Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:158/18.2 BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:VALOR ADUANEIRO DE MERCADORIA
MÉTODO ÚLTIMO RECURSO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - O Tribunal afere da legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar quaisquer razões de facto e de direito que não constem dessa fundamentação.
II - A autoridade aduaneira está legalmente adstrita a realizar não só um conjunto de diligências probatórias, como a documentar as mesmas de forma a poder validamente concluir pela impossibilidade de aplicação sucessiva dos métodos alternativos previsto no CAC e socorrer-se do método do último recurso, sob pena de violação do dever de fundamentação e do dever de inquisitório.
III - A AT não pode demitir-se da sua função inspetiva e bem assim dos seus deveres de instrução, e avançar com um juízo genérico e conclusivo no sentido de abstrata impossibilidade de acesso a informações de outros países da União Europeia e de obtenção de elementos de exportação para Portugal através da consulta das bases de dados aduaneiras, sem justificar essas mesmas impossibilidades.
IV - Para que se conclua pela impossibilidade efectiva e concreta de aplicar de forma sequencial os métodos previstos no artigo 30.º, n.º 2 do CAC é necessário a realização de todas as diligências tendentes à obtenção de informação sobre cada método e à demonstração cabal e casuística dessa impossibilidade.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, proferida em 10/02/2020, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B...... LIMITED, na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA»), emitida após inspeção tributária efectuada na sequência da importação de um iate ocorrida em Agosto de 2010 junto da Alfândega do Funchal.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I. O objeto do presente recurso é a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, de 10/02/2020, proferida nos autos em epígrafe, ao julgar procedente a impugnação e, consequentemente, ao mandar anular a liquidação impugnada (IVA e Juros Compensatórios), com a restituição ao impugnante do imposto pago no montante de €5.783.140,89, pela Importação do super iate de luxo L......, melhor identificado nos autos.

II. A impugnante, B...... LIMITED, com o NIF 9……., é uma sociedade de responsabilidade limitada, com sede fiscal na Rua das Maravilhas,….– Funchal e detém o estatuto fiscal de Pessoa Coletiva Não Residente Sem Estabelecimento

III. Da PROBATÓRIO da douta sentença recorrida constam FACTOS dados como PROVADOS sem que os mesmos estejam alicerçados em prova bastante, documental ou outra, constante dos mesmos autos ou, pelo menos, sem que na douta decisão recorrida seja feita referência expressa a essa prova; Assim,

IV. O RFP requereu ao tribunal a absolvição da Fazenda Pública da instância, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 278. ° do Código de Processo Civil, por entender que a impugnante não detém legitimidade processual por extinção/dissolução da sociedade representada;

V. Dado que a junção aos autos da documentação requerida pela Fazenda ao Público não foi feita, a concludente prova sobre a extinção (ou dissolução) da representada (a empresa B...... LIMITED, nº 1…..C, com sede em F….., J......, V…., D…., I…., Isle of Man) ficou por fazer-se;

VI. Não está demonstrado pela documentação junta aos autos ou por qualquer outro meio de prova válido super iate de luxo L...... tenha sido vendido pela sociedade L...... LIMITED à sociedade BY...... LIMITED pelo preço de €46 milhões de euros;

VII. Sendo certo como e muito bem escreveu o Juiz Desembargador, Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte, Dr. Nuno Bastos, “o Princípio do Inquisitório no Processo Tributário tem em vista uma decisão justa. Não é o impulso oficioso do juiz que tem carácter complementar da atividade processual das partes, mas é a atividade processual das partes que complementa o esforço instrutório do juiz. O apuramento da verdade dos factos (verdade material) é uma tarefa que ao juiz incumbe em primeira mão, cabendo às partes apenas colaborar nesse desiderato”.

VIII. Diz a douta sentença recorrida que “a sociedade B...... LIMITED, no dia 14 de outubro de 2011, cancelou o seu registo comercial e efetuou novo registo ao abrigo da Lei das Sociedades Comerciais de 2006 com o número de identificação de pessoa coletiva 0……” (cf. fls 7 da douta sentença recorrida);

IX. Ora, com base neste pressuposto de facto (documental), a conclusão a retirar não seria a de que houve uma alteração da sociedade, como concluiu a douta sentença recorrida, mas a dissolução da sociedade como alegou o RFP;

X. Além do mais a douta sentença recorrida é omissa no que respeita à fundamentação já que conclui que a sociedade mandante da impugnante não se encontra dissolvida, mas não dá a conhecer qual o iter cognitivo que a levou a concluir como concluiu;

XI. O que determina a sua nulidade;

XII. Havendo fortes indícios de que a venda feita (através duma fatura, que não preenchia os requisitos legais) era uma venda simulada/forjada para fugir às imposições fiscais devidas pela sua matriculação na Ilha da Madeira, o RFP requereu ao tribunal que fossem juntos aos autos os registos contabilísticos das empresas vendedora (L...... LIMITED) e compradora (B...... LTD), ora impugnante;

XIII. Essa junção aos autos acabou por não acontecer por determinação do tribunal sem que esse facto tenha sido devida e claramente justificado,

XIV. O que o RFP pretendia demonstrar nos autos era que a referida fatura comercial era forjada, isto é, jurídica e contabilisticamente inexistente, já que não constaria quer dos registos da sociedade vendedora, quer dos registos da sociedade compradora;

XV. A fatura comercial seria um mero documento particular, forjado, sem qualquer correspondência com a vida real das duas sociedades;

XVI. Não se entende a razão de a impugnante, que tinha acesso a essa documentação, não ter tomado a iniciativa de juntar aos autos cópias dos atos societários para demonstrar as questões suscitadas da autenticidade da fatura comercial e da sua conformidade com os atas/registos societários das duas sociedades (compradora e vendedora),

XVII. E convém relembrar que estão em causa nos presentes autos mais de 6 milhões de euros (incluindo os juros indemnizatórios) que o Estado terá de restituir à impugnante;

XVIII. Prova essa que ficou por fazer pelas razões atrás apontadas;

XIX. Pelo que, salvo melhor opinião, deverão os autos, face à manifesta existência de deficit instrutório, baixarem ao Tribunal a quo para que aí se complete a instrução dos autos, nos termos supra apontados e se profira nova decisão em conformidade.

XX. Havendo dúvidas fundadas sobre o valor transacional declarado, foi solicitado a esta pelas Autoridades Tributárias para juntar novos elementos de prova sobre o valor declarado, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 178.º, n.º 4 e 181.º-A das DACAC;

XXI. As informações prestadas pela impugnante e os elementos apresentados não corresponderam ao solicitado pela Autoridade Aduaneira e inviabilizaram a fixação do valor da embarcação através do método de mercadorias idênticas ou de mercadorias similares (art.º 30.º, n.º 1 do CAC);

XXII. Não obstante isso, as Autoridades Tributárias tomaram a iniciativa, através da consulta das Bases de Dados Aduaneiras ou de outras bases de dados existentes no ciberespaço, com vista a fixar o valor do iate pelo método de mercadorias idênticas ou similares;

XXIII. Não foram encontrados apesar das muitas diligências feitas quaisquer iates que fossem equiparáveis ao iate, objeto de avaliação;

XXIV. Através da Assistência Mútua Administrativa, foram contatadas as autoridades holandesas, onde tinha sido construído o iate, a fim de remeterem as faturas de compra/venda e os respetivos valores pagos;

XXV. As autoridades holandesas enviaram às autoridades portuguesas as faturas de compra e venda e os respetivos montantes;

XXVI. Tendo-se concluído que o Senhor I...... pagou aos Estaleiros Navais, Royal Van Lent Shipyard, o montante total de €76.814.367,00 pela construção do iate, conforme faturas juntas aos autos;

XXVII. Descartada a hipótese de fixar o valor do iate através dos métodos previstos nos artigos 28º a 36º do CAC, conforme se poderá constatar pela resposta dada à Reclamação Graciosa e às Conclusões do Relatório de Inspeção, foi fixado pelas Autoridades Aduaneiras como valor comercial e aduaneiro do referido super iate de luxo o valor de €76.814.367,00, valor que o Senhor I...... tinha acabado de pagar aos Estaleiros Navais Holandeses;

XXVIII. Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida não valorou a prova produzida pela Fazenda Pública, fazendo tábua rasa da informação que foi prestada, repete-se, pelas autoridades aduaneiras da holanda, onde fora construído o super iate de luxo;

XXIX. Ficou igualmente profusamente documentado nos autos que, quer a Equipa Inspetiva, quer as Autoridades Aduaneiras, procederam a todas as diligências legalmente admissíveis com vista a fixar o valor aduaneiro do iate de luxo através do valor transacional de mercadorias idênticas, do valor transacional de mercadorias similares e mesmo do valor baseado no preço unitário da venda na comunidade da mercadoria importada (iate), sem qualquer sucesso, isto é, as diligências feitas revelaram-se infrutíferas ou impossíveis;

XXX. O valor aduaneiro acabou por ser fixado pelo valor do custo de produção (valor das faturas pagas pelo comprador aos estaleiros navais da Holanda, uns dias antes);

XXXI. Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida fez, além do mais, errada apreciação da prova produzida nos autos, violando o disposto nos artigos 596.º e 607.º, n.º 4, do CPC, na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/6;

XXXII. Ora, a fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objetividade de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal;

XXXIII. E leva à nulidade, prevista nos art.ºs. 607º, nº4, e 615º, nº1, als. c) e d) do Código de Processo Civil;

XXXIV. O que, em conclusão se alega, para todos os efeitos legais, já que a fundamentação da douta sentença recorrida é obscura, não está baseada em provas credíveis e faz tábua rasa de informações oficiais das autoridades holandesas;

XXXV. As provas apresentadas pela impugnante e em que se fundamentou a douta decisão recorrida para concluir pela procedência da impugnação são manifestamente insuficientes e inidóneas para demonstrar que o super iate de luxo foi vendido pelo preço declarado pela impugnante;

XXXVI. A douta sentença recorrida ao ter aceite como valor aduaneiro do iate o valor transacional violou o nº 2 do artigo 1º do Acordo (GATT), acolhido no art.º 29.º do CAC.

XXXVII. E não tendo o tribunal fixado outro valor entende-se que aceita o valor constante da fatura junta aos autos que tantas dúvidas sobre a sua autenticidade suscitou à fazenda Pública;

XXXVIII. A avaliação aduaneira das mercadorias tem por objetivo o estabelecimento de um sistema equitativo, uniforme e neutro que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios (acórdão de 15 de julho de 2010, Gaston Schul, C-354/09, EU:C:2010:439, n.º 27 e jurisprudência referida)»;

XXXIX. A douta sentença recorrida deveria explicar cabalmente, o que não fez, porque razão considerou válida uma fatura comercial sobre a qual recai fundadas dúvidas sobre a sua autenticidade, não formal, mas sobre os dizeres da mesma, já que é uma fatura comercial em que há uma vinculação entre o vendedor e o comprador por serem a mesma pessoa (Cf. art. 607º, nº4 e art.º615º, n.º alínea b) do Código de Processo Civil),

XL. Ilegalidade da sentença recorrida: factos não provados: é totalmente omissa a fundamentação quanto aos factos não provados o que consubstancia nulidade da douta sentença recorrida, nos termos dos nos termos dos art.ºs. 607º, nº 4, e 615º, nº1, als. c) e d) do Código de Processo Civil;

XLI. A liquidação feita não deve merecer, pois, qualquer censura do tribunal, contrariamente ao decidido;

XLII. Normas violadas: nomeadamente, arts 11.º, 596.º, n.º 4, do CPC 607º, e 615º, nº1, als. c) e d) do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/6; art. ºs 5.º e 6.º do Código das Sociedades Comerciais e o nº 2 do artigo 1º do Acordo (GATT), acolhido no art.º 29.º do CAC.

NESTES TERMOS, a douta sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação apresentada pelo ora recorrido.

Assim, se procederá de acordo com a LEI e se fará JUSTIÇA»

3. A recorrida, B...... Limited, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«A) A questão material controvertida nos presentes autos consiste, exclusivamente, em determinar (I) se existiam fundamentos legais para corrigir o valor aduaneiro declarado pela Recorrida aquando da importação da embarcação no porto do Funchal em 2010; e (II) se a administração fiscal, em sede do procedimento administrativo que antecedeu o ato de liquidação, seguiu os critérios legais impostos pelo Código Aduaneiro na fixação administrativa do valor do Iate L.......

B) Face à fundamentação do ato tributário constante do relatório de inspeção e face ao teor da decisão ora recorrida, são estas as questões que cumpre dar resposta nos presentes autos, sendo absolutamente irrelevantes – ao contrário das alegações de recurso da Fazenda Pública - todas as asserções em torno de uma alegada coligação entre entidades, da relação ou papel do senhor I......, o tema de quem são os acionistas da Recorrida ou mesmo quem é o utilizador do barco.

C) Aliás, como está documentalmente provado nos autos, a Representação da Fazenda Pública vem alegar em sede judicial a simulação do contrato, quando a inspeção tributária refere expressamente em sede inspetiva que não está em causa a validade do contrato ou do negócio que lhe subjaz.

D) Apesar da Recorrida discordar desse segmento decisório, a verdade é que o tribunal do Funchal entendeu que havia dúvida fundada para questionar o valor transacional, simplesmente decidiu de forma sustentada que a AT não cumpriu com o seu ónus probatório e a utilização do método de último recurso não estava fundamentada nos termos legais.

E) Face à prova produzida, entendeu o Tribunal do Funchal que estavam preenchidos os requisitos legais para a AT afastar a aplicação do valor transacional declarado pela Recorrida. E ao fazê-lo, afasta de qualquer discussão a natureza da transação e outras questões laterais alegadas pela Fazenda Pública em sede dos presentes autos de recurso. A transação, os seus contornos e toda a matéria de facto alegada pelas Partes foi julgada em sentido favorável às pretensões da Recorrente, pois a Recorrida entende que face à prova que produziu não havia fundamentos legais para afastar o valor transacional.

F) Em relação ao segundo segmento decisório, o tribunal com base na prova documental – antes de mais o relatório inspetivo e o processo administrativo – e a prova testemunhal, concluiu que a inspeção tributária não realizou as diligências probatórias exigidas de forma a poder socorrer-se do método de último recurso, o qual como a própria nomenclatura indica, só pode ser usado após afastamento e inaplicabilidade dos métodos elencados no n.º 2 do artigo 30º do CAC. E tal conclusão assenta na circunstância de inexistir qualquer evidência de qualquer pedido de informação por parte da inspeção tributária, o que foi comprovado, aliás, pela testemunha e responsável pela condução do procedimento, a qual veio aos autos confessar expressamente que nunca formulou qualquer pedido de informação junto das suas congéneres comunitárias de forma a avaliar a aplicação de qualquer um dos métodos alternativos.

