Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12136/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/06/2017
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:ACORDO DE ACTIVIDADE OCUPACIONAL
SEGURO
ACIDENTE
Sumário:i) No âmbito dos acordos de actividade ocupacional, o seguro aplicável, independentemente do nome/título que este tenha, terá de tutelar efectivamente a integridade da capacidade produtiva do prestador do serviço.

ii) A responsabilidade quanto à celebração do contrato de seguro, ao âmbito da cobertura e aos respectivos valores contratados é exclusiva das entidades promotoras das actividades ocupacionais, constituído das mesmas um encargo (art. 8.º, nº 3, in fine da Portaria n.º 192/ 96).

iii) O Autor tem direito a ser ressarcido pelas despesas e prejuízos sofridos por força do acidente ocorrido no desempenho das actividades ocupacionais no município Recorrente, sendo que aquele, aliás, desempenhava as mesmas funções e cumpria ordens do encarregado municipal quando sofreu o acidente, como todos os outros trabalhadores proprio sensu do Município, enquanto limpava jardins, valetas e retirava árvores caídas na estrada
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Adriano …………….. propôs inicialmente no Tribunal Judicial de Abrantes contra a M…………… S…….. ……….., SA., Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP. e Município de Constância, acção administrativa comum, na forma ordinária, onde peticionou a condenação dos R.:

« Texto no original»

Por sentença de 29.07.2010 do Tribunal Judicial de Abrantes, 2.º Juízo, este julgou-se materialmente incompetente para conhecer da acção e absolveu os R. da instância.

Remetidos os autos ao TAF de Leiria, veio a ser proferida sentença em 24.04.2014 que julgou a presente acção parcialmente procedente, absolveu dos pedidos os réus M............ Seguros Gerais SA e Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP e condenou o réu, Município de Constância a:

- pagar ao autor o valor de € 38,80 de internamento hospitalar no Hospital de Santa Maria;

- pagar ao autor a diferença entre o valor recebido da incapacidade temporária absoluta – ITA – e o valor correspondente à consideração de todas as remunerações auferidas por si, isto é, ao subsídio de desemprego, acrescido de 20%, traduzida na fórmula: Indemnização diária = Retribuição diária × 70 %; e

- pagar uma prestação ao autor correspondente à incapacidade parcial permanente de 10% que lhe foi fixada, respeitando a fórmula: Retribuição anual × 70 % × grau de incapacidade.

Nas alegações do recurso interposto o município de Constância, ora Recorrente, conclui do seguinte modo:

1. O instituto do Acordo de Actividade Ocupacional, regulamentado pela Portaria nº 192/96, de 30 de Maio, não é equiparável ao contrato de trabalho, como resulta de toda a respectiva regulamentação e, particularmente. do disposto no art. 6º. nº 2. al. a), prevendo um seguro de acidentes pessoais, o que revela a exclusão da equiparação a contrato de trabalho, que comportaria a obrigatoriedade do seguro de acidentes de trabalho, por força do disposto no art. 37º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro:

2. Se, assim sendo, o Município Recorrente proporcionou ao A. uma cobertura de seguro superior, preenchendo a reparação dos danos físicos, que é objecto do seguro de acidentes pessoais, e, para além disso. uma indemnização pela desvalorização sofrida por incapacidade parcial permanente para o trabalho em função do valor retributivo seguro, não pode considerar-se como recebido a título de enriquecimento sem causa o valor indemnizatório que foi pago;

3. Todavia, sendo o valor do capital seguro correspondente ao montante que era efectivamente pago, não pode exigir-se que o Réu-Recorrente responda pelo quantum indemnizatório que corresponderia aos montantes que não eram por si pagos, mas sim pelo Instituto de Segurança Social, I.P. correspondentes ao subsídio de desemprego;

