Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03321/09
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/04/2011
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC.
DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS.
Sumário:1.A dedução de prejuízos, em cédula de IRC, vulgo reporte de prejuízos, traduzindo-se na possibilidade de os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação poderem ser deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de períodos de tributação posteriores, tem associadas naturais dificuldades, derivadas do hiato temporal concedido para a respectiva actuação, ao nível da forma correcta de procedimento, nas situações de litígio, entre o contribuinte e a administração tributária/AT, quanto à aceitação do valor dos prejuízos declarados.

2. Como se equacionou no Ac. STA de 11.5.2011, rec. 0238/11, na hipótese de, quanto aos dois disputados exercícios, estarem a correr processos impugnatórios judiciais, a solução proposta passa pela suspensão da instância mais recente, por pendência de causa prejudicial, nos termos e para os efeitos do art. 279.º n.º 1 CPC.

3. Sem prejuízo desta ser a via de solução mais aconselhável, facilmente se percepciona a incapacidade sentida para lidar com casos em que o desencontro entre contribuinte e AT não corre ao mesmo tempo nos tribunais, bem como, a inviabilidade em ser ordenada a suspensão da instância “se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”, nos termos do art. 279.º n.º 2 CPC (parte final).

4. Na presente situação, ponderados todos os dados factuais disponíveis, sendo certo que a impugnante não poderá ser prejudicada no caso de procedência das impugnações referentes aos anos de 1994 e 1995, a manutenção, por ora, da correcção produzida, pela AT, nos prejuízos fiscais declarados e pressupostos dedutíveis, pela impugnante, no exercício de 2000, justifica-se e deve persistir por, dum lado, estarem, a priori, salvaguardados os interesses de efectivação da tributação que foi tida por devida, pelos competentes serviços da AT e, do outro, na hipótese de a impugnante ver proceder, em alguma medida, as precedentes impugnações, ser possível reconstituir a legalidade violada e efectivar o seu direito à correcta e devida dedução dos prejuízos fiscais, fixados em definitivo.

5. Efectivamente, no caso de procedência total ou parcial de alguma das pendentes impugnações, a AT fica, incontornavelmente, obrigada “à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio”, nos termos e com a amplitude prevista no art. 100.º LGT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I
CAIXA ………….., S.A., contribuinte n.º ………….. e com os demais sinais dos autos, impugnou judicialmente, em parte, liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios, do ano de 2000.
Proferiu, o Tribunal Tributário de Lisboa, sentença que julgou a impugnação parcialmente procedente, anulando a liquidação visada na parte correspondente aos custos, que devem ser considerados fiscalmente dedutíveis, de € 37.294,08 e de € 25.154,38, relativos a reposição a cliente e a cheque indevidamente pago.
Não se conformando com o judiciado, a impugnante interpôs recurso jurisdicional, cuja alegação se mostra rematada pelas seguintes conclusões: «
a) O art. 23°, n.º 4 do Código do IRC condiciona a aceitação dos encargo com prémios de seguros de vida, de doença e de acidentes pessoais como custo fiscal à consideração dos mesmos como rendimentos do trabalho dependente, nos termos da primeira parte do art. 2º, n.º 3, b), 3) do Código do IRS;
b) Ou seja, a condição para que seja um custo fiscalmente aceite é que estejamos, objectivamente, perante rendimentos subsumíveis no conceito legal de rendimentos do trabalho dependente, e não que haja lugar à tributação efectiva dos mesmos;
c) Deste modo, encargos desta natureza, suportados pela Sucursal de Macau, constituem um custo fiscalmente aceite, na medida em que são subsumíveis no referido conceito de rendimentos do trabalho dependente, ainda que, por força das regras da tributação internacional, não sejam tributados em Portugal, na esfera dos respectivos beneficiários;
d) O tribunal a quo não aceitou este entendimento da ora Recorrente sem, contudo, enunciar com clareza os requisitos que considera serem condição de consideração destes encargos como custo fiscal;
e) A versão do PCSB vigente no exercício de 2000 mandava contabilizar na Conta 9203 - “Linhas de crédito irrevogáveis” os montantes das linhas de crédito abertas a favor dos utilizadores de cartões de crédito;
