Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1136/13.3BELRS
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:09/13/2018
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
Sumário:Não é irreversível o erro relativo à composição do agregado familiar, constante da declaração inicial, que pode ser reparado na declaração de substituição..
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

1.1. As partes e o objeto do recurso

A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que considerou procedente impugnação judicial intentada por S…. e A…., contra o acto de indeferimento da Reclamação Graciosa da liquidação de IRS do exercício de 2012, e anulou a respectiva liquidação, veio apresentar recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu como segue:

2.ª Visa o presente recurso demonstrar o desacerto do sentido preconizado pela douta sentença recorrida, que decidiu julgar procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação de IRS nº 2013 …, relativa ao ano de 2012, que vinha impugnada, e condenando a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43º da LGT.

3.ª A anulação da liquidação em crise foi determinada em virtude de haver entendido a douta sentença recorrida que a declaração de substituição (Modelo 3) do ano de 2012, apresentada em 2013/05/02, pelos ora recorridos, que veio alterar a composição do agregado familiar outrora declarado na primeira declaração apresentada, em separado, não deveria ter sido desvalorizada pela AT, por ter sido submetida no prazo da reclamação (art.º 59º, nº 3, alínea b) do CPPT).

4.ª O cerne da questão que vem colocada junto deste Venerando Tribunal, consiste em saber se não tendo os ora recorridos, (que viviam em união de facto desde 2007), apresentado, em conjunto, a declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2012, (tendo a ora recorrida S… apresentado, antes, declaração própria na qualidade de “solteira, viúva, divorciada ou separada”), podiam, ainda, posteriormente e em declaração de substituição, alterar a composição do agregado familiar a eles respeitante.

5.ª Isto é, saber se, entregue a primeira declaração de rendimentos, (Modelo 3), pode ou não, posteriormente e através de uma declaração de substituição, ser corrigido o estado civil de “solteiro” indicado por um sujeito passivo, para o estado civil de “unido de facto”.

6.ª O Tribunal “a quo”, servindo-se da fundamentação constante do Acórdão do STA, de 29/06/2016, Rec. 099/16, pronunciou-se pela positiva, por, no seu entender, não decorrer da lei a irreversibilidade da opção dos sujeitos passivos que vivam em união de facto pela declaração separada ou conjunta ou a impossibilidade de em declaração de substituição se alterar a opção inicialmente formulada.

7.ª Diverso entendimento tem a Fazenda Pública, para a qual uma vez exercida, na primeira declaração de rendimentos (modelo 3), a opção da composição do agregado familiar, é irreversível a sua alteração, não produzindo quaisquer efeitos a declaração de substituição que, entretanto, venha a ser entregue.

8.ª O entendimento preconizado pela Fazenda Pública extrai-se do estatuído nas disposições conjugadas dos art.ºs 13º, nº 5, 14º e 59º, nº 2, todos do CIRS, e da doutrina plasmada no Ofício-circulado nº 201162, de 29/10/2012, do Gabinete da Subdiretora Geral do IR e das Relações Internacionais da AT, que determina, precisamente, que a declaração de substituição não pode servir para alteração do agregado familiar na parte que se refere aos sujeitos passivos.

9.ª Feita que foi, pelos ora recorridos, a opção pela tributação em separado, mediante a apresentação, para o ano de 2012, de declarações de rendimentos próprias, na qualidade de “solteiro, viúvo, divorciado ou separado”, não havia possibilidade de a mesma vir a ser alterada através da apresentação, posterior, de uma declaração (de substituição) conjunta.

10.ª Pelo que, nos parece que a liquidação impugnada, referente à declaração modelo 3, que foi submetida pela recorrida S…., em 2013/04/28, e na qual consta como único sujeito passivo, correspondendo à ratio legis do estatuído nas disposições conjugadas dos art.ºs 13º, nº 5, 14º e 59º, nº 2, todos do CIRS, e da doutrina plasmada no Ofício-circulado nº 201162, de 29/10/2012, do Gabinete da Subdiretora Geral do IR e das Relações Internacionais da AT, é legal e deverá manter-se na ordem jurídica.