G) Uma vez que a Recorrente impugna os fundamentos de facto e de direito da sentença recorrida, e tendo sido produzida prova testemunhal em 1.ª instância, a ora Recorrida vem, nas presentes contra-alegações, utilizar a faculdade prevista na alínea b) do número 2 do artigo 640.º do CPC acima transcrito, com vista a demonstrar os concretos meios de prova que prejudicam as conclusões da Recorrente e, como tal, a procedência do recurso.

H) Como questão prévia e conforme resulta do requerimento e alegações apresentados pela Recorrente, o presente recurso foi dirigido aos Venerandos Juízes Desembargadores do TCA do Norte; contudo, nos termos do artigo 31.º do ETAF e do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 325/2003, é evidente que este Venerando Tribunal não é o órgão territorialmente competente para apreciar o presente recurso, mas sim o Tribunal Central Administrativo Sul, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

I) Em matéria de exceção, vem a Recorrente invocar a alegada ilegitimidade da Recorrida, sendo que, conforme evidenciado, não há qualquer falta de legitimidade ativa por parte da ora Recorrida, pois, desde logo e mais uma vez, a Recorrida não é representante fiscal da sociedade B....... Com efeito, a Recorrida (B......) é uma sociedade não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, com um registo de IVA português para efeitos de introdução no consumo da embarcação, sendo representada fiscalmente por uma sociedade com sede na Madeira.

J) Sobre esta matéria, como resulta da prova produzida, não estamos perante duas sociedades comerciais distintas, mas sim a mesma entidade com uma clara sucessão de registos comerciais ao abrigo da aprovação de nova legislação comercial no seu Estado e jurisdição de origem.

K) A ora Recorrida foi des-registada do registo comercial ao abrigo das Leis da Ilha de Man e ao abrigo da Lei das Sociedades de 1931 a 2004, datado de 14 de outubro de 2011 e registada de novo ao abrigo da Lei das Sociedades de 2006, sob o novo número de registo 0…... Abrindo a nova legislação comercial da Ilha de Man a possibilidade de aplicação às sociedades constituídas antes da Lei de 2006 a sua sujeição a este novo regime, permitiu a sua continuação e sucessão jurídica mediante o cancelamento do registo anterior e novo registo comercial - Trata-se de facto documentalmente provado.

L) Concretizando: a Recorrida manteve sempre a sua existência legal, tendo apenas sido registada sob uma nova lei comercial, ao abrigo da lei interna da Ilha de Man. Aquando da sua constituição estava abrangida pelo regime societário da Lei das Sociedades de 1931-2004, a partir de 2011 foi registada ao abrigo da Lei de 2006.

M) Admitirmos que estaríamos perante uma segunda e distinta entidade face à que apresentou a declaração aduaneira em agosto de 2010, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre se diga que tal circunstância nunca teria por virtualidade determinar a ilegitimidade da Recorrida, pois nenhuma dúvida restará que a Recorrida é o sujeito passivo do ato tributário ora sindicado nos presentes autos, pois foi a Recorrida que foi alvo de ação de inspeção por parte da DSAA, que recebeu a notificação da liquidação adicional por parte da Alfândega do Funchal, e foi a Recorrida que a pagou!

N) Admitir-se a validade do entendimento da ora Recorrente, o mesmo teria o efeito de atrair sobre o ato tributário controvertido um novo vício de ilegalidade, pois se, segundo a sua tese, a entidade que importou o iate em 2010 não seria a entidade aqui em juízo, pelo que a ora Recorrida não é o sujeito passivo do IVA liquidado adicionalmente, com todas as implicações legais daí decorrentes.

O) Não existe igualmente qualquer vício de nulidade, pois (i) foi dado a conhecer às partes o iter cognitivo no qual o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, sendo indicados expressamente a fls. dos autos os documentos subjacentes à decisão tomada – páginas 6 e 7 da decisão recorrida; e ii) ao contrário do alegado, o tribunal não está vinculado a indicar todos os factos que considera não provados, desde que os mesmos não sejam relevantes para a questão controvertida, sendo que não pode a Representação da Fazenda ignorar que caberia à própria Recorrente elencar concretamente quais os factos que deveriam ter sido dados como não provados, face à prova apresentada em 1.ª instância.

P) O objeto do litígio é a apreciação da legalidade do ato tributário de IVA, tendo por base a factualidade e prova recolhida em sede inspetiva e delimitada em função da fundamentação utilizada pela Administração Tributária, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori dos atos tributários.

Q) Ao alegar o deficit instrutório da sentença, a Fazenda Pública não deu cumprimento ao disposto no artigo 640.º do CPC, não tendo nomeadamente indicado: os concretos pontos da matéria de facto fixada na sentença que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios (documentos) que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; no caso da prova testemunhal, a indicação com exatidão das passagens da gravação do depoimento da testemunha M...... em que se funda o seu recurso e que impunham decisão distinta; e a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; o que leva, sem mais, à improcedência das suas conclusões de recurso.

R) Considerando o teor dos argumentos da Recorrente, a remessa do processo à 1.ª instância não alteraria a motivação da sentença sobre os pontos concretos suscitados no capítulo 3 das suas alegações, pois foi o próprio tribunal a quo que, com base em certos contornos factuais da operação em causa, concordou com o procedimento inicialmente adotado pela DSAA, concluindo que num primeiro momento havia dúvidas fundadas para questionar o valor transacional da operação – tendo julgado improcedentes os argumentos apresentados pela Impugnante, ora Recorrida, sobre a matéria.

S) Nenhuma dúvida resta sobre a falta de procedência do alegado, sendo que a baixa do processo para colmatar o déficit instrutório ou a ausência de diligências probatórias conduzidas pela inspeção tributária também se mostra um exercício inútil, pois que tais diligências nunca ocorreram, inexisto registo de qualquer pedido, inexistência de registo de qualquer busca, pesquisa, e a própria testemunha indicada pela Recorrente confessou, em instância, que tais diligências nunca foram realizadas!

T) A documentação solicitada pela Fazenda Pública em 1.ª instância (mencionada nos pontos 3.7 a 3.9 e 3.12 das alegações de recurso) no sentido de apurar quem seriam os acionistas das sociedades envolvidas na compra e venda do iate ou para tentar demonstrar uma pretensa coligação entre tais entidades, mostra-se irrelevante para a tomada de decisão nos autos, pois não foi esta a fundamentação legal do ato tributário, tal como resulta do relatório de inspeção emitido pela DSAA, e que determina a manifesta improcedência de qualquer deficit instrutório ou errada apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, e a consequente improcedência do presente recurso.

U) No que respeita ao alegado vício de apreciação da prova invocada pela Recorrente e por muito que aborreça o Digníssimo Representante da Fazenda Pública, o tribunal partiu dos pressupostos e conclusões da própria inspeção sobre a validade da documentação de suporte da operação, concluindo que não estava em causa a autenticidade da fatura. Como não está em causa a autenticidade da transação efetuada pela Recorrida, o pagamento da fatura, a transferência dos fundos ou o seguro da mesma, o qual foi efetuado pelo mesmo valor declarado no contrato e declarado à instância aduaneira do Funchal.

V) Também as asserções sobre a alegada não ponderação por parte do Tribunal a quo das informações prestadas pelas entidades holandesas, trata-se de mais uma asserção sem qualquer nexo, salvo o devido respeito. A informação remetida pelas autoridades holandesas sobre o preço de construção e venda do iate L...... foi efetivamente ponderada e tida em conta na sentença recorrida, pois foi com base neste elemento que o Tribunal a quo considerou que à luz da prova documental e a jurisprudência do TJUE estavam verificados os requisitos legais para afastar o valor transacional.

W) O que a Fazenda Pública pretende ignorar e nalguns casos, inclusive, misturar os temas é que o Tribunal a quo (i) considera justificado o afastamento do valor transacional declarado; (ii) recusou o valor fixado pelas autoridades fiscais por entender que estas não seguiram os critérios legais determinados no CAC, não tendo fundamentado nos termos legais os motivos porquanto não se mostrava legalmente possível a utilização de qualquer um dos outros métodos previstos no artigo 30, n.º 2 do CAC.

X) Quanto aos fundamentos materiais de recurso invocados pela Recorrente, cumpre notar que é jurisprudência pacífica que a fundamentação relevante do ato tributário é a fundamentação contemporânea do mesmo, sendo irrelevantes todos e quaisquer fundamentos novos ou mesmo tentativas de aperfeiçoamento efetuados a posteriori, e no caso concreto, em sede de contestação aduzida em 1.ª instância pelo Digno Representante da Fazenda Pública e agora nas suas alegações de recurso, sob pena de violação direta do disposto nos artigos 77.º da LGT, 152.º e 153.º do CPA, os quais concretizam o direito à fundamentação expressa e acessível dos atos administrativos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, previsto no n.º 3 do artigo 268.º da CRP.

Y) A tentativa de transferência do ónus da prova para a Recorrida ou para um alegado déficit instrutório da decisão recorrida não é mais que uma tentativa espúria da Recorrente em mascarar o déficit probatório do relatório de inspeção, ficando clara a violação do dever de inquisitório e busca da verdade material consignados nos artigos 58º da LGT e 6º do RCPIT.

Z) Da análise das alegações de recurso e ao contrário do que pretende fazer crer a Recorrente, os deveres da DSAA não se resumiam à verificação da existência de dúvidas fundadas, cabendo respeitar os sucessivos critérios de determinação do valor aduaneiro previstos no CAC, sendo precisamente aqui e unicamente sobre este tema que reside a ilegalidade do ato tributário objeto do presente recurso e o objeto do presente recurso, face ao teor da decisão recorrida.

AA) Para o Tribunal a quo, a administração tributária está legalmente adstrita a realizar um conjunto de diligências probatórias (e a documentar as mesmas) de forma a poder concluir pela impossibilidade de aplicação sucessiva dos métodos alternativos previstos no CAC e socorrer-se do método de último recurso, sob pena de violação do dever de fundamentação e do dever de inquisitório;

BB) Ao contrário do invocado pela Recorrente, (i) inexiste nos autos, no relatório de inspeção, nos documentos de trabalho ou no processo administrativo qualquer evidência de tais consultas ou buscas terem sido realizadas ou estarem documentadas (apenas a referência que tendo as mesmas sido efetuadas as mesmas foram infrutíferas); (ii) Inexiste nos autos qualquer prova documental em conforme a DSAA se socorreu de qualquer mecanismo de cooperação internacional ou de assistência mútua para recolher informação estatística ou aduaneira; (iii) a inspetora e testemunha arrolada pela Fazenda Pública confirmou no seu depoimento que tais diligências instrutórias e pedidos de informação não foram realizados.

CC) A DSAA dispunha, tal como bem notou o Tribunal a quo, de meios – recurso ao Intrastat e mecanismos de cooperação administrativa e assistência mútua (para além de informação pública disponível) – para recolher tal informação, sendo que, contudo, não procurou obter, nem desencadeou qualquer mecanismo para conseguir valores estatísticos ou comparativos de outras embarcações.

DD) O CAAC impõe a utilização sucessiva de vários métodos alternativos, sendo que o método de último recurso só poderá ser utilizado na eventualidade de se mostrar inviável o recurso aos métodos anteriores; e para se afastar um método, impende sobre as autoridades fiscais um ónus probatório e de fundamentação das razões de facto e de direito que justificam a não aplicação dos critérios plasmados no artigo 30, n.º 2 do CAC, pelo que não se mostra aceitável afirmações genéricas e sem qualquer sustentação documental, pois tal seria esvaziar de qualquer efeito útil a vontade do legislador comunitário, bastando meras afirmações em conforme “feitas consultas, não foi possível utilizar o método legalmente previsto”, sendo, pois, ostensivo o déficit probatório e instrutório de que inquina o procedimento de inspeção, o que motivará a confirmação da decisão ora recorrida e improcedência do presente recurso.

EE) Na sentença ora recorrida o Tribunal a quo não se pronunciou sobre todos os fundamentos legais invocados pela ora Recorrida para sustentar o seu pedido de anulação da liquidação de IVA ora sindicada, pelo que ao abrigo do n.º 3 do artigo 149.º do CPTA e 636.º do CPC e face à factualidade subjacente e a sentença ora recorrida, requer-se a este Venerando Tribunal, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do presente recurso, de modo a abranger uma questão que ficou prejudicada na sentença proferida em primeira instância, caso seja julgado procedente o recurso ora apresentado, o que se admite por mero dever de patrocínio, embora sem conceder, face ao acima exposto.

FF) Admitindo-se a utilização do método do último recurso, o que conforme acima exposto sempre estaria em contradição com o artigo 30.º do CAC, importa em todo o caso notar que o valor considerado pela DSAA para efeitos de determinação do valor aduaneiro no caso sub judice não tem qualquer sustentação na lei, pois a utilização do valor da última exportação do navio contraria a legislação aplicável à determinação do valor aduaneiro.

GG) A DSAA ignorou que o método utilizado – o valor da última exportação do Iate – é absolutamente inaceitável, em claríssima violação das regras do CAC aplicáveis, em concreto no artigo 31.º do CAC, pois resulta claramente do seu n.º 2 que a utilização deste método não poderá ter por base: “a) no preço de venda, na Comunidade, de mercadorias produzidas na Comunidade”, pelo que, sendo inequívoco que se trata de uma mercadoria produzida na União, parece claro que estava expressamente vedado pelo CAC a utilização do preço de venda pela qual L......Ltd procedeu à exportação do Iate e sua saída das águas territoriais da EU, o que se traduz numa violação clara e ostensiva do CAC que determina a ilegalidade do ato tributário de IVA que sobreveio ao procedimento administrativo de inspeção, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

HH) Caso assim não se entenda ou existam dúvidas insanáveis sobre a melhor interpretação a conferir ao disposto no artigo 31º, n.º 2 do CAC, requer-se a este tribunal o reenvio prejudicial dos presentes autos para o TJUE nos termos previstos no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), tudo com as demais consequências legais.

II) Em harmonia com a mais recente jurisprudência dos nossos tribunais superiores e dada a simplicidade da questão material controvertida, em função da posição já sustentada pela nossa Doutrina e tal como determinado em 1.ª instância, a ora Recorrida vem requerer a este Venerando Tribunal a fixação do valor do presente recurso no montante máximo de EUR 275.000, determinando-se igualmente nos presentes autos a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 6.° do RCP.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, requerendo-se a este Venerando Tribunal que confirme a sentença recorrida, determinando a consequente anulação do ato tributário ora sindicado, por vício de violação de lei, tudo com as devidas consequências legais.

Subsidiariamente e em caso de improcedência do pedido acima, requer-se a este Venerando Tribunal a ampliação do objeto do recurso ao abrigo do disposto nos artigos 143.º do CPTA e 636.º do CPC, anulando-se a liquidação objeto dos presentes autos, nos termos e com os fundamentos melhor expostos nas presentes contra-alegações.

Mais se requer a fixação do valor do presente recurso no montante máximo de EUR 275.000, determinando-se igualmente nos presentes autos a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 6.° do RCP.

Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!»