f) As provisões para riscos gerais de crédito constituídas nesse exercício reflectiam, necessariamente, essa contabilização;
g) E, por se tratar de provisões impostas pelo Banco de Portugal, devem ser aceites como custo fiscal, nos termos do art. 33º, n.º 1, d) do Código do IRC;
h) O tribunal a quo, contudo, confirmou a posição da Administração Fiscal sobre esta matéria, embora para o fazer se tenha limitado a referir o disposto no art. 7º, n.º 1 do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, sem fazer qualquer referência ao PCSB (também emanado do Banco de Portugal), nem ao referido art. 33º do Código do IRC;
i) E, salvo melhor opinião, o entendimento da ora Recorrente em nada é fragilizado, antes pelo contrário, pelas regras relativas à constituição de provisões constantes do Aviso n.º 3/95, as quais cumpriu integralmente;
j) Por outro lado, a Administração Fiscal não pode tomar como ponto de partida para ulteriores correcções, os montantes de prejuízos que corrigiu, mas que, por força da pendência de processo judicial, não tenham carácter definitivo;
k) Com efeito, a Administração Fiscal parte das correcções anteriores e apenas considera dedutíveis os prejuízos fiscais existentes de acordo com os seus cálculos, ignorando, por completo, que os mesmos foram judicialmente postos em crise, violando assim o direito irrenunciável do contribuinte a impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos;
l) O limite temporal para o reporte de prejuízos estabelecido no art. 46º, n.º l do Código do IRC é de todo incompatível com o prazo de caducidade do direito à liquidação consagrado no art. 79º do Código do IRC, não se encontrando esta situação salvaguardada;
m) Se for proferida nos presentes autos uma decisão, tomando como boas as correcções aos prejuízos fiscais declarados pela Recorrente em 1994 e 1995, a uma posterior decisão no âmbito do processo de impugnação judicial relativo a esses exercícios, que venha a atender os argumentos aduzidos pela ora Recorrente, carece de utilidade;
n) Mas, mais grave do que este entendimento da Administração Fiscal, é o facto de na douta sentença recorrida não terem sido tiradas todas as consequências da situação descrita pela ora Recorrente, que inviabiliza o reporte de prejuízos e torna perfeitamente inexequível uma futura sentença favorável, como se espera, noutro processo judicial;
o) A douta sentença recorrida, neste âmbito, limita-se a remeter para uma norma legal que, salvo melhor opinião, não tem aplicação ao caso concreto;
p) Em relação ao exercício de 1999, a Administração Fiscal ignora a declaração de substituição entregue pela Recorrente em 21 de Julho de 2000, na qual se declara um lucro tributável de Esc. 6.175.664.733$00, e não de Esc. 6.808.906.379$00, como se refere no mapa de reporte de prejuízos elaborado pela Administração Fiscal; acresce que o lucro tributável corrigido pela Administração Fiscal foi Esc. 6.650.662.680$00 (€ 33.173.365,59), e não Esc. 7.283.904.331$00 (€ 36.331.961,63), como, certamente por lapso, se refere, motivos pelos quais, ainda que a ora Recorrente não veja atendidas as demais pretensões expressas, sempre terá de ser efectuada esta rectificação, que reduzirá o IRC devido para € 15.663.325,52;
q) Esta questão, contudo, não foi apreciada pelo tribunal a quo na douta sentença recorrida.

Por tudo o exposto, deve a douta sentença recorrida ser anulada e substituída por decisão judicial anulatória da liquidação impugnada, assim se fazendo a verdadeira e costumada
JUSTIÇA! »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso.
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Dispensados os vistos legais (por virtude da prioridade e inerente celeridade, determinada pelo CSTAF, no julgamento de processos com valor superior a um milhão de euros), compete conhecer.
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II
Mostra-se exarado, na sentença: «
Dos elementos dos autos emerge a seguinte factualidade:
1. O Banco ……………….., S.A., incorporado na impugnante por fusão, foi objecto de uma acção de fiscalização por parte da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária de DGCI relativa ao exercício de 2000, da qual resultaram correcções ao lucro tributável no valor de € 8.014.133,80, que deu origem à liquidação de IRC n.º …………. de 2003/05/21. - Doc. Fls. 38 dos autos e fls. 82 e ss do PAT.
