar o alegado, caindo-se na questão de saber se no caso se impunha convidá-lo a juntar os documentos em falta;


XLII. A verdade é que não se vislumbra que argumentos razoáveis e objetivamente fundados possam justificar a dispensa sequer do convite para correção de um requerimento deficientemente instruído;


XLIII. Como ficou sublinhado no voto de vencido proferido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de Setembro de 2012, “A decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, em especial tratando-se de factos negativos, sempre se revela, portanto, no caso, uma decisão desproporcionada (…) É que uma coisa é concluir-se que a urgência do procedimento não é compatível com o exercício do direito de audiência, mas não se vislumbra quais os interesses que possam justificar a inexistência sequer de um convite para o executado juntar meios de prova em dois ou três dias. Considerando que a justiça material deve prevalecer sobre a justiça formal, caberia à Administração Fiscal convidar o recorrente a suprir a omissão da prova dos factos alegados, e assim se obviaria a que uma omissão de natureza meramente procedimental conduzisse de imediato ao que veio a constituir uma denegação quase automática e cega do requerimento do recorrente, obrigando-o a recorrer ao tribunal o que poderia ser evitado. No mesmo sentido milita o dever de colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento. A desproporção entre a irregularidade cometida pelo recorrente (não juntar os documentos sobre os factos alegados) e a consequência que lhe é associada pela Administração Fiscal é manifesta, não se revelando adequada nem proporcional”;


XLIV. Ora, para quem aceite, como defendido no Acórdão atrás referido, que a isenção de prestação de garantia para suspender a execução tem a natureza de acto administrativo em matéria tributária, dispõe, por exemplo, o artigo 117.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) que o órgão que dirige a instrução pode determinar aos interessados designadamente a apresentação de documentos ou coisas e a colaboração noutros meios de prova;


XLV. A acrescer ao exposto, importa ainda relembrar a jurisprudência dos tribunais superiores, segundo a qual “Saber se existem fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado é, depois da redação introduzida ao n.º 4 do art. 52.º LGT pela Lei n.º 4272016, de 28712, matéria que deve ser averiguada e provada pela Autoridade Tributária e não pelo Requerente da pretensão.” (cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 17 de setembro de 2019, no processo n.º 254/19.9 BELRS);


XLVI. Conforme resulta do artigo 18.º, n.º 2 da CRP “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”;


XLVII. Por fim, cabe ainda fazer referência ao princípio da capacidade contributiva, o qual também foi violado na Sentença que ora se impugna. O dito princípio da capacidade contributiva (não obstante o silêncio da atual Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal”, sendo que a ele se pode, ou deve, chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103.º e 104.º do diploma fundamental) exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou Tributária. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o “tertium genus” - leia-se, o critério que há-de servir de base à comparação;


XLVIII. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição, ou pressuposto, quanto como critério ou parâmetro da tributação. Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exacção do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to spend).;


XLIX. Ora, ao exigir a prestação de uma garantia, bancária ou de outro tipo, quando o Recorrente não dispõe de meios económicos para o efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Sentença proferida pelo Tribunal a quo incorrem numa violação do princípio da capacidade contributiva do ora Recorrente, a qual inquina a Sentença ora impugnada;


L. Deverá, pois, ser julgado totalmente procedente o presente Recurso interposto pela Recorrente, anulando-se, por conseguinte, a Sentença recorrida, por ser manifestamente ilegal, que julgou totalmente improcedente a Reclamação Judicial apresentada pelos ora Recorrentes contra o Despacho proferido pelo no âmbito do processo de execução fiscal n.º 114720221002201, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado.


NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO E FUNDADO, ANULANDO-SE INTEGRALMENTE A DECISÃO RECORRIDA.»


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A Recorrida, FAZENDA PÚBLICA, notificada do recurso interposto, optou por não contra-alegar.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa de vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vem o processo submetido à conferência desta Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.