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4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu (i) em erro ao julgar a impugnante parte legitima, (ii) em nulidades por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a sua decisão e por obscuridade da fundamentação, (iii) em erro de julgamento por deficit instrutório, e, (IV) se errou na apreciação que fez dos pressupostos de facto e de direito na aplicação do método do último recurso na determinação do valor da mercadoria apurado pelos serviços da AT.

A título prévio cumpre apreciar da questão suscitada pela Recorrida relativa à incompetência territorial do Tribunal Central Administrativo Norte para conhecer do presente recurso, por a Recorrente lhe ter dirigido o recurso.


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III – QUESTÃO PRÉVIA

A Recorrida na alínea H) suscita a incompetência territorial do Tribunal Central Administrativo Norte, Tribunal a quem a Recorrente dirigiu o presente recurso, por ser o competente o Tribunal Central Administrativo Sul.

Vejamos.

O objecto do presente recurso jurisdicional é uma sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal.

Como decorre dos artigos 31.º e 38.º do ETAF e artigo 2.º, n.º 1 Do Dec.-Lei n.º 325/2003, o Tribunal Central Administrativo Norte detém jurisdição territorial exclusivamente na área atribuída aos Tribunais Administrativos e Fiscais de Aveiro, Braga, Coimbra, Mirandela, Penafiel, Porto e Viseu.

Por sua vez, o artigo 2.º, n.º 2 do citado Dec.-Lei determina que Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal está integrado na área de jurisdição atribuída ao Tribunal Central Administrativo Sul, o qual é, por isso, o competente em razão do território para o conhecimento do presente recurso jurisdicional.

A Mma Juíza a quo no despacho de admissão do recurso considerou que não obstante as presentes alegações de recurso se mostrarem dirigidas ao Tribunal Central Administrativo Norte, considera-se que o mesmo tratar-se-á de lapso, atento o disposto no n.º 2 do art.º 31.º do ETAF e n.º 2 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 325/2003.

Termos em que foi proferido despacho a admitir o recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul.

De tal despacho foram as partes notificadas, não tendo reagido.

Assim sendo, atento que é este o Tribunal competente para conhecer do recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, considera-se tal lapso corrigido, nada havendo a apreciar ou decidir quanto a esta matéria.


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IV - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«A) A Impugnante “B...... Limited” é uma sociedade não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, com sede na Ilha de Man e, tem como “gerente” (“director”) Lord I....... [cfr. facto que se dá por acordo das partes (teor do Relatório e requerimentos da Impugnante) e que se extrai do teor da Procuração junta aos autos];

B) Em 28 de Setembro de 2006 foi assinado o documento “Provisional Agreement”, por “I……” (O……) e (nome ilegível) em representação da empresa “R……..” (B…..), no qual esta última se compromete a construir e a fornecer um “Diesel Motor Yacht” (“iate a motor diesel”), tendo como data de entrega, prevista, 31 de Maio de 2010. Mais, ficou acordado, o pagamento faseado, no montante total de €73.900.000,00 (rasurado €73.767.500). [cfr. facto que se extrai do teor do Relatório de Inspeção Tributária junto com a petição inicial (doc. 12) e não impugnado - doc. 3 do RIT];

C) Durante o período de Dezembro de 2006 e Julho de 2010, a sociedade “F…….” emitiu faturas, nas datas, montantes, destinatário e valores descritos no quadro infra:


“(texto integral no original; imagem)”

[cfr. facto que se extrai do teor do Relatório de Inspeção Tributária junto com a petição inicial (doc. 12) e não impugnado - doc. 1 e 2 do RIT];

D) Em 15 de Julho de 2010 foi assinado o documento “Protocol of Delivery and Acceptance” (“Protocolo de entrega e receção”) no qual, por acordo das partes, a empresa “R….. B.V.”, construtora, entrega o “the Yacht” (“o Iate”) à sociedade “L...... Limited”, proprietária, em consonância com o acordo datado de 29 de Janeiro de 2007. [cfr. facto que se extrai do Relatório de Inspeção Tributária junto com a petição inicial (doc. 12) e não impugnado - doc. 4 do RIT];

E) Em 15 de Julho de 2010 foi apresentada, junto das Autoridades Aduaneiras Holandesas, a Declaração Aduaneira de Importação n.º 10……, referente à embarcação “MY L......”, com o expedidor “F......” e destinatário “L...... Ltd.”, no valor de €76.814.367,00. [cfr. facto que se extrai do teor do Relatório de Inspeção Tributária junto com a petição inicial (doc. 12) e não impugnado - doc. 5 do RIT];

F) Em 20 de Julho de 2010 foi elaborado o documento “V…. L......” (“Avaliação do Iate a motor L......”), por “E….. SAM: J….”, no qual se lê, no ponto 5, o seguinte:

“5. Valores, depreciação, manutenção

b. Qual seria a sua estimativa dos valores de mercado e de venda forçada final mas com base nas condições atuais de mercado? Descreva resumidamente a metodologia utilizada para atingir estes números, na medida em que seja diferente das questões genéricas de mercado acima referidas.

Na nossa opinião e salvo se um proprietário estiver disposto a manter um iate à venda durante muito tempo, ou seja, um ou dois anos e tendo em conta que os custos de manutenção anuais de uma embarcação deste tipo rondariam os 4 milhões de Euros, teria de aceitar um valor de venda forçada para o vender. Estimaria que o valor atual do L...... se situaria entre 45 e 50 milhões de Euros.” [cfr. doc. 5 junto com a petição inicial];

G) A 21 de Julho de 2010 foi assinado o documento “Bill of Sale” (“Contrato de Venda”), entre “L...... Ltd.” (“cedente”) e “B...... Limited” (“cessionária”), no qual “a cedente confirma o recebimento de €46.000.000,00 e transfere à cessionária 64/64 ações da embarcação “L......”. [cfr. doc. 1 junto com a petição inicial de fls. 63 e ss. e de fls. 727 dos autos (numeração Sitaf), cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

H) Na mesma data, foi outorgado o documento “Memorandum of Agreement” (“Memorando de Acordo aprovado pela Associação Mediterrânea de Corretores de Iates”), entre o vendedor “L...... Ltd.” (Ilhas Caimão) e o comprador “B...... Limited” (Ilha de Man), relativamente a uma embarcação “L......”, no qual foi acordado, para além do mais, “o preço de venda de €46.000.000 (quarenta e seis milhões de euros)” e o “local de entrega da embarcação: Águas Internacionais da Madeira”. [cfr. doc. 1 junto com a petição inicial de fls. 63 e ss e de fls. 727 dos autos (numeração Sitaf), cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

I) No dia 27 de Julho de 2010 foi efetuada a transferência de €46.000.000,00 da conta n.º 20…… titulada por “B...... Ltd.” para a conta a favor de “L...... e Ltd.”. [cfr. doc. 7 da Petição Inicial - PI];

J) No dia 28 de Julho de 2010 foi assinado o documento “Protocol of Delivery and Acceptance in respect of my “L......” (“Protocolo de entrega e receção relativo ao M/Y “L......”) no qual se lê, em resumo que, “L...... Ltd.”, entregou à “B...... Ltd.” o iate de 68 metros matriculado no registo das ilhas caimão, com o número 7….. e com o nome “L......”. [cfr. doc. 7 da PI];

K) Em 2 de Agosto de 2010 foi apresentada na Alfândega do Funchal a Declaração Aduaneira de Importação n.º 2010PT000070200196 09, referente à Embarcação de Recreio para Navegação Marítima – L...... com o n.º de registo 7…., com o montante total faturado de €46.000.000,00. [cfr. doc. 2 junto com a PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e depoimento da testemunha M......];

L) Do mesmo documento, consta ainda a menção: “base de tributação: 46.004.257,000”, “taxa: 0,1500” e “montante: 6.900.638,55”. [cfr. doc. 2 junto com a PI inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

M) Em 25 de Agosto de 2010 foi efetuado, pela empresa S....... Ltd., um “M.......” (“seguro marítimo de iate”) em nome de “B...... Ltd.” para o iate “L......” no valor de €46.000.000,00 (valor total do seguro). [cfr. doc. 5 da petição inicial];

N) Através do ofício n.º 0075 de 27 de Janeiro de 2016, foi a Impugnante notificada para proceder ao envio de informação adicional com vista à justificação do valor aduaneiro declarado (cfr. art.º 178.º n.º 4 e art.º 181.º-A DACAC). [cfr. doc. 3 junto com a petição inicial];

O) Em 25 de Fevereiro de 2016, J......., autor do documento “V…. L......”, descrito em F), em resposta ao e-mail com o assunto: «L...... – V… » respondeu, para além do mais, que:

“(…) A Avaliação de iates não é uma ciência exata, (…). Tal como mencionado na avaliação de 2010, o L....... foi construído essencialmente de acordo com o gosto do proprietário e alguns destes aspetos não correspondem às preferências gerais do mercado. (…)Tendo em conta o que precede, eu não modificaria a minha avaliação inicial, na medida em que o L...... é um iate que nunca foi concebido para corresponder ao gosto dos mercados de iates em geral mas sim para agradar ao seu atual proprietário e satisfazer as suas necessidades.” [cfr. doc. 5 da petição inicial];

P) A Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção efetuada no cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201500089, que teve como âmbito “Introdução em livre prática e no Consumo, realizada pela empresa “B...... Limited”, mediante a declaração aduaneira n.º 2010PT000070200196 09 de 2 de Agosto de 2010”, na sequência da análise de elementos recebidos pelas autoridades Holandesas. [cfr. doc. 10 da PI.];

Q) Através do ofício n.º 0273 de 23 de Março de 2016, foi a Impugnante notificada para proceder, novamente, ao envio de informação adicional sobre valor aduaneiro no âmbito da OI201500089. [cfr. doc. 6 junto com a petição inicial];

R) Após notificação da Impugnante e sequente exercício do direito de audição prévia, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) no âmbito do qual se concluiu que existia “uma prestação aduaneira em falta no montante total de €4.622.155,50, correspondente a IVA devido na Importação”:

“CAPÍTULO I. Conclusões da Ação Inspetiva

Em 02-08-2010, foi apresentada na Alfândega do Funchal a declaração aduaneira n.º 2010PT00007020019609, mediante a qual foi importado pela empresa B...... Limited, um iate, para o qual foi declarado o valor aduaneiro de €46.000.000.

No decurso da presente ação foram recolhidos elementos que levam as autoridades aduaneiras a não aceitar o valor aduaneiro da mercadoria importada através da referida declaração aduaneira, baseadas em dúvidas fundadas, conforme o previsto no artigo 181.º - A das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC), aprovadas pelo Regulamento (CEE) n.º 2454/93, da Comissão, de 2 de julho.

Essas dúvidas fundadas resultam de todo o conjunto de circunstâncias que envolveu a encomenda, construção, exportação, Importação e subsequente utilização da mercadoria.

(…) No presente caso, dada a impossibilidade de utilização dos métodos previstos no artigo 30.º, n.º 2 do CAC o valor aduaneiro da mercadoria foi determinado mediante o método de “último recurso", previsto no artigo 31.º.

Não se encontram disponíveis outros elementos concretos e objetivos com vista a estabelecer um valor aduaneiro que não seja o recurso ao valor da mercadoria tal como faturado pelo seu construtor. Deste modo, recorre-se não a um valor arbitrário ou fictício, mas ao valor da própria mercadoria na venda imediatamente anterior à importação: €76.814.367,00.

Nos termos do artigo 201.º, n.º 1, alínea a) do CAC, é facto constitutivo de divida aduaneira na importação a introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação. (…)

Assim, no que se refere à declaração aduaneira n.º 2010PT00007020019609, de 02-08-2010, foi apurada uma prestação aduaneira em falta no montante total de €4.622.155,50, correspondente a IVA devido na importação.

Esta situação, dado o montante em questão, pode consubstanciar a prática do crime de Contrabando, prática essa prevista e punida pelo artigo 92.º, n.º 1, alínea d) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.

Estabelece o artigo 99.º da Reforma Aduaneira, (…), que quando não tiver sido determinado o montante de Impostos a cobrar na sequência da prática de ato fraudulento, o direito de liquidar os impostos caduca no prazo de oito anos, contados da data em que ocorreu o facto tributário.

Para o desalfandegamento destas mercadorias, o importador recorreu ao declarante M...... (…). No caso de dívida na Importação, em que tenha havido representação indireta, quer o declarante (representante), quer o Importador (pessoa por conta da qual a declaração foi feita) são considerados devedores, (…).” [cfr. doc. 12 junto com a Petição Inicial];

S) Do teor do Relatório de Inspeção Tributária consta, designadamente, e na parte que para os autos releva, o seguinte:

“(…) CAPÍTULO IV. Controlos efetuados

1. Dados enviados pelas autoridades holandesas

De acordo com documentação obtida das autoridades holandesas através dos mecanismos de Assistência Mútua em matéria aduaneira, o referido iate foi construído pela empresa R.......B. V., com sede na Holanda, por encomenda e de acordo com as especificações de I......., conforme consta do documento Provisional Agreement, de 28- 09-2006 (anexo 3).

Uma vez concluída a sua construção, de acordo com o Protocol of Delievery and Acceptance, datado de 15-07-2010, o iate foi entregue pelo construtor ao seu proprietário, a empresa L...... Limited, no Porto de Amesterdão, tendo o proprietário sido representado por I......., segundo assinatura no documento (anexo 4).

Com efeito, verifica-se que, de acordo com a documentação, o iate "L......” foi objeto de venda pelo seu construtor, a R.......B.V., à empresa L...... Ltd., com sede nas Ilhas Caimão, operação na qual não foi liquidado IVA em virtude de ter correspondido a uma exportação do território da União Europeia (Holanda - Ilhas Caimão).

Assim, no mesmo dia da sua entrega à adquirente, 15-07-2010, o iate foi exportado do território da União Europeia, através da Declaração Aduaneira n.° 10NL5674322BFD9CA3, apresentada às autoridades aduaneiras holandesas, tendo como destinatário a referida empresa L...... Limited, com morada em George Town, nas Ilhas Caimão. O valor do iate declarado na exportação foi de €76.814.367,00 (cfr. anexo 5).

De seguida, o mesmo iate foi vendido pela empresa L...... Limited, com sede nas Ilhas Caimão, à empresa B...... Ltd., sedeada em Douglas, na Ilha de Man, por €46.000.000,00, nos termos da fatura n.° 001/2010 (fatura esta que não apresenta data) e entregue nas águas Internacionais da Madeira, de acordo com um "Memorando de Acordo" aprovado pela Associação Mediterrânea de Corretores de lates, datado de 21-07-2010.

Encontrando-se a embarcação em águas territoriais da União Europeia, foi realizada a sua importação, na Alfândega do Funchal, através da Declaração Aduaneira n.º 2010PT000070200196C9, de 02-08-2010. (…)

Contudo, considerou a administração aduaneira que existiam dúvidas acerca do valor declarado do iate, nomeadamente por comparação com o valor de outros iates de luxo, pelo que entendeu ser pertinente enviar às autoridades aduaneiras holandesas Pedido de Assistência Mútua Administrativa, no sentido de ser obtido junto do fabricante do mesmo, a empresa R.......B.V., documentação relativa à sua encomenda, construção e venda.