2. A Administração Tributária não aceitou como custo fiscal o montante de € 109.030,46, referente a prémios de seguro de vida, de acidentes pessoais e de doença, por entender que os mesmos não devem ser considerados realizações de utilidade social nem rendimentos do trabalho dependente nos termos do n.º 4 do art. 23º do CIRC e da 1ª parte do art. 2º n.º 3, c), 3) do CIRS - Doc. Fls. 92 e 93 do PAT.
3. A Administração Tributária não aceitou igualmente como custo fiscal, por considerar que não respeitavam os termos dos regimes estabelecidos nos Avisos do Banco de Portugal, as provisões constituídas pelo B……….:
A) para riscos gerais de crédito relativamente ao limite não utilizado dos cartões de crédito, no montante de € 140.459,60. - Doc. Fls. 93 e 94 do PAT.
B) no valor de € 2.843.615,39 (provisão para pensões de reforma e sobrevivência) - Doc. Fls. 95 e 96 do PAT.
4. A Administração Tributária considerou que o B……. incluiu indevidamente o montante de esc. 687.201.574 no cálculo do limite definido no n.º 3 do art. 38º do CIRC, por aquele valor ter um carácter extraordinário, dado que respeita a indemnizações atribuídas a empregados que passaram à situação de reforma antecipada, no âmbito de cessação do contrato de trabalho por acordo das partes. - Doc. Fls. 96 e 97 do PAT.
5. A Administração Tributária considerou que o valor de € 206.988,16 da sucursal do B……. de Macau, deveria ter sido acrescido ao Q. 07 da decl. Mod. 22 Independentemente da existência de crédito de imposto, por se referir a imposto sobre os lucros que concorreu para o resultado contabilístico da sucursal e por essa razão para o resultado global. - Doc. Fls. 99 do PAT.
6. Os custos de € 37.294,08 e de € 25.154,38, respeitantes a Reposição a cliente e a Cheque indevidamente pago respectivamente, não foram aceites pela AT por no primeiro caso entender que do documento apresentado pela entidade inspeccionada não resulta claro o motivo pelo qual o banco deva suportar um custo decorrente de tal reposição, e por no segundo caso entender que esse pagamento indevido se deveu a negligência do BNU, não revestindo assim o carácter de indispensabilidade para a obtenção dos proveitos a que se refere o art. 23º do CIRC.
7. O montante dos prejuízos fiscais considerados pela AT na liquidação impugnada foi de € 2.187.591,27, tendo a Administração Tributária corrigido o montante dos prejuízos fiscais dedutíveis no montante de - € 44.086.510,39. - Doc. Fls. 79 e 80.

A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, em especial os mencionados.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa. »
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A primeira questão para solucionar, conformada pelo teor das conclusões a) a d), prende-se com o julgamento produzido em 1.ª instância, no sentido de que, quanto à correcção, por parte da administração tributária/AT, da importância de € 109.030,46, referente a prémios de seguros de vida, de acidentes pessoais e de doença, pagos pela sucursal de Macau, no ano de 2000, a “impugnante alega que nos encontramos em presença de rendimentos do trabalho dependente, que constituíam direitos adquiridos e individualizados dos beneficiários e que não dependiam da futura manutenção de qualquer vínculo laboral com a impugnante.
Ora, para os autos não foram carreados elementos de prova susceptíveis de comprovar estas alegações.
Certo é que, constituía ónus da impugnante a apresentação desses elementos, nos termos do art. 74º n.º 1 da LGT, pelo que improcede neste aspecto a pretensão da impugnante.”.
Objectivamente, ao invés do apontado pela Recorrente/Rte, o tribunal indica a razão para manter o decidido, pela AT, de não considerar o encargo em apreço custo fiscal do visado exercício, ou seja, a falta de disponibilização, por parte da onerada impugnante, dos elementos probatórios capazes de comprovarem a determinante alegação de estarem em causa “rendimentos de trabalho dependente”, nos termos da primeira parte do n.º 3 al. c) do n.º 3 do art. 2.º CIRS (1). Ora, na crítica que dirige à sentença, a Rte persiste na afirmação de que os disputados encargos são “rendimentos subsumíveis no conceito legal de rendimentos do trabalho dependente”, sem, contudo, como se impunha, identificar os meios de prova demonstrativos da realidade dessa afirmação, pelo que, necessariamente, tem de improceder este fundamento do seu apelo.