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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Atendendo aos documentos juntos aos autos, à prova por admissão e às regras de experiência comum, dou como provados os factos seguintes:

a) Em 14.01.2022 foi instaurado contra o Reclamante o processo de execução fiscal n.º 1147202201002201 para a cobrança coerciva de IRS, referente ao ano de 2017, no montante de € 11.058,36 (cfr. fls. 72 e 73 dos autos);

b) Em 24.01.2022 foi elaborado ofício para efeitos de citação do Reclamante no processo de execução fiscal n.º 1147202201002201, do qual resultava que o valor da dívida exequenda era de € 11.157,27 e o valor para efeitos de garantia (válido para 30 dias) era de € 14.236,95 (cfr. fls. 83 dos autos);

c) Em 28.02.2022 o Reclamante requereu a dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução n.º 1147202201002201, alegando que não dispunha de bens penhoráveis ou meios financeiros suficientes para prestar garantia no montante de € 14.236,95 (cfr. documento n.º 8 junto com a petição inicial e fls. 46 a 62 dos autos);

d) Em 07.03.2022 foi elaborada informação sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pelo Reclamante, nos seguintes termos:


«Imagem texto no original»



(cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e fls. 76 a 79 dos autos);

e) ATO RECLAMADO - Em 07.03.2022, na sequência da informação acima identificada, foi proferido, pelo chefe do serviço de finanças de Vila do Bispo, despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pelo Reclamante (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial);

f) Em 21.03.2022, foi elaborado ofício para efeitos de notificação do ato reclamado, ao Reclamante (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e fls. 72 e 73 dos autos);

g) Em 22.03.2022, o Reclamante apresentou junto do órgão de execução a presente reclamação (cfr. fls. 1 a 84).»


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Factos não provados

«Face à prova produzida inexistem outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, já que as demais asserções aduzidas integram, no mais, meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito das partes.»


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Motivação da decisão de facto

«A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos, juntos aos autos nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada.»

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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por violação dos princípios do inquisitório, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva.

Está em causa, nos presentes autos, a sentença proferida pelo TAF de Loulé que considerou improcedente a reclamação apresentada pelo ora Recorrente do acto proferido pelo órgão da execução fiscal que tinha indeferido o pedido, por si apresentado, de dispensa de prestação de garantia.

A sentença recorrida entendeu que, cabendo ao Recorrente o ónus da prova dos pressupostos elencados no nº4 do artigo 52º da LGT, não se encontrava demonstrada a inexistência de bens penhoráveis, nem o alegado prejuízo irreparável decorrentes da prestação da garantia.

Vejamos.

Comecemos por dizer que não vem posta em causa a factualidade dada como provada na sentença recorrida.

A decisão ora posta em causa depois de enquadrar no quadro legal pertinente, o regime da dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal, concluiu nos seguintes termos:

“(…) Como tem sublinhado uniformemente a jurisprudência dos tribunais superiores, é sobre o executado que recai o ónus de provar que se verifica uma das condições alternativas acima enunciadas de que depende a dispensa de prestação de garantia, de acordo com o regime geral de repartição do ónus da prova, previsto nos artigos 342.º do Código Civil e n.º 1 do artigo 74.º da LGT, e, com o disposto no n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, devendo, assim, o pedido apresentado perante o órgão da execução fiscal ser fundamentado, de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária à apreciação dos pressupostos de que depende a concessão da isenção de garantia.

Por sua vez, cabe à autoridade tributária e aduaneira o ónus da prova quanto ao terceiro e último pressuposto legal.(…)”

Concordamos com o entendimento ali preconizado, decorrente do regime legal vigente, e consentâneo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Nos termos do preceituado no nº4 do artigo 52º da LGT, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado. (Redação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro)

Recuperamos, aqui, o que se escreveu no Acórdão do STA de 11/04/2020, proferido no âmbito do processo nº 289/20, no que se refere à possibilidade de o executado requerer, perante o órgão da Execução Fiscal, a dispensa de prestação de garantia:

“(…) A execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no art. 148.º do CPPT. É um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do n.º 1 do art. 103.º da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da AT, que nela praticam os actos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos arts. 10.º, n.º 1, alínea f), 149.º, 150.º e 151.º do CPPT. Entre tais actos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respectivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução, levantamento. É o que se extrai das disposições dos arts. 169.º, 170.º, 183.º, 195.º, 199.º n.ºs 8, 9 e 10 do CPPT. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal.