4. A circunstância de se ter mencionado um seguro de acidentes de trabalho no Acordo de Actividade Ocupacional não legitima a interpretação dessa cláusula no sentido de o valor do capital seguro dever corresponder, não só ao montante de subsidio de refeição que o Município ficou obrigado a pagar ao A., mas também ao montante do subsidio de desemprego, pago pelo Instituto de Segurança Social, I.P., visto que não existem quaisquer elementos indicativos de que tenha sido essa a vontade real das partes, tornando-se evidente que o Município não poderia razoavelmente contar com essa interpretação:;

5. Assegurada como ficou a tutela do interesse do A. nos termos legalmente exigíveis, por meio do seguro contratado,. que abrange todas ..as coberturas do seguro de acidentes pessoais, e tornando-se patente que as partes não estipularam a celebração de um seguro de acidentes de trabalho com outro âmbito que não o da cobertura, no que se refere a indemnizações, resultante do valor da remuneração paga pelo Município Recorrente. não se pode reconhecer ao A. o direito a receber mais do que já recebeu.

6. A douta sentença recorrida violou, assim. ressalvado sempre o devido respeito, o disposto no art. 6º. N.º 2, al. a) da Portaria nº 192/96. de 30 de Maio, o art.. 2º da Lei nº 100/97, de 13 de. Setembro, e os arts. 136º. nº 1, e 473.º do Cod. Civil.


O Recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida. Concluiu do seguinte modo:

1º- A principal questão que se colocou para superior apreciação e decisão era saber se o Autor tem direito a ser ressarcido pelas despesas e prejuízos sofridos por força do acidente ocorrido no desempenho das actividades ocupacionais no Município de Constância;

2º- O Autor concorda em absoluto com a apreciação e fundamentação da Douta Sentença.

3º- O Município de Constância quando opta por aplicar o Seguro de Acidentes de Trabalho ao Autor reconhece que beneficia da actividade do Autor e equipara-o a um funcionário da Câmara a desempenhar funções similares.

4º- Trata-se de um Seguro de Grupo de acidentes de trabalho de adesão automática regido pelas disposições constantes da Lei das Cláusulas Gerais -DL nº 446/85 de 25 de Outubro, de prémio variável.

5º- A zona crítica desta questão prende-se com o facto de o Réu Município de Constância , não comunicar á R. Seguradora todas as remunerações previstas na lei que o Autor recebia mensalmente, subsidio de desemprego acrescido de 20%, conforme estava obrigado nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 8º da Portaria nº 192/96, de 30 de Maio e da Cláusula terceira do Acordo da Actividade Ocupacional (facto provado 1 e 2) limitando-se a comunicar as remunerações pagas por si ( valor mensal do subsídio de alimentação)

6º- Violando a alínea c) do nº1 do artigo 16º referente ás obrigações do tomador se seguro constantes das Clausulas Particulares de Seguro de Trabalho.

7º- O Município de Constância sabe pelo Acordo subscrito por si que o Autor Pela cláusula terceira alínea d) do mesmo Acordo o A. tem direito a “beneficiar de um seguro contra acidentes de trabalho que o proteja contra riscos e eventualidades que possam ocorrer durante e por causa da Actividade Ocupacional”.

8ºA verdade é que a referida Portaria no seu artigo 11º nº3 estabelece que a entidade Promotora deve suportar um Seguro de acidentes, in casu a 1ª Ré.

9º- O Seguro aplicável terá de tutelar efectivamente a integridade da capacidade produtiva do próprio trabalhador ainda que desempregado.

10º- Devendo o 1º R. assumir os períodos de ITA, não tendo por referência o valor do subsídio de refeição pago, mas o total das remunerações efectivamente pagas ao trabalhador pelas diversas entidades.

11º- Deverá ainda o R assumir o pagamento devido ao Autor do montante indemnizatório devido ao A da IPP de 10%, já reconhecida pericialmente pela 2ª Ré, e que desde já se invoca.

12º-Tal como decorre e muito bem da Douta Sentença conclui-se que existiu a omissão incorrecção na transmissão da totalidade das remunerações do Autor pelo tomador do Seguro, o Réu Município de Constância, que caso fosse efectuada correctamente conduziria a uma alteração do prémio e influído nas condições de aceitação do contrato.