Da extensa documentação recebida das autoridades holandesas, resulta no essencial que, relativamente à construção do iate, foram emitidas pela R.......B.V. (empresa construtora) a I....... e à empresa L...... Limited, com sede nas ilhas Caimão, 5 faturas, que totalizam o montante de €76.814.367,00 conforme mapa que se segue (cff. anexos 1 e 2):


“(texto integral no original; imagem)”

Este valor coincide com o valor declarado na Declaração Aduaneira de exportação n.° 10NL56743228FD9CA3, de 15-07-2010, declaração esta através da qual o iate em questão foi exportado para a empresa L...... Limited, com sede nas ilhas Caimão.

Verifica-se assim, que a documentação recolhida pelas autoridades holandesas e transmitida às autoridades portuguesas indica um valor bastante superior ao valor aduaneiro declarado na Declaração Aduaneira de importação n.° 201OPT00007020019609, de 02-08-2010, apresentada na Alfândega do Funchal. Com efeito, entre a exportação para as Ilhas Caimão e a importação na Alfândega do Funchal mediaram 18 dias, tendo o valor da mercadoria apresentado entre essas datas uma discrepância de menos 40%.

Acresce que, de acordo com a documentação recebida das autoridades holandesas, se verifica que:

- I....... foi a pessoa com quem o construtor do iate celebrou o Provisional Agreement (28-09-2006), do qual constem as características do iate a construir, termos de pagamento e prazo de entrega, entre outros;

- I....... foi a pessoa que assinou o Protocol of Delivery and Acceptance (15-07-2010) aquando da entrega do navio no Porto de Amesterdão;

- I....... consta em diversos documentos comerciais e bancários relativos à faturação e pagamento das diversas prestações devidas ao construtor do navio.

2. Diligências efetuadas

(…) Uma análise mais detalhada dos documentos apresentados [por B...... Limited], permite verificar que:

• no extrato da contabilidade não surge lançado no ano de 2010, o valor de aquisição do iate, já que o valor mais elevado nele inscrito corresponde a £526.493 libras; e

• que o extrato da conta bancária não apresenta outros movimentos para além da entrada e saída dos €46.000.000.

Concomitantemente, com as diligências descritas foi enviado Pedido de Assistência Mútua às autoridades de Espanha, país onde se encontrava estacionado o iate. Na sua resposta, as autoridades espanholas informaram que tendo questionado o capitão da embarcação, este declarou que quem se apresenta como proprietário da embarcação e determina as rotas desta é I......, sendo os salários da tripulação pagos por transferência da empresa B...... Limited (anexo 6).

Por outro lado, em entrevista à revista Boat international, edição de Novembro de 2012, I....... afirmou ter-se deslocado ao local de construção do iate (batizado com o nome de sua mulher) dois dias por mês e ter estado envolvido em todos os pormenores do processo. (…) (anexo 7).

Também na edição online do jornal Superyacht Times, de Outubro de 2010, é possível encontrar um extenso artigo dedicado ao iate L....... Este refere que os proprietários do iate, “Lord e L.......” colocaram no iate L...... toda a sua experiência na construção de iates. (…) (anexo 7). [cfr. doc. 12 junto com a PI];

T) No que concerne ao cálculo do valor aduaneiro da mercadoria – iate – o qual deu origem à liquidação de IVA impugnada nos presentes autos, resulta do Relatório de Inspeção Tributária, a fundamentação, que se reproduz, em parte:

CAPÍTULO V. Descrição das irregularidades constatadas

(…) Decorre da legislação aduaneira que o valor transacional das mercadorias apenas pode ser afastado quando esse valor não cumprir os requisitos do artigo 29. °, n.º 1 do CAC ou quando tal valor for rejeitado com base em dúvidas fundadas. (…)

Assim, tendo em conta que no presente caso, de acordo com os elementos recolhidos:

- o iate L...... foi encomendado por I.......;

- o seu processo de construção foi acompanhado por I....... e sua mulher, conforme reconhecido publicamente;

- o construtor do iate emitiu a L....... fatura pela construção do iate;

- é I....... que após a importação publicamente utiliza o iate, se apresenta perante a tripulação como proprietário e determina as suas rotas;

- verifica-se uma discrepância de menos 40% entre o valor declarado aquando da exportação do iate e que corresponde ao seu custo de aquisição ao construtor e o valor declarado aquando da sua venda para importação na União Europeia;

- entre a exportação e subsequente importação do iate mediaram apenas 18 dias;

- as Ilhas Caimão constam da lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis, (…).

- a conta bancária do importador utilizada para pagamento do late, não contém quaisquer outros movimentos, exceto o respeitante a esse mesmo pagamento;

- não consta da contabilidade do importador qualquer registo relativo à aquisição do iate;

Considerou-se existirem elementos bastantes para qualificar como «dúvidas fundadas», nos termos do artigo 181.º-A das DACAC, as dúvidas suscitadas pela presente situação, uma vez que a pessoa que mandou construir o iate e que suportou os respetivos custos é a mesma que o utiliza, que exerce sobre ele os poderes próprios e consentâneos com a propriedade e que publicamente reconhece e apresenta como seu, após esse alegado negócio. Ou seja, as diligências efetuadas e os elementos recolhidos revelam um conjunto de circunstâncias que envolveram a encomenda, construção, exportação, Importação e subsequente utilização da mercadoria que suscitam dúvidas que levam à não aceitação do valor aduaneiro declarado.

Como já referido, o artigo 30.° do CAC prevê que apenas quando o valor aduaneiro não puder ser determinado por aplicação do valor transacional, se recorrerá aos métodos constantes das alíneas do seu n.º 2, os quais são: a) Valor transacional de mercadorias idênticas; b) Valor transacional de mercadorias similares; c) Valor baseado no preço unitário das vendas na comunidade das mercadorias importadas; d) Valor calculado, baseado nos custos de produção. (…)

No presente caso, não foram identificadas, através da consulta das bases de dados aduaneiras outras exportações para Portugal, da empresa L...... Limited e não é possível ter acesso a dados da União Europeia de modo a identificar a possível existência de importações em outros Estados-Membros de mercadorias vendidas por este exportador.

Por outro lado, tendo em conta as características particulares da mercadoria em questão, que foi construída de acordo com o gosto pessoal de I......, dificilmente seria possível identificar outras Importações no mesmo momento ou em momento muito próximo de mercadorias idênticas, tal como se encontram definidas na al. c) do n.º 1 do artigo 142.º das DACAC, pelo que devemos concluir não ser possível aplicar o método descrito na al. a) do n.º 2 do artigo 30.° do CAC.

Devemos considerar de seguida a aplicação do método do valor transacional de mercadorias similares, previsto no artigo 30.º n.º 2, alínea b) do CAC. (…)

Surgem neste caso os impedimentos já referidos que obstam à aplicação do método anterior. Isto é, não foram encontradas através da consulta das bases de dados aduaneiras, outras exportações para Portugal, do exportador L...... Limited e não é possível ter acesso a dados a nível da União Europeia que permitam identificar a existência de importações em outros Estados-Membros de mercadorias deste exportador. Do mesmo modo, dificilmente seria possível identificar outras importações no mesmo momento ou em momento muito próximo de mercadorias similares nomeadamente ao nível da qualidade, prestígio comercial e marcas comerciais.

Verificando-se que não é possível aplicar o método previsto no artigo 30. °, n.º 2, alínea b) do CAC devemos recorrer à alínea c), (…).

Ora, sucede que no presente caso, a mercadoria importada a avaliar não foi objeto de venda após a importação, pelo que inexiste o valor das vendas na Comunidade. Por outro lado, pelas razões atrás descritas, não é possível recorrer ao valor de venda na Comunidade de mercadorias idênticas ou similares.

Deste modo, não sendo possível aplicar o método constante da al. c) do n.º 2 do artigo 30.° do CAC devemos considerar a aplicação da alínea d). (…)

Verifica-se que no presente caso, e perante os dados recolhidos no processo, não foi possível obter do produtor dados que permitam estabelecer os valores das matérias-primas e das operações de fabrico das mercadorias Importadas, assim como os demais elementos necessários para proceder aos cálculos que o método do valor calculado implica, não sendo assim de aplicar o método descrito na al. d) do n.º 2 do artigo 30.° do CAC.

Não sendo aplicáveis os métodos de determinação do valor aduaneiro previstos no artigo 30.° do CAC, o artigo 31.º do CAC dispõe que o valor aduaneiro será determinado, com base nos dados disponíveis na Comunidade, por meios razoáveis compatíveis, nomeadamente com os princípios e as disposições gerais do acordo relativo à aplicação do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio, do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio e das disposições do capítulo sobre valor aduaneiro do CAC.

Nas presentes circunstâncias, tendo o valor aduaneiro declarado sido afastado nos termos do artigo 181°-A das DACAC pelas razões atrás expostas, não se encontram disponíveis outros elementos concretos e objetivos com vista a estabelecer um valor aduaneiro que não seja o recurso ao valor da mercadoria tal como faturado pelo seu construtor. Deste modo, recorre-se não a um valor arbitrário ou fictício, mas ao valor da própria mercadoria na venda imediatamente anterior à importação: €76.814.367,00. (…)

Deste modo, (…) foi apurada uma prestação tributária aduaneira em falta no montante total de €4.622.155,05, (tendo em conta os montantes já liquidados aquando do processamento dessa declaração) correspondente a IVA devido na importação. (…)

CAPÍTULO IX. Direito de Audição Prévia

(…). Na resposta apresentada veio a B...... Limited mostrar a sua discordância com o Projeto de Conclusões, considerando que deve ser utilizado o valor transacional da mercadoria, não estando verificados os pressupostos para utilização dos métodos subsidiários, por considerar que o valor da Importação corresponde ao valor do contrato de compra e venda declarado pelas partes.

Procurando resumir os seus argumentos, podemos dizer que a B...... Limited considera que fez prova: - das transações ocorridas e do pagamento respetivo, através da fatura e documentos de pagamento do iate; - do valor de mercado do iate, mediante "relatório de avaliação independente"; - da quebra dos valores das embarcações ocorrido em 2010; - do valor do seguro.

Mais alegou que o valor de mercado da mercadoria é sempre inferior ao valor de fabrico e que a mercadoria já não se encontrava no estado de novo e que o facto de o beneficial owner da sociedade ser o proprietário/utilizador principal da embarcação, não colide com a prova de transferência efetiva do preço de venda da embarcação.

Vejamos as diversas situações:

(…) No presente caso, a diferença de preço não se refere a mercadorias similares, mas exatamente à mesma mercadoria, acabada de construir (e portanto sem uso) e entregue à pessoa que a encomendou e que acompanhou e determinou os pormenores da sua construção e que a utiliza.

Com efeito, é de relembrar que (…) a empresa que exportou o iate com destino à UE foi representada por uma pessoa que é também o Diretor da B...... Limited (o importador), que por sua vez coincide com a pessoa que utiliza o iate e se comporta como seu proprietário.

No que respeita ao valor de mercado do iate, a empresa baseia-se na avaliação constante do documento 1 “Avaliação do iate a motor L......". Este trata-se de um documento que não está assinado e que contém no final a menção de que a “empresa não garante ou assume qualquer responsabilidade legal pela exatidão, integralidade ou utilidade de qualquer Informação e/ou imagens apresentadas”. (…) Deste modo, este documento (tal como todos os demais) não foi desconsiderado, antes sujeito a livre apreciação.

Acresce que em termos aduaneiros, a noção de valor de mercado não tem aplicação. Não só o valor transacional é um conceito distinto de valor de mercado, como, de acordo com o artigo 181.°- A das DACAC, estamos perante uma situação em que as autoridades aduaneiras, baseadas em dúvidas fundadas, determinadas por todo o circunstancialismo que rodeou a exportação e subsequente importação da embarcação e que se encontra detalhadamente exposto supra, não estão convencidas de que o valor declarado é o preço efetivamente pago ou pagar.

E quanto a todo esse circunstancialismo, a B...... Limited nada veio acrescentar que pudesse reverter as dúvidas fundadas existentes.

No que respeita à invocada quebra dos valores das embarcações ocorrida em 2010, é efetivamente referido no documento 1 “Avaliação do iate a motor L......”, que a crise afetou o mercado dos artigos de luxo. Quanto a este documento reproduzimos o que ficou dito atrás. Por sua vez, no documento 5 (extrato de algumas páginas da The Yacht Report) é referido que o ano de 2010 se apresenta difícil para a atividade de corretagem, uma vez que o segundo semestre de 2009 foi de estagnação das vendas de iates. No entanto, é também referido que as vendas do mercado de grandes iates em geral, de mais de 50 m, cresceram 30% em 2009. Acresce que se atentarmos nos iates cujas vendas são ai mencionadas, verificamos que, por exemplo, o iate Tatoosh, de 92,38m, construído em 2000, foi colocado à venda por 125 milhões de euros; o iate Madsummer, de 56m, construído em 2005, estava à venda por 102,6 milhões; o iate L…. de 90m, construído em 2002, estava à venda por 65 milhões e o late P......., de 76m, construído em 2003, teria sofrido a maior redução de preço, tendo sido colocado no mercado por 72 milhões de euros.

Se desconsiderarmos todas as características particulares de cada embarcação, que se desconhecem, concluímos que todas se tratam de grandes iates com data de construção bastante anterior a 2010, mas cujo preço de venda se apresenta em todos os casos igual ou superior a 65 milhões de euros. Também os elementos contidos neste documento foram apreciados e considerados na nossa análise.

Por seu lado, no documento 2 (mensagem de correio eletrónico remetida por J....... e anexo) são apresentados alegados valores de venda em 2010 de diversos iates. Se efetuarmos uma comparação baseada nos iates cujo comprimento mais de aproxima do L......, como é o caso dos lates Utopia DV e Ona, verificamos que os mesmos foram alegadamente vendidos pelo valor de €50.000.000 e de €45.000.000, respetivamente. Porém, estes iates apresentam data de construção de 2004 e de 2005, respetivamente. Acresce que tal documento apresenta uma lista de embarcações com data de construção compreendida entre 1998 e 2010, com caraterísticas que, para além do comprimento, desconhecemos, como desconhecido é também o custo de fabrico, pelo que dificilmente tal documento poderá ser utilizado como meio de comparação, ou comprovativo de qualquer situação. (…)

Porém, no presente caso, é certo que a embarcação L...... foi importada na UE 18 dias após ter sido entregue pelo construtor à pessoa que a encomendou e acompanhou a construção e que desde então a utiliza, pelo que tal negócio não reflete as mesmas características e circunstâncias que a venda de uma embarcação que após vários anos tenha mudado de proprietários/utilizadores. (…)

No que respeita ao valor do seguro, também todos os dados foram considerados, nomeadamente o facto de as autoridades inglesas terem confirmado junto do Sr. Taylor que para efeitos de fornecer um seguro para o iate L......, lhe foi apresentada uma fatura de compra no valor de €46.000.000 e que foi instruído para utilizar este valor como o valor a segurar. Como referido anteriormente, as autoridades aduaneiras não pretendem pôr em causa a autenticidade dos documentos apresentados com a declaração aduaneira ou posteriormente, mas apenas a exatidão dos valores neles constantes, como admitido pela decisão do TJUE no processo C-291/15.