O pedido de dispensa de garantia deve, pois, ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do n.º 1 do art. 170.º do CPPT – que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4 do art. 52.º da LGT –, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido. Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da actuação da Administração no âmbito desse pedido (cf. arts. 151.º, n.º 1, e 286.º do CPPT).

Estamos, pois, perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respectiva decisão um verdadeiro acto administrativo (Com interesse sobre a questão e dando conta da melhor jurisprudência, vide DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 11 ao art. 52.º, págs. 428/429.)). Esse procedimento da iniciativa do executado (cf. art. n.º 4 do art. 52.º da LGT, que diz «a requerimento do executado» e o art. 170.º do CPPT, que diz «deve o executado requerer») é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais; designadamente, deve seguir a forma escrita (cf. n.º 3 do art. 54.º da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cf. art. 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cf. n.º 3 do art. 170.º do CPPT). Deverá também o requerente mencionar o número de identificação fiscal (cf. n.º 1 do art. 29.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de Janeiro) e ainda, no caso de o procedimento respeitar a um processo de execução fiscal, indicar o número desse processo.(…)”

In casu, a AT indeferiu o pedido apresentado pelo ora Recorrente por duas razões. A primeira, por ter constatado, após consulta do seu sistema informático, que o Recorrente era detentor de bem imóvel e de bens móveis. A segunda, por verificar que o Recorrente não apresentou qualquer prova documental que comprovasse a circunstância de a prestação de garantia causar prejuízo irreparável, ou que fosse manifesta a sua falta de meios económicos – cfr. alínea d) do probatório.

Como vimos, o TAF de Loulé considerou improcedente a Reclamação apresentada pelo ora Recorrente por não se encontrarem reunidos os pressupostos exigidos no nº4 do artigo 52º da LGT para a dispensa de apresentação de garantia.

E, a nosso ver, bem.

Comecemos por dizer que, no âmbito dos presentes autos, não cumpre atender à argumentação, avançada pelo Recorrente, respeitante à legalidade da dívida exequenda. O que cumpre apreciar é, apenas, se o indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia deu cumprimento ao respectivo regime legal.

Dito isto, prossigamos.

Do que se extrai das extensas conclusões apresentadas, que repetem a alegação recursiva, constata-se que o Recorrente dissente do decidido por considerar que a AT devia ter diligenciado no sentido de suprir a omissão da prova dos factos alegados, assacando à sentença erro de julgamento (ilegalidade, nas palavras do Recorrente) por violação dos princípios do inquisitório, da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva.

Não tem razão.

Como a jurisprudência tem, reiteradamente, afirmado, é ao Executado que cabe o ónus de demonstrar e provar os factos invocados com vista à dispensa de prestação de garantia devida em execução fiscal.

A este propósito, refere Lima Guerreiro, in LGT anotada e comentada, na anotação ao artigo 52º o seguinte: “o número 4 do presente artigo visa a garantia do acesso à justiça e, também, ter em conta a efectiva capacidade contributiva do executado (que, por ter existido no momento do facto tributário, pode não se verificar já na execução fiscal). Admite-se a dispensa da prestação de garantia a efectuar pelo órgão da execução fiscal, em caso de manifesta falta de meios económicos do executado ou, mesmo quando este disponha de meios económicos suficientes, a prestação de garantia lhe cause ou possa causar prejuízo irreparável, circunstância que obviamente lhe cabe provar.” (sombreado nosso)

Ora, não há dúvidas que o ora Recorrente não logrou cumprir com o ónus probatório que sobre si recaía, tanto que não vem essa omissão posta em causa em sede de recurso.

Não há, pois, qualquer violação dos invocados princípios por parte da AT, nem tal se verifica no âmbito da sentença recorrida.

Por outro lado, vem o Recorrente dizer que, não obstante ser proprietário de um bem imóvel, o mesmo é a sua habitação própria e permanente, concluindo que uma decisão judicial que o desconsidere é manifestamente ilegal.

Esta alegação não tem valia para abalar o decidido já que, como a sentença recorrida não deixou de referir, apoiando-se em jurisprudência que cita, a impossibilidade de venda do imóvel onde o executado tem a sua habitação própria e permanente não significa que o mesmo não seja susceptível de ser penhorado.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do STA de 02/09/2020, proferido no âmbito do processo nº 307/20, no sentido de que a circunstância de a casa de morada de família não ser susceptível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade, e do qual nos permitimos extrair o seguinte:

“(…)Nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, na redação dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.”