13º- Existindo causalidade entre a violação do dever de informação pelo tomador e a celebração do Contrato com a Seguradora.

14º- Cabendo por via dessa conduta violadora ao Réu Município de Constância a imputação da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho nos justos termos em que foi justamente condenada.

15º- Não enferma a Douta Sentença que qualquer obscuridade, ou nulidade sendo clara objectiva tendo efectuado uma correcta aplicação do direito aplicável.


Neste Tribunal Central Administrativo, a Exmo. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, nada disse.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo errou ao considerar que o A. teria legalmente direito a beneficiar de um seguro de acidentes de trabalho, a cargo do Réu e cobrindo a totalidade dos valores que eram pagos àquele pelo Município da Constância e assim ter condenado este nos pagamentos constantes do dispositivo.



II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.



II.2. De direito

Vem questionado no recurso a sentença da Mma. Juiz do TAF de Leiria que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o ora Recorrente no pagamento ao ora Recorrido do montante EUR 38,80 de internamento hospitalar no Hospital de Santa Maria, da diferença entre o valor recebido da incapacidade temporária absoluta – ITA – e o valor correspondente à consideração de todas as remunerações auferidas por si, isto é, ao subsídio de desemprego, acrescido de 20%, e pagar uma prestação ao autor correspondente à incapacidade parcial permanente de 10% que lhe foi fixada.

Vejamos.

Para assim decidir, exarou a Mm. Juiz a quo o seguinte discurso fundamentador:

Não restam dúvidas que, independentemente do tipo de contrato de seguro que o Acordo de Actividade Ocupacional exigia, por força da regulação estatuída na Portaria n.º 192/ 96, de 30 de Maio, o contrato de seguro efectivamente celebrado pelo Município de Constância e a M............ Seguros Gerais, SA foi um contrato de acidentes de trabalho de prémio variável (Facto Provado 4.) e, por isso, é este que releva apreciar, já que se trata de seguro que protege de modo mais garantístico do que o seguro de acidentes pessoais discutido pelas partes, pelo que o que cabe no menos, cabe no mais.

Também consta do probatório que a apólice que titulou o contrato de seguro de acidentes de trabalho, onde foi incluído o autor, A......................., é a apólice n.º …………/ 44, sendo também a apólice de acidentes de trabalho dos demais trabalhadores do Município de Constância (Factos Provados 4., 6., 12. e 19.). Tal significa, portanto, que o contrato de seguro de acidentes de trabalho que protegia o autor, A........................., era o que também protegia os trabalhadores do Município.

Ou seja, trata-se de um contrato de seguro de grupo de acidentes de trabalho (Factos Provados 4., 6., 12. e 19.).

(…)

Num contrato de seguro de grupo, determinante para o conteúdo do contrato é a avaliação do risco global do grupo, e não de cada elemento dele constituinte. A existência de um grupo constitui um aspecto essencial para o cálculo do risco num seguro com esta natureza. A existência de um grupo permite ainda a diminuição da selecção adversa, na medida em que o risco de cada segurado é diluído na integração de um grupo, com critérios de homogeneidade variáveis.

Depois, temos situações em que a adesão ao seguro de grupo dependerá da adesão dos membros do grupo e da respectiva aceitação por parte da seguradora. É o que sucede tipicamente nos seguros do ramo “Vida”: seguro de grupo de vida ou doença celebrado pelo empregador a favor dos seus trabalhadores. Já noutros casos, a mera pertença ao grupo constitui facto suficiente para a qualificação como pessoa segura ou segurada. E sta situação é frequente nos casos de seguros de grupo pertencentes ao ramo “Não Vida”, designadamente em caso de seguros de responsabilidade civil ou de danos, como no caso dos autos. Neste caso, a seguradora assume o risco globalmente atribuído ao grupo, deixando de apreciar o risco individualmente

Ora, no caso dos autos, estamos perante um contrato de seguro de grupo de acidentes de trabalho de adesão automática como resulta do artigo 16.º da apólice do contrato de seguro n.º …………………/44 que responsabiliza o tomador do seguro a escriturar livros ou folhas de pagamento aos seus trabalhadores onde constem os respectivos nomes, profissões, dias e horas de trabalho, retribuições e outras prestações que revistam carácter de regularidade, assim como tal norma lhe imputa a responsabilidade de enviar mensalmente à seguradora, quando se trate de seguro de prémio variável, como sucede no caso do autor, até ao dia 15 de cada mês, as folhas de retribuição pagas no mês anterior a todo o pessoal, devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na lei (Facto Provado 4.).