Assim, face a tudo o exposto, consideramos que são de manter as conclusões notificadas pare exercício de audição prévia.” [cfr. doc. 12 junto com a PI];

U) Através do ofício n.º 0472 de 6 de Junho de 2017 da Autoridade Tributária – Alfândega do Funchal, foi a Impugnante, notificada, da liquidação adicional de IVA no valor de €4.622.155,05 acrescida de juros de mora no montante de €1.062.715,76. [cfr. doc. 13 junto com a PI];

V) A Impugnante procedeu ao pagamento da referida liquidação, no montante total de €5.807.999.35, no dia 16 de Agosto de 2017. [cfr. doc. 14 junto com a PI e corroborado no ponto 2.20 da contestação];

W) Em 13 de Outubro de 2017 foi elaborado, o documento “Yacht Valuation Report M/Y L......” (“Relatório de Avaliação do Iate M/Y L......”), pelos peritos: “B.......”, “M.......” e “P.......(Administrador responsável pelas avaliações)”, da empresa R......., no qual se refere, em síntese:

“1. Instruções do Cliente

A R....... recebeu instruções da C........ LLP por e-mail com data de 27 de junho de 2017, no sentido de apresentar uma estimativa retrospectiva, com base em elementos disponíveis (desktop valuation), do preço provável do M/Y L...... (doravante “o Iate”) nas seguintes circunstâncias:

· Em caso de venda forçada do Iate pelo proprietário a terceiro imediatamente após a entrega do navio pelo estaleiro ao proprietário em 2010.

· Avaliação retrospetiva do Iate um ano antes da entrega, ou seja Julho de 2009.

· Avaliação retrospetiva do Iate um ano após a entrega, ou seja Julho de 2011.


(…)

Resumo das Avaliações

[cfr. doc. 16 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

X) A presente Impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal em 21 de Maio de 2018. [cfr. a fls. 1 dos autos];

Ficou ainda provado

Y) O iate “L......” tem particularidades e especificidades próprias, no que respeita, em especial, à sua lotação – 10 passageiros (5 cabines) e decoração (mobília escura). [cfr. facto que se extrai do teor do doc. 16 junto com a petição inicial e corroborado pelo depoimento das testemunhas P.......e M.......];

Factos não provados

Inexistem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com relevância para a decisão da causa.

Motivação da decisão sobre a matéria de facto

Quanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, bem como na prova testemunhal produzida, tal como se foi fazendo referência em cada um dos pontos do probatório.

A testemunha M...... exerce a profissão de despachante oficial, demonstrou que o conhecimento dos factos advinha do facto de ter sido o responsável pelo “desalfandegamento da mercadoria” ou seja, foi o responsável pela apresentação da declaração aduaneira do Iate “L......”, junto Alfândega do Funchal. Questionado, disse que apenas procedeu à entrega da declaração aduaneira com a fatura, desconhecendo demais, pormenores. O seu depoimento mostrou-se credível tendo sido valorado.

As testemunhas P.......e M......., mostraram que o seu conhecimento advinha do facto de terem realizado o relatório de “Avaliação do Iate M/Y L......”, reproduzido, na íntegra, junto aos autos e, referido na alínea U). O depoimento das testemunhas mostrou-se credível, tendo as mesmas se pronunciado quanto ao teor do relatório efetuado e o modo como se processou a inspeção e sequente avaliação do Iate “L......”, o que consta do teor do mencionado documento “Avaliação do Iate M/Y L......”. Todavia, com exceção de Y) considera-se que os factos que a Impugnante pretendeu demonstrar e com relevância para os autos, já se mostravam ancorados pelos documentos junto com a petição inicial, designadamente o doc. 16.

Por fim, não foi valorado o depoimento da testemunha C......., o qual, apesar de se mostrar consistente, e com conhecimento dos factos, na medida em que foi a responsável pela elaboração do relatório de inspeção tributária na origem liquidação de IVA aqui impugnada, a mesma limitou-se a explicar o caminho que levou às conclusões a que havia chegado e que consta do teor do relatório, cujo teor, em parte, se transcreveu nos factos provados. Além disso, sempre se refira que quaisquer considerações que não constem do relatório não podem ser valoradas pois tal constituiria uma fundamentação à posteriori do relatório de inspeção, o que não é permitido.»


*

2. DO MÉRITO DO RECURSO

2.1. Da ilegitimidade da Recorrida

Invoca a Recorrente erro de julgamento quando diz que «a sociedade B...... LIMITED, no dia 14 de outubro de 2011, cancelou o seu registo comercial e efectuou novo registo ao abrigo da Lei das Sociedades Comerciais de 2006 com o número de identificação de pessoa colectiva 0…..», e que a conclusão a retirar não seria a de que houve alteração da sociedade, mas a dissolução da sociedade como alegou no requerimento em que pede a absolvição da FP da instância (cfr. conclusões VIII e XI da alegação de recurso).

Lidas as conclusões em concatenação com a alegação retira-se que a Recorrente limita-se a insistir na sua tese de dissolução da sociedade com base em uma noticia publicada e constante da “Open Database of The Corporate World”, mantendo o entendimento que são duas sociedades distintas, em que a última, a impugnante, ora Recorrida, era a Representante Fiscal em Portugal, da sociedade B...... LIMITED, n.º 1….., e, por isso, deixou de ter legitimidade processual nos presentes autos.

Mais alega em prol da sua tese que os documentos oficiais da Ilha de Man falam de sociedade dissolvida.

A Recorrida sustenta a sentença recorrida alegando que a Recorrida não é representante fiscal da sociedade B...... e que não se está perante duas sociedades comerciais distintas, mas sim a mesma entidade com uma clara sucessão de registos comerciais ao abrigo da aprovação de nova legislação comercial no se Estado e jurisdição de origem.

Mais refere a Recorrida que encontra-se documentalmente provado que foi «des-registada do registo comercial ao abrigo das Leis da Ilha de Man e ao abrigo da Lei das Sociedades de 1931 a 2004, datado de 14 de Outubro de 2011 e registada de novo ao abrigo da Lei das Sociedades de 2006, sob o novo número de registo 0….. Abrindo a nova legislação comercial da Ilha de Man a possibilidade de aplicação às sociedades constituídas antes da Lei de 2006 a sua sujeição a este novo regime, permitiu a sua continuação e sucessão jurídica mediante o cancelamento do registo anterior e novo registo comercial.»

A sentença recorrida julgou a questão ponderando o seguinte:

Estatui o n.º 1 do art.º 8.º A do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do art.º 2.º do CPPT, que a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte, sendo que, o n.º 2 do mesmo artigo estende este requisito processual a quem é dotado de personalidade jurídica. Em regra, a falta de personalidade judiciária será insuprível [vide nesse sentido Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, pág. 67]. Porém, casos há em que entidade não é originariamente dotada de personalidade judiciária e, é a lei nos artigos 12.º e 13.º do CPC, aplicáveis ex vi o n.º 3 do artigo 8.º-A do CPTA, para além, dos casos específicos que este número também prevê, que determina a extensão de personalidade judiciária a realidades que individualiza. Vem a presente Impugnação apresentada pela sociedade B...... Limited com o nipc. 9….. e domicílio fiscal na Rua das Maravilhas n.º…, Funchal, na sequência da notificação do ato de liquidação adicional de IVA que teve origem numa ação de Inspeção à própria. Resulta do Relatório de Inspeção Tributária, no “Capítulo caracterização do Operador”, o seguinte: “A B...... Limited é uma sociedade não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, titular do número de contribuinte 9…. e com morada em Rua das Maravilhas, Funchal. A sua sede localiza-se na Ilha de Man. De acordo com os dados constantes na Visão do Contribuinte, é representada em Portugal pela Sociedade B......., Lda. Zona Franca da Madeira, contribuinte número 5….., também com domicílio fiscal na Rua das Maravilhas, n.º…., Funchal.”

Por sua vez, compulsos os documentos, juntos pela Impugnante, verifica-se que do documento “Certificate of Re-Registration” emitido pelo Governo da Ilha de Man, consta, para além do mais, o seguinte: “O conservador das sociedades comerciais certifica pela presente, nos termos da secção 149, B...... LIMITED uma sociedade, anteriormente registada ao abrigo das Leis das Sociedades Comerciais 1931 a 2004 com o número de pessoa coletiva 1…. fez novo registo ao abrigo da Lei das Sociedades Comerciais de 2006. No presente dia 14 de Outubro de 2011.” [cfr. doc. de fls. 785 dos autos – conforme tradução junta pela Impugnante] Por outro lado, conforme o teor do documento “Certificate of Incorporation”, emitido pelo Governo da Ilha de Man, verifica-se que a sociedade B...... LIMITED no dia 14 de Outubro de 2011, cancelou o seu registo comercial e efetuou novo registo ao abrigo da Lei das Sociedades Comerciais de 2006 com o número de identificação de pessoa coletiva 0….. [cfr. doc. de fls. 845 dos autos (numeração Sitaf) – conforme tradução junta pela Impugnante] Constata-se assim, da leitura conjugada dos mencionados documentos que a sociedade Impugnante não se encontra dissolvida, como alegado pelo IRFP, tendo, no dia 14 de Outubro de 2011 efetuado novo registo, com o número de identificação de pessoa coletiva 0…..

Acresce, outrossim, nos termos do n.º 1 do art.º 9.º do CPPT têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, outros obrigados tributários e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

Ante o exposto, julga-se não verificada a exceção dilatória invocada pela Fazenda Pública.»

O assim decidido merece a nossa concordância.

Na verdade, a sociedade Impugnante não se encontra nem dissolvida, nem é a representante fiscal da sociedade B...... n.º 1…..

O artigo 150.º da Lei das Sociedades de 2006 da Ilha de Man (At 13 of 2006/Companies Act 2006), com a epígrafe “Re-registration of a 1931 Act company” prevê a possibilidade de re-registo das sociedades constituídas ao abrigo do anterior registo e a emissão de “Certificate of Re-REgistration” (disponível em https://legislation.gov.im/cms/images/LEGISLATION/PRINCIPAL/2006/2006-0013/CompaniesAct2006_3.pdf).

O artigo 151.º da referida Lei de 2006 dispõe o seguinte em língua portuguesa (tradução apresentada pela Impugnante no requerimento de 21/05/2019, e constante também nas contra-alegações):

«(1) O re-registo de uma sociedade constituída ao abrigo da Lei das Sociedades de 1931 de acordo com este capítulo

(a) não cria uma nova entidade legal; ou

(b) prejudica ou afeta a continuidade da empresa.

(2) Após o re-registo nos termos deste capítulo

(a) o novo memorando apresentado de acordo com a secção 149 (1)(c) será o memorando da empresa em detrimento do anterior em vigor imediatamente antes do re-registo; e

(b) os estatutos da sociedade em vigor imediatamente antes do re-registo cessam também a sua vigência e os novos estatutos (se aplicável) ou o novo modelo de estatutos (se não tiverem sido apresentados novos estatutos de acordo com a secção 149(1)(d)) serão os estatutos da sociedade.

(3) Na data do certificado do re-registo de uma sociedade constituída ao abrigo da Lei das Sociedades de 1931 ao abrigo desta secção —

(a) a sociedade deixa de ser considerada como constituída ao abrigo da Lei das Sociedades de 1931-2004; e

(b) a Lei das Sociedades de 1931-2004 deixa de ser aplicável à sociedade.» (disponível em https://legislation.gov.im/cms/images/LEGISLATION/PRINCIPAL/2006/2006-0013/CompaniesAct2006_3.pdf – pág. 82).

De acordo com o disposto no artigo 151.º, n.º 1, alínea a) da Lei de 2006 o re-registo da sociedade não cria uma nova entidade legal ou prejudica ou afecta a continuidade da empresa.

Resulta, assim, que a impugnante manteve sempre a sua existência legal, tendo apenas sido registada sob uma nova lei comercial, pois, constitui-se em 16/04/2010 ao abrigo do regime societário da Lei das Sociedades de 1931-2004 e em 14/10/2011, tendo cancelado esse registo, efectuou novo registo ao abrigo da Lei de 2006 da Ilha de Man, com o número de identificação de pessoa colectiva 0……, de acordo com os certificados de constituição de sociedade e de re-registo juntos aos autos.

Acresce referir, como bem salienta a Recorrida, e resulta do probatório, foi ela que foi alvo de acção de inspecção por parte da Direcção de Serviço Antifraude Aduaneira, que recebeu a notificação da liquidação adicional de IVA por parte da Alfândega do Funchal, e foi ainda a Recorrida que efectuou o pagamento da liquidação.

Resultando pícaro pretender que a sociedade B...... não tem legitimidade processual por já se encontrar extinta à data da propositura da presente impugnação e «(…) apenas com uma nova procuração da nova sociedade poderá ser apresentada nova impugnação.»

Tem, pois, a Impugnante legitimidade para pedir a anulação da liquidação de IVA em crise nos autos, uma vez que foi afectada por ela na sua esfera jurídica patrimonial (cfr. artigos 9.º, n.ºs 1 e 4 e 96.º, n.º 1 do CPTP, 2.º, n.º 2, alínea a), 9.º, n.º 1 e 55.º do CPTA e 30.º do CPC).

Assim, a decisão da 1.ª instância que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela Fazenda Pública não merece censura.

Dir-se-á ainda e por último que a Recorrente não explica nem se vislumbra em que medida os documentos cuja junção lhe foi indeferida alteravam a decisão de improcedência da excepção de ilegitimidade.

Em suma, e resultando desnecessárias mais alongadas considerações, improcedem totalmente, nesta parte, as conclusões da Recorrente.


*

2.2. Das nulidades da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto que justifiquem a decisão e por obscuridade da fundamentação

A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida imputando-lhe nulidades, ao alegar que a mesma «é omissa no que respeita à fundamentação já que conclui que a sociedade mandante da impugnante não se encontra dissolvida, mas não dá a conhecer qual o iter cognitivo que a levou a concluir como concluiu», «é totalmente omissa a fundamentação quanto aos factos não provados», e, ainda, que «a fundamentação da douta sentença é obscura, não está baseada em provas credíveis e faz tábua rasa de informações oficiais das autoridades holandesas (cfr. conclusões X., XI., XXXIII., XXXXIV. e XL. da alegação de recurso.).

A Mma. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal apreciou as nulidades, nos termos do artigo 617.º, n.º 1 do CPC, tendo concluído que não foi cometida as nulidades assacadas à sentença sob recurso.