11.ª Entendeu o Tribunal “a quo” condenar, também, a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos da alínea a), do nº 3, do art.º 43º da LGT.

12.ª Aquela condenação teve por fundamento o facto de os serviços da AT terem desvalorizado a declaração de substituição para o ano de 2012, entregue pelos ora recorridos, quando a mesma foi apresentada dentro do prazo de reclamação graciosa, na medida em que, se a mesma tivesse sido liquidada, originaria um reembolso de valor superior ao que foi emitido na sequência da liquidação da declaração modelo 3, que foi submetida pela recorrida S…, em 2013/04/28, na qualidade de “solteira, viúva, divorciada ou separada”.

13.ª Contudo, não podendo em face do estatuído nos art.ºs 13º, nº 5, 14º e 59º, nº 2, todos do CIRS, e na doutrina plasmada no Ofício-circulado nº 201162, de 29/10/2012, ser considerada a declaração de substituição Modelo 3 entregue pelos ora recorridos, para o ano de 2012, a condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do citado normativo da LGT, por o imposto que resultaria da sua liquidação, (de valor superior ao anteriormente liquidado), não ter sido reposto no prazo legal de restituição oficiosa, carece, assim, em absoluto, de sustentação legal.

14.ª Acresce, num caso como o dos presentes autos (em que a liquidação em causa foi emitida devido ao facto de se encontrar vigente uma instrução administrativa – Oficio Circulado nº 201162, de 29/10/2012 – relativamente à qual a Administração Tributária deve obediência), também não poderá entender-se que ocorreu qualquer erro na liquidação impugnada, imputável aos serviços, nos termos do aludido art.º 43º da LGT, pois que, nenhuma outra conduta lhes poderia ser exigível senão aquela que efetivamente tiveram, em conformidade com o que estatui o art.º 68º-A da LGT.

15.ª Faltando no caso concreto o nexo de imputação do erro aos Serviços da Administração Fiscal, o qual não poderia nunca ter um cariz objetivo, revestindo tal nexo de imputação necessariamente um cariz subjetivo (pelo menos a título de negligência) não se verificam as condições de que, por força daquele art.º 43º da LGT, dependeria a condenação da Administração Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios.

16.ª Tendo a Administração Fiscal se limitado a aplicar as consequências jurídicas que, do ponto de vista fiscal, se impunham face ao estatuído nos art.ºs 13º, nº 5, 14º e 59º, nº 2, todos do CIRS, e na doutrina plasmada no Ofício-circulado nº 201162, de 29/10/2012, do Gabinete da Subdiretora Geral do IR e das Relações Internacionais, nenhuma ilegalidade se vislumbra no ato de liquidação impugnado.

17.ª A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, pela anulação do ato de liquidação impugnado e pela condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, violou o estatuído nos art.ºs 13º, nº 5, 14º e 59º, nº 2, todos do CIRS, a doutrina plasmada no Ofício-circulado nº 201162, de 29/10/2012, do Gabinete da Subdiretora Geral do IR e das Relações Internacionais, da AT e o preceituado no art.º 43º da LGT, pelo que, deverá ser substituída por outra que julgue improcedente a impugnação e mantenha válido, na ordem jurídica, o ato tributário de liquidação impugnado, com as respetivas consequências legais.


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

A Exm.ª Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte douto parecer:

1 – A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da douta sentença proferida nos autos, a fls. 113 a 117 vº, que julgou procedente a presente impugnação anulando a liquidação de IRS impugnada e por com ela se não conformar.

Alegou, para o efeito, nos termos conclusivos que constam de fls., 126 vº a 128, entendendo que a decisão recorrida peca por vício de erro de julgamento. Pede, a final, a revogação da decisão com as consequências daí decorrentes.

2 – Não houve contra-alegações.