No seguro de grupo de adesão automática, como sucede no caso dos autos, a inexistência de adesão representa a inexistência de um processo de formação de um contrato entre o membro do grupo e a seguradora. E , tendo em conta que o segurado/ pessoa segura não é parte no contrato, mas apenas um terceiro, sobre ele não podem recair responsabilidades pré- contratuais. Os deveres de informação impendem, portanto, sobre o tomador do seguro, que deverá comunicar à seguradora todas as circunstâncias relevantes para a ponderação do risco.

Nos seguros de grupo de adesão automática, como sucede no caso dos autos, existe apenas um contrato entre a seguradora e o tomador, tratando-se, em regra, de um seguro por conta de outrem. Aqui o dever de informação decorre da exigência de comportamento de acordo com a boa-fé, estando as partes obrigadas à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato, seja o tomador, seja a seguradora. No campo da responsabilidade por acção, há asserções erróneas ou inexactas que conduzem à confiança da outra parte. O tomador do seguro e a seguradora devem-se informar mutuamente sobre os aspectos essenciais do conteúdo do contrato de seguro que virá a ser concluído. Em ambos os casos, a função dos deveres de informação (e de esclarecimento) é a de proporcionar as bases adequadas a uma decisão livre e consciente.

Ao contrato de seguro de grupo serão aplicáveis desde logo as disposições respeitantes à formação do contrato, constantes da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG) – Decreto- Lei n.º 446/ 85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 323/ 2001, de 17 de Dezembro - já que estamos perante cláusulas contratuais dotadas de generalidade (as cláusulas destinam-se a ser subscritas por proponentes indeterminados) e rigidez (as cláusulas são elaboradas sem prévia negociação individual, de tal modo que sejam recebidas em bloco por quem as aceite; os intervenientes não podem modelar o seu conteúdo, introduzindo alterações). E m particular, importa atender aos deveres de comunicação das cláusulas contratuais gerais (Cfr. artigo 5.º) e de informação da contraparte dos aspectos contidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (Cfr. artigo 6.º).

Mas questão interessante é aquela de saber das consequências da violação do dever de informação no caso particular dos seguros de grupo não contributivos automáticos, como é o caso dos autos.

Determinam os artigos 5.º e 6.º da LCCG - Decreto-Lei n.º 446/ 85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 323/ 2001, de 17 de Dezembro - que:

(…)

Está provado que a ré “M............, Seguros Gerais, SA” não explicou ao Município de Constância o tipo de seguro que estava a ser contratualizado para o A……………………… em concreto (Facto Provado 20.), justificando que se tratava de um seguro “geral” para todos os trabalhadores do Município e era ele que mensalmente devia fornecer os elementos necessários das pessoas que queria segurar.

Por outro lado, a estes deveres gerais de informação acrescem, no âmbito dos seguros de grupo em que as pessoas são automaticamente consideradas como seguradas/ pessoas seguras, os deveres de informação especiais sobretudo porque, neste caso, não existirá questionário ou documento equivalente destinado à apreciação do risco pela seguradora, recaindo os deveres de informação sobre o tomador do seguro. É que, antes da celebração de um contrato, a seguradora deve aferir o risco que está prestes a assumir contratualmente, de modo a poder calcular o prémio adequado ao risco assumido e assim evitar os perigos inerentes a uma selecção adversa de pessoas seguras. Considerando que a não prestação de informações correctas coloca em crise a própria aleatoriedade típica do contrato de seguro e que é na esfera do próprio tomador que serão encontrados os factores necessários à aferição daquele risco.