Vejamos.

A sentença pode padecer de vícios de duas ordens: Pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; ou, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos dos artigos 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 615.º do Código de Processo Civil (CPC).

Preceitua o artigo 125.º, n.º 1 do CPPT: Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões de que não deva conhecer.

Também o artigo 615.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea b) do CPPT, determina que:

1- É nula a sentença quando:

(…)

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

A exigência de que a sentença especifique os fundamentos de facto e de direito é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser.

Importa trazer à colação que a actividade do juiz está delimitada pelo princípio do dispositivo, o que significa que a sua decisão deverá circunscrever-se ao thema decidendum definido pelas partes (vide artigos 5.º e 608.º do CPC).

A especificação dos fundamentos de facto da decisão no processo judicial tributário abrange, não só a indicação dos factos provados, como também a dos não provados (artigo 123.º, n.º 2 do CPPT; exigência de fundamento de facto que encontra correspondência no processo civil, conforme decorre do artigo 607.º, n.º 4 do CPC), pelo que a falta de discriminação da matéria de facto não provada será equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no n.º 1, do artigo 125.º do CPPT.

Porém, como escreveu Jorge Lopes de Sousa,

«No entanto, a falta de discriminação dos factos não provados, como a dos factos provados, só será necessária relativamente a factos que possam relevar para a apreciação da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito [arts. 508 .°-A, n.° 1, alínea e), 511.° e 659.°- do CPC], o que é corolário da norma genérica vigente no nosso direito processual da proibição da prática de actos inúteis (art. 137.° do CPC). Por isso, só existirá nulidade de sentença por falta de indicação dos factos não provados relativamente a factos alegados que não se tenham sido dados como provados nem não provados e que possam relevar para a decisão da causa. ( 3 )» (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, II vol., nota 7 ao artigo 125.º, pág. 358).

No que respeita à discriminação dos factos não provados, a Mma. Juíza a quo consignou «Inexistem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com relevância para a decisão da causa.»

Assim, todos os factos alegados que não foram dados como provados foram considerados não provados, por não relevarem para a decisão da causa.

Questão diferente da nulidade da sentença por falta de discriminação dos factos provados e não provados é a falta de exame crítico da prova.

O n.º 2 do artigo 123.º do CPPT impõe ao juiz que fundamente as suas decisões no que concerne a dar determinado facto como provado ou não provado.

Como resulta da leitura da sentença, quanto aos factos dados como provados a Mma. Juíza a quo indicou os meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, e revelou o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para decidir a matéria de facto.

Alega a Recorrente que a sentença concluiu que «a sociedade mandante da impugnante não se encontra dissolvida, mas não dá a conhecer qual o iter cognitivo que a levou a concluir como concluiu.»

Mas não tem razão.

A questão da ilegitimidade da impugnante por falta de personalidade jurídica foi apreciada previamente à decisão de facto e de direito do mérito da impugnação e aí no que respeita à alegada dissolução da sociedade escreveu-se:

(…) compulsos os documentos, juntos pela Impugnante, verifica-se que do documento “Certificate of Re-Registration” emitido pelo Governo da Ilha de Man, consta, para além do mais, o seguinte: “O conservador das sociedades comerciais certifica pela presente, nos termos da secção 149, B...... LIMITED uma sociedade, anteriormente registada ao abrigo das Leis das Sociedades Comerciais 1931 a 2004 com o número de pessoa coletiva 1….. fez novo registo ao abrigo da Lei das Sociedades Comerciais de 2006. No presente dia 14 de Outubro de 2011.” [cfr. doc. de fls. 785 dos autos – conforme tradução junta pela Impugnante] Por outro lado, conforme o teor do documento “Certificate of Incorporation”, emitido pelo Governo da Ilha de Man, verifica-se que a sociedade B...... LIMITED no dia 14 de Outubro de 2011, cancelou o seu registo comercial e efetuou novo registo ao abrigo da Lei das Sociedades Comerciais de 2006 com o número de identificação de pessoa coletiva 0…. [cfr. doc. de fls. 845 dos autos (numeração Sitaf) – conforme tradução junta pela Impugnante] Constata-se assim, da leitura conjugada dos mencionados documentos que a sociedade Impugnante não se encontra dissolvida, como alegado pelo IRFP, tendo, no dia 14 de Outubro de 2011 efetuado novo registo, com o número de identificação de pessoa coletiva 0…...

Prosseguindo.

A doutrina e jurisprudência maioritárias consideram que a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão, não ocorrendo quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada.

É necessário que haja uma falta absoluta de fundamentação. O que manifestamente não acontece no caso autos.

Alega ainda a Recorrente que a fundamentação da sentença recorrida é «obscura, não está baseada em provas credíveis e faz tábua rasa de informações oficiais das autoridades holandesas.»

Ora, decorre da sentença recorrida que esta não padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade nos fundamentos aduzidos. Limitou-se a ponderar e decidir as questões que lhe foram presentes

Questão diversa é a interpretação que a Recorrente faz da realidade fáctica levada ao probatório, sendo certo que limita-se de forma conclusiva a invocar obscuridade sem concretizar quais as passagens que alegadamente padecem desse vício.

Desta forma se vê que a sentença recorrida não padece das arguidas nulidades.

Improcede, também, nesta parte o recurso


*

2.3. Do erro de julgamento por défice instrutório

A este propósito, alega a Recorrente, havendo fortes indícios de que a venda feita (através de uma factura, que não preenchia os requisitos legais) era uma venda simulada/forjada, jurídica e contabilisticamente inexistente, para fugir à imposições fiscais, o RFP requereu ao tribunal que fossem juntos aos autos os registos contabilísticos da empesa vendedora (L...... LIMITED) e empresa compradora 8B...... LTD), ora impugnante, e essa junção aos autos acabou por não acontecer por determinação do tribunal.

Mais invoca a Recorrente que com essa documentação pretendia demonstrar nos autos que a factura comercial era forjada, já que não constaria quer dos registos da sociedade vendedora, quer dos registos da sociedade compradora (conclusões XII a XIX da alegação de recurso)

Conclui a Recorrente que como tal prova ficou por fazer a sentença padece de deficit instrutório, devendo os autos baixarem ao Tribunal a quo para que se complete a instrução dos autos e se profira nova decisão.

A Recorrida discorda de tal conclusão e aponta vários vícios à posição assumida pela Recorrida, em síntese, falta de cumprimento do artigo 640.º do CPC e que a baixa do processo para colmatar diligências probatórias conduzidas pela inspecção tributária mostra-se um exercício inútil, por não ter sido aquela a fundamentação legal do acto tributário.

A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida no entendimento que a aplicação do “método do último recurso” pela Administração Tributária na fixação do valor aduaneiro (iate), em detrimento do valor aduaneiro declarado pela impugnante, desrespeitou as disposições legais aplicáveis, e, desta forma, determinou a anulação da liquidação de IVA em crise.

Vejamos.

No processo judicial tributário vigora o principio do inquisitório, pelo que, nos termos do n.º 1, do artigo 99.º da Lei Geral Tributária (LGT) e n.º 1 do artigo 13.º do Código do Procedimento e de processo Tributário (CPPT) o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.

Só a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por deficit instrutório, com vista a um correcto e definitivo apuramento dos factos.

A Recorrente concretiza a documentação referida na conclusão XII para prova da venda simulada, nos pontos 3.9 e 3.12 da alegação, sem, contudo, identificar o requerimento em que pediu os registos contabilísticos das empresas vendedora e compradora do iate, nem atacar a fundamentação do despacho de indeferimento.

A Mma. Juiz a quo por despacho de 06/06/2019, considerando a fase processual e a tramitação que os autos evidenciam, indeferiu a junção aos autos da documentação requerida por manifesta extemporaneidade e pertinência (fls. 781 a 783 dos autos de suporte físico).

Diga-se, desde já, que não se vislumbra qualquer motivo para o Tribunal a quo, atenta a fundamentação em que se alicerça a liquidação de IVA, determinar a junção de tais documentos aos autos

Importa, antes de mais, referir que a fundamentação do acto tributário é escrita e contemporânea do mesmo, não sendo admissível fundamentação a posteriori.

Com efeito, o Tribunal afere da legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar quaisquer razões de facto e de direito que não constem dessa fundamentação.

A fundamentação do acto tributário constitui o ponto de partida e o limite para aferir da legalidade do mesmo.

Este é o entendimento da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores, citando-se por todos o acórdão do STA de 22/03/2018, prolatado no processo n.º 0208/17, com o seguinte sumário:

«A fundamentação dos actos administrativos e tributários à posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”.» (vide ainda Acs. de 09/09/2015, processo n.º 01173/14 e de 27/01/2016, processo n.º 043/16, todos disponíveis em www.dgsi.pt/).

Como tal, a legalidade da correcção aqui em apreciação não pode ser aferida à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora vertida no RIT.

Resulta do RIT que as autoridades aduaneiras não aceitaram o valor aduaneiro da mercadoria importada baseadas em dúvidas fundadas, conforme previsto no artigo 181.º-A das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC), aprovada pelo Regulamento (CEE) n.º 2454/,93 da Comissão, de 2 de Julho. (cfr. ponto R do probatório), tendo determinado o valor da mercadoria mediante o método de “último recurso”, previsto no artigo 31.º, dada a impossibilidade de utilização dos métodos previstos no artigo 30.º, n.º 2, do CAC.

Na página 12 do RIT, depois de se referir o caso e a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), escreveu-se o seguinte:

«O referido acórdão, apesar de se pronunciar sobre o artigo 181.º-A das DACAC não se refere a uma situação exactamente igual àquela que agora nos ocupa. No entanto foi aqui referido, uma vez que apresenta importantes pontos de contacto com esta, nomeadamente a discrepância de valores e o facto de não estar em causa a autenticidade dos documentos apresentados com a declaração aduaneira ou posteriormente, mas apenas a exactidão dos valores neles constantes.»

Ora, o Tribunal a quo concordou com o entendimento vertido no RIT sobre a existência de dúvidas fundadas para questionar o valor transacional da operação, tendo julgado improcedentes os argumentos invocados pela ora Recorrida.

No presente recurso a Recorrente pede ao Tribunal que aprecie um fundamento diferente para a não aceitação do valor aduaneiro declarado pela Impugnante para efeitos de importação do iate daquele que serviu de fundamento à correcção efectuada e sobre o qual a sentença recorrida se debruçou.

Com efeito, invoca a Recorrente que a factura é forjada e que a venda foi simulada.

Porém, como se viu, no RIT a autenticidade da factura não foi posta em causa.

Assim sendo, não se considera útil, nem legal determinar a realização de diligências para conhecer de factos ao abrigo do princípio do inquisitório que consubstanciem fundamentação a posteriori do acto tributário, sob pena do juiz exceder os poderes que dispõe ao abrigo do artigo 13.º do CPPT.

Nesta conformidade, a Mma. Juiz a quo ao indeferir a junção de documentos em causa não violou o principio do inquisitório, e, portanto, não se verifica nenhuma omissão de diligência de prova susceptível de afectar o julgamento da matéria de facto.

Termos em que improcede, neste segmento, o recurso.


*

2.4. Do erro de julgamento sobre os pressupostos de facto e de direito na aplicação do “método do último recurso” na determinação do valor da mercadoria apurado pelos serviços da AT

A sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial no entendimento que face à prova produzida estavam preenchidos os requisitos legais para a autoridade aduaneira afastar a aplicação do valor transacional declarado pela Recorrida, porém, considerou que não foram realizadas as diligências probatórias exigidas de forma a poder socorrer-se do método do último recurso para a determinação do valor aduaneiro, padecendo, por isso, a liquidação de IVA do vicio de violação de lei.

A Recorrente insurge-se contra o assim decidido alegando, em suma, que a sentença fez uma errada apreciação da prova por a Equipa Inspectiva e as Autoridades Aduaneiras terem procedido a todas as diligências legalmente admissíveis com vista a fixar o valor transacional de mercadoria importada (iate) pelo método do último recurso

Em rigor, a Recorrente não imputa qualquer erro de julgamento à decisão da matéria de facto, nem na selecção ou fixação da factualidade (cfr. artigo 640.º do CPC). Se bem compreendemos as alegações de recurso, o erro de julgamento reporta-se à avaliação dos factos assentes e da sua subsunção ao direito.

Com o que a Recorrente não concorda é com as conclusões em que se alicerça a decisão recorrida, ou seja, com o entendimento do Tribunal a quo de que os serviços aduaneiros deviam ter solicitado informações junto das autoridades aduaneiras da união europeia de forma a demonstrar a aplicação (ou impossibilidade de aplicação) dos métodos previstos no n.º 2 do artigo 30.º do CAC e que verifica-se uma ausência de prova demonstrativa das diligências efectuadas por aqueles serviços para afastar a aplicação dos referidos métodos.

Vejamos.

Antes de mais, importa ter presente o quadro normativo aplicável.

O artigo 29.º do CAC preceitua o seguinte:

«1. O valor aduaneiro das mercadorias importadas é o valor transacional, isto é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território aduaneiro da Comunidade, eventualmente, após ajustamento efetuado nos termos dos artigos 32.º e 33.º, desde que:

a) Não existam restrições quanto à cessão ou utilização das mercadorias pelo comprador, para além das restrições que: (…)

b) A venda ou o preço não estejam subordinados a condições ou prestações cujo valor não se possa determinar relativamente às mercadorias a avaliar;

c) Não reverta direta ou indiretamente para o vendedor nenhuma parte do produto de qualquer revenda, cessão ou utilização posterior das mercadorias pelo comprador, salvo de um ajustamento apropriado puder ser efetuado por força do artigo 32.º; e,

d) O comprador e o vendedor não estejam coligados ou, se o estiverem, que o valor transacional seja aceitável para efeitos aduaneiros, por força do n.º 2.

2. a) Para determinar se o valor transacional é aceitável para efeitos de aplicação do n.º 1, o facto de o comprador e o vendedor estarem coligados não constitui, em si mesmo, motivo suficiente para considerar o valor transacional como inaceitável. (…)

b) Numa venda entre pessoas coligadas, o valor transacional será aceite e as mercadorias serão avaliadas em conformidade com o n.º 1, quando o declarante demonstrar que o referido valor está muito próximo de um dos valores a seguir indicados, no mesmo momento ou em momento muito aproximado:

i) valor transaccional nas vendas, entre compradores e vendedores que não estão coligados, de mercadorias idênticas ou similares para exportação com destino à Comunidade,

ii) valor aduaneiro de mercadorias idênticas ou similares, tal como é determinado em aplicação do n.º 2, alínea c), do artigo 30.º,

iii) valor aduaneiro de mercadorias idênticas ou similares, tal como é determinado em aplicação do n.º 2, alínea d), do artigo 30.º.