O executado pode, assim, solicitar ao órgão de execução fiscal que o isente de prestar garantia com vista à suspensão do processo de execução em virtude da reclamação graciosa que deduziu para discutir a ilegalidade da dívida exequenda (n.º 1 do artigo 52.º da LGT), com fundamento no "prejuízo irreparável” que a prestação de garantia lhe pode causar, ou na "manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis”.

O ónus da prova dos factos que servirem de fundamento ao pedido é do executado, pois são factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido – neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22/05/2019, processo 0827/18.7BELRA.

A manifesta falta de meios económicos afere-se, “é revelada”, de acordo com a letra da lei, “pela insuficiência de bens penhoráveis”.
O n.º 2 do artigo 244.º do CPPT, na redação da Lei n.º 13/2016, de 23 de maio, estipula que “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim”.
Mas a lei não impede que na execução fiscal seja penhorado um imóvel afeto exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar.

Aliás, a proibição da venda da habitação própria e permanente do executado só se entende porque o imóvel é penhorável. Se fosse impenhorável, o legislador não precisava de proibir a venda, uma vez que a penhora é uma atividade prévia e necessária à realização da venda. Só são vendidos os bens que antes foram penhorados.

Em sede tributária dispõe o artigo 50.º, n.º 1 da LGT que o património do devedor constitui a garantia geral dos créditos tributários.

O imóvel onde o executado tem a sua habitação própria e permanente faz parte do seu património e constitui garantia geral dos créditos tributários, uma vez que não existe norma legal que afaste aquela regra.
O mesmo se passa nas execuções cíveis em que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda – artigo 735.º, n.º 1 do CPC.
A diferença nesta matéria entre a execução cível e a execução fiscal é que na primeira não há qualquer limitação quanto à venda do imóvel. O que significa que o credor comum pode penhorar e vender o imóvel que constitui a habitação própria e permanente do executado para ser pago pelo produto da venda. Já na execução fiscal a AT não pode vender o imóvel que penhorou, e se tal acontecer a venda é nula porque celebrada contra disposição legal de carácter imperativo, a constante do n.º 4 do artigo 244.º do CPPT, nulidade que é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, conforme artigo 286.º do Código Civil (CC), não ficando, pois, sujeita às regras da anulação da venda nem aos prazos fixados para a mesma no artigo 257.º do CPPT - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/04/2019, processo 0852/17.5BESNT.

Perguntar-se-á qual o interesse em se penhorar um bem na execução fiscal que depois não pode ser vendido?

A penhora é fonte de uma preferência sobre o produto da venda dos bens penhorados, dado que o exequente adquire por ela o direito a ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (artigo 822.º, n.º 1 do CC).

Deste modo, a AT, penhorado o imóvel na execução fiscal, poderá reclamar o seu crédito se em execução cível o bem tiver sido penhorado por um credor comum.

A penhora em sede de execução fiscal não consubstancia por isso a prática de um ato inútil. Ela mantém, apesar da proibição prevista no n.º 4 do artigo 244.º do CPPT, a sua função conservadora, pois os atos de disposição e de oneração dos bens são inoponíveis à execução, e a sua função de garantia na medida é fonte de uma preferência sobre o produto da venda dos bens penhorados que possa vir a ocorrer em execução cível.
Porque assim é, o artigo 244.º, n.º 4 do CPPT não afasta a regra geral de que todo o património penhorável do executado constitui garantia geral da dívida tributária. O pagamento coercivo não pode ocorrer na execução fiscal, na medida em que a venda não é permitida por lei, mas pode acontecer por outra via, numa execução instaurada por um credor comum.
Fazendo o imóvel parte do património do executado, deve ser considerado no juízo que a AT tem de fazer sobre a insuficiência de bens.(…)”

A sentença recorrida acompanhou este entendimento, pelo que nenhuma razão há para decidir em sentido diferente, improcedendo a argumentação do Recorrente.

Em suma, as alegações recursivas não têm valia para abalar o entendimento preconizado na sentença recorrida, pelo que será de negar provimento ao recurso.


*


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 15 de Setembro de 2022

(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Maria Cardoso)