Neste sentido, os deveres de informação pré-contratuais (Cfr. artigo 227.º do Cód. Civil) são particularmente exigentes no caso da formação do contrato de seguro, também aplicáveis aos contratos de seguro de grupo.

E o critério para determinar os factos que devem ser dados a conhecer à seguradora consiste na relevância desses factos para a ponderação do risco pela seguradora (Cfr. artigo 429.º do Cód. Comercial). Por isso, nos contratos de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável (Facto Provado 4.), como sucede nos presentes autos, o erro ou inexactidão da informação mensal que o tomador deve enviar à seguradora quanto à remuneração dos seus trabalhadores segurados paga no mês anterior, bem como a menção da totalidade das remunerações previstas por lei como parte integrante da retribuição para efeitos de cálculo na reparação do acidente de trabalho, nos termos da cláusula 16.º da apólice de seguro correspondente ao contrato de seguro subscrito pelo réu, Município de Constância (Facto provado 4.), traduzir-se-á na sua exclusiva responsabilidade pelas consequências do acidente.

Quando há incorrecções no fornecimento destas informações, a seguradora fica excluída da responsabilidade, tendo o tomador de seguro, o, aqui, réu, Município de Constância, de assumir a responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho (Vide Acórdão do STJ, de 14 de Maio de 1999: BTE, 2.ª série, n.º 1-2-3/2002, pp. 276), desde que exista causalidade entre a violação do dever de informação pelo tomador e a celeb ração do contrato com a seguradora.

Na verdade, estamos no âmbito da relevância da causalidade entre a violação do dever de informação e a celebração do contrato.

Na verdade, deve admitir-se a demonstração da relevância negativa da causalidade. Nessa hipótese, ao desvalor da conduta do tomador associado à violação de certo dever de cuidado não se segue necessariamente um desvalor do resultado da acção, quando o contrato não deixasse de ser celebrado nos mesmos termos. Defender-se a tese contrária, segundo a qual fosse de atender ao incumprimento negligente do dever de informação quando se sabe da não contribuição daquele incumprimento para um aumento do risco do resultado implicaria aceitar a aplicação de uma verdadeira sanção ao tomador de seguros.

Ou seja, deve questionar-se se o dever de informar tivesse sido cumprido, o contrato seria celebrado ou não pela seguradora qua tale?

Está provado que o autor A......................... é incluído na apólice de seguros n.º …………………./44, no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho de prémio variável (Factos Provados 4., 6. e 12.). Está provado também que o réu, Município, pagou ao autor apenas o subsídio de alimentação e foi isso que transmitiu à ré Seguradora (Facto Provado 2. e 21.).

É um facto que o réu, Município de Constância, não comunicou à ré, Seguradora, todas as remunerações previstas na lei que o autor receberia mensalmente (subsídio de desemprego acrescido de 20%), conforme estava obrigado nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º da Portaria n.º 192/ 96, de 30 de Maio e da cláusula terceira do Acordo de Actividade Ocupacional (Facto Provado 1. E 2.), limitando-se a comunicar as remunerações pagas por si, ou seja, in casu, o valor mensal do subsídio de alimentação (Facto Provado 2.) e, neste caso, violou a alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º referente às obrigações do tomador de seguro constantes das Condições Particulares de Seguro de Acidentes de Trabalho.

Por isso, faltou o tomador, Município, aos seus deveres de informação a que estava obrigado e que amplamente explicitamos acima. Porém, importa perguntar se esta inexactidão na informação que deveria ter fornecido à ré, Seguradora, era suficiente para esta não celebrar o contrato de seguro de grupo de acidentes de trabalho, de prémio variável e adesão automática, com natureza não contributiva, nos termos em que foi celebrado? Ou seja, assumirá esta inexactidão relevância para a ré, Seguradora, na ponderação do risco, isto é, existirá nexo de causalidade entre a violação do dever de informação pelo tomador e a celebração do contrato com a seguradora?