Na aplicação dos critérios precedentes, serão devidamente tidas em conta diferenças demonstradas entre os níveis comerciais, as quantidades, os elementos enumerados no artigo 32.º e os custos suportados pelo vendedor nas vendas em que este último e o comprador não estão coligados, custos esses que o vendedor não suporta nas vendas em que este último e o comprador estão coligados.

c) Os critérios enunciados na alínea b) do presente número serão utilizados por iniciativa do declarante e somente para efeitos de comparação. Não poderão estabelecer-se valores de substituição por força da referida alínea.

3. a) O preço efetivamente pago ou a pagar é o pagamento total efetuado ou a efetuar pelo comprador ao vendedor, ou em benefício deste, pelas mercadorias importadas e compreende todos os pagamentos efetuados ou a efetuar, como condição da venda das mercadorias importadas, pelo comprador ao vendedor, ou pelo comprador a uma terceira pessoa para satisfazer uma obrigação do vendedor. (…)»

Por sua vez, o artigo 30.º do CAC estatui que:

1. Quando o valor aduaneiro não puder ser determinado por aplicação do artigo 29.º, há que passar sucessivamente às alíneas a), b), c) e d) do n.º 2 até à primeira destas alíneas que o permita determinar, salvo se a ordem de aplicação das alíneas c) e d) tiver que ser invertida a pedido do declarante; somente quando o valor aduaneiro não puder ser determinado por aplicação de uma dada alínea, será permitido aplicar a alínea que vem imediatamente a seguir na ordem estabelecida por força do presente número.

2. Os valores aduaneiros determinados por aplicação do presente artigo são os seguintes:

a) Valor transaccional de mercadorias idênticas vendidas para exportação com destino à Comunidade e exportadas no mesmo momento que as mercadorias a avaliar ou em momento muito próximo;

b) Valor transaccional de mercadorias similares, vendidas para exportação com destino à Comunidade exportadas no mesmo momento que as mercadorias a avaliar ou em momento muito próximo;

c) Valor baseado no preço unitário correspondente às vendas na Comunidade das mercadorias importadas ou de mercadorias idênticas ou similares importadas totalizando a quantidade mais elevada, feitas a pessoas não coligadas com os vendedores.

d) Valor calculado, igual à soma:

- do custo ou do valor das matérias e das operações de fabrico ou outras, utilizadas ou efectuadas para produzir as mercadorias importadas, - de um montante representativo dos lucros e das despesas gerais igual ao que é geralmente
contabilizado nas vendas de mercadorias da mesma natureza ou da mesma espécie que as mercadorias a avaliar, efectuadas por produtores do país de exportação para a exportação com destino à Comunidade,

- do custo ou do valor dos elementos especificados no n.º 1, alínea e), do artigo 32.º.

3. As condições suplementares e normas de execução do n.º 2 supra são determinadas de acordo com o procedimento do comité.

Relativamente às alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 30.º do CAC, o Anexo 23 contém uma nota (n.º 1), que prevê:

«1. Na aplicação das presentes disposições, as autoridades aduaneiras referir-se-ão, sempre que isso seja possível, a uma venda de mercadorias idênticas ou similares realizada ao mesmo nível comercial e sensivelmente na mesma quantidade que as mercadorias a avaliar. Na falta de tais vendas, será possível recorrer a uma venda de mercadorias idênticas ou similares, realizada em qualquer das três situações seguintes:

[…].»

O artigo 31.º do CAC (Alterado por Regulamento (CE) n.º 82/97 de 19.12.96) preceitua o seguinte:

«1. Se o valor aduaneiro das mercadorias não puder ser determinado por aplicação dos artigos 29.ºe 30.º, será determinado, com base nos dados disponíveis na Comunidade, por meios razoáveis compatíveis com os princípios e as disposições gerais:
- do acordo relativo à aplicação do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994,

- do artigo VII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 e

- das disposições do presente capítulo.

2. O valor aduaneiro determinado por aplicação do n.º 1 não se baseará:

a) No preço de venda, na Comunidade, de mercadorias produzidas na Comunidade;

b) Num sistema que preveja a aceitação, para fins aduaneiros, do mais elevado de dois valores possíveis;

c) No preço de mercadorias no mercado interno do país de exportação;

d) No custo de produção, distinto dos valores calculados que foram determinados para mercadorias idênticas ou similares em conformidade com o n.º 2, alínea d), do artigo 30.º;

e) Nos preços para exportação com destino a um país não compreendido no território aduaneiro da Comunidade;

f) Em valores aduaneiros mínimos ou

g) Em valores arbitrários ou fictícios.»

No que se refere ao artigo 31.º, n.º 1, do CAC, o Anexo 23 contém uma nota (n.º 2), que prevê:

«Os métodos de determinação do valor que devem empregar-se por força do n.º 1 do artigo 31.º são os definidos no artigo 29.º e no n.º 2 do artigo 30.º sendo conforme com os objectivos e disposições do n.º 1 do artigo 31.º uma flexibilidade razoável na aplicação destes métodos.»

O artigo 151.º das DACAC dispõe que:

1. Para efeitos de aplicação do n.º 2, alínea b), do artigo 30.º do código [aduaneiro] (valor transacional de mercadorias similares), o valor aduaneiro será determinado recorrendo-se ao valor transacional de mercadorias similares, vendidas ao mesmo nível comercial e sensivelmente na mesma quantidade que as mercadorias a avaliar. Caso não se verifiquem essas vendas, recorrer-se-á ao valor transacional de mercadorias similares, vendidas a um nível comercial diferente e/ou em diferentes quantidades, ajustado para ter em conta as diferenças eventualmente atribuíveis ao nível comercial e/ou à quantidade, contanto que esses ajustamentos, quer conduzam a um aumento quer a uma diminuição do valor, possam apoiar-se em elementos de prova apresentados que demonstrem claramente que esses ajustamentos são razoáveis e exatos.

[…]

3. Se, para efeitos de aplicação do presente artigo, se verificarem dois ou mais valores transaccionais de mercadorias similares, deve-se tomar em consideração o valor transaccional mais baixo para determinação do valor aduaneiro das mercadorias importadas.

4. Para efeitos de aplicação do presente artigo, só será tomado em consideração um valor transaccional de mercadorias produzidas por uma pessoa diferente, se não puder ser encontrado, por aplicação do n.º 1, qualquer valor transaccional de mercadorias similares produzidas pela mesma pessoa que produziu as mercadorias a avaliar.

5. Para efeitos de aplicação do presente artigo, entende-se por ‘valor transacional de mercadorias importadas similares’ o valor aduaneiro previamente determinado de acordo com o artigo 29.º do código [aduaneiro], ajustado em conformidade com o n.º 1 e com o n.º 2 do presente artigo.»

E o artigo 181.º-A das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC), dispõe o seguinte:

«1. As autoridades aduaneiras não deverão determinar necessariamente o valor aduaneiro das mercadorias importadas, baseando-se no método do valor transacional, quando, de acordo com o procedimento descrito no n.º 2, baseadas em dúvidas fundadas, não estejam convencidas de que o valor declarado é o preço efetivamente pago ou a pagar definido no artigo 29.º do código [aduaneiro].

2. Sempre que as autoridades aduaneiras tenham dúvidas tal como referido no n.º 1, poderão solicitar informações complementares de acordo com o n.º 4 do artigo 178.º. Se essas dúvidas persistirem, antes de tomarem uma decisão definitiva e se tal lhes for solicitado, as autoridades aduaneiras deverão informar o interessado por escrito dos motivos sobre os quais essas dúvidas são fundadas e darem-lhe uma oportunidade razoável para responder. A decisão final bem como os respetivos motivos são comunicados ao interessado por escrito.»

Prosseguido.

A sentença recorrida para julgar procedente este fundamento de impugnação, estruturou o seguinte discurso fundamentador:

Justificado o afastamento da determinação do valor aduaneiro da mercadoria pelo método tradicional, por existirem dúvidas fundadas da Autoridade Tributária e Aduaneira – in casu, da Direção de Serviços Antifraude Aduaneira, atentemos agora no disposto nos artigos 30.º e 31.º do CAC.

Como vimos, quando o valor aduaneiro das mercadorias importadas não puder ser determinado por aplicação do art.º 29.º do CAC, deve sê-lo, em primeiro lugar, por aplicação dos métodos de cálculo de “substituição ou alternativos”, previstos no n.º 2 do art.º 30.º do CAC, pela ordem aí elencada e, em segundo lugar, por recurso ao método do “último recurso” descrito no art.º 31.º do mesmo diploma.

(…)

Resumindo, quando o valor aduaneiro da mercadoria não puder ser determinado nos termos do art.º 29.º do CAC deve recorrer-se, de forma sequencial, aos métodos de determinação do valor aduaneiro previstos no n.º 2 do reproduzido art.º 30.º do CAC, a saber: i. método das mercadorias idênticas, ii. método das mercadorias similares, iii. método comparativo e iv. Método dedutivo. Em último caso, aplicar-se-á o método do último recurso, previsto no art.º 31.º do CAC.

Neste contexto, importa recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, na qual face à relação de subsidiariedade existente entre os diferentes métodos de determinação do valor aduaneiro, reitera que as autoridades aduaneiras devem ser diligentes na aplicação de cada um dos métodos sucessivos previstos nessa disposição para poderem concluir pela sua inaplicabilidade. Ou seja,

“Compete por isso às referidas autoridades apreciar, em função do caso concreto e tendo em conta o seu dever de diligência, (…), se é adequado dirigirem-se diretamente ao produtor das mercadorias em causa para obterem as informações necessárias à aplicação do método de determinação do valor aduaneiro (…). Em contrapartida, tendo em conta essa obrigação de diligência que lhes é imposta na aplicação dessa disposição, as autoridades aduaneiras são obrigadas a consultar todas as fontes de informação e bases de dados de que dispõem. (…)” [neste sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2017, LS Customs Services., C46/16, disponível em curia.europa.eu]

Conclui, aquele Aresto que, “o artigo 30.º, n.º 2, alínea a) do código aduaneiro deve ser interpretada no sentido de que, antes de poder afastar a aplicação do método de determinação do valor aduaneiro previsto naquela disposição, a autoridade competente não é obrigada a solicitar ao produtor as informações necessárias para a aplicação desse método. No entanto, a autoridade aduaneira está obrigada a consultar todas as fontes de informação e bases de dados de que disponha. Deve igualmente permitir aos operadores económicos em causa que lhe comuniquem as informações suscetíveis de contribuir para a determinação do valor aduaneiro das mercadorias, em aplicação daquela disposição.” [sublinhados nossos]

De regresso, mais uma vez, aos autos, comecemos por atentar no teor do RIT, mormente nos motivos invocados pela DSAA para a determinação do valor aduaneiro da mercadoria com base na aplicação do “método do último recurso”.

Vejamos, então.

Alicerça-se a Direção de Serviços Antifraude Aduaneiros que, “dada a impossibilidade de utilização dos métodos previstos no artigo 30.º, n.º 2 do CAC o valor aduaneiro da mercadoria foi determinado mediante o método de “último recurso", previsto no artigo 31.º.”

Justifica tal impossibilidade, para aplicação dos métodos descritos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 30.º do CAC, com fundamento no facto de “não foram identificadas, através da consulta das bases de dados aduaneiras outras exportações para Portugal, da empresa L...... Limited” e no facto de “não é possível ter acesso a dados da União Europeia de modo a identificar a possível existência de importações em outros Estados-Membros de mercadorias vendidas por este exportador”.

Por outro lado, acrescentam aqueles serviços, que “tendo em conta as caraterísticas particulares da mercadoria em questão que foi construída de acordo com o gosto pessoal de I......, dificilmente seria possível identificar outras importações”.

Quanto ao afastamento da aplicação da alínea c) do n.º 2 do art.º 30.º do CAC, aduz a AT que a mercadoria importada a avaliar não foi objeto de venda após importação, pelo que inexiste o valor das vendas na Comunidade. Por outro lado, refere que pelas mesmas razões supra descritas, não é possível recorrer ao valor de venda na Comunidade de mercadorias idênticas ou similares.

Finalmente, quanto à (des)aplicação do método descrito na alínea d) do n.º 2 do CAC, considera a DSAA que perante os dados recolhidos no processo, não foi possível obter dados bem como demais elementos necessários para proceder a cálculos que tal método implica.

Destarte.

Como vimos, a Autoridade Aduaneira – neste caso os serviços antifraude aduaneiros, no decurso do procedimento, está obrigada a consultar todas as fontes de informação e bases de dados de que disponha, ou seja, está obrigada a realizar todas as diligências necessárias com vista à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, de forma a dar cumprimento ao princípio do inquisitório vertido no art.º 58.º e 59.º da LGT.

Ora, de uma leitura atenta dos motivos invocados pelos serviços antifraude aduaneiros, para o afastamento dos métodos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do citado art.º 30.º do CAC, verifica-se, desde logo, uma ausência de prova demonstrativa das diligências efetuadas por aqueles serviços. Na medida em que, a AT limita-se a referir que “não foram encontradas através da consulta das bases de dados aduaneiras” e “não é possível ter acesso a dados a nível da União europeia que permitam identificar as importações em outros estados-membros”, sem que para tal proceda à junção de documentos ou outros elementos comprovativos de tal alegação. Como se constata, não só do teor do Relatório de Inspeção Tributária, como da contestação apresentada nos presentes autos (cfr. ponto 5.32 e 5.33 daquele articulado) e ainda do Processo Administrativo junto aos autos.

Com efeito, não basta à autoridade aduaneira arrazoar que não foi possível o acesso a informações de outros países da União Europeia, sem demonstrar, por exemplo que tal situação se mostrou infrutífera após a solicitação dessas mesmas informações através dos mecanismos de cooperação e troca de informações a nível europeu, mormente através da colaboração da Direção de Serviços de Relações Internacionais da Autoridade Tributária.

Aliás, são os próprios serviços aduaneiros, que no relatório de inspeção tributária, na análise ao direito de audição da Impugnante, referem que “tal documento apresenta uma lista de embarcações com data de construção compreendida entre 1998 e 2010, com caraterísticas que, para além do comprimento, desconhecemos, como desconhecido é também o custo de fabrico, pelo que dificilmente tal documento poderá ser utilizado como meio de comparação, ou comprovativo de qualquer situação. (…)”, ora, é verdade que o Tribunal compreende que o teor do documento só por si e, desacompanhado de mais elementos, não possa ser usado como meio de comparação para efeitos de determinação do valor aduaneiro. Todavia, não pode a autoridade aduaneira, olvidar tal informação, de forma, a tentar perceber, junto das autoridades aduaneiras da união europeia, se tais embarcações podem ser consideradas mercadoria idêntica ou similiar à luz do art.º 142.º das DACAC, ou, por outro lado, demonstrar que tal mercadoria não pode ser utilizada como meio de comparação na aceção da mencionada norma.