Como segundo aspecto a dirimir - conclusões e) a i), encontramos o decidido quanto à provisão, para riscos gerais de crédito, no montante global de € 140.459,60, referente ao limite não utilizado pelos clientes detentores de cartões de crédito, que o tribunal recorrido entendeu não constituir um custo fiscalmente dedutível por, em função do disposto no art. 7.º n.º 1 do Aviso 3/95 do Banco de Portugal, apenas se dever considerar “que existe risco provisionável caso exista crédito concedido, incluindo o crédito representado por aceites ou garantias e outros instrumentos de natureza análoga.
No caso dos cartões de crédito, no que respeita ao limite não utilizado, verifica-se que, inexistindo essa utilização, por um lado não nos encontramos em presença de um aceite ou uma garantia ou outro instrumento análogo, pois nesse caso o banco não se tornou garante de uma obrigação de um terceiro, sendo que por outro lado não existe efectivamente um crédito concedido, pois o montante não foi utilizado.”.
Sobre esta matéria, se atentarmos nos fundamentos (2), coligidos pelos serviços da AT, para justificar a não relevância fiscal da disputada provisão, constituída pela impugnante, verificamos o seguinte apontamento: « Não obstante o âmbito da c/9203 - Linhas de crédito irrevogáveis abranger, em 31/12/2000 “os montantes das linhas de crédito abertas a favor dos utilizadores dos cartões de crédito.”, era entendimento do Banco de Portugal que os mesmos não eram provisionáveis. A confirmar este entendimento apresenta-se uma carta do B.P., de 20/9/2000, que constitui o Anexo 2. ». Ou seja, apesar de reputar bem contabilizado, na Conta 9203, o montante referente à provisão relativa a linhas de crédito abertas a favor dos utilizadores dos cartões de crédito, a AT afastou a possibilidade de a mesma contar como custo fiscal, do exercício de 2000, sob a protecção de alegado entendimento veiculado pelo Banco de Portugal. Ora, avaliado o proposto, como relevante, anexo, verificamos que se trata de uma folha fotocopiada, ostentando, é certo, o timbre do banco central, regulador e supervisor no mister, mas, sem menção de qualquer destinatário, destacadamente, nenhum elemento documental foi disponibilizado no sentido de que haja sido dirigido e recepcionado pela impugnante; logo, obviamente, não podendo ser vinculada, nem afectada, pela pretensa opinião do BP.
Neste cenário, em primeira linha, emerge a conclusão de que o julgamento, quanto a este aspecto, produzido pelo tribunal recorrido, é criticável, porquanto omitiu qualquer referência (e inerente ponderação/valoração) à concreta, específica, fundamentação utilizada, por parte da AT, para desconsiderar o custo apreciando e, num segundo momento, torna-se insustentável, por ter legitimado a solução preconizada recorrendo a uma ordem de razões de diversa natureza e alcance, identificável e susceptível de ser reconduzida à ilegal situação da, comummente, rotulada, fundamentação a posteriori. E, não se nos apresenta avisado defender que está em causa a simples interpretação do sentido de um potencial e restrito elemento normativo, disciplinador e conformador da situação encontrada na contabilidade da impugnante, porque, a ser assim, importava ponderar outros dados e variáveis, condicionantes do exercício da actividade bancária, como a circunstância de o Plano de Contas para o Sistema Bancário/PCSB, elaborado e emitido pelo Banco de Portugal, determinar, para o ano de 2000, a contabilização na Conta 9203 (3) dos montantes referentes às linhas de crédito abertas a favor dos utentes de cartões de crédito, quando, anteriormente, os mesmos tinham de ser registados na Conta 9210 - Créditos revogáveis (4), situação que persistiu até Março de 2001, momento em que o banco supervisor voltou a alterar o âmbito da Conta 9203, fazendo desaparecer a menção aos limites dos cartões de crédito.