Na verdade, como já acima foi amplamente explicitado, num contrato de seguro de grupo, determinante para o conteúdo do contrato é a avaliação do risco global do grupo, e não de cada elemento dele constituinte. A existência de um grupo constitui um aspecto essencial para o cálculo do risco num seguro com esta natureza. A existência de um grupo permite ainda a diminuição da selecção adversa, na medida em que o risco de cada segurado é diluído na integração de um grupo, com critérios de homogeneidade variáveis. Através da ponderação dos riscos associados ao grupo e do recurso a fórmulas e cálculos actuariais, a seguradora decide celebrar ou não o contrato, independentemente dos elementos que, em concreto, integrem o grupo.

No caso em apreço, estamos a falar pessoa segura que desempenhava actividades ocupacionais, aliás, que nem poderia desempenhar tarefas correspondentes a um normal posto de trabalho, conforme resulta do n.º 2 do artigo 5.º e alínea b), do n.º 1 do artigo 7.º e alínea a) do artigo 14.º da Portaria n.º 192/ 96, de 30 de M aio, e cujas remunerações totais correspondiam ao subsídio de desemprego, acrescido de 20% , a que se somaria o subsídio de alimentação e era sobre estes valores globais que o prémio deveria ser pago pelo tomador.

O artigo 429.º do Código Comercial mais não é do que a previsão de um caso de erro como vício de vontade, já que incidindo sobre a própria formação do contrato, ou a execução continuada de um contrato com as características do dos autos (seguro de grupo de acidentes de trabalho de prémio variável, de adesão automática e não contributivo), as declarações falsas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da contraparte (seguradora), pois que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignoradas, por não reveladas ou deficientemente reveladas. Daí que, não é necessário que as declarações ou omissões influam efectivam ente sobre a celebração ou condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.

Trata-se, em tese, de um caso de erro vício.

Neste tipo de erro não há uma desconformidade entre a declaração e a vontade real, como acontece no erro obstáculo (ou erro obstativo). No erro vício há coincidência entre o querido e o declarado mas a declaração é consequência de uma errónea representação da realidade por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado de coisas não teria querido o negócio ou, pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu (Vide Prof. M anuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, Reimpressão, 1992, 233).

O regime do erro vício consta dos artigos 251.º e 252.º do Código Civil, distinguindo entre erro essencial absoluto, erro essencial relativo, erro incidental, erro essencial parcial e o erro acidental. Nos casos do artigo 429.º do Cód. Comercial citado, ocorre o erro essencial parcial já que a vontade negocial pretende o negócio e a vontade conjectural também o quer, mas com a alteração de aspectos essenciais, como o prémio de seguro que, no caso dos autos, seria superior atendendo ao valor global das remunerações do autor que deveriam ter sido comunicadas à ré, M............ Seguros Gerais SA.

Conclui o Tribunal que, no caso dos autos, a omissão ou incorrecção na transmissão da totalidade das remunerações do autor pelo tomador de seguro, o réu, Município de Constância, reúne as referidas condições para concluir que o fornecimento da informação correcta conduziria a uma alteração do prémio e esse facto poderia ter influído sobre a aceitação do seguro, tal como foi celebrado, ou seja, considerando as regras da experiência, basta que estas incorrecções na informação prestada à seguradora pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.

É que, o objecto do seguro de prémio variável depende, pois, da declaração periódica do tomador de seguro que, para não celebrar diversos contratos consoante as flutuações do pessoal que emprega, firma um único contrato com conteúdo variável (prémio variável), sendo consequentemente variável a respectiva obrigação de seguro, pois que é através da informação global quanto às remunerações legalmente devidas ao segurado, in casu o autor, que se efectua a actualização do contrato, a que corresponde a actualização do prémio, por parte da seguradora.

Tal significa que a responsabilidade é exclusiva do tomador, aqui réu, Município de Constância.