3 – Da análise da matéria de facto vertida nos autos, entendemos, que foi feita uma correcta análise da mesma e correcta foi a sua subsunção jurídica, não merecendo a douta sentença recorrida quaisquer reparos, sendo que se mostra bem fundamentada de facto e de direito, apoiada em pertinente jurisprudência que cita.

Na verdade, e na senda da recente jurisprudência dos tribunais superiores e, desde logo, do STA “(…) as pessoas que vivem em união de facto podem beneficiar do regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens (nos termos do artigo 14º do CIRS) caso façam prova, em processo de impugnação, que tiveram o mesmo local de residência habitual e comum durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto e durante o período de tributação.” – ac. do STA in proc. nº 0761/15, de 16.12.2015, 2ª sec. Ora, os impugnantes lograram, nos autos, tal prova.

4 - Assim, entende-se que a douta sentença recorrida deve ser mantida na ordem jurídica por nenhum agravo lhe ter sido feito e, consequentemente, improceder o recurso.


*

1.2. Questões a decidir

¾ Se é admissível alterar a composição do agregado familiar em declaração de IRS, de substituição

¾ Se são devidos juros indemnizatórios


*

2 - Fundamentação

2.1 De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

a) Desde meados de 2007, os Impugnantes passaram a residir juntos no mesmo apartamento sito na Av. da P…, P…, L…

b) Os Impugnantes são pais de 3 crianças;

c) Em 28/04/2013, a Impugnante S… apresentou via internet a declaração Mod. 3 referente a 2012, na qual consta como único sujeito passivo, tendo declarado 1 dependente;

d) Em 23/05/2013, foi emitida pela Autoridade Tributária a liquidação n.º 2013…. referente à declaração referida na alínea anterior;

e) A liquidação referida em d) atribuiu à Impugnante S…. um reembolso no valor de 2.364,88€;

f) Em 2/05/2013, os Impugnantes apresentaram pela internet a declaração de substituição Mod. 3 de IRS referente a 2012, na qual consta como sujeito passivo B a Impugnante S…., e como sujeito passivo A o Impugnante A….;

g) A declaração referida em f) deu origem aos erros “E78” e “E79”;

h) Em 20/05/2013, foi remetido para o Impugnante A…, o instrumento constante a fls. 26 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, no qual consta a existência de erros na declaração Mod. 3 referente ao exercício de 2012;

i) Em 28/05/2013, a Impugnante S…. apresentou junto do SF de Loures 3 a reclamação graciosa referente à liquidação de IRS de 2012;

j) Em 5/06/2013, a reclamação referida na alínea anterior foi indeferida por despacho do Chefe de Finanças de Loures 3;

k) A PI deu entrada no Serviço de Finanças de Loures 3 a 24/06/2013.


*

2.2. De Direito

A recorrente insurge-se contra a sentença fundamentalmente com o seguinte argumento:

A sentença padece de erro porque considerou que nada impedia que a declaração de substituição que alterou a anterior declaração de rendimentos apresentada alterasse também a composição do agregado familiar. Afirma que tal alteração não é possível, apoiando-se na interpretação conjugada dos artigos 13.º, n.º 5, 14.º e 59.º, n.º 2, todos do CIRS, e ofício-circulado n.º 2011162, de 29/10/2012.

Trata-se de uma argumentação que, a nosso ver e salvo o devido respeito, não tem qualquer sustentáculo legal.

Com efeito, não se descortina donde se possa extrair do art.º 13.º, n.º 5, do CIRS na redação vigente à data dos factos (e do qual serão, doravante, todos os dispositivos legais que se mencionarem sem expressa indicação de proveniência), argumento válido para a tese da recorrente.

No que concerne ao art.º 14.º, n.º 1, não fica margem para qualquer dúvida de que as pessoas que vivam em união de facto e preencham os pressupostos legais “podem optar pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens”.

A opção concedida pelo legislador não está balizada no tempo, pelo que o momento do exercício da opção fica nas mãos dos interessados.