Em suma, quanto à correcção correspondente a provisão, para riscos gerais de crédito, no montante global de € 140.459,60, referente ao limite não utilizado pelos clientes detentores de cartões de crédito, ao invés do judiciado em 1.ª instância, julgamos estar a razão do lado da Rte, pelo que, a mesma não pode subsistir, dado tratar-se de uma provisão dedutível para efeitos fiscais, relevante como custo ou perda do exercício respectivo, a coberto do disposto nos arts. 23.º n.º 1 al. h) e 33.º n.º 1 al. d) CIRC.
A terceira questão, carente de resposta, está resumida nas conclusões j) a o) e relaciona-se com a correcção, pela AT, de montantes de prejuízos fiscais apurados pela impugnante, na perspectiva da necessária compatibilização com o seu direito de dedução aos, havidos, lucros tributáveis de exercícios posteriores. Concretizando, como decorre do ponto 7. dos factos provados, no ano de 2000, a AT reduziu o montante total dos prejuízos fiscais dedutíveis (5), pela impugnante, em € 44.086.510,39 e, no âmbito da liquidação impugnada neste processo, considerou, como parcela de prejuízos fiscais verificados a deduzir, a importância de € 2.187.591,27. Em sintonia, nos fundamentos jurídicos do julgamento efectuado, o tribunal recorrido apontou ser de manter os valores que a AT considerou correctos, quanto aos prejuízos fiscais aceites com relação a anos anteriores, que, contudo, deverão ser corrigidos, caso e na medida em que venham a ser julgadas procedentes as reclamações ou impugnações formalizadas pela impugnante, visando os mesmos períodos de tributação.
Para a Rte, este veredicto é errado, porque não releva a circunstância de terem sido apresentadas impugnações judiciais relativas aos anos de 1994 e 1995, onde se discute a legalidade dos prejuízos fiscais declarados, pela impugnante, nesses dois anos, o que pode inviabilizar o seu correcto reporte, por serem inexequíveis eventuais decisões, a si, favoráveis, proferidas nos mencionados processos impugnatórios. Doutro modo, a AT só pode corrigir os disputados prejuízos fiscais quando as correcções que lhes introduziu tiverem carácter definitivo, ou seja, com o trânsito em julgado das sentenças a proferir nas impugnações respeitantes a 1994 e 1995.
Esta temática da dedução de prejuízos, em cédula de IRC, vulgo reporte de prejuízos, traduzindo-se na possibilidade de os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação poderem ser deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de períodos de tributação posteriores (6), tem associadas naturais dificuldades, derivadas do hiato temporal concedido para a respectiva actuação, ao nível da forma correcta de procedimento, nas situações de litígio, entre o contribuinte e a AT, quanto à aceitação do valor dos prejuízos declarados. Efectivamente, por exemplo, estando pendente impugnação judicial em que se disputa a legalidade de uma correcção de prejuízos declarados para o ano de 2008, pode, sem que este processo esteja findo, a AT corrigir os resultados do ano de 2010, onde o contribuinte deduziu os prejuízos declarados em 2008, na base dos valores que aceitou como dedutíveis, mas, ainda, carentes de apreciação e decisão judicial?
Como se equacionou no Ac. STA de 11.5.2011, rec. 0238/11 (7), na hipótese de, quanto aos dois disputados exercícios, estarem a correr processos impugnatórios judiciais, a solução proposta passa pela suspensão da instância mais recente, por pendência de causa prejudicial, nos termos e para os efeitos do art. 279.º n.º 1 CPC. Não se olvidando que, neste aresto, a discussão, em torno da paragem do devir processual de um dos autos, foi despoletada, pela impugnante, na petição inicial do segundo processo a ser instaurado, ponderados os argumentos expendidos, sobretudo, os que apontam para a detecção de dependência material e quantitativa entre o objecto dos dois processos de impugnação judicial, capaz de, nitidamente, se repetir em outras situações do género, julgamos ser uma via legal, segura e adequada de resolver, promovendo a segurança jurídica, as dificuldades do tipo identificado, tanto mais, que se trata de um mecanismo processual passível de ser activado por mera iniciativa do juiz.