E quanto aos prejuízos, está provado que o autor sofreu acidente a 18 de Março de 2008, que a 10 de Agosto foi internado de urgência no Hospital de Santa Maria pagando o valor de € 38,80 e que lhe foi determinada uma incapacidade temporária absoluta – ITA - desde 19 de Março de 2008 a 18 de Outubro de 2008 (Factos Provados 3. e 9.).

Também consta do probatório que o autor ficou com uma incapacidade parcial permanente – IPP7 - de 10%, situação comunicada pela ré, seguradora, ao Ministério Público do Tribunal de Trabalho de Santarém (Facto Provado 12.).

Considerando que o acidente ocorreu a 18 de Março de 2008 (Facto Provado 3.), estava em vigor o Decreto-Lei n.º 100/ 97, de 13 de Setembro, sendo este o diploma aplicável ao cálculo dos valores a pagar por incapacidades permanentes. Ora, dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º do diploma supracitado que “… Na incapacidade permanente parcial inferior a 30% : capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho…” , traduzindo-se na fórmula: Retribuição anual × 70 % × grau de incapacidade.

Já no que diz respeito à incapacidade absoluta permanente invocada, no período de 19 de M arço de 2008 a 18 de Outubro de 2008, dispõe a alínea e) do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 100/ 97, de 13 de Setembro que “…Na incapacidade temporária absoluta: indemnização diária igual a 70% da retribuição…”, traduzida na fórmula: Indemnização diária = Retribuição diária × 70 % .

Já o réu, Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, assume responsabilidades ao nível da aferição do tipo de actividades ocupacionais que os desempregados desenvolvem, por força dos contratos de actividades ocupacionais celebrados, tanto que os seus poderes fiscalizadores se centram no acompanhamento e desenvolvimento desses projectos ocupacionais, razão pela qual o réu, Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, deve fiscalizar as actividades desenvolvidas nas entidades promotoras, assegurando que não consistem na ocupação, ainda que transitória, de postos de trabalho existentes e que os trabalhadores estão afectados a fins diferentes dos acordados por parte das entidades promotoras, conforme artigo 14.º da Portaria n.º 192/ 96, de 30 de Maio e alínea a)4 da cláusula 4.ª do Acordo de Actividade Ocupacional celebrado (Facto Provado 1.).

Tal significa que o réu, Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, não participa na celebração dos respectivos contratos de seguro, que são da responsabilidade das entidades promotoras, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da Portaria n.º 192/ 96, de 30 de Maio e também não lhe foram conferidas competências fiscalizadoras quanto à verificação dos contratos de seguro celebrados pelas entidades promotoras.

Tal como foi configurada a acção pelo autor, o réu, IE FP, IP, não pode, em consequência do explicitado ser responsabilizado pelo erro nas declarações do tomador de seguros, entidade promotora das actividades ocupacionais.

(…).”

E o assim decidido é de manter, pode já adiantar-se, pois que não existe o apontado erro de julgamento.

A Portaria 192/96, de 30 de Maio aprovou o regime da actividade ocupacional de trabalhadores a receber prestações de desemprego – os designados “trabalhadores subsidiados” - e de trabalhadores desempregados em situação de comprovada carência económica, provenientes ou não de actividades sazonais – estes designados “trabalhadores em situação de comprovada carência económica”.

Nos termos do art. 6.º da Portaria, o “acordo de actividade ocupacional”, prevê que as relações entre os trabalhadores subsidiados ou em situação de comprovada carência económica e as entidades promotoras são reguladas num acordo de actividade ocupacional. E deste, de acordo com o nº 2, deste artigo, constarão, designadamente: “a) As condições de desempenho da actividade, englobando o seguro de acidentes pessoais.”

E de acordo com o art. 8.º, sob a epígrafe, “Relações entre os trabalhadores subsidiados e as entidades promotoras de projectos ocupacionais”, estabelece-se que:

1 - As relações entre os trabalhadores subsidiados e as entidades promotoras de projectos ocupacionais são reguladas no acordo de actividade ocupacional, a que se refere o n.º 6.º

2 - A prestação de trabalho necessário em projectos ocupacionais não confere direito a qualquer retribuição complementar, sendo apenas atribuído ao trabalhador ocupado um subsídio complementar até 20% da prestação mensal de desemprego, durante o período de concessão do subsídio de desemprego ou subsídio social de desemprego.