Depois, o art.º 59.º, n.º 2, também não fornece qualquer apoio para a tese da recorrente. A utilização do vocábulo pode indicia claramente o propósito do legislador de “autorizar” ou “permitir” que os contribuintes casados, em situação de separação de facto, possam apresentar, cada um, uma única declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo.

A circunstância da lei referir uma “única declaração” poderia ser encarada como uma achega à tese da recorrente; acontece que no caso previsto no art.º 59.º a situação é inversa da que se verifica nos autos (em que os contribuintes não são casados), pelo que a norma é também imprestável para suportar a tese da recorrente. De resto, a lei não veda a hipótese dessa única declaração ser substituída por outra, caso em que continua a existir uma e só uma declaração.

Resulta do exposto que a tese da recorrente não tem qualquer apoio legal nos normativos que invocou. Além disso, é sabido que as declarações de substituição se destinam a reparar erros cometidos na declaração anterior.

Com efeito, em caso de erro de facto ou de direito, os sujeitos passivos podem apresentar uma declaração de substituição.

Essa declaração está sujeita a determinados condicionalismos. Vejamos.

a) Substituição dentro do prazo legal de entrega:

Neste caso o contribuinte pode, a todo o tempo e independentemente do resultado da liquidação (mais ou menos imposto a pagar), apresentar uma declaração de substituição [al. a) do n.º 3 do artigo 59.º do CPPT] Sem qualquer responsabilidade contra-ordenacional..

b) Substituição fora do prazo legal de entrega, de que resulte imposto inferior ao liquidado:

Se da declaração de substituição resultar imposto inferior ao liquidado, o prazo limite para a apresentação da declaração de substituição é “até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação” [subalínea II da alínea b) do n.º 3 do artigo 59.º do CPPT].

Como prazo da reclamação graciosa é de 120 dias Aplicável ao caso presente por força da aplicação da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro. (art.º 70.º, n.º 1, do CPPT) e o prazo de impugnação judicial é de 90 dias (n.º 1 do artigo 102.º do CPPT), deve optar-se pelo primeiro, por ser o mais favorável ao contribuinte.

c) Substituição fora do prazo legal de que resulte imposto superior ao liquidado.

Neste caso o prazo limite para a apresentação da declaração é de 60 dias antes do termo do prazo de caducidade (subalínea III da al. b) do n.º 3 do artigo 59.º do CPPT). Nos termos do artigo 45.º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca no prazo de 4 anos. Mas há que ter em conta eventuais suspensões ou interrupções desse prazo. Mas na situação de erro evidenciado nas declarações dos contribuintes, o prazo de caducidade é de três anos.

No caso vertente a declaração de substituição ocorreu antes de ter sido feita a liquidação. Por maioria de razão, antes do fim do prazo de reclamação graciosa.

Destarte, não só o regime legal invocado pela recorrente é manifestamente impotente para suportar a sua tese como, do regime legal relativo às declarações de substituição se extrai que estas podem ser apresentadas desde que ocorra erro de facto e/ou de direito. Ora, o erro na declaração da composição do agregado familiar integra o conceito de erro de facto, embora com repercussões jurídicas.

Não estavam, pois, os recorridos legalmente impedidos de apresentar a declaração de substituição, nos termos em que o fizeram.

Do exposto resulta também a inconcludência da segunda questão suscitada pela recorrente.

Com efeito, repousando essa questão (não serem devidos juros indemnizatórios), nos mesmos argumentos esgrimidos para a defesa da tese da impossibilidade do agregado familiar ser alterado por via de declaração de substituição, e sendo patente, como se demonstrou, que essa tese naufraga em toda a linha, tanto basta para dizer que esta segunda questão está, também, fatalmente condenada ao decesso.

Em resumo e para concluir: o recurso não merece provimento.


*

3 - Dispositivo

Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

D.n.


Lisboa, 2018-09-13

________________

(Benjamim Barbosa)

________________

(Catarina Almeida e Sousa)

________________

Ana Pinhol