Sem prejuízo desta ser a via de solução mais aconselhável, facilmente se percepciona a incapacidade sentida para lidar com casos em que o desencontro entre contribuinte e AT não corre ao mesmo tempo nos tribunais, bem como, a inviabilidade em ser ordenada a suspensão da instância “se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”, nos termos do art. 279.º n.º 2 CPC (parte final). Por outras palavras, a suspensão da instância não encerra, para nós, uma via de sentido único e obrigatório, devendo antes ser vista como forma de solução a, casuisticamente, equacionar, em paralelo, com outros mecanismos, disponibilizados pela lei, conducentes, de igual modo, a um resultado seguro e justo dos interesses conflituantes.
Posto isto, em função do desenvolvimento, já, registado por este processo e não se dispondo, no momento, de toda a informação relevante para decidir por uma eventual suspensão da presente instância, aliás, hipótese nunca cogitada pelas partes, designadamente, pela impugnante, somos compelidos, ainda que por diversa fundamentação jurídica (8), a sustentar o sentido do judiciado em 1.ª instância. Na verdade, ponderados todos os dados factuais disponíveis, sendo certo que a impugnante não poderá ser prejudicada no caso de procedência das impugnações referentes aos anos de 1994 e 1995, a manutenção, por ora, da correcção produzida, pela AT, nos prejuízos fiscais declarados e pressupostos dedutíveis, pela impugnante, no exercício de 2000, justifica-se e deve persistir por, dum lado, estarem, a priori, salvaguardados os interesses de efectivação da tributação que foi tida por devida, pelos competentes serviços da AT e, do outro, na hipótese de a impugnante ver proceder, em alguma medida, as precedentes impugnações, ser possível reconstituir a legalidade violada e efectivar o seu direito à correcta e devida dedução dos prejuízos fiscais, fixados em definitivo. Isto porque, no caso de procedência total ou parcial de alguma das pendentes impugnações, a AT fica, incontornavelmente, obrigada “à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio”, nos termos e com a amplitude prevista no art. 100.º LGT.
Concluindo, quanto à correcção, pela AT, de montantes de prejuízos fiscais apurados pela impugnante e passíveis de serem deduzidos no lucro tributável do exercício de 2000, são de manter os montantes mencionados no item 7. dos factos provados, sem prejuízo dos ajustamentos que se possam vir a mostrar necessários para reposição da legalidade plena, em caso de eventual ganho na impugnação judicial onde se discutirá a sustentabilidade dos cortes feitos aos montantes dos prejuízos declarados para o ano de 1995 (9).
Resta mencionar que, por em nada este processo dizer respeito ao exercício de 1999, nenhum tipo de debruce, da nossa parte, merecem os aspectos focalizados nas conclusões p) e q).
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se:
- conceder parcial provimento ao presente recurso e revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial, quanto à correcção relativa a provisão, para riscos gerais de crédito, no montante global de € 140.459,60, referente ao limite não utilizado por clientes detentores de cartões de crédito, anulando-se, em conformidade e na medida correspondente, o acto tributário de liquidação impugnado.
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Custas pela recorrente, por efeito do respectivo decaimento, em ambas as instâncias, fixando-se a taxa de justiça total em 5 UC.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 4 de Outubro de 2011
Aníbal Ferraz
Pedro Vergueiro
Pereira Gameiro
(1)Na redacção vigente à data (ano de 2000).
(2) Ver fls. 152 do processo administrativo/PA.
(3) « Linhas de crédito irrevogáveis – Compromisso incondicional de concessão de crédito a um terceiro, mediante ordem deste e até um limite fixado. Engloba, designadamente, os montantes das linhas de crédito abertas a favor dos utilizadores dos cartões de crédito. »
(4) Insusceptíveis de verem ser constituída provisão.
(5) Com o complemento do alegado no art. 125º, tratar-se-á de prejuízos fiscais sofridos nos exercícios de 1994 e 1995.
(6) Cfr., actualmente, art. 52.º n.º 1 CIRC.
(7) Em, www.dgsi.pt.
(8) Que afasta, em primeira linha, a invocação do disposto no art. 70.º n.º 4 CPPT.
(9) Último a poder ser deduzido em 2000.