3 - À entidade promotora à qual o trabalho necessário é prestado compete o pagamento das despesas de transporte, alimentação e seguro de acidentes.

4 - O trabalhador disporá de um dia por semana para efectuar diligências de procura de emprego, devendo comprovar a efectivação das mesmas, sem prejuízo do direito de descanso semanal legalmente estabelecido nem do dever de comparência nos serviços do IEFP ou da segurança social, sempre que for convocado.

E o sinistro ocorreu quando o A. Prestava serviço na sequência de um “acordo de actividade ocupacional” no âmbito do Programa Ocupacional aprovado pelo IEFP, ao abrigo dos artigos 10.º a 13.º daquela Portaria.

É certo que no acordo em causa declara-se expressamente que pelo mesmo não se procede ao preenchimento de quaisquer postos de trabalho.

Porém, a questão em causa não se esgota na forma do acordo, nem nas retribuições que por este sejam devidas. A questão central está sim na protecção adequada contra os riscos emergentes da actividade ocupacional exercida.

Neste ponto, não poderá aceitar-se, como sempre arguido pelo A., que essa protecção se possa vir a consubstanciar apenas à garantia do subsídio de alimentação. Ou seja, o seguro aplicável, independentemente do nome que esta tenha, terá de tutelar efectivamente a integridade da capacidade produtiva do prestador do serviço.

Neste particular, no que ao seguro importa, terá que sublinhar-se que a responsabilidade quanto à celebração do contrato de seguro, ao âmbito da cobertura e aos respectivos valores contratados é exclusiva das entidades promotoras das actividades ocupacionais (o ora Recorrente), constituído das mesmas um encargo (art. 8.º, nº 3, in fine da Portaria).

Temos para nós, pois, que o A., como reconhecido e explicitado na sentença recorrida, tem direito a ser ressarcido pelas despesas e prejuízos sofridos por força do acidente ocorrido no desempenho das actividades ocupacionais no município de Constância. E não restam dúvidas que, independentemente do tipo de contrato de seguro que o Acordo de Actividade Ocupacional exigia por força da regulação estatuída na Portaria n.º 192/ 96, o contrato de seguro efectivamente celebrado pelo Município de Constância e a M............ -----------------, SA foi um contrato de acidentes de trabalho de prémio variável (Facto Provado 4.) e, por isso, é este que releva no caso (Apólice nº -----------------------).

Por fim, também não assume especial relevância a circunstância de o legislador da Portaria ter designado o seguro a contratar como “seguro de acidentes pessoais”. Com efeito, se o objectivo das actividades ocupacionais, no que aos trabalhadores subsidiados respeita, visa a participação em trabalho necessário inserido em projectos ocupacionais organizados por entidades sem fins lucrativos, em benefício da colectividade, por razões de necessidade social ou colectiva (art. 3º, nº 1), não podendo consistir no preenchimento de postos de trabalho existentes (art. 2º, n.º 3), mal se compreenderia que viesse exigir um seguro de acidentes de “trabalho”. O que o legislador pretendeu foi que a actividade por aqueles desenvolvida estivesse devidamente segurada, titulada por um contrato de seguro.

E quanto ao risco propriamente dito, inerente às funções que o A. desempenhava quando sofreu o acidente, temos que este cumpria ordens do encarregado António Prata dos Santos, como todos os outros trabalhadores do Município (cfr. o provado em 16.), enquanto limpava jardins, valetas e retirava árvores caídas na estrada (cfr. o provado em 17.º). Ou seja, a situação em causa, nada tem de especial ou distintivo relativamente aos trabalhadores, proprio sensu, ao serviço da autarquia que possa afastar o que se vem de concluir.

Razões pelas quais, na improcedência das conclusões de recurso, tem a sentença recorrida que ser confirmada.


III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2017


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Pedro Marchão Marques

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Helena Canelas

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António Vasconcelos