Neste desiderato, tendo em conta a obrigação legal da determinação do valor aduaneiro das mercadorias, ter de ser apurado como prevê o código aduaneiro, como resumidamente se transcreveu, a Administração Aduaneira – DSAA, deveria ter solicitado informações junto das autoridades aduaneiras da união europeia, de forma a demonstrar a aplicação (ou impossibilidade de aplicação) dos métodos previstos no n.º 2 do art.º 30.º do CAC. Isto é, não basta uma mera dificuldade, encontrada na aplicação de um critério para justificar o abandono do mesmo e a passagem para o seguinte e assim sucessivamente.

Em face do exposto, a aplicação do método do último recurso previsto no art.º 31.º do CAC, sem que esteja cabalmente esgotada a possibilidade de aplicação de algum dos métodos anteriores não pode, pois, deixar de reputar-se violadora do disposto no código aduaneiro, mormente no art.º 30.º do CAC e do princípio de que o valor aduaneiro deve ser equivalente ao valor transacional.

O assim decidido não nos merece censura.

Invoca a Recorrente que a sentença fez uma errada apreciação da prova produzida relativa às diligências efectuadas pela Equipa Inspectiva e pelas Autoridades Aduaneiras com vista à fixação do valor aduaneiro do iate, porém, não discorre um único argumento suficientemente sólido que coloque em causa a coerência da valoração da prova produzida.

O Tribunal a quo avaliou com justeza e ponderação as provas, no âmbito dos limites circunscritos pela regra da livre convicção.

Em conclusão, não encontramos no processo de formação da convicção do tribunal recorrido qualquer erro de racionalidade ou infracção de regras de experiência comum, nem fundamento que nos imponha uma solução diferente da motivação apresentada pelo Tribunal a quo por a mesma encontrar suporte razoável naquilo que resulta dos elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.

Como já se deixou amplamente expresso a sentença recorrida considerou que a autoridade aduaneira não demonstrou as diligências efectuadas para afastar os métodos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 30.º do CAC e aplicar o método do último recurso previsto no artigo 31.º do CAC para determinar o valor aduaneiro do iate.

Importa trazer à colação o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 07/06/2018, proferido no processo n.º 2199/13, também citado na sentença recorrida, a cujo discurso fundamentador aderimos, sendo transponível para os presentes autos, pelo que transcrevemos a parte relevante:

«Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os mecanismos aduaneiros da União visam o estabelecimento de um sistema equitativo, uniforme e neutral, que exclua a utilização de valores aduaneiros arbitrários ou fictícios e que permita que seja refletido no valor aduaneiro definitivamente fixado o valor real da mercadoria importada, tendo em conta todos os elementos dessa mercadoria que representem um valor económico (13).

O critério prioritário para a fixação do valor da mercadoria importada deverá ser o do seu valor transacional, entendido como o valor efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando as mesmas são exportadas com destino ao território da União Europeia. Dito de modo mais simples, o valor transacional mais não é do que o preço real do contrato de compra e venda da mercadoria no país exportador, celebrado entre o importador (comprador) e o exportador (vendedor), sem embargo desse valor transacional poder ser ajustado nos termos do artigo 32.º do CAC (14)(15).

Mas quando não for possível determinar 0 valor transacional – por não ser possível apurá-lo ou por ter sido rejeitado (16) - e, consequentemente, o valor aduaneiro nos termos do art.º 29.º do CAC, com eventuais ajustamentos nos termos dos artigos 32.º e 33.º do CAC, o valor aduaneiro das mercadorias importadas deverá ser efetuado com base em métodos substitutivos, segundo a sequência estabelecida nas alíneas a) a d) do n.º 2 art.º 30.º do CAC (17).

O primeiro método a aplicar será então o método comparativo, que comporta dois critérios, ambos relacionados com o valor transacional, o relativo a mercadorias idênticas (primeiro critério) e o que respeita às mercadorias similares (segundo critério) (18).

Segue-se o método dedutivo, previsto no art.º 30.º n.º 2 alínea c) do CAC e desenvolvido no artigo 152.º das DADAC.

Não sendo possível apurar o valor aduaneiro da mercadoria por recurso a este método, há que convocar o método seguinte, o método do valor calculado.

O método do valor calculado está consagrado no art.º 30.º, n.º 2, alínea d) do CAC e no artigo 153.º das DADAC. Neste caso o valor aduaneiro é determinado a partir dos elementos constitutivos do preço, comunicados pelo fabricante da mercadoria.

Se, ainda assim, não for possível fixar o valor aduaneiro este será então estabelecido através de um método residual, de última instância ou método de último recurso, previsto no art.º 31.º do CAC (19).

Resulta deste regime que os critérios de fixação do valor aduaneiro de uma mercadoria são sequenciais, apresentando entre si um nexo de subsidiariedade, não podendo o valor aduaneiro ser fixado com base numa disposição sem que a precedente tenha sido excluída por impossibilidade de o determinar (20).

Entendemos que esta impossibilidade tem de ser absoluta e não meramente relativa. Com efeito, não basta uma mera dificuldade, muito menos abstrata, encontrada na aplicação de um critério para justificar o abandono do mesmo e a passagem para o seguinte e assim sucessivamente. Tal procedimento não pode deixar de ser entendido como violador das disposições do CAC que regulam a fixação do valor aduaneiro, visto que a interpretação dessas normas à luz dos demais dispositivos com os quais devem ser concatenadas, quer do próprio CAC, quer das DACAC e anexos, não deixa margem para quaisquer dúvidas.

A aplicação do método do último recurso previsto no art.º 31.º do CAC, sem que esteja cabalmente esgotada a possibilidade de aplicação de algum dos métodos anteriores não pode, pois, deixar de reputar-se violadora do disposto no artigos 29.º e 30.º do CAC e do princípio do valor aduaneiro dever ser equivalente ao valor transacional.

Retenha-se que, atualmente, na esteira da doutrina de Dworkin, é dominante o entendimento de que os princípios são proposições jurídicas, são standards equivalentes às normas, que apenas diferem destas quanto ao modo da sua aplicação (21).

Consequentemente, a conduta de uma autoridade aduaneira que não respeite, justificadamente, o mecanismo previsto nos dispositivos do CAC acima referidos, nem os princípios que dominam o ordenamento jurídico-aduaneiro da União, e que avance sem delongas, optando pelo atalho ou caminho mais fácil do método do último recurso, não pode deixar de ser considerada, indubitavelmente, como ilícita.

No caso vertente a recorrente argumenta que aplicou paulatinamente os métodos previsto no art.º 30.º, n.º 2, do CAC, e depois de os analisar rejeitou-os por falta de aplicabilidade ao caso vertente [conclusão f)]. É um argumento que, salvo o devido respeito, não convence e que por isso não pode merecer a nossa concordância.

Se bem percebemos o argumento, basta a mera impossibilidade abstrata para justificar a aplicação sequencial das alíneas a) a d) do n.º 2 do art.º 30.º para de imediato se lançar mão do mecanismo do art.º 31.º do CAC. Mas não é assim como já se acentuou.

A impossibilidade de utilização sequencial dos critérios plasmados no art.º 30.º, n.º 2, tem de ser concreta, isto é, só perante uma impossibilidade casuisticamente demostrada de utilizar o primeiro critério é que se poderá avançar para o segundo e assim sucessivamente, até se esgotarem todas as hipóteses concedidas pelo normativo.

E só perante o esgotamento de todas essas hipóteses é que a autoridade aduaneira poderá convocar o disposto no art.º 31.º, n.º 1, tendo sempre presente que a determinação do valor aduaneiro das mercadorias não pode infringir o disposto no n.º 2 do mesmo artigo.

É que, como já se referiu, o princípio basilar, a trave mestra deste regime é de o valor aduaneiro dever ser tendencialmente equivalente ao valor transacional das mercadorias importadas, o que implica a sua determinação concreta por métodos consistentes que tenham em consideração as circunstâncias particulares de cada caso. E só quando se constate que estes não permitem chegar a uma conclusão segura é que poderão ser convocados os referenciais previstos no artigo 31.º, n.º 1, do CAC. (…). (disponível em www.dgsi.pt/).

Revertendo para o caso em apreço.

A autoridade aduaneira está legalmente adstrita a realizar não só um conjunto de diligências probatórias, como a documentar as mesmas de forma a poder validamente concluir pela impossibilidade de aplicação sucessiva dos métodos alternativos previsto no CAC e socorrer-se do método do último recurso, sob pena de violação do dever de fundamentação e do dever de inquisitório.

Alega a Recorrente que a autoridade aduaneira realizou todas as diligências admissíveis para determinar o valor aduaneiro.

Como se pode ler no RIT, foi decidido recorrer ao método do último recurso, por alegadamente não ser possível a utilização de todos os outros, em particular do valor das mercadorias idênticas ou similares, dado que no presente caso, não foram identificadas, através da consulta das bases de dados aduaneiras outras exportações para Portugal, da empresa L...... Limited e não é possível ter acesso a dados da União Europeia de modo a identificar a possível existência de importações em outros Estados-membros de mercadorias vendidas por este exportador. (cfr. pag´. 15 do RIT).

Porém, o RIT não dá resposta a quais as bases de dados consultadas, e tendo sido consultadas que resultados foram obtidos, se foram feitos pedidos de assistência a outros Estados-membros e, na afirmativa, quais e se responderam, e se foram consultados dados da União e da Comissão Europeia, quais, se recorreu-se a dados médios, e, na afirmativa, quais.

Desconhecendo-se as bases de dados consultadas e não estando as diligências alegadamente realizadas documentadas não são passíveis de qualquer controlo jurisdicional.

Acompanhamos a sentença recorrida quando afirma: «Ora, de uma leitura atenta dos motivos invocados pelos serviços antifraude aduaneiros, para o afastamento dos métodos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do citado art.º 30.º do CAC, verifica-se, desde logo, uma ausência de prova demonstrativa das diligências efetuadas por aqueles serviços. Na medida em que, a AT limita-se a referir que “não foram encontradas através da consulta das bases de dados aduaneiras” e “não é possível ter acesso a dados a nível da União europeia que permitam identificar as importações em outros estados-membros”, sem que para tal proceda à junção de documentos ou outros elementos comprovativos de tal alegação. Como se constata, não só do teor do Relatório de Inspeção Tributária, como da contestação apresentada nos presentes autos (cfr. ponto 5.32 e 5.33 daquele articulado) e ainda do Processo Administrativo junto aos autos.»

Na verdade, a AT não pode demitir-se da sua função inspetiva e bem assim dos seus deveres de instrução, e avançar com um juízo genérico e conclusivo no sentido de abstrata impossibilidade de acesso a informações de outros países da União Europeia e de obtenção de elementos de exportação para Portugal através da consulta das bases de dados aduaneiras, sem justificar essas mesmas impossibilidades.

Não basta, como parece ser defendido pela Recorrente, para considerar cumprido o ónus probatório, afirmar que a Equipa de Inspecção e a Autoridade Aduaneira realizaram todas as diligências admissíveis para esgotar a possibilidade de determinar o valor aduaneiro pelos métodos previstos nos artigos 29.º e 30.º, n.º 2 do CAC.

Para que se conclua pela impossibilidade efectiva e concreta de aplicar de forma sequencial os métodos previstos no artigo 30.º, n.º 2 do CAC é necessário a realização de todas as diligências tendentes à obtenção de informação sobre cada método e à demonstração cabal e casuística dessa impossibilidade.

Não tendo a autoridade aduaneira cumprido nenhuma destas obrigações, não estava autorizada a utilizar o método do último recurso.

Por último importa reiterar que a Recorrente não pode, em sede de recurso jurisdicional pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos (coligação entre empresas compradora e vendedor e venda simulada/forjada), senão aqueles que constam da declaração fundamentadora constante do RIT.

Assim como também não pode pretender que o Tribunal fixe o valor aduaneiro ao iate, uma vez que os Tribunais só podem exercer a função jurisdicional, não podendo substituir-se à administração no exercício da função administrativa.

Concluindo, a Autoridade Aduaneira não logrou demonstrar que se verificavam os pressupostos fáctico-jurídicos fundamentadores da sua actuação.

Deste modo, a sentença recorrida que assim entendeu não merece censura.

Daí que na improcedência de todas as conclusões da alegação da Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

Fica, assim, prejudicado o conhecimento dos vícios invocados pela Recorrida em ampliação do recurso.


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2.5. Dispensa pagamento do remanescente da taxa de justiça

O n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dispõe: Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O remanescente da taxa de justiça, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efectivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa, deve ser considerado na conta final, se por acaso não for determinada a dispensa do seu pagamento.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar que justifica-se dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º do RCP, se não se suscitarem questões de grande complexidade e se também o respectivo montante se mostrar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe (vide por todos Ac. do STA de 01/02/2017, proc. n.º 0891/16 e de 08/03/2017, proc. n.º 0890/16, disponíveis em www.dgsi.pt/; e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, de 25/09/2007, processo n.º 317/07).

Importa, pois, apreciar, para além do requisito relativo ao valor da causa que efectivamente se verifica, uma vez que esta tem o valor tributário de € 5.783.140,89, se existem razões objectivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes nos presentes autos.

Tendo presente os critérios indiciários supra elencados e o circunstancialismo em que foi lavrado o acórdão, constata-se que a especialidade da causa é de molde a afastar o excesso do pagamento sobre o valor de €275.000,00.

Efectivamente, ponderando que a questão apreciada não apresenta elevada complexidade, tendo inclusivamente versado sobre matéria já tratada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, a simplicidade formal da tramitação dos autos, o comportamento processual das partes, o valor da causa, e não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP e atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP, considera-se adequado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.

Assim, ao abrigo do disposto no n.º 7, do artigo 6.º, do RCP, dispensa-se a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000,00.


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Conclusões/Sumário:

I - O Tribunal afere da legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar quaisquer razões de facto e de direito que não constem dessa fundamentação.

II - A autoridade aduaneira está legalmente adstrita a realizar não só um conjunto de diligências probatórias, como a documentar as mesmas de forma a poder validamente concluir pela impossibilidade de aplicação sucessiva dos métodos alternativos previsto no CAC e socorrer-se do método do último recurso, sob pena de violação do dever de fundamentação e do dever de inquisitório.

III - A AT não pode demitir-se da sua função inspetiva e bem assim dos seus deveres de instrução, e avançar com um juízo genérico e conclusivo no sentido de abstrata impossibilidade de acesso a informações de outros países da União Europeia e de obtenção de elementos de exportação para Portugal através da consulta das bases de dados aduaneiras, sem justificar essas mesmas impossibilidades.

IV - Para que se conclua pela impossibilidade efectiva e concreta de aplicar de forma sequencial os métodos previstos no artigo 30.º, n.º 2 do CAC é necessário a realização de todas as diligências tendentes à obtenção de informação sobre cada método e à demonstração cabal e casuística dessa impossibilidade.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda € 275.000.

Notifique.


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Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão ao Departamento de Investigação e Acção Penal – 1.ª Secção do Funchal – Inquérito n.º 2/15.2ARLSB (cfr. fls. 605 dos autos de suporte físico).

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Lisboa, 18 de Maio de 2023


Maria Cardoso - Relatora
Lurdes Toscano – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Carvalho – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)